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Novos instrumentos urbanísticos em São Paulo:

limites e possibilidades

Eduardo Alberto Cusce Nobre


Professor Doutor, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
Departamento de Projeto, Rua do Lago 876, 05508-900, São Paulo, SP, Brasil
Seção Técnica de Programas de Revitalização, Departamento do Patrimônio Histórico,
Secretaria Municipal de Cultura, Prefeitura do Município de São Paulo,
e-mails: eacnobre@usp.br ; eacnobre@prefeitura.sp.gov.br

Resumo:
A partir da década de 1950 a questão urbana no Brasil, e especificamente em São Paulo, passa a ser encarada
como um problema social a ser resolvido no âmbito do Poder Público Municipal, através de políticas de
desenvolvimento urbano, organizadas pelo instrumento do planejamento urbano. Esse sistema só veio a se
institucionalizar a partir da década de 1960, com a criação do SFH – Sistema Financeiro Habitacional. Os
principais instrumentos de política urbana desenvolvidos nessa época foram os PDDIs – Planos Diretores de
Desenvolvimento Integrado e a conseqüente Lei de Uso e Ocupação do Solo, mais conhecida por zoneamento.
Na cidade de São Paulo, a elaboração do PUB – Plano Urbanístico Básico e do PDDI resultou na instituição do
zoneamento em 1972. A partir da década de 1980, esta legislação começa a ser revista em função de suas
limitações, ocasionando o surgimento de novos instrumentos como as Operações Interligadas e a Outorga
Onerosa de Potencial Construtivo. Ainda nessa década surge o conceito de Operação Urbana, que seria
implementada uma década mais tarde. O Estatuto da Cidade de 2001 legitimou muitos desses instrumentos, além
de instituir outros novos. O novo Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo prevê a utilização de
vários desses instrumentos. O principal objetivo desse trabalho é analisar a evolução desses instrumentos
urbanísticos, checando a sua real efetividade, e analisar os limites e possibilidades dos novos instrumentos
propostos no contexto do município paulistano.

Palavras-chave: política urbana, instrumentos urbanísticos, processo de produção da cidade.

1. Introdução
Em 2001 o Brasil aprovou a Lei 10.257, conhecida por Estatuto da Cidade, cuja função principal é regulamentar
os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que dispõe sobre a política urbana. As lutas e disputas em
torno dessa Lei ocasionaram a sua demora, visto que o Projeto de Lei que a estabelecia tramitou por onze anos
no Congresso Nacional, de 1990 a 2001. O principal motivo para isso foi o fato dela regular a função social da
propriedade. Esse Estatuto pautou-se por uma série de novos instrumentos urbanísticos que foram sendo
desenvolvidos ao longo do tempo em várias cidades brasileiras.

No Município de São Paulo, até 1972 haviam poucos instrumentos efetivos de controle da ocupação e uso do
solo urbano. De 1972 até 2004, o uso do solo passou a ser controlado pela Lei de Zoneamento, que estabeleceu
usos e índices de aproveitamento permitidos. Contudo, já a partir da década de 1980, uma série de novos
instrumentos foi sendo desenvolvida paralelamente ao Zoneamento, muitos dos quais adotados nos novos Plano
Diretor Estratégico e Lei de Zoneamento de 2002 e 2004 respectivamente.

O principal objetivo desse trabalho é compreender a evolução desses instrumentos urbanísticos no contexto do
Município de São Paulo. Para isso, esse trabalho analisará o desenvolvimento histórico desses instrumentos,
desde seus primórdios até recentemente, procurando compreender o seus limites e estipular as possibilidades de
uso no futuro próximo.

2. Antecedentes a lei de zoneamento


Até a década de 1930 não existia na cidade de São Paulo um instrumento efetivo e abrangente de controle ao uso
e ocupação do solo (Bolaffi, 1992). As edificações da cidade eram controladas pelo Código de Posturas de 1886,
que definia, entre outras considerações, as alturas dos pavimentos e os tamanhos das aberturas das construções,

1
sem de fato controlar a ocupação, visto que as limitações técnicas não possibilitavam a construção de edifícios
em altura. Por outro lado, o Código estabelecia proibições de instalação de usos ditos “incômodos”, como por
exemplo os matadouros municipais, dentro do limite da área urbana. Contudo, não existia uma preocupação em
se estabelecer regras gerais e extensivas a todo o município.

As inovações tecnológicas do inicio do século, mais especificamente o desenvolvimento do concreto armado e


do elevador, possibilitaram o crescimento em altura das edificações, iniciando o processo de verticalização da
área central da cidade a partir de meados da década de 1910, cujo melhor exemplo é o Edifício Martinelli,
inaugurado em 1929 com os seus vinte e sete pavimentos.

Percebendo os problemas advindos de uma verticalização sem controle, a Prefeitura do Município incorporou o
controle a altura das edificações no primeiro Código de Obras Municipal1, promulgado na lei 3.427 de 1929.
Esse controle se dava a partir da relação da altura do edifício com a largura da rua, que chegava a 2,5 vezes nas
áreas centrais e ia decaindo em direção à periferia, enfatizando o processo de verticalização do Centro, que já
ocorria (Osello, 1986). Preocupado com as questões de ventilação e iluminação dos cômodos internos das
edificações, esse Código de Obras estipulou também as dimensões mínimas paras os fossos de ventilação, visto
que não havia a necessidade de recuos laterais.

A partir da década de 1940 a verticalização assume caráter residencial e passa a ocupar bairros próximos ao
Centro, como Campos Elíseos e Higienópolis, enquanto que no Centro predominava a verticalização comercial.
Segundo Rolnik, Kowarick e Somekh (1991), a média do coeficiente de aproveitamento2 variava entre 8 a 10
vezes a área do terreno, chegando a casos extremos de 22 vezes, como no Edifício Itália com os seus 45
pavimentos.

Na década de 1950, apesar dos esforços dos técnicos da Prefeitura na elaboração de um Plano Diretor, esse
acabou não saindo do papel. Contudo, a Prefeitura institui pela primeira vez o limite ao aproveitamento do lote
na Lei 5.261 de 1957, que instituiu os coeficientes 6 para edifícios comerciais e 4 para edifícios residenciais. Os
promotores imobiliários, que se opuseram num primeiro momento a essa lei, passaram a aprovar imóveis
residenciais como comerciais, utilizando-se então do coeficiente 6 (ibid.)

3. O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado e a Lei de Zoneamento de 1972


Apesar da longa existência de planos setoriais de abrangência municipal, como o Plano de Avenidas de Prestes
Maia, e da intenção de criação do Plano Diretor da cidade desde o período anterior, a normatização do uso e
ocupação do solo só assumiu um caráter institucional a partir da promulgação da Lei 7.805 de 1972, mais
conhecida como Lei de Zoneamento.

As condições que ocasionaram a sua criação estão relacionadas com a institucionalização do planejamento
urbano a nível nacional, durante o Regime Militar 1964-1985 (Bolaffi, op. cit.). A criação do SFH – Sistema
Financeiro Habitacional em 1964 pressupunha a necessidade do planejamento e organização do crescimento das
cidades, visto que o sistema pretendia resolver o problema de habitação no Brasil através do estimulo à
“construção de habitações de interesse social e o financiamento da aquisição da casa própria, especialmente
pelas classes da população de menor renda” (Brasil, 1964, caput da lei).

Seguindo esses propósitos, essa mesma lei também criou o BNH – Banco Nacional de Habitação e o SERFHAU
– Serviço Federal de Habitação e Urbanismo. Enquanto o primeiro seria responsável pelo financiamento da
construção habitacional de baixa renda no país, através da gestão do FGTS3, o segundo seria responsável pela

1
Esse Código de Obras ficou conhecido pelo nome do engenheiro municipal Arthur Sabóia, que o elaborou. O
controle da altura das edificações a partir da largura da rua foi influenciado pelo Zoning Code de Nova Iorque
estabelecido em 1916.
2
Coeficiente de Aproveitamento – CA é o índice obtido pela divisão entre a área construída computável de uma
edificação e a área do terreno onde ele se encontra.
3
O FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço é um fundo público de poupança compulsória, criado em
1966 e formado pela contribuição de 8% sobre a folha salarial das empresas. Sua função é ao mesmo tempo ser
um fundo de indenização para o trabalhador demitido e ser o principal instrumento financeiro da política federal
de desenvolvimento urbano, nas políticas setoriais de saneamento básico e habitação popular. Até 1986, os
recursos do FGTS foram geridos pelo BNH. Com a extinção do banco, passaram a ser administrados pela Caixa
Econômica Federal e Ministério do Planejamento
(http://www.mre.gov.br/cdbrasil/itamaraty/web/port/economia/saneam/planasa/fgts/index.htm).

2
orientação técnica aos municípios para a elaboração de seus planos diretores e políticas habitacionais, sem os
quais esses não estariam qualificados a receber as verbas federais.

Foi justamente nesse âmbito que o município de São Paulo contratou um consórcio multinacional de empresas 4
para desenvolver o PUB – Plano Urbanístico Básico. Após exaustivo diagnóstico socioeconômico, físico-
territorial e administrativo, o plano propôs uma estrutura urbana baseada no modelo norte-americano, com altas
densidades concentradas no Centro, representando 4% da área total do município, e os outros 96% restante da
cidade, distribuídos em bolsões residenciais de baixa e média densidades, servidos por uma um malha viária de
815 km de vias expressas (São Paulo, 1969).

Baseado nas recomendações ufanísticas do PUB e nas recomendações mais realistas do PMDI – Plano
Metropolitano de Desenvolvimento Integrado, desenvolvido na mesma época pelo Governo de Estado, o GEP –
Grupo Executivo de Planejamento5 da Prefeitura elaborou o PDDI – Plano Diretor de Desenvolvimento
Integrado, institucionalizado na Lei 7.688/71. Essa lei institui 8 zonas de uso e previu a redução dos coeficientes
de aproveitamento ao máximo de 4 vezes a área do terreno, restrito apenas às zonas de uso misto centrais. A
definição da compatibilidade dos usos e a adequação da situação proposta com a existente ficaram a cargo da Lei
de Zoneamento.

Além das questões especificas dos novos parcelamentos, a Lei de Zoneamento definiu as zonas de uso,
estabelecendo o coeficiente máximo de 1 para 4% da área da cidade, o coeficiente máximo de 2 para 86% e o
coeficiente máximo de 4 para os 10% restantes (Rolnik, Kowarick e Somekh, 1991). Criou o controle do uso,
estabelecendo as categorias de uso permitidas em cada zona. Controlou a densidade das construções, definindo
os coeficientes de aproveitamento, taxas de ocupação, recuos frontais, laterais e de fundo, tamanhos mínimos de
lote, largura mínima de testadas.

Com relação aos coeficientes de aproveitamento, permitiu o seu aumento em determinadas zonas, conforme a
tabela 1, desde que houvesse redução da ocupação do lote6. Esse mecanismo, que copiava mecanismo
semelhante do zoneamento de Nova Iorque de 1969, incentivava a verticalização, pois previa um aproveitamento
maior, ocupando uma área menor do terreno, que só poderia ocorrer através do crescimento em altura.

Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo

Zonas de uso Característica CA Máximo

Z1 zona de uso estritamente residencial de densidade baixa 1,0


Z2 zona de uso predominantemente residencial de 1,0-2,0
densidade baixa
Z3 zona de uso predominantemente residencial de 2,5-4,0
densidade média
Z4 zona de uso misto de densidade média-alta 3,0-4,0
Z5 zona de uso misto de densidade alta 3,5-4,0
Z6 zona de uso predominantemente industrial 1,5
Z7 zona de uso estritamente industrial 0,8
Z8 zona de uso especial especifico para cada perímetro

Tabela 1: zonas de uso e coeficientes de aproveitamento instituídos pela Lei 7.805/72.

4
Consórcio formado pelas empresas ASPLAN – Assessoria em Planejamento S.A., Leo Daly Company
Planners-Architects-Engineers, Montor Montreal Organização Industrial e Economia S.A. e Wilbur Smith &
Associates.
5
Posteriormente o GEP foi transformado na SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento.
6
Esse aumento era calculado através da fórmula c= T/t.C, onde c era o coeficiente máximo permitido, T a taxa
máxima de ocupação, t a taxa de ocupação adotada e C o coeficiente máximo estipulado. Assim sendo, na Z3,
cujos coeficiente máximo era 2,5 e taxa de ocupação máxima era 50%, poderia se alcançar o coeficiente 4, desde
que a ocupação fosse reduzida a 31% da área do lote (4=0,5/0,31.2,5).

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Contudo, a crise do Petróleo pôs fim ao “Milagre Brasileiro”, fazendo com que a construção das vias expressas
propostas no PDDI nunca saíssem do papel. Dessa forma, o Zoneamento acabou ficando completamente
incoerente, pois foi estabelecido para um modelo urbano que nunca chegou a ser implementado de fato (Rolnik,
Kowarick e Somekh, op. cit.). Da mesma forma, a atuação do BNH acabou não cumprindo com seus objetivos
iniciais, pois os recursos do banco foram utilizados pelas incorporadoras na construção de diversos prédios de
apartamento de classe média, estimulando a verticalização, que se espalhou por todo o Centro Expandido.

No decorrer dos anos o Zoneamento foi sendo modificado e moldado aos interesses do mercado imobiliário.
Várias novas zonas foram sendo criadas para resolver as especificidades que o Zoneamento original não previra.
Após vinte anos de existência, as Z2 – zonas de uso predominantemente residencial de baixa densidade, que
configuravam os bolsões residenciais propostos, já haviam sido reduzidas para 50% da área da cidade (São
Paulo, 1996).

Outro aspecto negativo foi o fato de que definindo coeficientes de aproveitamento variáveis dentro da cidade, o
Zoneamento criou uma valorização artificial de terrenos, estimulando preços maiores nas áreas da cidade com
potencial construtivo maior, aumentando o processo de exclusão sócio-espacial, que se intensifica a partir da
década de 1970 (Rolnik, Kowarick e Somekh, op. cit.).

4. Exceções a Lei de Zoneamento: das Operações Interligadas às Operações Urbanas


Em meados da década de 1980 era patente a necessidade de revisão do plano diretor e do Zoneamento existentes.
Se por um lado o Zoneamento apresentava problemas, por outro a crise econômica em que se encontrava o
Estado Brasileiro dificultava ao Poder Público investir mais pesadamente no processo de urbanização e no caso
de São Paulo isso representava, entre outras coisas, a não execução das vias expressas propostas pelo
PUB/PDDI.

Em função dessa limitação, o Plano Diretor da Gestão Mario Covas (1982-1985), além de rever o modelo urbano
proposto, propõe a Parceria Público-Privada, com intuito de minimizar os gastos públicos (São Paulo, 1985).
Essa parceria se daria através de um novo instrumento urbanístico, denominado de Operação Urbana, que teria
como objetivos viabilizar a produção de habitação popular, infraestrutura, equipamentos coletivos e acelerar
transformações urbanísticas tanto em bairros periféricos e carentes como São Miguel, São Matheus, Vila
Matilde, Vila Maria, Vila Nova Cachoerinha, Paraisópolis e Campo Limpo, assim como em áreas mais centrais,
como Campo de Marte, Centro, Santo Amaro, Pinheiros, Barra Funda (São Paulo, 1985, Maricato & Whitaker,
2002).

Na Gestão seguinte, Jânio Quadros (1985-1989) engavetou o Plano, mas lança mão de um novo instrumento: a
Operação Interligada. Criado pela Lei 10.209/86 e alterado pela Lei 11.773/95, esse instrumento possibilitava
que a iniciativa privada doasse à Prefeitura um certo número de Habitações de Interesse Social em troca de
modificações dos índices urbanísticos e categorias de uso nos terrenos de sua propriedade (São Paulo, 1996).
Posteriormente, Jânio aprova novo Plano Diretor na Lei 10.676 de 1988, estabelecendo diretrizes gerais para a
cidade, prescindindo de um modelo urbano, mas incorporando as Operações Interligadas e as Operações
Urbanas.

Com relação às Operações Interligadas, de 1988 a 1996, houveram 115 propostas, resultando em US$
58.282.450 em contrapartida e área adicional de 466 mil metros quadrados, conforme tabela 2. A maioria das
propostas foram realizadas em Z2, localizadas nas áreas de concentração de maior renda (Wilderode, 1997). Em
1998, esse mecanismo foi suspenso e posteriormente proíbido devido à ação de inconsitucionalidade movida
pelo Ministério Público, por estar em desacordo com a Lei de Zoneamento.

A administração de Luiza Erundina (1989-1993) retomou o conceito de Operação Urbana, aprovando a


Operação Urbana Vale do Anhagabaú na Lei 11.090/91. Esse instrumento abriu a possibilidade de cobrança da
outorga onerosa do direito de construir, tese que vinha sendo defendida desde o início das discussões sobre a
Reforma Urbana na década de 1960 através do instrumento do “solo criado”.

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Operações Interligadas
No. de propostas Valor em US$ Área adicional US$/m2
milhões milhares de m2
Gestão Jânio Quadros 5 5,4 117,5 46
1985 – 1989
Gestão Luiza Erundina 49 26,5 188,9 140
1989 – 1993
Gestão Paulo Maluf 61 26,4 160,2 165
1993 – 1997
Total 115 58,3 466,6 125

Tabela 2: síntese da aplicação das Operações Interligadas. Fonte: Wilderode, 1997

Apesar dessa Lei prever a outorga onerosa de 150 mil metros quadrados de área construída adicional, após 3
anos de vigência da lei resultou em apenas 7 propostas utilizando por volta de 13% do total do estoque, pois a
aplicação do coeficiente além do permitido pela lei não constituiu estimulo suficiente para atrair investidores no
Centro, que desde a década de 1970 vinha direcionando seus investimentos para o setor Sudoeste, área que
historicamente vem concentrando grande parte da população de alta renda da cidade (São Paulo, 1996).

Contudo, essa administração propôs outros novos instrumentos na sua proposta de Plano Diretor. O diagnóstico
do Plano considerou a questão habitacional como o principal problema da cidade (Rolnik, Kowarick e Somekh,
op. cit.), pois segundo este, 67% do total da população paulistana (sete milhões de pessoas) moravam em 1990
em condições sub-normais em favelas (8,7%), cortiços (26,1%), loteamentos clandestinos (20,9%) e em casas
precárias (11,3%).

A proposta do Plano Diretor estabeleceu o coeficiente de aproveitamento 1 para a cidade toda, definindo zonas
adensáveis e não adensáveis. Nas zonas adensáveis, os promotores imobiliários que quisessem construir acima
do coeficiente básico, comprariam potencial construtivo adicional mediante outorga onerosa. O dinheiro obtido
desse recurso comporia o Fundo de Urbanização que seria utilizado na promoção e recuperação da habitação de
interesse social inserida nas ZEIS – Zona Especial de Interesse Social.

Como ocorrera com a proposta do Plano da Gestão Covas, a administração Paulo Maluf (1993-1997) engavetou
o Projeto de Lei que instituía o Plano. Essa administração deu prioridade à instituição da Operação Urbana Faria
Lima, criada pela Lei 11.732/95, em área valorizada da cidade, constituindo-se de um conjunto de obras viárias
de extensão da avenida de mesmo nome, lançando mão da outorga onerosa do direito de construir, mediante
venda de CEPACs – Certificados de Potencial Adicional Construtivo (São Paulo, 1996).

Conforme a tabela 3, pode-se observar que apesar do sucesso de adesão da iniciativa privada, o total do valor das
contrapartidas arrecadadas até 2000, correspondia a 17% do estoque adicional, resultando em R$116 milhões,
muito aquém dos gastos da prefeitura com as obras e desapropriação, aproximadamente US$150 milhões
segundo Maricato e Whitaker (2002).

No caso da Operação Urbana Faria Lima muito se tem criticado o fato da Prefeitura não ter considerado os
impactos sociais desse instrumento, não tendo investido na promoção de habitação de interesse social na área.
Por fim, as operações urbanas tendem a obter maior sucesso na área em que existe maior pressão do mercado
imobiliário. Como exemplo, podemos citar a Operação Urbana Centro, que oferece coeficientes de
aproveitamento que variam de 6 (residência e comércio) a 12 (hotéis), que suscitou pouco interesse nos
promotores imobiliários, enquanto que a Operação Urbana Faria Lima resultou em 102 propostas em cinco anos
de implantação.

5
Operação Urbana Faria Lima

Área Diretamente No. de propostas Área adicional Valor da contrapartida


Beneficiada (s/ 1.250.000 m2)

Deferidas 29 180.841 R$ 63.810.132

Área Indiretamente No. de propostas Área adicional Valor da contrapartida


Beneficiada (s/ 1.000.000 m2)

Deferidas 73 207.796 R$ 52.243.380

Total 102 388.637 R$116.053.512

Tabela 3: síntese da Operação Urbana Faria Lima de 1995 a 2000. Fonte: São Paulo, 2000.

5. O Estatuto da Cidade e o Novo Plano Diretor Estratégico do Município


A aprovação recente do Estatuto da Cidade em 2001 legitimou muitos desses instrumentos urbanísticos, que na
pratica já vinham sendo utilizados em São Paulo e em outros municípios brasileiros. Os recém-aprovados Plano
Diretor Estratégico e Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Município (respectivamente em 2002 e
2004) prevêem a utilização de quase todos.

Além da instituição de várias Operações Urbanas e Zonas Especiais de Interesse Social, o Plano estipula
coeficientes de aproveitamento mínimos, básicos e máximos para as diversas zonas da cidade; defini os
parâmetros de cálculo da outorga onerosa do direito de construir; defini os parâmetros de cumprimento da
função social da propriedade; institui a utilização dos instrumentos de indução ao cumprimento dessa função;
estabelece o direito de preempção do município sobre diversas áreas; institui o consórcio imobiliário e a
concessão urbanística, entre outros.

Esses instrumentos poderão ser utilizados para reverter o atual processo de esvaziamento populacional das áreas
mais centrais e de expulsão de população de mais baixa renda para a periferia da cidade, visto que na década de
90, o Centro Expandido teve crescimento demográfico negativo, com taxas variando entre 0 e -4% ao ano,
enquanto que áreas ambientalmente sensíveis, como a Serra da Cantareira e a Represa do Gaurapiranga, tiveram
crescimento da ordem de 6% (IBGE, 1991; 2000). Paradoxalmente, justamente a parte mais rica da cidade e que
apresenta maior dinâmica imobiliária, apresenta também as taxas negativas de crescimento populacional.

Esses fatores levaram recentemente a Câmara Municipal de São Paulo a promover ampla discussão sobre o
processo de abandono do Centro e a proposição da reconversão do estoque vago em habitação de interesse social
como estratégia para combater o seu processo de declínio urbano (São Paulo, 2001).

A expansão de novas fronteiras imobiliárias tem ocasionado o aumento desse estoque vago, que não cumpre com
a sua função social. A partir da definição do Plano Diretor, cabe à municipalidade a utilização dos instrumentos
de indução à função social da propriedade, tais como o parcelamento, a edificação e a utilização compulsórios, o
taxamento progressivo no tempo, a desapropriação com títulos da divida pública, a fim de buscar a
implementação de Políticas Públicas que busquem a inclusão social e que revertam esse esvaziamento
populacional.

Os proprietários, que não tiverem condição de implementar a função social em suas propriedades poderão propor
o Consórcio Imobiliário, passando a propriedade do seu terreno à Municipalidade, que procurará viabilizar a sua
utilização, retornando o valor da propriedade em unidades comercializáveis ao proprietário. Da mesa forma, a
Concessão Urbanística permitirá ao Município transferir a propriedade de terrenos a investidores que poderão
empreender nesses terrenos, por sua própria conta e risco, retornando também ao Município em unidades
comercializáveis.

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6. Conclusões
O estudo da evolução dos instrumentos urbanísticos na cidade de São Paulo permite concluir que eles se
desenvolveram em três momentos básicos. Anteriormente, esses instrumentos eram bastante genéricos e pouco
detalhados. A partir do momento em que a cidade começa a se desenvolver mais intensamente, com a
diversificação das atividades produtivas e a valorização das áreas centrais, surge a necessidade do controle do
uso e ocupação do solo. Esse ocorre, num primeiro momento, através do controle à verticalização, pelo Código
Arthur Sabóia e da instituição do coeficiente de aproveitamento máximo e, num segundo momento, através da
instituição do Zoneamento, estipulando usos, coeficientes, taxas e recuos.

Contudo, esses instrumentos sempre ficaram restritos às áreas ocupadas pela população de mais alta renda, não
chegando a ser aplicados na parte mais carente da cidade. A partir da década de 1980, no momento em que o
Município se encontra em crise econômica, com pouca capacidade de gerenciar o desenvolvimento da cidade,
passa-se a institucionalizar o controle à ocupação através da venda do potencial construtivo, em instrumentos
como as Operações Interligadas e Operações Urbanas, viabilizando parcialmente o conceito do “solo criado”,
visto que os empreendedores não contribuíam com o processo de urbanização, mas se beneficiavam dele.

A aprovação do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor Estratégico e da nova Lei de Zoneamento da cidade
corrobora a evolução desses instrumentos. A instituição da outorga onerosa do direito de construir tanto nas
Operações Urbanas, como no resto da cidade, a definição das ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social, do
Direito de Preempção, do Consórcio Imobiliário, da Concessão Urbanística abrem possibilidades para a reversão
do atual processo de segregação sócio-espacial e possibilitam uma política urbana progressista e socialmente
mais justa, que depende da vontade política do Poder Público, da articulação dos agentes sociais envolvidos e da
interação entre esses agentes e a própria municipalidade.

7. Referências Bibliográficas
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2, p. 99-111.

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Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de
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7
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