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Análise Funcional: Uma introdução

Cleon S. Barroso

Universidade Federal do Ceará

EMALCA DA AMAZÔNIA 2009


2

Escola de Matemática

da América Latina e do Caribe - 2009

UFAM
Introdução

O que é Análise Funcional? Essa é, sem dúvida, uma boa pergunta e, como tantas outras,
o conjunto das respostas é infinito. Informalmente, podemos dizer que trata-se de um tipo de
análise matemática sobre objetos de dimensão infinita. Mas, o que é um objeto de dimensão
infinita? Também é uma pergunta com possibilidades enumeráveis de respostas. Escolhamos
um foco para fixar as idéias. Em Álgebra Linear, estudamos os espaços vetoriais e, em seguida,
os espaços de dimensão finita. Nesse âmbito, os ”objetos”, vetores, são representáveis por uma
combinação linear finita. Assim, muito do que se faz em matemática (mensurar, comparar,
classificar, caracterizar, provar a existência de algo, etc.) pode ficar mais tratável. Isso é bem
razoável pois lidar com ”coisas”finitas é lidar com o controlável, em princı́pio. Entretanto, ao
considerar, por exemplo, funções como vetores de um espaço vetorial, a idéia de representação
finita perde o sentido. Por exemplo, será que existe um subconjunto finito e linearmente
independente do espaço C[0, 1] das funções contı́nuas no intervalo [0, 1] em que todas as funções
do espaço possam ser representadas por uma combinação linear finita de seus elementos?
Suponha que existisse tal conjunto, digamos B = {f1 , . . . , fn }. Então, C[0, 1] seria um espaço
vetorial de dimensão n, ou seja, dim C[0, 1] = n. Mas, o conjunto U = {1, t, t2 , . . . , tn } é um


conjunto L.I em C[0, 1]. Com efeito, se

λ0 · 1 + λ1 t2 + · · · + λn tn = 0,

então da igualdade de polinômios segue-se que λ0 , . . . , λn = 0. Dessa forma, C[0, 1] conteria


um subespaço de dimenão n + 1, a saber, o espaço gerado por U . Contradição.
Sob essa perspectiva, pode-se dizer que Análise Funcional é uma análise em espaços de
dimensão infinita. De um modo geral, em um modo simples de dizer, trata-se de uma das áreas
mais fascinantes da Matemática. Além de sua própria importância teórica, como sendo uma
generalização natural da Álgebra Linear Clássica, por exemplo, ela destaca-se por desempenhar
um papel crucial nos mais diversos ramos da Matemática como Análise Não-Linear, Teoria do
Controle, Otimização, EDP’s e sobre tudo na moderna Teoria dos Espaços de Banach.

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O objetivo do presente texto, escrito especificamente para a EMALCA da Amazônia 2009


- Escola de Matemática da Americana Latina e do Caribe, é apresentar de forma introdutória
o curso de Análise Funcional como uma análise matemática em espaços de dimensão infinita.
O texto tem como público-alvo estudantes do final da graduação e inı́cio do mestrado. Na
escolha dos temas a serem tratados aqui, esboçamos uma tentativa de econtrar um equilı́brio
entre o vasto espectro de assuntos que merecem ser abordados, os vários pontos de vistas,
clássicos e modernos, e o desafio de cumprir com a missão em um curto espaço de tempo. Para
tanto, optamos por uma abordagem que vai na direção de enfatizar as nuances topológicas que
surgem ao passar do finito para o infinito.
No Capı́tulo 1, dedicamos atenção especial aos conceitos básicos da Álgebra Linear como
espaços vetoriais, subspaços, bases, e dimensão. No Capı́tulo 2, fazemos uma introdução aos
espaços normados com ênfase aos espaços de Banach. O Capı́tulo 3, dedica-se a uma re-
visão dos conceitos básicos de topologia geral focados nos espaços métricos. Os três capı́tulos
subsequentes são os principais capı́tulos do texto. No Capı́tulo 4, estudamos o Teorema de
Hahn-Banach, uma das principais ferramenta da Análise funcional. Estudamos também varias
de suas consequências. No Capı́tulo 5, introduzimos a noção de topologia fraca em espaços
de Banach e fazemos um esboço comparativo entre ela e a topologia da norma (também con-
hecida como topologia forte). O Capı́tulo 6, dedica-se ao estudo de algumas das propriedades
topológicas dos espaços de Banach sob a ótica da topologia fraca.
Gostaria de externar meus sinceros agradecimentos ao Professor Marcelo Viana pelo convite
ao desafio de ministrar esse curso. De um modo geral, agradecer também aos organizadores
do evento, em particular ao Professor Cicero Mota pelo constante apoio e motivação e ao
Professor Leonardo Mora pela exemplar conduta das atividades. Várias pessoas também foram
fundamentais durante a escrita desse trabalho. Entre elas, a nutricionista Adriane Guimarães
Barroso, meus dois amados filhos, Marco Antonio M. Barroso e Abner Montenegro Barroso,
e os Professores Aldemir Oliveira e Flávia Morgana pelo carinho e apreço demonstrados de
forma ı́mpar durante minha estada no Rio de Janeiro, onde parte desse trabalho foi escrita.
Muito obrigado por tudo.
Conteúdo

1 Algebra Linear - Uma abordagem infinito-dimensional 9


1.1 Espaços Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.1.1 Exemplos de Espaços Vetoriais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2 Bases Algébricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.3 Funcionais Lineares - Dual Algébrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.4 Aplicações Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.5 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2 Espaços Normados 23
2.1 Exemplos de Espaços Normados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1.1 Desigualdades Clássicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.2 Convergência em Espaços Normados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.3 Dual de um espaço normado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.4 Aplicações Lineares em Espaços Normados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.4.1 Dual de Espaços de Sequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.5 Espaços de Banach . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.5.1 Exemplos de Espaços de Banach . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.5.2 Espaços com Produto Interno . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
2.6 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

5
6

3 Noções de Topologia Geral 33


3.1 Espaços Topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
3.2 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.3 Construindo Topologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.3.1 Topologia Induzida em Subconjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.3.2 Topologia Induzida por Bases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.3.3 Topologia induzida por uma famı́lia de funções . . . . . . . . . . . . . . 35
3.3.4 Topologia Produto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.4 Espaços Métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.5 Convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.6 Pontos Interiores e Conjuntos Fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.7 Compacidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
3.7.1 Alguns Resultados de Compacidade em Dimensão Infinita . . . . . . . . 41
3.7.2 A Propriedade da Interseção Finita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.8 Comparando Topologias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.9 Topologias Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.10 Metrizabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.10.1 Primeiro Axioma da Enumerabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.11 Separabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.12 Teorema de Baire . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.13 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

4 Teorema de Hahn-Banach 45
4.1 Solução do Problema da Extensão de Funcionais . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.2 Consequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
4.3 Versão Geométrica do Teorema de Hahn-Banach . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.3.1 Hiperplanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.3.2 Funcional de Minkowski . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
7

4.3.3 A Forma Geométrica do THB . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

5 Topologias Fracas 53
5.1 Teorema de Riesz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
5.2 Definição de Topologia Fraca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
5.2.1 Propriedades da Topologia Fraca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
5.3 Definição de Topologia Fraca* . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
5.3.1 Propriedades da Topologia fraca* . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
5.3.2 Teorema de Banach-Alaoglu . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

6 Reflexividade 59
6.1 Injeção Canônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
6.1.1 Teorema de Goldstine . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
6.1.2 Caracterização de Espaços Reflexivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
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Capı́tulo 1

Algebra Linear - Uma abordagem


infinito-dimensional

1.1 Espaços Vetoriais

Um espaço vetorial sobre o corpo dos números reais R é um conjunto não-vazio X, cujos
elementos são chamados de vetores, munido de duas operações chamadas adição e produto por
escalar, respectivamente. A adição, simbolizada por ”+”, associa a cada par (x, y) do conjunto
carteziano X × X um novo elemento em X, indicado por x + y, chamado soma de x com y.
O produto por escalar, simbolizado por ” · ”, associa a cada par (λ, x) do produto carteziano
R × X um novo elemento em X, indicado por λ · x, chamado o produto do escalar λ pelo vetor
x. Além disso, tais operações gozam das seguintes propriedades:

Adição. Para quaisquer x, y ∈ X tem-se:

(a1 ) (Comutatividade): x + y = y + x;

(a2 ) (Associatividade): x + (y + z) = (x + y) + z;

(a3 ) (Elemento Neutro): Existe um elemento x∗ ∈ X tal que x + x∗ = x, ∀x ∈ X;

(a4 ) (Elemento inverso): Para cada x ∈ X, existe x̂ ∈ X tal que x + x̂ = x∗ .

9
10

Produto por Escalar. Para quaisquer x, y ∈ X e λ, µ ∈ R, tem-se:

(p1 ) (Distributividade): λ · (x + y) = λ · x + λ · y e (λ + µ) · x = λ · x + µ · x;

(p2 ) (Associatividade): λ · (µ · x) = (λµ) · x;

(p3 ) (Elemento Neutro): Para cada x ∈ X, tem-se 1 · x = x onde 1 ∈ R;

Doravante, usaremos a expressão ”espaço vetorial”tão somente para designar um espaço


vetorial sobre o corpo dos reais. Também, por simplicidade notacional, usaremos a notação
”λx” em vez de ”λ · x”, sempre que λ ∈ R e x ∈ X.

Proposição 1.1.1 Em um espaço vetorial X valem as seguintes propriedades:

(a) O elemento neutro da adição é único;

(b) O elemento inverso da adição é único.

Prova. (a) Com efeito, se existe um outro elemento em X, digamos N , tal que x + N = x
para todo x ∈ X, então x∗ = x∗ + N = N + x∗ = N . (b) De fato, suponha que para cada
x ∈ X, exista um outro x0 ∈ X tal que x + x0 = x∗ . Então, x̂ = x̂ + x∗ = x̂ + (x + x0 ) =
(x̂ + x) + x0 = (x + x̂) + x0 = x∗ + x0 = x0 + x∗ = x0 .
O leitor poderá encontrar na literatura [3] uma boa referência onde as propriedades acima
e outras mais são demonstradas.

Definição 1.1.2 Um subconjunto não-vazio Y de um espaço vetorial X é dito ser um sub-


espaço de X quando munido com as operações de adição e multiplicação do espaço X ele
próprio constituir um espaço vetorial.

É bem conhecido, para que um subconjunto Y de um espaço vetorial X seja um subespaço


vetorial é necessário, e suficiente, que a seguinte propriedade seja verificada:

x + λy ∈ Y, para todo x, y ∈ Y e λ ∈ R.

Deste modo, as operações de adição de vetores e multiplicação por escalar quando restritas aos
conjuntos Y × Y e R × Y , respectivamente, possuem em comum como contradomı́nio o próprio
conjunto Y . Na circunstância, dizemos que Y é fechado em relação à essas operações.
11

1.1.1 Exemplos de Espaços Vetoriais.

(a) Fixado um natural n ∈ N, defina o espaço euclidiano Rn como o seguinte conjunto


carteziano:
Rn = {x = (x1 , x2 , . . . , xn ) : xi ∈ R }
As operações de adição e produto por escalar são definidas do seguinte modo natural:

x+y : = (x1 + y1 , x2 + y2 , . . . , xn + yn ), e
λ·x : = (λx1 , . . . , λxn ).

(b) O conjunto dos números complexos C é um espaço vetorial com as operações usuais de
adição e multiplicação de números complexos.

(c) Seja X um conjunto não-vazio. O conjunto F(X) de todas a funções reais f : X → R é


um espaço vetorial com as operações usuais de adição e multiplicação de funções.

(d) O conjunto P n [0, 1] de todos as funções polinômiais de grau ≤ n definidas no intervalo


[0, 1]:
p(x) = an xn + an−1 xn−1 + . . . a1 x + a0 ,
munido com as operações usuais entre polinômios é um espaço vetorial.

(e) O conjunto C[0, 1] das funções contı́nuas no intervalo [0, 1].

O exemplo (a) acima ensina-nos uma das várias formas de como proceder na construção
de espaços vetoriais. Com efeito, se X e Y são espaços vetoriais arbitrários, então podemos
introduzir uma estrutura de espaço vetorial no conjunto carteziano X × Y da mesma forma
que foi feito com o espaço Rn . Para tanto, basta definir a adição entre dois vetores (e1 , f1 ) e
(e2 , f2 ) arbitrários de X × Y como sendo o vetor (e1 + e2 , f1 + f2 ). Analogamente, o produto
por escalar é definido por λ · (e, f ) : = (λe, λf ).
12

1.2 Bases Algébricas

Seja X um espaço vetorial.

Definição 1.2.1 Seja {v1 , . . . , vn } uma coleção finita de vetores em X. Uma combinação
linear desses vetores é um vetor da forma
x = α1 v1 + · · · + αn vn ,
com α1 , . . . , αn ∈ R.

Definição 1.2.2 (i) Uma coleção finita de vetores {v1 , . . . , vn } em X é dita ser linearmente
independente quando
λ1 v1 + · · · + λn vn = 0,
implicar que λ1 = λ2 = · · · = λn = 0.

(ii) Um conjunto infinito U contido em X é dito linearmente independente quando nenhum


de seus elementos puder ser escrito como combinação linear de um número finito de
vetores de U.

Assim, para que U seja linearmente independente é necessário e suficiente que a seguinte
condição se verifique: Dada uma quantidade n de vetores distintos x1 , x2 , . . . , xn em U e
escalares λ1 , . . . , λn tais que:
λ1 x1 + λ2 x2 + · · · + λn xn = 0,
então deve ocorrer que λ1 = λ2 = · · · = λn = 0.

Doravante, a notação L.I. indicará a frase ”linearmente independente”.

Definição 1.2.3 Um conjunto não-vazio B ⊂ X é dito ser uma base de Hamel para o espaço
X quando B for um conjunto linearmente independente maximal, ou seja, se u é um vetor em
X tal que B ∪ {u} é um conjunto L.I., então u ∈ B. Em outras palavras, B é uma base de
Hamel quando não for subconjunto próprio de nenhum outro conjunto L.I em X.

Definição 1.2.4 Seja A um subconjunto de um espaço vetorial X. O espaço gerado por A,


denotado por hAi, é o conjunto de todas as combinações lineares de finitos vetores de A, ou
seja,
nX m o

hAi = λj vj m ∈ N, λi ∈ R, vj ∈ A .

j=1
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Daqui em diante, a menos que seja dito em contrário, nos referiremos a uma base de Hamel
simplesmente como base. Ressaltamos que a partir da noção de base é possı́vel determinar
todos os elementos de um espaço vetorial, haja vista que qualquer vetor x em X pode ser
expresso como uma combinação linear de uma quantidade finita de vetores de B. Além do
que, conforme pode ser verificado facilmente tal expressão é única. Neste caso, de acordo com
a Definição 1.2.4, segue-se que B gera o espaço X, ou que X é gerado pela base B.

Portanto, cabe aqui a seguinte indagação:

Problema. Dado um espaço vetorial X qualquer, sempre existe uma base para X?

A resposta a essa questão, conhecida como o problema de existência de bases, é positiva.


A seguir, faremos uma pequena pausa para estudarmos algumas noções básicas que nos con-
duzirão à compreensão de uma ferramenta que será usada de forma decisiva na solução desse
problema.

Relação de Ordem. Uma ordem parcial em um conjunto não-vazio A é uma relação entre
pares de elementos de A , genericamente representada pelo sı́mbolo ≤, que caracteriza-se por
cumprir a três propriedades, a saber:

(i) x ≤ x,

(ii) Se x ≤ y e y ≤ z, então x ≤ z,

(iii) Se x ≤ y e y ≤ x, então x = y,

para quaisquer x, y e z em A .

Indica-se com a notação (A , ≤) um conjunto A munido com uma ordem parcial ≤. Dizemos
neste caso que A é um conjunto parcialmente ordenado. Dizemos ainda que (A , ≤) é um
conjunto totalmente ordenado se dados quaisquer a, b ∈ A pudermos verificar que ou a ≤ b,
ou b ≤ a. Agora, seja M um subconjunto de um conjunto parcialmente ordenado A . Um
elemento a ∈ A é dito ser uma cota superior para M quando x ≤ a para todo x ∈ M. No caso
em que isso se verifica com a ∈ M, dizemos que a é um elemento maximal para M (segundo
a relação ≤).
O próximo resultado é de fundamental importância para o desenvolvimento da teoria.
14

Lema 1.2.5 (Lema de Zorn) Seja (A , ≤) um conjunto parcialmente ordenado. Suponha que
todo subconjunto não-vazio e totalmente ordenado M de A possui uma cota superior em A .
Então A possui um elemento maximal.

O seguinte resultado nos diz que um conjunto L.I. em um espaço vetorial pode ser com-
pletado à uma base para o espaço X.

Teorema 1.2.6 Seja U um conjunto linearmente independente em um espaço vetorial X.


Então, existe uma base B em X tal que U ⊂ B.

Prova. Seja C o conjunto de todas os subconjuntos linearmente independentes C de X tais


que U ⊂ C. Naturalmente C é não-vazio pois U ∈ C . Vamos definir uma ordem parcial em
C : Dados C1 , C2 ∈ C , dizemos que C1 ≤ C2 se tivermos C1 ⊂ C2 . Pelo Lema de Zorn, C
possui um elemento maximal que o indicaremos por B. Portanto, B é um conjunto linearmente
independente maximal, ou seja, uma base para X contendo U.

Como uma simples aplicação deste resultado, obtemos a seguinte caracterização de bases
em termos de geração de espaços vetoriais.

Proposição 1.2.7 Seja U um subconjunto de um espaço vetorial X. Então, U é uma base


para X se, e somente se, U é L.I. e gera o espaço X, ou seja, X = hUi.

Prova. Exercı́cio.

O resultado a seguir resolve de uma vez por todas o problema da existência de bases.

Proposição 1.2.8 Todo espaço vetorial possui um base de Hamel.

Prova. Seja X um espaço vetorial. Se X for gerado por um único vetor não-nulo u ∈ X,
então o conjunto B = {u} é uma base para E. Assim, podemos supor que existem ao menos
dois vetores não-nulos u, v ∈ E que são L.I.. Considere o conjunto U = {u, v}. Pelo Teorema
1.2.6, X possui uma base B que contém U. Isso conclui a prova do resultado.

Definição 1.2.9 Um espaço vetorial X é dito ser finito-dimensional se ele possui uma base
finita. Do contrário, ele é dito ser infinito-dimensional.
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Se X possui uma base finita, digamos com n vetores, então dizemos que a dimensão de
X é n e escrevemos dim(X) = n. Se X é infinito-dimensional, então simbolizamos isso por
dim(X) = ∞. Antes de prosseguirmos, lembremos que dois conjuntos não-vazios são ditos
terem a mesma cardinalidade quando existe uma bijeção entre eles. O próximo resultado,
conhecido como o teorema da dimensão, estabelece uma caracterização importante sobre bases
em termos de cardinalidade.

Teorema 1.2.10 (Teorema da Dimensão) Duas bases em um espaço vetorial possuem a mesma
cardinalidade.

Prova. Sejam B1 e B2 bases de um espaço vetorial E. Vamos mostrar que existe uma função
injetiva ψ : B1 → B2 .

Etapa 1. Considere o conjunto A formado por todas as funções injetivas ϕ cujo domı́nio Dϕ

é um subconjunto de B1 , a imagem Rϕ é um subconjunto de B2 , e que a união Rϕ ∪ B1 \ Dϕ
seja um conjunto L.I.. Consideremos em A a seguinte ordem parcial: ϕ1 ≤ ϕ2 desde que
Dϕ1 ⊂ Dϕ2 e que ϕ2 restrita a Dϕ1 seja idêntica a ϕ1 . Seja M um subconjunto não-vazio e
totalmente ordenado de A . Então, definindo D0 = ∪ϕ∈M Dϕ e ϕ0 : D0 → B2 pondo ϕ0 (x) =
ϕ(x) se x ∈ Dϕ , concluimos a partir da hipótese que M é totalmente ordenado que ϕ0 pertence
a A e, de fato, é uma cota superior para M. Sendo assim, pelo Lema de Zorn o conjunto A
possui um elemento maximal que o representaremos por ψ : Dψ → B2 .

Etapa 2. Afirmamos agora que Dψ = B1 . Suponhamos por contradição que isso não ocorre,
ou seja, que Dψ é um subconjunto próprio de B1 . Então, segue-se daı́ que Rψ também é um

subconjunto próprio de B2 pois do contrário terı́amos que o conjunto Rψ ∪ B1 \ Dψ seria
linearmente independente, o que contrariria a definição de base para B2 .

Seja agora y ∈ B2 \Rψ arbitrário. Então, ou y é linearmente independente de Rψ ∪ B1 \Dψ
ou não. No primeiro caso, escolhemos um vetor arbitrário x ∈ B1 \ Dψ e definimos a estensão
ψ̃ : Dψ ∪ {x} → B2 de ψ pondo ψ̃(x) = y. Isso implica que ψ ≤ ψ̃, o que contradiz a
maximalidade de ψ. No segundo caso, podemos expressar y de modo único como
X X
y= λv v + µu u,
v∈Rψ u6∈Dψ

em que ao menos um µu0 é diferente de zero pois y é um elemento da base B2 . Considere agora
a extensão ψ̃ : Dψ ∪ {u0 } → B2 em que ψ̃(u0 ) = y. Claramente, ψ̃ é injetiva e Dψ ∪ {u0 } ⊂ B1 .

Resta mostrarmos que Rψ̃ ∪ B1 \ Dψ̃ é um conjunto linearmente independente. Isso, de fato,
é uma tarefa simples e a deixaremos como exercı́cio para o leitor.
16

Etapa 3. Portanto, vale a afirmação e ψ é a função injetiva procurada. De modo inteiramente


análogo, mostra-se que existe uma função injetiva Θ : B2 → B1 . Pelo Teorema de Schroeder-
Bernstein, existe uma bijeção entre B1 e B2 e, portanto, possuem a mesma cardinalidade. Isso
completa a prova do teorema. 

O teorema da dimensão surgiu em 1934 num artigo devido a Löwig. A referência precisa é
a seguinte: H. Löwig, ”Über die Dimension linearer Raume,”Studia Math., 5, 18-23 (1934).

1.3 Funcionais Lineares - Dual Algébrico

Um funcional linear em um espaço vetorial X é uma função f : X → R satisfazendo as


seguintes propriedades:

(i) f (x + y) = f (x) + f (y),

(ii) f (λx) = λf (x),

para quaisquer vetores x, y em X e escalar λ em R.

Definição 1.3.1 O dual algébrico de um espaço vetorial X é o conjunto

X ] = f : X → R f é um funcional linear .


Um exercı́cio simples é mostrar que X ] é um espaço vetorial.

Definição 1.3.2 Se f ∈ X ] , então o núcleo do funcional f é o espaço vetorial Ker(f ) definido


por

Ker(f ) = {x ∈ X f (x) = 0}.

Proposição 1.3.3 Uma função f : R → R é linear se, e somente se, f é uma função afim, ou
seja, existe um número real a tal que f (x) = ax, para todo x ∈ R. Em particular,

R] = f : R → R f é afim }.


Uma pergunta natural é a seguinte: O dual algébrico de qualquer espaço vetorial é não-
trivial? A proposição seguinte fornece uma resposta positiva a essa questão.
17

Proposição 1.3.4 Seja X um espaço vetorial não-trivial. Então, existe um funcional não
nulo em X.

Prova. Seja B um base para X. Fixe e ∈ B e defina um funcional f : X → R pondo f (e) = 1,


P
f (u) = 0 para todo u ∈ B \ {e} e se x ∈ X é tal que x = i=1 λi ei com ei ∈ B, defina
]
P
f (x) = i=1 λi f (ei ). Segue-se que f ∈ X e f 6≡ 0. 

Uma outra propriedade interessante é a seguinte.

Proposição 1.3.5 Sejam f, f1 , . . . , fn funcionais lineares em um espaço vetorial X. Então,


f é uma combinação linear de f1 , . . . , fn se, e somente se, ni=1 Ker(fi ) ⊂ Ker(f ).
T

Prova. Podemos supor que f1 , . . . , fn são L.I.. Suponha que f ∈ hf1 , . . . , fn i. Então, existem
escalares α1 , . . . , αn tais que
f = α1 f1 + · · · + αn fn .

Segue-se daı́ que ni=1 Ker(fi ) ⊂ Ker(f ). A recı́proca será demonstrada por indução em n.
T

Consideremos o caso n = 1. Fixe x 6∈ Ker(f1 ), então f1 (x) 6= 0. Então, para todo y ∈ X


tem-se que y − ff11 (x)
(y)
x ∈ Ker(f1 ). Usando a hipótese que Ker(f1 ) ⊂ Ker(f ), segue-se que
f (y) = λf1 (y), com λ = ff1(x)

(x) . Suponha por indução que o resultado vale para n − 1, e
assuma que
n
\
Ker(fi ) ⊂ Ker(f ).
i=1

Se x ∈ Ker(fn ), e suponha que f1 (x) = · · · = fn−1 (x) = 0. Então, x ∈ ni=1 Ker(fi ) e portanto,
T

f (x) = 0. Considerando as restrições f Ker(fn ) , f1 Ker(fn ) , . . . , fn−1 Ker(fn ) , vemos que

n−1
\  
Ker fi Ker(fn ) ⊂ Ker f Ker(fn ) .
i=1

Pela hipótese de indução, existem escalares α1 , . . . , αn−1 tais que

f (y) = α1 f1 (y) + · · · + αn−1 fn−1 (y),


Pn−1
para todo y ∈ Ker(fn ). Por consequência, o núcleo de f − i=1 αi fi contém o núcleo de fn .
Usando novamente a parte já demonstrada para n = 1, segue-se o resultado. 
18

1.4 Aplicações Lineares

A noção de funcionais lineares se estende naturalmente à noção de aplicações lineares.

Definição 1.4.1 Sejam X, Y espaços de Banach. Uma aplicação T : X → Y é dita ser linear
quando T cumpre as seguintes condições:

(i) T (x + y) = T (x) + T (y), e

(ii) T (λx) = λT (x),

para quaisquer x, y ∈ X e λ ∈ R.

Um exemplo básico de aplicações lineares é dado pela aplicação identidade: T : X → X é


tal que T (x) = x para todo x ∈ X. De um modo inteiramente análogo, se definem o núcleo
N (T ) e a imagem Im(T ) de uma aplicação linear T como sendo os conjuntos:
 
N (T ) = x ∈ X T (x) = 0 e Im(T ) = T (x) x ∈ X .

Mostra-se também tais conjuntos são espaços vetoriais.

1.5 Exercı́cios

1. Seja X um espaço vetorial. Mostre que:

(i) Se B = {eα : α} é uma base de Hamel para X e x ∈ X \ B, então existem únicos escalares
hα (x) tais que X
x= hα (x)eα ,
α∈supp(x)

6 0. (Use
onde supp(x) é suporte de x, ou seja, o conjunto do ı́ndices α tais que hα (x) =
o fato que B é maximal, e lembre da definição de base de Hamel que supp(x) é finito.)

(ii) No item (i) acima, mostre que para cada α, a função x 7→ hα (x) define um funcional
linear em X. (Use um argumento de unicidade.)

(iii) Se X possui um conjunto L.I. infinito, então dim(X) = ∞.

(iv) Se U é um conjunto L.I. em X, então U é uma base para o espaço hUi.


19

2. Mostre que os conjuntos abaixo são espaços vetoriais:


 P∞ p

(i) `p = (αn ) : αn ∈ R, e n=1 |αn | < ∞ , se 1 ≤ p < ∞.

(ii) c0 = (αn ) : αn ∈ R, e limn→∞ αn = 0 é um espaço vetorial.

(iii) `∞ = (αn ) Existe uma constante C > 0 tal que |αn | ≤ C, ∀n ∈ N .

(iv) C[0, 1] = u : [0, 1] → R u é uma função contı́nua .
 R1
(v) L1 [0, 1] = [u] u : [0, 1] → R é uma função mensurável à Lebesgue e 0 |u(s)|ds < ∞ .

(Lembrando que [u] representa a classe de equivalência de todas a funções u que são iguais a
menos de um conjunto de medida nula).

3. Mostre que:

(i) Se B = {e1 , e2 , . . . }, onde ei = (0, . . . , 0, 1, 0, . . . ), em que 1 aparece na i-ésima posição,


então B é um conjunto L.I. nos espaços c0 , `1 , `p , `∞ .

(ii) Se B = {1, t, t2 , t3 , . . . }, então B é um conjunto L.I. em C[0, 1].

(iii) Se B = {un : n ∈ N}, onde un (t) = χ[0,1−1/n] (t) com t ∈ [0, 1], então B é um conjunto
L.I. em L1 [0, 1]. Conclua que L1 [0, 1] é um espaço infinito-dimensional.

(Lembrando que se A é um conjunto não-vazio qualquer, então χA é a função caracterı́stica de


A, ou seja, χA (x) = 1 se x ∈ A e χA (x) = 0 se x 6∈ A).
4. Considere o espaço L∞ [0, 1] das classes [u] de funções u : [0, 1] → R tal que existem uma
constante uma constante C > 0 e um conjunto de medida nula N ⊂ [0, 1] tal que

|u(t)| ≤ C, ∀ t ∈ [0, 1] \ N.

Mostre que:

(i) L∞ [0, 1] é um espaço vetorial.

(ii) C[0, 1] é um subespaço de L∞ [0, 1].

(iii) Conclua que L∞ [0, 1] é um espaço infinito-dimensional.


20

5. Mostre que:

(i) `p ⊂ `q se 1 ≤ p ≤ q ≤ ∞.

(ii) `1 ⊂ `p ⊂ c0 ⊂ `∞ , em que 1 < p < ∞.



6. Seja c00 = (αn ) : αn ∈ R, e a menos de um número finito, todos os termos αn = 0 .
Mostre que:

(i) c00 é um espaço vetorial.

(ii) Se B = {ei : i ∈ N} é como no Exercı́cio 2, então B é uma base para o espaço c00 .

7. Sejam X, Y espaços vetoriais. Mostre que:

(i) Se f ∈ X ] , então Ker(f ) é um espaço vetorial.

(ii) O conjunto L(X, Y ) das aplicações lineares de X em Y também é um espaço vetorial.

(iii) Se T ∈ L(X, Y ), então N (T ) e Im(T ) são espaços vetoriais.

8. Sejam X, Y espaços vetoriais não-triviais. Mostre que:

(i) Sempre existe uma aplicação linear T : X → Y não-identicamente nula. Conclua neste
caso que o espaço L(X, Y ) é não-trivial.

(ii) Se X é infinito-dimensional, então L(X, Y ) é infinito-dimensional.

9. Seja X um espaço vetorial. Mostre que:

(a) Todo funcional linear não-nulo em X é sobrejetivo;

(b) Um funcional linear em X é injetivo se, e somente se, dimX = 1.

10. Sejam X um espaço finito-dimensional e B = {v1 , . . . , vn } uma base para X. Mostre que
dados números a1 , . . . , an ∈ R, existe um funcional linear f em X tal que f (vi ) = ai para todo
i = 1, . . . , n.

11. Seja X um espaço vetorial. Então, X é finito-dimensional se, e somente se, X ∗ também é
finito-dimensional. Em particular, dimX = dimX ∗ .
21

12. Sejam X e Y espaços vetoriais e T : X → Y um aplicação linear. Suponha que X é


finito-dimensional. Então Im(T ) é finito-dimensional e vale dimX = dimN (T ) + dimIm(T ).
Prova. Sejam m = dimX e n = dimN (T ). Devemos mostrar então que a imagem Im(T )
tem dimensão finita e que dimIm(T ) = m − n. Para mostrar que Im(T ) é finito-dimensional é
suficiente mostrar que esse espaço admite uma quantidade finita de geradores. Seja {v1 , . . . , vn }
uma base para N (T ). Pelo Teorema 1.2.6, existem vetores u1 , . . . , um−n tais que

B = {v1 , . . . , vn , u1 , . . . , um−n }

é uma base para X. Afimarmos que U = {T (u1 ), . . . , T (um−n )} forma uma base para a imagem
Im(T ). Com efeito, seja y ∈ Im(T ) qualquer. Então, existe x ∈ X tal que T (x) = y. Como B
é uma base para X, podemos encontrar escalares α1 , . . . , αn , αn+1 , . . . , αm−n tais que

x = α1 v1 + · · · + αn vn + αn+1 u1 + · · · + αm−n um−n .

Então, y = T (x) = αn+1 T (u1 ) + · · · + αm−n T (um−n ) donde segue-se que Im(T ) é gerado por
U. Em particular, a imagem de T é um espaço finito-dimensional. Mostremos agora que U é
um conjunto L.I.. Suponhamos que existam escalares λ1 , . . . , λm−n tais que λ1 T (u1 ) + · · · +
λm−n T (um−n ) = 0 , então, por linearidade, segue-se que λ1 u1 + · · · + λm−n um−n pertence ao
núcleo de T . Logo, podemos encontrar escalares β1 , . . . , βn que verificam a igualdade

λ1 u1 + · · · + λm−n um−n = β1 v1 + · · · + βn vn ,

a qual é possı́vel se, e somente se, λ1 = · · · = λm−n = 0. Isso prova a afirmação. Portanto,
dimIm(T ) = m − n. Isso conclui o exercı́cio.

13. Mostre que se X é infinito-dimensional e f1 , . . . , fn são funcionais lineares em X, então


n
\
Ker(fi ) 6= {0}.
i=1

(Considere a aplicação linear T : X → Rn definida por T (x) = (f1 (x), . . . , fn (x)). Em seguida,
use o Teorema do Núcleo e da Imagem (Exercı́cio 12)).
22
Capı́tulo 2

Espaços Normados

Uma norma em um espaço vetorial X é uma função N : X → [0, ∞) tal que as seguintes
propriedades são verificadas:

(i) Desigualdade Triangular: N (x + y) ≤ N (x) + N (y),

(ii) Homegeneidade: N (λx) = |λ|N (x),

(iii) Nulidade: N (x) = 0 implica x = 0,

para quaisquer vetores x, y em X e escalar λ em R.


Visando uma simplicidade notacional, ao invés de N (x) escreveremos kxk. Também,
quando necessário for, faremos uso da notação kxkX para indicar que trata-se da norma do
espaço X.

Definição. Se X é um espaço vetorial e k · k uma norma em X, então ao par (X, k · k) dá-se


o nome de espaço normado.
A seguir conheceremos alguns exemplos de espaços normados.

2.1 Exemplos de Espaços Normados.

(i) (Espaços das seqüência convergentes para zero): Considere a função k · k : c0 → [0, ∞)
definida por
k(αn )kc0 = max |αn |.
n∈N

23
24

Então, (c0 , k · kc0 ) é um espaço normado.

(ii) (O espaço das sequências somáveis): Considere a função k · k`1 : `1 → [0, ∞) dada por:

X
k(αn )k`1 = |αn |.
n=1

Então, (`1 , k · k`1 ) é um espaço normado.

Observe que vale a inclusão `1 ⊂ c0 e que `1 6= c0 , pois ( n1 ) pertence a c0 mas não pertence
a `1 . Menos trivial que os exemplos acimas são o que virão a seguir. Mas, antes, façamos uma
pausa para estabelecermos alguamas desigualdades importantes.

2.1.1 Desigualdades Clássicas

Proposição 2.1.1 Sejam números reais a, b ≥ 0 e p ≥ 1. Então,

(a + b)p ≤ 2p (ap + bp ).

Prova. Basta considerar o caso em que a ≤ b. O outro é análogo. Assim,

(a + b)p ≤ (2b)p = 2p bp ≤ 2p (ap + bp ).

Proposição 2.1.2 (Desigualdade de Young) Sejam números reais a, b ≥ 0 e p, q > 1. Suponha


que p1 + 1q = 1. Então,
ap bq
ab ≤ + .
p q


Prova. Considere as função f (x) = xp−1 com 0 ≤ x ≤ a e g(y) = p−1 y com 0 ≤ y ≤ b.
Observe que há um intervalo I para o qual g é a inversa de f . Suponhamos sem perda de
generalidade que f (a) ≤ b. Considerando o número ab como a área do retângulo de base
a, no eixo das abscissas, e altura b no eixo das ordenadas e, além disso, representando por
Ra Rb
A1 = 0 f (x)dx e por A2 = 0 g(y)dy vê-se facilmente que

ab ≤ A1 + A2 .

Após os devidos cálculos de A1 e A2 chega-se a desigualdade procurada.


25

Proposição 2.1.3 (Desigualdade de Hölder) Dados números reais a1 , . . . , aN , b1 , . . . , bN , e


números p, q > 1 com p1 + 1q = 1, tem-se:
N
X N
X N
1  X 1
p p q q
an bn ≤ |an | |bn | .
n=1 n=1 n=1

Prova. Basta aplicar a desigualdade de Young aos números


ak bk
Ak =  1/p , Bk =  1/q .
PN
|p |q
P
n=1 |an n=1 |bn

Proposição 2.1.4 (Desigualdade de Minkowski) Dados números a1 , . . . , aN , b1 , . . . , bN , e p ≥


1, tem-se
XN N
1/p  X N
1/p  X 1/p
|an + bn |p ≤ |an |p + |bn |p .
n=1 n=1 n=1

Prova.
N
X N
X
p
|an + bn | ≤ |an + bn |p−1 |an + bn |
n=1 n=1
XN N
X
≤ |an + bn |p−1 |an | + |an + bn |p−1 |bn |
n=1 n=1
XN  p−1 XN 1/p N
X N
 p−1  X 1/p
p p p p p
≤ |an + bn | · |an | + |an + bn | · |bn |p
n=1 n=1 n=1 n=1
XN  p−1 N
h X 1/p N
X 1/p i
p
= |an + bn |p · |an |p + |bn |p .
n=1 n=1 n=1


Após a pausa, voltemos para os exemplos de espaços normados.

(iii) (O espaço das seqüências p-somáveis). Para 1 < p < ∞, considere a função k · k`p : `p →
[0, ∞) dada por
nX ∞ o1/p
k(αn )k`p = |αn |p .
n=1
Então, (`p , k · k`p ) é um espaço normado.
26

(iv) (O espaço das seqüências limitadas.) Considere a função k · k`∞ : `∞ → [0, ∞) definida
por
k(αn )k`∞ = sup |αn |.
n∈N
Então, (`∞ , k · k`∞ ) é um espaço normado.

(v) (O espaço das classes de funções p-integráveis). Para 1 ≤ p < ∞, defina


Z 1
|u(t)|p dt < ∞ .

Lp [0, 1] = [u] u : [0, 1] → R é uma função mensurável à Lebesgue e

0

Considere a função k · kLp : Lp [0, 1] → R definida por


nZ 1 o1/p
kukLp = |u(t)|p dt .
0

(vi) (O espaço das classes de funções limitadas) Considere a função k · kL∞ : L∞ [0, 1] → R
definida por

kukL∞ = inf C > 0 Existe N ⊂ [0, 1], |N | = 0, tal que |u(t)| ≤ C, ∀ t ∈ [0, 1] \ N .

Então, (L∞ [0, 1], k · kL∞ ) é um espaço normado.

2.2 Convergência em Espaços Normados

Seja (X, k · k) um espaço normado. Tal como ocorre em Rn , ou mais geralmente nos espaços
métricos, podemos resgatar em X a noção de convergência de sequências.

Definição 2.2.1 Dizemos que uma sequência {xn } em X converge para um vetor x ∈ X se
para todo  > 0 dado, existir um inteiro n ≥ 1 tal que kxn − xk < , para todo ı́ndice n ≥ n .

Usaremos a notação xn → x para indicar a convergência em norma da sequência {xn } para o


vetor x.

2.3 Dual de um espaço normado

Um funcional linear f : X → R em um espaço normado (X, k · k) é dito ser limitado se:


|f (x)|
kf k : = sup < ∞.
x∈BX ,x6=0 kxk
27

O espaço dual de um espaço normado (X, k · k) é o subconjunto X ∗ do espaço X ] definido


por:
X ∗ = f : X → R f é linear e limitada }.


É fácil verificar que X ∗ é um espaço vetorial (Ex.). O resultado a seguir mostra que nem todo
funcioanal linear em um espaço normado é limitado. Portanto, X ∗ é um subespaço próprio de
X ].

Proposição 2.3.1 Seja X um espaço vetorial normado de dimensão infinita. Então, existe
um funcional linear não-limitado em X.

Prova. Seja B = {eα } uma base de Hamel para X, e {en : n ∈ N} uma seqüência de vetores
em B. Sem perda de generalidade, podemos assumir que keα k = 1 para todo α. Defina um
funcional linear f : X → R pondo f (eα ) = 0 se eα 6∈ {en : n ∈ N}, e f (en ) = n para todo n ∈ N.
Considere agora a seqüência {xn } em X definida por xn = n1 en . Então, kxn k = n1 e

|f (xn )|
= n,
kxn k
para todo n ∈ N, o que mostra que kf k = ∞. 
A proposição a seguir fornece uma caracterização importante sobre funcionais lineares
limitados.

Proposição 2.3.2 Um funcional linear em um espaço normado é limitado se, e somente se,
ele é contı́nuo se, e somente se, ele é contı́nuo no vetor nulo.

Prova. Exercı́cio.

Observação 2.3.1 A demonstração da Proposição 2.3.1 mostra ainda que kxn k → 0 mas

f (xn ) = 1, para todo n ∈ N.

Portanto, f é um funcional linear não-contı́nuo.

Proposição 2.3.3 Se f é um funcional linear limitado em um espaço normado X, então

kf k = sup{|f (x)| : x ∈ SX },

em que SX = {x ∈ X : kxk = 1}.


28

Prova. Como SX ⊂ BX , segue-se da definição de supremo que

kf k ≥ sup{|f (x)| : x ∈ SX }.
x
Seja x ∈ BX tal que x 6= 0, então u = ∈ SX e portanto,
kxk
|f (x)|
sup{|f (z)| : z ∈ SX } ≥ |f (u)| = ,
kxk
donde segue-se da definição de supremo que sup{|f (z)| : z ∈ SX } ≥ kf k. Isso conclui a prova.


2.4 Aplicações Lineares em Espaços Normados

Sejam X, Y espaços de normados.

Definição 2.4.1 Uma aplicação linear T : X → Y é dita ser contı́nua ser limitada se existe
uma constante C > 0 tal que
kT xkY ≤ CkxkX ,
para todo x ∈ X.

O conjunto das apicações lineares limitadas de X em Y é denotado por: L (X, Y ). Mostra-


se facilmente que L (X, Y ) é um espaço vetorial. Além disso, é possı́vel mostrar que se T ∈
L (X, Y ), então:
n o
(i) kT k = sup kT xkY
kxkX < ∞.

(ii) A função que associa a cada T ∈ L (X, Y ) o número kT k define uma norma no espaço
L (X, Y ).

É fácil verificar que T ∈ L (X, Y ) se, e somente se, T é contı́nua em relação a topologia
gerada pela norma, ou seja, xn → x em X se, e só se, T (xn ) → T (x) em Y .

2.4.1 Dual de Espaços de Sequências

Uma aplicação linear T : X → Y é dita ser uma isometria se ela satisfaz kT xkY = kxkX , para
qualquer x ∈ X. No caso em que T é uma isometria sobrejetiva, dizemos que X e Y são
isométricos e usamos a notação X ≡ Y para representar tal acontecimento.
29

Teorema 2.4.2 c∗0 é isométrico a `1 .

Prova. Defina uma aplicação T : c∗0 → `1 pondo T (f ) = (f (ei )), onde ei = (δij )∞
j=1 . Clara-
mente, T é linear. Afirmamos que T é limitada (e portanto, contı́nua). Com efeito, se f ∈ c∗0
defina uma sequência {xn } em c0 tal que
n
X
xn = (sign(a1 ), . . . , sign(an ), 0, 0, . . . ) = sign(ai )ei ,
i=1
Pn
onde ai = f (ei ) e sign(λ) = 1 se λ ≥ 0 e zero caso contrário. Note que f (xn ) = i=1 |ai | e que
kxn kc0 = 1 para todo n ∈ N. Portanto,
n
X
|ai | = f (xn ) ≤ kf kc∗0 kxn k = kf k,
i=1

para todo n ∈ N. Isso implica que ∞


P
i=1 |ai | ≤ kf k. Portanto, kT (f )k`1 ≤ kf kc0 . Por outro

lado, dado  > 0 arbitrário, pela Proposição 2.3.3 existe x ∈ c0 com kx kc0 = 1 tal que

kf kc∗0 −  ≤ |f (x )|
Pn
Portanto, escrevendo agora un = i
i=1 x ei , obtemos que

kx − un kc0 = sup |xi | → 0, quando n → ∞,


i≥n+1

donde conclui-se que |f (x ) − f (un )| → 0. Assim

kf kc∗0 −  ≤ |f (x ) − f (un )| + |f (un )|


Xn
≤ |f (x ) − f (un )| + |xi ||ai |
i=1

X
≤ |f (x ) − f (un )| + |ai |
i=1
= |f (x ) − f (un )| + kT (f )k`1 .

Fazendo n → ∞ e depois  → 0, obtemos kf kc∗0 ≤ kT (f )k`1 . Resta mostrarmos que T é


sobrejetiva. Seja x = (αn ) ∈ `1 qualquer. Defina f : c0 → R pondo f (x) = ∞
P
n=1 xn αn . É

fácil verificar que f está bem definida e que f ∈ c0 . Agora, note que f (ei ) = αi . Portanto,
T (f ) = (f (ei )) = (αi ) = x. Isso conclui a prova. 
30

Observação. Por causa do Teorema 2.4.2, costumamos dizer que o dual de c0 é o `1 . Em


geral, se X, Y são espaços normados e X ∗ é isométrico a Y , dizemos que o dual de X é ”igual”a
Y.
Os seguintes resultados são clássicos.

Teorema 2.4.3 Valem as seguintes isometrias:

(i) `∗1 ≡ `∞ ,

1 1
(ii) Se p, q > 1 e + = 1, então `∗p ≡ `q ,
p q

2.5 Espaços de Banach

Um sequência {xn } de vetores em um espaço normado (X, k · k) é dita ser de Cauchy se a


seguinte sentença for verificada:

Para todo  > 0 dado, existe um n ∈ N tal que kxm − xn k < , ∀m, n ≥ n .

Mostra-se facilmente que se {xn } é uma sequência de Cauchy em X, então ela é limitada, ou
seja, existe uma constante C > 0 tal que kxn k ≤ C para todo n ∈ N.

Definição 2.5.1 Um espaço normado (X, k · k) é dito ser um espaço de Banach se quando
toda sequência de Cauchy for convergente.

A Teoria dos Espaços de Banach desempenha um papel fundamental em Análise Funcional.


A seguir veremos alguns exemplos desses espaços.

2.5.1 Exemplos de Espaços de Banach

Proposição 2.5.2 Considere o espaço C[0, 1] das funções contı́nuas no intervalo [0, 1] munido
com a norma
kuk∞ = sup |u(t)|.
t∈[0,1]

Então, (C[0, 1], k · k∞ ) é um espaço de Banach.


31

Prova. Seja (un ) uma sequência de Cauchy em C[0, 1]. Então, para todo t ∈ [0, 1] a sequência
{un (t)} é de Cauchy em R. Seja u(t) = limn→∞ un (t). Afirmamos que u é contı́nua e que
kun − uk∞ → 0 quando n → ∞. Dado , existe n ∈ N tal que |um (t) − un (t)| <  para
todo m, n ≥ n , e para todo t ∈ [0, 1]. Fixe m ≥ n ≥ n e faça n → ∞. Segue-se que
kum (t) − u(t)| ≤  para todo m ≥ n e todo t ∈ [0, 1]. Isso mostra que kum − uk ≤  para
todo m ≥ n . Portanto, um converge para u uniformemente. Então, u ∈ C[0, 1] pois é o limite
uniforme de funções contı́nuas. A prova está completa. 

Proposição 2.5.3 `∞ munido com a norma do supremo é um espaço de Banach.

Prova. Com efeito, considere em `∞ a norma k(αn )k`∞ = supn∈N |αn |. Seja {xn } uma
sequência de Cauchy em `∞ . Então, para cada i ∈ N a sequência {xni : n ∈ N} é de Cauchy em
R. Seja yi = limn→∞ xni . Um método muito similar usado na proposição anterior, mostra que
(y1 , y2 , . . . ) ∈ `∞ e que xn → y em `∞ . 

2.5.2 Espaços com Produto Interno

Seja X um espaço vetorial. Um produto interno em X é uma função (·, ·) em X × X com


valores reais satisfazendo as seguintes propriedades:

(i) Para cada x ∈ X, a função y 7→ (x, y) é linear.

(ii) (x, y) = (y, x), para todo x, y ∈ X.

(iii) (x, y) ≥ 0, para todo x ∈ X.

(iv) (x, x) = 0 se, e somente se, x = 0.

Proposição 2.5.4 Valem as seguinte propriedades:


p p
(a) (Desigualdade de Cauchy-Schwarz) |(x, y)| ≤ (x, x) (x, y)
p
(b) (Norma Induzida) A função kxk = (x, x) define uma norma em X.

Definição 2.5.5 Um espaço de Banach (X, k·k) é dito ser um espaço de Hilbert se k·k provém
de um produto interno.

Example 2.5.1 Exêmplos de Espaços de Hilbert:


32

 P∞ 2

(i) `2 = (αn ) : αn ∈ R, n=1 αn < ∞ .

R1
(ii) L2 [0, 1] = u : [0, 1] → R : 0 u2 (t)dt < ∞ .


2.6 Exercı́cios

1. Mostre que os exemplos listados na Seção 2.1 são de fato espaços normados.

2. Construa um funcional ϕ ∈ C[0, 1]∗ tal que kϕkC[0,1]∗ = 1.

3. Construa uma aplição linear limitada T : `1 → L1 [0, 1]. (Use o Exercı́cio 3, Cap. 1).

4. Seja (X, k · k) um espaço normado. Então, o dual X ∗ é um espaço de Banach.(Pesquise.)

5. Todo subespaço fechado de um espaço de Banach é um espaço de Banach.

6. Para p ∈ [1, ∞), os espaços `p são espaços de Banach.

7. Mostre que a aplicação T : `∗1 → `∞ definida por T (f ) = (f (e1 ), f (e2 ), . . . ) é uma isometria.
Conclua que `∗1 ≡ `∞ .

8. Mostre que se 1 < p, q < ∞ são conjugados (ou seja, 1/p + 1/q = 1), então a aplicação
T : `∗p → `q definida por T (f ) = (f (e1 ), f (e2 ), . . . ) é uma isometria.

9. Demonstre a Proposição 2.5.4.

10. Mostre que todo espaço vetorial admite uma norma. (Use Exercı́cio 1 do Capı́tulo 1.)

11. Seja B uma base de Hamel de um espaço vetorial X. Mostre que existe uma aplição linear
bijetiva entre X ] e RB .
Capı́tulo 3

Noções de Topologia Geral

O objetivo deste capı́tulo é fazer uma ligeira revisão sobre topologia geral. O leitor que
detém os conhecimentos fundamentais do tema poderá passar para o próximo capı́tulo.

3.1 Espaços Topológicos

Definição 3.1.1 Seja X um conjunto não-vazio. Uma topologia em X é uma coleção τ de


subconjuntos de X com as seguintes propriedades:

(i) ∅, X pertencem a τ ,

(ii) A união dos elementos de uma subcoleção de τ pertence a τ ,

(iii) A interseção dos elementos de uma subcoleção finita de τ pertence a τ .

No caso, o par (X, τ ) é chamado um espaço topológico e os elementos de τ são chamados


abertos de X, ou abertos em X. Em resumo, um espaço topológico é um conjunto não-vazio
X com uma coleção τ de subconjuntos de X tal que ∅, X são abertos em X, a união arbitrária
de abertos em X é um aberto de X, e a interseção finita de abertos de X é aberto em X.

Definição 3.1.2 Seja (X, τ ) um espaço topológico.

(i) Se U ⊂ X é um aberto e x ∈ U , então dizemos que U é uma vizinhança de x.

(ii) τ é dita ser de Hausdorff se dados quaisquer x, y em X, com x 6= y, existem vizinhanças


U de x, e V de y, tais que U ∩ V = ∅.

33
34

3.2 Continuidade

Sejam (X, τ ) e (Y, σ) espaços topológicos.

Definição 3.2.1 Uma função f : X → Y é dita ser:

• Contı́nua se f −1 (A) ∈ τ para todo A ∈ σ.

• Um homeomorfismo se f é bijetiva, contı́nua e possui inversão contı́nua.

3.3 Construindo Topologias

A seções seguintes nos rementem ao seguinte questionamento: Como construir uma topolo-
gia em um conjunto não-vazio?

3.3.1 Topologia Induzida em Subconjuntos

Seja S um subconjunto de um espaço topológico (X, τ ). Considere a coleção



τS = {A ∩ S A ∈ τ }.

Não é difı́cil ver que τS define uma topologia em S. Neste caso, dizemos que S herda a topologia
de X, ou que X induz uma topologia natural em S.

3.3.2 Topologia Induzida por Bases

Uma outra forma de induzir uma topologia em um conjunto é descrita a partir da noção de
base para uma topologia.

Definição 3.3.1 Seja X um conjunto não-vazio. Uma base para uma topologia em X é uma
coleção B de subconjuntos de X com as seguintes propriedades:

(i) Para todo elemento x ∈ X, existe A ∈ B tal que x ∈ A,

(ii) Se para cada dois elementos A1 , A2 ∈ B, x ∈ A1 ∩ A2 6= ∅, então existe um terceiro


A3 ∈ B tal que x ∈ A3 ⊂ A1 ∩ A2 .
35

Proposição 3.3.2 Seja X um conjunto não-vazio. Se B é uma base para uma topologia em
X, então B induz um topologia em X.

Prova. De fato, considere o seguinte conjunto:

τ (B) = U ⊂ X Para cada x ∈ U, existe A ∈ B tal que x ∈ A ⊂ U }.




Afirmamos que τ (B) define uma topologia em X. Claramente, ∅ ∈ τ (B). Pelo item (i) da
Definição 3.3.1, segue-se também que X ∈ τ (B). Vamos mostrar agora que τ (B) é fechada
S
para uniões arbitrárias. Seja {Uα } uma famı́lia de elementos de τ (B). Ponha U = α Uα .
Seja x ∈ U qualquer. Então, x ∈ Uα0 , para algum α0 . Por definição, existe A ∈ B tal que
x ∈ A ⊂ Uα0 . Portanto, [
x ∈ A ⊂ U α0 ⊂ Uα = U.
α
Analogamente, usando (ii) da Definição 3.3.1, mostra-se por indução que τ (B) é fechado para
interseções finitas. (Confira também [4]) 

3.3.3 Topologia induzida por uma famı́lia de funções

Considere a seguinte situação. Seja X um conjunto não-vazio, (Y, τ ) um espaço topológico



e F = {ϕα : X → Y α ∈ Λ} uma famı́lia de funções de X em Y .

Problema. Construir uma topologia em X tal que todas as funções de F sejam contı́nuas.
O resultado a seguir fornece uma solução afirmativa para esse problema.

Proposição 3.3.3 Considere a seguinte famı́lia de subconjuntos de X:


n \ o
ϕ−1

B= α (A) Λ ⊂ Λ é finito , Γ é uma famı́lia finita de abertos em Y .
α∈Λ∗ ,A∈Γ

Então, B é base de uma topologia σ(X, F) em X na qual todas as funções de F são contı́nuas.
Além disso, se T é uma topologia em X com a mesma propriedade, então σ(X, F) ⊂ T

Prova. De fato, seja x ∈ X qualquer. Então, como para qualquer α ∈ Λ tem-se X = ϕ−1 α (Y )
e Y é aberto, segue-se que x ∈ ϕ−1 (Y ) ⊂ X, provando o item (i) da Definição 3.3.1. Sejam
T α
U = α∈Λ1 ,A∈Γ1 ϕ−1 α∈Λ1 ,A∈Γ2 ϕα (A) elementos arbitrários de B, e x ∈ U ∩V . Seja
−1
T
α (A), V =
W = α∈Λ∗ ,A∈Γ ϕ−1 α (A), onde Λ = Λ1 ∪ Λ2 e Γ = Γ1 ∪ Γ2 . Então, W ∈ B e x ∈ W ⊂ U ∩ V .

T

Isso conclui a prova. 


36

Observação. A topologia σ(X, F) é chamada a topologia em X induzida por F.


Uma propriedade interessante da topologia definida acima é a seguinte:

Proposição 3.3.4 Sejam X, Y and F = {ϕα : X → Y } como acima. Considere em X a


topologia σ(X, F) induzida pela famı́lia F, e seja Z um espaço topológico qualquer. Então, uma
aplicação Φ : Z → X é contı́nua se, e somente se, ϕα ◦ Φ : Z → Y é contı́nua, para todo α.

Prova. Exercı́cio.

3.3.4 Topologia Produto



Consideremos a seguinte situação: Sejam {Aα α ∈ J} uma famı́lia de conjuntos indexadas
por um conjunto J. O produto cartesiano generalizado dos A0α s é definido por
Y n [ o
Aα = x : J → Aα xα : = x(α) ∈ Aα .
α∈J α∈J

Ou seja, um elemento de α∈J Aα é uma função do conjunto J na união de todos os A0α s com
Q

a propriedade que cada imagem xα pertence ao respectivo Aα . Por simplicidade, usaremos


Q
a notação Aα para representar o produto cartesiano definido acima. Também, usaremos a
Q
notação (xα )α para representar um elemento qualquer de Aα .

Q
Problema. Construir uma topologia em Aα sabendo que cada Aα é um espaço topológico.

Solução. Optaremos como solução, a construção de um topologia chamada topologia pro-


Q
duto. Considere a famı́lia F das funções πβ : Aα → Aβ definidas por πβ ((xα )α ) = xβ . Tais
funções são as chamadas aplicações de projeção associadas ao ı́ndice β. Então, a topologia
Y 
σ Aα , F
Q
definida na Proposição 3.3.3 é por definição a topologia produto em Aα . Isso resolve o
problema. 

Q 
Observação. Vale a pena ressaltar que a topologia produto σ Aα , F definida acima é
tal que as projeções πβ são contı́nuas.
37

3.4 Espaços Métricos

Exemplos de espaços topológicos incluem os espaços métricos (X, d). Neste caso, uma
topologia τ é gerada por todas as bolas abertas de X. Vejamos isso a seguir.

Definição 3.4.1 Um espaço métrico é uma par (X, d), onde X é um conjunto não-vazio e
d : X × X → [0, ∞) é uma função tal que:

(i) d(x, y) = 0 se x = y.

(ii) d(x, y) = d(y, x), para todo x, y ∈ X.

(iii) d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z), para quaisquer x, y, z ∈ X.

Sejam (X, d) um espaço métrico, p ∈ X e r > 0. A bola aberta de centro p e raio r é o


conjunto:
Br (p) = {x ∈ X : d(x, p) < r}.

A bola fechada, (resp., a esfera) de centro p e raio r, é o conjunto Br [p] = {x ∈ X : d(x, p) ≤ r},
(resp., Sr [p] = {x ∈ X, d(x, p) = r}).

Proposição 3.4.2 Seja (X, d) um espaço métrico. Então, a coleção:

B = Br (p) r > 0, p ∈ X ⊂ A ,


define uma base para uma topologia em X.

Prova. Elementar. 

Exemplos particulares de espaços métricos, (e portanto, espaços topológicos), são os espaços


euclidianos Rn , e mais geralmente, todos os espaços vetoriais normados (X, k · k).

Proposição 3.4.3 Todo espaço normado é um espaço métrico.

Prova. Ora, se (X, k · k) é um espaço normado, então a função d : X × X → [0, ∞) definida por
d(x, y) = kx − yk define uma métrica em X. Em particular, a norma k · k induz uma topologia
em X, a saber, a topologia métrica gerada por d. 
38

3.5 Convergência

Os conceitos clássicos de convergência de sequências são naturalmente reproduzidos no


ambiente de um espaço topológico.

Definição 3.5.1 Sejam (X, τ ) um espaço topológico. Dizemos que uma sequência {xn } uma
sequência em X converge para um ponto x ∈ X se para qualquer vizinhança U de x, for possı́vel
determinar nU ∈ N tal que xn ∈ U , para todo n ≥ nU .

Contudo, os conceitos envolvendo as noções de limitação e de Cauchy são melhores repro-


duzidas em espaços métricos.

Definição 3.5.2 Seja (M, d) um espaço métrico.

(i) Um subconjunto K de M é dito ser limitado quando existe uma constante c > 0 tal que
d(x, y) ≤ c, para quaisquer x, y ∈ M .

(ii) Uma sequência {xn } converge para x ∈ M se, e só se, para todo  > 0 existe um n ∈ N
tal que d(xn , x) < , para todo n ≥ n .

(iii) M é dito ser completo se toda sequência de Cauchy é convergente em M .

É fácil checar que toda sequência convergente de M é limitada.

3.6 Pontos Interiores e Conjuntos Fechados

Seja (X, τ ) um espaço topológico.

Definição 3.6.1 Seja A um subconjunto de X.

• Um ponto p ∈ A é dito pertence ao interior de A se existe um aberto U ∈ τ tal que


p ∈ U ⊂ A.

• O conjunto dos pontos interiores de A é representado por Int(A).

• O fecho do conjunto A de X é o conjunto A tal que x ∈ A se, e somente se, para qualquer
vizinhança U de x em X, dada arbitrariamente, tem-se U ∩ A 6= ∅.
39

Um subconjunto F de X é dito ser fechado se ele coincide com seu fecho. Mostra-se que
um conjunto F ⊂ X é fechado se, e somente se, o complementar X \ F for um conjunto aberto
em X.

Definição 3.6.2 (Densidade) Um subconjunto A de X é dito ser denso em X quando o seu


fecho for igual a X, ou seja, quando ocorrer A = X.

O seguinte resultado é bem conhecido e caracteriza conjuntos fechados.

Teorema 3.6.3 As seguintes propriedades se verificam:

• ∅ e X são fechados.

• Interseções arbitrárias de conjuntos fechados são fechados.

• Uniões finitas de conjuntos fechados são fechados.

3.7 Compacidade

Seja (X, τ ) um espaço topológico e K um subconjunto de X. Uma cobertura aberta de K


é uma coleção U de abertos de X tal que K está contido na união dos elementos de U, ou seja,
[
K⊂ A.
A∈U

Uma subcoleção U de U é chamado uma subcobertura de K se ela mesma ainda for uma
cobertura aberta de K. Neste caso, dizemos também que U admite uma subcobertura.

Definição 3.7.1 Um subconjunto K de um espaço topológico (X, τ ) é dito ser compacto


quando toda cobertura aberta de K admite uma subcobertura finita. Dizemos também que
K é relativamente compacto se o seu fecho K for compacto.

O resultado a seguir é bem conhecido.


40

Teorema 3.7.2 (Bolzano-Weiestrass) Seja K ⊂ Rn . São equivalentes:

(i) K é limitado e fechado.

(ii) K é compacto.

(iii) Toda sequência em K possui subsequência convergente em K.

Em particular, é verdadeira a frase:

”Toda sequência limitada em Rn possui subsequência convergente”.

Entretanto, essa afirmação não é verdadeira em geral para espaços de dimensão infinita.

Example 3.7.1 Seja X = `2 munido com sua norma usual k · k`2 . Considere a sequência (xn )
em `2 definida por:
xn = (0, . . . , 0, 1, 0, . . . ),
em que o número 1 aparece na n-ésima entrada. É fácil ver que (xn ) é limitada em `2 , porém

não converge já que kxm − xn k`2 = 2 para quaisquer m, n ∈ N e m 6= n.

Isso sugere o conceito de compacidade sequencial.

Definição 3.7.3 Seja (X, τ ) um espaço topológico.

(i) Um subconjunto K de X é dito ser sequencialmente compacto se toda sequência em K


possui subsequência convergente em K.

(ii) Uma sequência {xn } em X é dita ser pré-compacta se ela possui uma subsequência con-
vergente.

Em geral, vale o seguinte resultado para um espaço métrico.

Teorema 3.7.4 Um espaço métrico (X, d) é compacto se, e somente se, X é sequencialmente
compacto.

O seguinte resultado é devido a Tychonoff.

Teorema 3.7.5 O produto cartesiano generalizado de espaço topológicos compactos é compato.


41

3.7.1 Alguns Resultados de Compacidade em Dimensão Infinita

Vimos a pouco que, em geral, não se pode afirmar que uma sequência limitada num espaço
normado de dimensão infinita é pré-compacta. No entanto, existem determinados espaços em
que sob certas condições uma tal frase é verdadeira. O objetivo desta subseção é relembrar
alguns desses resultados. Comecemos pelo, tal vez, o mais conhecido de todos.

Teorema 3.7.6 (Arzela-Ascoli) Seja K um subconjunto limitado de C[0, 1]. Suponha que K
é equicontı́nuo. Então, K é relativamente compacto.

O resultado acima diz quando um conjunto limitado e fechado em C[0, 1] é compacto.


Existe ainda um outro famoso resultado de compacidade em dimensão infinita. Mas, trata-se
de compacidade nos espaços Lp [0, 1], veja [2].

3.7.2 A Propriedade da Interseção Finita

Estreitamente relacionado à compacidade é a propriedade da interseção finita. Vejamos.


Sejam (X, τ ) um espaço topológico e U uma famı́lia de subconjuntos fechados de X.

Definição 3.7.7 Dizemos que U possui a propriedade da interseção finita se a interseção de


qualquer subcoleção finita F1 , . . . , Fn de elementos de U é não-vazia.

O seguinte resultado caracteriza espaços topológicos compactos em termos da propriedade


da interseção finita.

Teorema 3.7.8 Seja (X, τ ) um espaço topológico. Então, X é compacto se, se somente se,
toda coleção U de subconjuntos fechados de X possui a propriedade da interseção finita.

3.8 Comparando Topologias

Suponha que τ e σ sejam duas topologias em um conjunto não-vazio X.

Definição 3.8.1 Se σ ⊃ τ , então dizemos que σ é mais fina que τ .

Importância. Quanto menos abertos, melhores são as chances de se obter compacidade.


42

Definição 3.8.2 τ e σ são ditas equivalentes se a aplicação identidade I : (X, τ ) → (X, σ)


definida por I(x) = x for um homeomorfismo.

3.9 Topologias Vetoriais

Seja X um espaço vetorial. Uma topologia τ em X é dita ser vetorial se as operações usuais
de adição de vetores e multiplicação por escalar são funções contı́nuas. O seguinte resultado
fornece uma importante caracterização de topologias vetoriais em espaços finito-dimensionais.

Teorema 3.9.1 Seja X um espaço vetorial finito-dimensional. Então, duas topologias Haus-
dorff vetoriais são equivalentes.

3.10 Metrizabilidade

Em vária situações práticas, compacidade sequencial é mais preferı́vel a que compacidade.


Por outro lado, em espaços métricos as duas noções coincidem. Portanto, é razoável questionar
o quão parecida é uma dada topologia com uma topologia métrica. Um espaço topológico (X, τ )
é dito ser metrizável quando existe uma métrica d em X cuja topologia induzida τd coincide
com a topologia original τ .
Em consequência, vale o seguinte resultado.

Teorema 3.10.1 Seja (X, τ ) um espaço topológico metrizável. Então, X é compacto se, e
somente se, X é sequencialmente compacto.

3.10.1 Primeiro Axioma da Enumerabilidade

No contexto da metrazibilidade a seguinte noção também é importante.

Definição 3.10.2 Seja (X, τ ) um espaço topológico. Dizemos que:

(i) Um ponto x ∈ X possui uma base enumerável de vizinhanças se existe uma coleção
enumerável {Un } de vizinhanças de x tal que qualquer vizinhança U de x contém algum
dos Un0 s.

(ii) τ satisfaz o primeiro axioma da enumerabilidade se cada ponto de X possui uma base
enumerável de vizinhanças.
43

3.11 Separabilidade

Um espaço topológico (X, τ ) é dito ser separável quando existe uma sequência {xn } em X
que é densa em X, ou seja, {xn } = X.

3.12 Teorema de Baire



Teorema 3.12.1 Seja (M, d) um espaço métrico completo. Suponha que {Fn n ∈ N} é um
famı́lia enumerável de subconjuntos fechados de M tais que Int(Fn ) = ∅. Então,

[ 
Int Fn = ∅.
n=1

A seguinte versão do Teorema de Baire é mais usada.

Corolário 3.12.2 Seja M um espaço métrico completo tal que M = ∞


S
n=1 Fn , onde cada Fn
é um subconjunto fechado de M . Então, existe algum n0 tal que Int(Fn0 ) = ∅.

No contexto acima, o seguinte resultado é importante.

Proposição 3.12.3 Sejam X um espaço normado infinito-dimensional e F um subespaço de


dimensão finita. Então, Int(F ) = ∅.

Prova. Suponha o contrário que Int(F ) 6= ∅. Então, F contém um bola do espaço X, digamos
B. Mas, em B podemos escolher uma quantidade infinita de vetores L.I. Contradição, pois F
é finito-dimensional. 

3.13 Exercı́cios

1. (Pesquise). Mostre que:

(i) Se p ∈ [1, ∞), então `p é separável.

(ii) O espaço c0 é separável.

(iii) O espaço `∞ não é separável.


44

2. (Pesquise). Mostre que:

(i) C[0, 1] é separável.

(ii) Se p ∈ [1, ∞), então Lp [0, 1] é separável.

(iii) L∞ [0, 1] não é separável.

3. Mostre que todo espaço métrico satisfaz o primeiro axioma da enumerabilidade.

4. Mostre que todo espaço de Banach não pode conter uma base de Hamel enumerável.
Capı́tulo 4

Teorema de Hahn-Banach

A existência de funcionais lineares em espaços vetoriais decorre da existência de bases


algébricas. Além disso, se (X, k·kX ) é um espaço normado o dual topológico X ∗ é um subespaço
próprio do dual algébrico X ] . Para o desenvolvimento da teoria dos espaços de Banach, é
fundamental sabermos o quão substancial é o dual X ∗ . Até aqui, não sabemos sequer se X ∗
é não-trivial. Trata-se de um problema não-simples, a priori. Por sua vez, esse problema
está estreitamente relacionado ao problema da extensão de funcionais lineares. Com efeito,
seja e ∈ X um vetor não-nulo num espaço normado X e M o espaço gerado por e. Então,
M = {te : t ∈ R} e g : M → R dado por g(te) = t define um funcional linear em M . Como X
é um espaço normado e M é finito-dimensional, não é difı́cil mostrar que g ∈ M ∗ . Portanto,
cabe a pergunta: Existe um funcional linear f ∈ X ∗ tal que f |M ≡ g? Naturalmente, uma
condição necessária é que g(x) ≤ ρ(x) ∀x ∈ M , em que ρ(x) = |f (x)| se x ∈ M . De um modo
geral, podemos questionar o seguinte:

Problema 4.1 (Extensão de funcionais) Sejam X um espaço vetorial real, M um sube-


spaço de X e g : M → R um funcional linear. Existe um funcional linear f : X → R tal que

f M ≡ g?

O problema sobre a extensão de funcionais data de 1912 e deve-se a Eduard Helly. Entre os
anos de 1927 e 1929, Hahn e Banach, usaram as técnicas de Helly, outrora utilizadas somente
em espaços de seqüências, e passaram a lidar com o problema da extensão de funcionais em
toda sua generalidade em espaços normados abstratos.
Na seção seguinte iremos, passo a passo, promover a solução do problema sobre a extensão
de funcionais lineares.

45
46

4.1 Solução do Problema da Extensão de Funcionais

Comecemos com a seguinte definição.

Definição 4.1.1 Seja X um espaço vetorial real. Uma seminorma em X é uma função
ρ : X → [0, ∞) com as seguintes propriedades:

(i) ρ(x + y) ≤ ρ(x) + ρ(y), para todo x, y ∈ X.

(ii) ρ(λx) = |λ|ρ(x), para todo x ∈ X e λ ∈ R.

Vamos ao Teorema principal deste capı́tulo.

Teorema 4.1.2 (Hahn-Banach) Seja M um subspaço de um espaço vetorial X, e g : M →


R um funcional linear em M . Suponha que exista uma seminorma em X, ρ : X → [0, ∞) tal
que: g(x) ≤ ρ(x), para todo x ∈ M . Então, existe um funcional linear f : X → R tal que

f M ≡ g e f (x) ≤ ρ(x) para todo x ∈ X.

Prova. Mais uma vez faremos uso do Lema de Zorn. Considere o seguinte conjunto:

F = {(F, h) F é um subepaço de X, M ⊂ F, h ∈ F ] , h M ≡ g, e h(x) ≤ ρ(x), ∀x ∈ F }.


Por definição, (M, g) ∈ F . Considere em F a seguinte relação de ordem: (F1 , h1 )  (F2 , h2 )



se, e somente se, F1 ⊂ F2 e h2 F1 ≡ h1 . Deixamos para o leitor a constatação de ”  ” define
uma ordem parcial em F . Seja M = {(Fα , hα ) : α ∈ Λ} um subconjunto totalmente ordenado
de F , e mostremos que M possui uma cota superior em F . Defina F = α∈Λ Fα e h : F → R
S

por h(x) = hα (x) se x ∈ Fα . Como M é totalmente ordenado e cada Fα contém M , segue-se


facilmente que (F, h) ∈ F . Além disso, (Fα , hα )  (F, h) para todo α ∈ Λ. Portanto, (F, h)
é uma cota superior para M em F . Pelo Lema de Zorn, o conjunto F possui um elemento
maximal que o denotaremos por (F, h). Agora, vamos à segunda parte da demonstração.
Afirmação. F = X. Suponhamos o contrário que exista x0 ∈ X tal que x0 6∈ F. Considere
o espaço gerado por x0 , M = {tx0 : t ∈ R}. Defina F̃ : = F ⊕ M , e h̃ : F̃ → R pondo
h̃(z + tx0 ) = h(z) + tβ, onde β é um número real (a ser escolhido). Note que (F, h)  (F̃, h̃). A
idéia, portanto, é chegarmos a uma contradição em relação a maximalidade do par (F, h). Para
tanto, basta mostrarmos que o novo par (F̃, h̃) é um elemento de F . Para isso, só resta mostrar
que h̃(x) ≤ ρ(x) para todo x ∈ F̃. Seja x = z + tx0 com t > 0. Então, h̃(z + tx0 ) ≤ ρ(z + tx0 )
se, e só se,

h(z) + tβ ≤ ρ(z + tx0 ),


47

se, e só se, (dividindo ambos os lados da desigualdade por t > 0)

β ≤ ρ(y + x0 ) − h(y),

para todo y ∈ X. Por outro lado, se x = z + tx0 com t < 0, então h̃(z + tx0 ) ≤ ρ(z + tx0 ) se,
e só se,
h(z) + tβ ≤ ρ(z + tx0 ),
se, e só se, (dividindo ambos os lados da desigualdade por −t > 0)
−z −z
h( ) − β ≤ ρ( − x0 ),
t t
se, e só se,
h(x) − ρ(x − x0 ) ≤ β,
para todo x ∈ X. Assim, devemos ter

sup h(x) − ρ(x − x0 )} ≤ β ≤ inf {ρ(y + x0 ) − h(y)}. (4.1)
x∈X y∈X

Vejamos se isso de fato ocorre. Sabemos que h(x + y) ≤ ρ(x + y), para quaisquer x, y ∈ X.
Daı́, segue-se que

h(x) + h(y) = h(x + y) ≤ ρ(x + y) ≤ ρ(x − x0 ) + ρ(y + x0 ),

donde vem que


h(x) − ρ(x − x0 ) ≤ ρ(y + x0 ) − h(y),
para quaisquer x, y ∈ X. Desta feita, basta finalmente escolher
h  i
β ∈ sup h(x) − ρ(x − x0 )}, inf {ρ(y + x0 ) − h(y)} .
x∈X y∈X

Isso demonstra a desigualdade (4.1) e prova o Teorema de Hahn-Banach. 


48

4.2 Consequências

Proposição 4.2.1 Seja X um espaço normado e x0 um vetor não-nulo em X. Então, existe


um funcional linear h ∈ X ∗ tal que h(x0 ) = kx0 k e khk = kx0 k.

Prova. Seja M = span(x0 ) e defina g : M → R pondo g(tx0 = tkx0 k. Considere a seminorma


p : X → [0, ∞) definida por p(x) = kxk. Então, g(tx0 ) ≤ |t|kx0 k = ktx0 k = p(tx0 ). Pelo
Teorema de Hahn-Banach, existe um funcional linear f : X → R que é uma extensão de g e
satisfaz f (x) ≤ p(x) para todo x ∈ X. Note também que −f (x) = f (−x) ≤ p(−x) = p(x),
para todo x ∈ X. Isso mostra que |f (x)| ≤ p(x), ∀x ∈ X. Em particular, f é cont´ i nua no
zero e, portanto, f ∈ X ∗ .

Proposição 4.2.2 Seja Y um subespaço de um espaço normado (X, k · k). Suponha que g ∈
Y ∗ . Então, existe um funcional f ∈ X ∗ tal que f Y ≡ g e kf kX ∗ = kgkY ∗ .

Prova. Defina p : X → [0, ∞) pondo p(x) = kgkY ∗ kxk. Então, g(y) ≤ kgkY ∗ kyk = p(y) para
todo y ∈ Y . Pelo Teorema de Hahn-Banach, existe um functional linear f : X → R tal que

f Y ≡ g e f (x) ≤ p(x), par qualquer x ∈ X. Já sabemos que |f (x)| ≤ p(x), para todo x ∈ X.
Portanto, |f (x)| ≤ kgkY ∗ kxk, ∀x ∈ X, o que implica que kf kX ∗ ≤ kgkY ∗ . Por outro lado, se
x ∈ Y então
|f (x)| |g(x)|
kf kX ∗ ≥ = ,
kxk kxk
o que implica que kf kX ∗ ≥ kgkY ∗ . Como desejado. 

Proposição 4.2.3 Sejam (X, k · k) um espaço normado e x ∈ X \ {0}. Então, existe f ∈ X ∗


tal que kf k = 1 e f (x) = kxk.

Prova. Seja Y = span(x) e defina g : M → R pondo g(tx) = tkxk. Note que

|g(tx)|
kgkY ∗ = sup = 1,
ktxk=1 ktxk

donde segue-se que g ∈ Y ∗ . Pela Proposição 4.2.2, existe f ∈ X ∗ tal que f Y ≡ g e kf kX ∗ =


kgkY ∗ . Mas, isso signifca que f (x) = kxk e kf kX ∗ = 1. 


A Proposição 4.2.3 permite mostrar a seguinte caracterização da norma de uma espaço
normado.
49

Corolário 4.2.4 Seja (X, k · k) um espaço normado. Então, para todo x ∈ X vale

kxk = sup |f (x)| = max |f (x)|.


f ∈BX ∗ f ∈BX ∗

Prova. Podemos supor que x 6= 0, pois do contrário não há o que ser feito. Claramente, tem-se
|f (x)| ≤ kf kkxk ≤ kxk, para todo f ∈ BX ∗ . Agora, pela Proposição 4.2.3, existe f ∈ X ∗ tal
que kf k = 1 e f (x) = kxk. Isso conclui a demonstração. 
Uma outra consequência simples mas importante é a seguinte.

Corolário 4.2.5 Se X é um espaço de Banach infinito-dimensional, então X ∗ é infinito-


dimensional.

Prova. Suponha o contrário que X ∗ é finito-dimensional, digamos dim(X ∗ ) = n. Sejam


{f1 , . . . , fn } uma base para X ∗ , e defina Φ : X → Rn pondo Φ(x) = (f1 (x), . . . , fn (x)). Clara-
mente tem-se que Φ é linear. Afirmamos que Φ é injetiva. De fato, suponha que Φ(x) = 0.
Então, x ∈ Ker(fi ). Como todo funcional em X ∗ é combinação linear dos fi0 s, segue-se que
T

f (x) = 0 para todo f ∈ X ∗ . Se fosse x 6= 0, então do Corolário 4.2.4 acima concluirı́amos que
f (x) = kxk = 6 0 para algum f ∈ X ∗ tal que kf k = 1. Contradição. 

4.3 Versão Geométrica do Teorema de Hahn-Banach

Nesta seção veremos uma outra aplicação decorrente do Teorema de Hahn-Banach.

4.3.1 Hiperplanos

Seja (X, k · k) um espaço de Banach Banach. Um subespaço Y de X é dito ser um hiperplano


de X se existe um funcional f ∈ X ∗ tal que Y = f −1 (0). Em particular, todo hiperplano de X
é um subespaço fechado. Um subconjunto H ⊂ X é chamado um hiperplano afim se existem
um vetor x ∈ X e um hiperplano Y de X tal que H = x + Y .

Proposição 4.3.1 H ⊂ X é um hiperplando afim se, se somente se, existem f ∈ X ∗ e α ∈ R


tais que H = f −1 (α).

Prova. Se H = x + f −1 (0) é um hiperplando afim, então pondo α = f (x) segue-se que


H = f −1 (α). Deixamos como exercı́cio a demonstração da recı́proca. 
50

Definição 4.3.2 Sejam dados conjuntos A, B ⊂ X e H = {f = α} um hiperplano afim.

• H é dito separar A e B quando f (x) ≤ α ≤ f (y), para todo x ∈ A e y ∈ B.

• H é dito separar estritamente os conjuntos A e B quando existe um  > 0 tal que

f (x) ≤ α −  e α +  ≤ f (y),

para quaisqer x ∈ A e y ∈ B.

4.3.2 Funcional de Minkowski

Seja C um subconjunto convexo de um espaço normado (X, k · k).

Definição 4.3.3 O funcional de Minkowski de C é a função pC : X → R definida por:



pC (x) = inf λ > 0 λx ∈ C .

As propriedades fundamentais dos funcionais de Minkowski estão relacionadas no seguinte


resultado.

Proposição 4.3.4 Seja C um subconjunto convexo de um espaço normado (X, k · k). Suponha
que 0 ∈ Int(C). Então,

(i) 0 ≤ pC (x) < ∞ para todo x ∈ X,

(ii) pC (αx) = αpC (x), para todo α > 0 e x ∈ X,

(iii) pC (x + y) ≤ pC (x) + pC (y), para todo x, y ∈ X,



(iv) {x ∈ X pC (x) < 1} ⊂ C ⊂ {x ∈ X pC (x) ≤ 1}.

O detalhes da prova abaixo são deixadas como exercı́cio.


Prova. Para o item (i) é suficiente provar que pC (x) < ∞ para todo x ∈ C. Por hipótese, existe
δ > 0 tal que Bδ = {x ∈ X : kxk ≤ δ} ⊂ C. Se x 6= 0, então δkxk−1 x ∈ Bδ ⊂ C. Portanto,
como C é convexo e 0 ∈ C, segue-se que x ∈ kxk kxk
δ C. Por definição, temos pC (x) ≤ δ < ∞,
para todo x ∈ X \ {0}.
51

(ii): Seja α > 0 e x ∈ C. Então, x ∈ λC se, e somente se, αx ∈ λαC. Portanto,


pC (αx) = αpC (x).
(iii): Sejam x, y ∈ X quaisquer. Fixe números s > pC (x) e t > pC (y). Por definição,
existem s0 , t0 > 0 tais que s0 x ∈ C e t0 y ∈ C, com s > s0 e t > t0 . Afirmamos que s0 C ⊂ sC.
Com efeito, dado z ∈ C arbitrário, vemos que
s0 s0
s0 z = (sz) + (1 − )0 ∈ sC.
s s
Portanto, x ∈ sC e da mesma forma y ∈ tC. Segue-se que x + y ∈ sC + tC. Por convexidade,
temos
s t 
x + y ∈ (t + s) C+ C ⊂ (t + s)C,
t+s t+s
donde conclui-se que pC (x + y) ≤ (t + s) e, portanto, como s, t são arbitrários, que pC (x + y) ≤
pC (x) + pC (y).
(iv): Se pC (x) < 1, então da definição de ı́nfimo, concluimos que x ∈ λC para algum
λ ∈ (0, 1). Então, existe u ∈ C tal que

x = λu + (1 − λ)0 ∈ C.

Por outro lado, se x ∈ C então pC (x) ≤ 1 por definição. Isso conclui a prova de (iv). 
Com um pouco mais de perseverança, prova-se ainda que:

Proposição 4.3.5 Seja C como acima.



(i) Se C é aberto, então C = {x ∈ X pC (x) < 1}.

(ii) Se C é fechado, então C = {x ∈ X pC (x) ≤ 1}.

4.3.3 A Forma Geométrica do THB

A versão geométrica do Teorema de Hahn-Banach é a seguinte.

Teorema 4.3.6 Sejam C um subconjunto fechado e convexo de um espaço normado X e


x0 ∈ X \ C. Então, existe f ∈ X ∗ tal que sup{f (x)} < f (x0 ) para todo x ∈ C. Em particular,
o hiperplano afim H = {f = f (x0 )} separa {x0 } e C.

Prova. Sem perda de generalidade, podemos supor que 0 ∈ C. Do contrário, consideramos o


conunto C − {x} e o vetor x0 − x ao invés de C e x0 . Seja δ = dist(x0 , C). Como C é fechado,
52

segue-se que δ > 0. Considere agora o conjunto D = {x ∈ X dist(x, C) ≤ δ}. Tendo em
vista que 0 ∈ C, mostra-se facilmente que 4δ BX ⊂ D. Portanto, D contém o vetor 0 em seu
interior. Note também que D é fechado, convexo e x0 6∈ D. Seja pD o funcional de Minkowski
de D. Pela Proposição 4.3.5, vemos que pD (x0 ) > 1. Seja M = hx0 i o espaço gerado por {x0 }
e defina g(tx0 ) = tpD (x0 ). Segue-se que g(tx0 ) ≤ pD (tx0 ) para todo t ∈ R. Pelo Teorema

de Hahn-Banach, existe um funcional linear f : X → R tal que f (x) ≤ pD (x) e f M ≡ g.
Afirmamos que f ∈ X ∗ . Com efeito, se x ∈ D então pD (x) ≤ 1. Logo, f (x) ≤ pD (x) ≤ 1.
Uma vez que D contém uma vizinhança da origem, segue-se que f é limitada numa vizinhança
da origem. Isso implica que f ∈ X ∗ . Por outro lado, como C ⊂ D vemos que se x ∈ C, então
f (x) ≤ pD (x) ≤ 1 < pD (x0 ) = f (x0 ). Segue-se que sup{f (x)} ≤ 1 < f (x0 ). Isso conclui a
prova. 

Corolário 4.3.7 Seja X um espaço de Banach.

(i) Seja C um subconjunto aberto convexo de X. Se x0 6∈ C, então existem f ∈ X ∗ e λ ∈ R


tal que f (x0 ) = λ e f (x) < λ para todo x ∈ C.

(ii) Sejam A, B convexos disjuntos em X. Se A é aberto, então existem f ∈ X ∗ e λ ∈ R tais


que f (x) < λ ≤ f (y), para todo x ∈ A e y ∈ B.

Corolário 4.3.8 Sejam A, B convexos disjuntos em X. Suponha que A é fechado e B é


compacto. Então, existe um hiperplano que separa A e B estritamente.
Capı́tulo 5

Topologias Fracas

5.1 Teorema de Riesz

O seguinte resultado é devido a F. Riesz.

Teorema 5.1.1 Seja X um espaço normado. Suponha que a bola BX é compacta. Então, X
é um espaço finito-dimensional.

Proof. Suponha por contradição que X é infinito-dimensional. Considere a esfera SX = {x ∈


X : kxk = 1}. Como BX é compacto segue-se que SX é compacto como um subconjunto fechado
de um espaço métrico compacto. Em particular, SX satisfaz a propriedade da interseção finita.
Considere a famı́lia F de todos os hiperplanos contidos em X. O Corolário 4.2.4 implica que
T
H∈F H = {0}. Considere agora a famı́lia U = {H ∩ SX : H ∈ F}. Como SX é compacto, do
Teorema 3.7.8 existem H1∗ , . . . , Hn∗ hiperplanos em F tais que (H1∗ ∩ · · · ∩ Hn∗ ) ∩ SX = (H1∗ ∩
SX )∩· · ·∩(Hn ∩SX ) = ∅. Isso implica que H1∗ ∩· · ·∩Hn∗ = {0}. Sejam f1 , . . . , fn funcionais em
X ∗ tais que Hi∗ = Ker(fi ). Dado qualquer f ∈ X ∗ , segue-se que ni=1 Ker(fi ) = {0} ⊂ Ker(f ).
T

Então, pela Proposição 1.3.5, f ∈ hf1 , . . . , fn i. Isso implica que dim(X ∗ ) ≤ n. Contradição. 

Observação 5.1.1 A demonstração acima mostra também que se X é de dimensão infinita,


então para quaisquer f1 , . . . , fn ∈ X ∗ , tem-se ni=1 Ker(fi ) 6= {0}.
T

Corolário 5.1.2 Se K é um subconjunto compacto de um espaço normado X, então K possui


interior vazio.

53
54

Do ponto de vista topológico, a partir desses resultados vemos a necessidade de considerar


topologias mais ricas e frutı́feras em espaços vetoriais normados.

5.2 Definição de Topologia Fraca

Seja X um espaço normado e X ∗ o dual topológico de X. Considere a famı́lia

F = {f : X → R f ∈ X ∗ } = X ∗ .

Definição 5.2.1 A topologia fraca de X é a topologia σ(X, X ∗ ) em X induzida por X ∗ .

5.2.1 Propriedades da Topologia Fraca

Proposição 5.2.2 Seja X um espaço normado. Então, σ(X, X ∗ ) é Hausdorff.

Prova. Isso é uma consequência do Teorema de Hahn-Banach. (Exercı́cio). 


w
Seja {xn } uma sequência em X. Usamos a notação xn → x para indicar que {xn } converge
na topologia σ(X, X ∗ ) para um ponto x ∈ X.

w
Proposição 5.2.3 Seja X um espaço normado. Então, xn → x se, e somente se, para todo
f ∈ X ∗ tem-se
lim f (xn ) = f (x).
n→∞

w
Prova. Seja f ∈ X ∗ qualquer, e suponha que xn → x. Dado  > 0, segue-se da definição de
topologia fraca que U = f −1 (f (x) − , f (x) + ) é um aberto fraco. Logo, existe n ∈ N


tal que xn ∈ U para todo n ≥ n . Isso implica que, f (xn ) ∈ (f (x) − , f (x) + ) para todo
n ≥ n . Portanto, |f (xn ) − f (x)| <  para todo n ≥ n . Isso demonstra o que querı́amos.
Recı́procamente, seja U um aberto da topologia fraca contentendo x. Por causa da Proposição
3.3.3, existem  > 0 e funcionais f1 , . . . , fn ∈ X ∗ tais que

{y ∈ X |fi (y) − fi (x)| < , ∀i = 1, . . . , n} ⊂ U.

Por hipótese, para cada i = 1, . . . , n, existe ni ∈ N tal que |fi (xn )−fi (x)| <  para todo n ≥ ni .

Seja n0 = min{ni : i = 1, . . . , n}. Então, xn ∈ {y ∈ X |fi (y) − fi (x)| < , ∀i = 1, . . . , n}, para
todo n ≥ n0 . Isso conclui a prova. 
55

Proposição 5.2.4 Seja X um espaço normado de dimensão infinita. Se U é um aberto fraco,


então U não pode ser limitado na topologia da norma. Em particular, vale a inclusão estrita
σ(X, X ∗ ) ⊂ Tk·kX , onde Tk·kX representa a topologia gerada pela norma de X.

Prova. Sem perda de generalidade, podemos supor que 0 ∈ U . Então, existem  > 0 e
funcionais f1 , . . . , fn ∈ X ∗ tais que
\
x ∈ X |fi (x)| <  ⊂ U.

Da Obeservação 5.1.1, segue-se que N = ni=1 Ker(fi ) 6= {0}. Portanto, existe x 6= 0 em N .


T

Em particular, λx ∈ N para todo λ ∈ R. Isso implica que U não pode ser limitado na topologia
da norma. 

Proposição 5.2.5 A topologia fraca σ(X, X ∗ ) num espaço normado é uma topologia vetorial.

Prova. Exercı́cio.

Proposição 5.2.6 Seja (X, k · k) um espaço normado. Suponha que {xn } é um sequência em
X tal que xn * x em X. Então:

(i) {xn } é limitada na topologia da norma.

(ii) kxk ≤ lim inf n→∞ kxn k

Prova. Exercı́cio.
Vale ainda a seguinte caracterização da topologia fraca em termos da dimensão do espaço
X.

Teorema 5.2.7 Seja X um espaço normado. São equivalentes:

(i) X é finito-dimensional.

(ii) As topologias fraca e forte coincidem em X.

(iii) A topologia fraca é metrizável.

(iv) A topologia fraca satisfaz o primeiro axioma da enumerabilidade.


56

Prova. Num espaço vetorial de dimensão finita, duas topologias vetoriais de Hausdorff são
sempre equivalentes (veja, Teorema 3.9.1). Portanto, (i) implica (ii). As implicações (ii) ⇒
(iii) ⇒ (iv) são óbvias. Vamos provar agora que (iv) ⇒ (i). Suponha por contradição que X é
infinito-dimensional. Como σ(X, X ∗ ) satisfaz o primeiro axioma da enumerabilidade, podemos
encontrar uma sequência {fn } em X ∗ tal que as vizinhanças fracas U1 , U2 , . . . definidas por



Un = x ∈ X |fi (x)| < 1, i = 1, . . . , n ,

constituem uma base enumerável de vizinhanças do vetor nulo 0 em X. Já sabemos que
Tn Tn
i=1 Ker(fi ) 6= {0}. Portanto, podemos escolher uma sequência {xn } em i=1 Ker(fi ) tal que
kxn k = n. Segue-se que {xn } é ilimitada. Mas, como Un+1 ⊂ Un para todo n, xn ∈ Un
para todo n, e {Un } forma uma base de vizinhanças do zero em X para σ(X, X ∗ ), podemos
concluir que xn * 0 em X. Pela Proposição 5.2.6, segue-se que {xn } é limitada em norma.
Contradição. 
Embora a topologia fraca nunca seja metrizável em espaços normados de dimensão infinita,
em alguns espaços ocorrem propriedades bastantes bizarras.

Teorema 5.2.8 Considere o espaço `1 munido com sua norma usual. Então, as convergências
fraca e forte coincidem em `1 . Ou seja, xn * x em `1 se, e somente se, xn → x em `1 .

5.3 Definição de Topologia Fraca*

Seja X um espaço normado e X ∗ o dual topológico de X. Considere o conjunto

F = {ϕx : X ∗ → R x ∈ X, ϕx (f ) = f (x)}.

Definição 5.3.1 A topologia fraca* de X ∗ é a topologia σ(X ∗ , X) em X ∗ induzida por F.

5.3.1 Propriedades da Topologia fraca*

Proposição 5.3.2 Seja X um espaço normado. Então, σ(X ∗ , X) é Hausdorff.

w∗
Se {fn } é uma sequência em X ∗ , usamos a notação fn → f para indicar que {fn } converge
para o funcional f na topologia σ(X ∗ , X). Tal como foi feito na Proposição 5.2.3, vale o
seguinte resultado.
57

w∗
Proposição 5.3.3 Seja X um espaço normado. Então, fn → f se, e somente se, para todo
x ∈ X tem-se
lim fn (x) = f (x).
n→∞

Proposição 5.3.4 Suponha que (X, k · k) seja um espaço de Banach separável. Então, BX ∗
munido com a topologia fraca∗ é metrizável, ou seja, (BX ∗ , σ(X ∗ , X)) é um espaço topológico
metrizável.

Prova. Seja {xn } uma sequência densa na topologia de norma em BX . Defina um métrica d
na bola BX ∗ da seguinte forma: d : BX ∗ × BX ∗ → [0, ∞) é tal que

X |f (xn ) − g(xn )|
d(f, g) = .
2n
n=1

Não é difı́cil mostrar que as topologias σ(X ∗ , X) e τd (topologia induzida por d) são equiva-
lentes. 
Um raciocı́nio similar prova ainda o seguinte resultado:

Teorema 5.3.5 O dual X ∗ de um espaço de Banach X é separável se, se somente se, a bola
BX é fracamente metrizável.

Uma outra propriedade bastante interessante é a seguinte:

Proposição 5.3.6 Seja X um espaço de Banach.

5.3.2 Teorema de Banach-Alaoglu

Enquanto que a bola de um espaço de Banach infinito-dimensional não pode ser compacta, o
principal resultado desta seção fala-nos que a bola do dual é compacta com relação a topologia
σ(X ∗ , X). Vamos ao seu enunciado.

Teorema 5.3.7 Seja X um espaço de Banach. Então, a bola BX ∗ é compacta na topologia


fraca∗ .

Prova. Para cada x ∈ X defina Ax = R. Então, cada Ax é igual ao espaço topológico R.


Considere agora o produto cartesiano generalizado RX : =
Q
Ax munido com a topologia
produto usual. Defina uma aplicação Φ : X ∗ → RX pondo Φ(f ) = ((fx )x ), onde fx = f (x).
58

w∗
Afirmação 1. Φ é contı́nua de (X ∗ , σ(X ∗ , X)) em RX . Com efeito, se fn → f em X ∗ , então
vemos da desigualdade

(Πx ◦ Φ)(fn ) − (Πx ◦ Φ)(f ) = fn (x) − f (x) ,

que (Πx ◦ Φ)(fn ) → (Πx ◦ Φ)(f ), para todo x ∈ X. Isso mostra que cada Πx ◦ Φ é contı́nua de
X ∗ em R. Portanto, da Proposição 3.3.4, segue-se Φ é contı́nua. Como querı́amos.

Afirmação 2. Φ é injetiva. Ora, se Φ(f ) = Φ(g) então ((fx )x ) = ((gx )x ). Isso implica,
aplicando as projeções em cada coordenada se necessário, que fx = gx para todo x ∈ X.
Portanto, f ≡ g. Isso demonstra a afirmação.

Afirmação 3. Φ é um homeomorfismo de (X ∗ , σ(X ∗ , X)) sobre Φ(X ∗ ). Para tanto, em vista


da Proposição 3.3.4, é suficiente mostrar que para todo x ∈ X a função ϕx ◦ Φ−1 é contı́nua de
RX em R. Ora, fixado x ∈ X, ϕx ◦ Φ−1 coincide com a x-ésima projeção Πx que é contı́nua.
Assim, para mostrar que BX ∗ é σ(X ∗ , X)-compacta basta mostrarmos que Φ(BX ∗ ) é com-
pacto em RX .

Afirmação 4. K = Φ(BX ∗ ) é compacto. Com efeito, note que

K = u ∈ RX |ux | ≤ kxk, e ux+y = ux + uy , uλx = λux ,



λ ∈ R, x, y ∈ X = K1 ∩ K2 ,

onde Y 
K1 = − kxk, kxk ,
x∈X
e  \  \ 
K2 = Ax,y ∩ Bx,y ,
x,y∈X x,y

em que Ax,y = u ∈ RX : ux+y − ux − uy = 0 e Bx,y = u ∈ RX : uλx − λux = 0 . Não é


 

difı́cil mostrar que Ax,y , Bx,y são fechados em RX . Portanto, K2 é fechado. Por outro lado,
segue-se do Teorema 3.7.5 (de Tychonoff) que K1 é compacto. Segue-se que K é compacto
como a interseção de um compacto com um fechado. Isso conclui a demonstração do Teorema
de Banach-Alaoglu. 
Capı́tulo 6

Reflexividade

6.1 Injeção Canônica

Seja X um espaço de Banach, e considere o espaço bi-dual X ∗∗ . A injeção canônica de X


em X ∗∗ é aplicação J : X → X ∗∗ definida por:

J(x)(f ) = hf, xi, x ∈ X.

O principal propriedade da injeção canônica é a seguinte:

Proposição 6.1.1 A injeção canônica J é uma isometria.

Prova. Claramente tem-se que J é uma aplicação linear. Resta-nos mostrar agora que
kJ(x)k = kxk para todo x ∈ X. Dados quaisquer f ∈ X ∗ \ {0} e x ∈ X, vemos que

J(x)(f ) = |f (x)| ≤ kf kkxk, donde segue-se que

|J(x)(f )|
≤ kxk.
kf k
Isso mostrar em particular que kJ(x)k ≤ kxk, para todo x ∈ X. Por outro lado, sabemos via
Proposição 4.2.3 que para todo x ∈ X \ {0}, existe f0 ∈ X ∗ com kf0 k = 1 tal que f0 (x) = kxk.
Assim,
|f0 (x)|
kJ(x)k ≥ = kxk,
kf0 k
que quando combinada com a desigualdade anterior mostra ser verdadeira a igualdade kJ(x)k =
kxk para todo x ∈ X. Portanto, J é uma isometria. 

59
60

Definição 6.1.2 Um espaço de Banach X é dito ser reflexivo quando a injeção canônica for
uma aplicação sobrejetiva, ou seja, J(X) = X ∗∗ .

Proposição 6.1.3 São reflexivos os seguintes espaços:

(i) `p com 1 < p < ∞,

(ii) Lp (Ω) com 1 < p < ∞.

∗
Prova. Provaremos somente o item (i). Sabemos que `p ≡ `q com p e q conjugados.
∗∗ ∗
Segue-se daı́ que `p ≡ `q ≡ `p . 

6.1.1 Teorema de Goldstine

O resultado a seguir estabelece uma relação importante entre a topologia σ(X ∗∗ , X ∗ ) e a


aplicação J.

Teorema 6.1.4 Seja X um espaço de Banach. Então,


σ(X ∗∗ ,X ∗ )
J BX = BX ∗∗ .

σ(X ∗∗ ,X ∗ )
Prova. Do Teorema de Banach-Alaoglu podemos concluir que BX ∗∗ = BX ∗∗ . Como
J é uma isometria, segue-se que J(BX ) ⊂ BX ∗∗ . Portanto, passando o fecho, vemos que

σ(X ∗∗ ,X ∗ ) σ(X ∗∗ ,X ∗ )
J(BX ) ⊂ BX ∗∗ = BX ∗∗ .

Deixamos a prova da inclusão contrária como exercı́cio. (Veja por exemplo, [1]) 

6.1.2 Caracterização de Espaços Reflexivos

O principal resultado deste capı́tulo é o seguinte.

Teorema 6.1.5 Um espaço de Banach X é reflexivo se, e somente se, a bola BX é compacta
na topologia fraca.
61

Prova. Suponha X reflexivo. Então, J(X) = X ∗∗ e, portanto, J(BX ) = BX ∗∗ . Sabemos, pelo


Teorema de Banach-Alaoglu, que BX ∗∗ é σ(X ∗∗ , X ∗ )-compacta em X ∗∗ . Agora, afirmamos
que a aplicação inversa J −1 : X ∗∗ , σ(X ∗∗ , X ∗ ) → X, σ(X, X ∗ ) é contı́nua com relação às
 

topologias indicadas. Pela Proposição 3.3.4, é suficiente mostrarmos que se f ∈ X ∗ , então


f ◦ J −1 : X ∗∗ , σ(X ∗∗ , X ∗ ) → R é contı́nua. Isso de fato ocorre. Com efeito, dado qualquer


φ ∈ X ∗∗ , σ(X ∗∗ , X ∗ ) existe x ∈ X tal que J(x) = φ. Assim, (f ◦J −1 )(φ) = f (x) = J(x)(f ) =




ϕf (φ), o que implica dizer que f ◦ J −1 ≡ ϕf . Lembrando a definição de topologia fraca*,


concluı́mos que ϕf pertence à famı́lia que gera σ(X ∗∗ , X ∗ ) e, portanto, f ◦ J −1 é contı́nua.
Segue-se, em particular, que BX é fracamente compacta em X.
Recı́procamente, se BX é fracamente compacta, então como J é linear, J(BX ) é σ(X ∗∗ , X ∗ )-
compacta (e portanto, σ(X ∗∗ , X ∗ )-fechada) em X ∗∗ . Por outro lado, sabemos pelo Teorema
σ(X ∗∗ ,X ∗ )
6.1.4, que J BX = BX ∗∗ . Portanto, J(BX ) = BX ∗∗ . Isso implica que X é reflexivo.

62
Bibliografia

[1] H. Brezis, Functional Analysis, Masson, Paris (1983) (in French).

[2] N. Dunford and J. T. Schwartz, Linear Operators, Part I: General Theory. Interscience,
New York (1958).

[3] E. L. Lima, lgebra Linear, 4a Ed., Coleo Matemtica Universitria, IMPA, RJ, 2000.

[4] J. R. Munkres, Topology, 2nd. Ed. Upper Saddle River. NJ: Prentice Hall. 2000.

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