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A Chanson polifônica francesa

As proporções miniaturistas das chansons borgonhesas se expandiram na corrente da


produção de música profana, paralelamente à polifonia sacra. O gênero angariou mais
amplitude com o progressivo uso do contraponto imitativo, especialmente nas criações
de Busnois, Ockeghem e Josquin des Prez, autores de chansons que alcançaram grande
popularidade. Estas canções podiam ser livremente alteradas, reescritas em novos
arranjos ou transcritas para instrumentos. Também eram fonte inesgotável de cantus
firmus para as missas.
O Odecathon de 1501 traz chansons desenvolvidas a quatro vozes, de textura mais densa
e contraponto plenamente imitativo. Estrutura harmônica mais clara, maior igualdade
entre as vozes e uma união mais estreita de elementos antigos e novos no gênero. O
compasso binário tendia a substituir o usual ternário. Algumas eram inteiramente
originais, outras sobre melodias já composta. Josquin de Prez, ao contrário dos outros,
abstraiu das formas fixas, compondo sobre textos mais livres. Também entremeando as
peças com textura imitativa e tratando as vozes com mais liberdade; lhes conferindo
papeis equilibrados em importância. Na chanson Faute d’argent a 5 vozes, ele dispõe a
melodia em cânone rigoroso e mantém uma densa rede imitativa, sem contudo quebrar a
clareza da textura. Outro exemplo do engenho de Josquin e da evolução do gênero é sua
canção Mille regretz, a 4 vozes, onde um par de vozes em certos trechos responde a outro
par, evoluindo em imitação. Em certos momentos assumindo densidade homofônica,
conforme o destaque que o compositor pretende conferir ao sentido do texto.
A nova chanson francesa
As condições sociais e políticas da França em princípios do século XV favoreciam a
evolução da música profana. O século anterior fora testemunho de uma burguesia nova e
rica. Esta classe soube aproveitar-se das oportunidades culturais que se ofereciam, não só
por curiosidade diante do vigor das criações artísticas como também pelo desejo de imitar
os gostos cortesãos. As influências do Renascimento italiano foram também
determinantes e a ação dos elementos da arte popular sobre o mundo erudito, musical e
literário, levou a formas versificadas cada vez mais livres. A temática dos textos torna-se
mais eclética. O amor cortês, ainda vivo, tomou formas menos discretas, assumindo um
tom mais sensual e direto, sem muitas reservas em seu discurso gaulois – de franqueza
quase rude.
Assim como o latim era o idioma das missas, o francês foi o idioma das chansons. Os
compositores franceses desenvolveram um estilo mais marcadamente nacional, em
sentido tanto literário como musical. O editor Pierre Attaignant de Paris publica entre
1528 e 1552 dezenas de coletâneas deste gênero, cerca de 1500 peças; cuja popularidade
fica patente nas inúmeras transcrições para grupos instrumentais, alaúde, ou voz com
tablatura de acompanhamento, tanto em França como na Itália. Estas peças não eram
objeto de concerto no sentido que hoje damos ao termo, mas antes um prazer convivial,
compartilhado de forma domiciliar, muitas vezes sob o apelo da temática amorosa das
letras.
Estilisticamente as chansons publicadas por Attaignant traziam traços de elementos
populares e das frottole e canti carnascialeschi. Podiam apresentar tanto homofonia
quanto uma modesta textura imitativa. Eram canções a quatro vozes, ritmadas e silábicas,
em sua maioria em compasso binário com passagens em ternário; a melodia principal no
superius – a voz mais aguda. Eram seccionadas em partes breves e bem distintas, em geral
repetidas, sobre uma forma de fácil fixação, como aabc ou abca. Os textos eram variados
em forma e temas poéticos, sendo favoritos as situações amorosas que ensejassem
comentários cômicos e alusões dúbias, embora nem todos os textos fossem frívolos. Dois
nomes se destacam neste gênero: Claudin de Sermisy (c. 1490-1562) e Clément Janequin
(c. 1485-1560). Este último, alcançou maior sucesso e fama. Sua verve e humor
caracterizam as suas criações, assim como a natureza programática das mesmas, a
exemplo de La guerre – ‘A guerra’, que ilustra os ruídos de uma batalha. Esta peça seria
precursora de um estilo musical descritivo: as Bataille (ou peças “de batalha”), tanto
vocais como instrumentais, que ilustravam sonoramente o fragor das refregas; Cris de
Paris – ‘Pregões de Paris’, Le chant des oiseaux – ‘O canto dos pássaros’; Le Caquet des
femmes – ‘Cacarejo das mulheres’; La chasse – ‘A caça’. Também a elegíaca L’amour,
la mort, la vie – ‘O amor, a morte, a vida’; assim com a erótica Le Blason du beau tétin –
‘O brasão da bela teta’, ou ainda a licenciosa Ung mari se voulant coucher – ‘Um marido
deseja se deitar’. Janequin foi o mestre da chanson programática a 4 vozes, generalizando
o uso de onomatopeias para ilustrar realisticamente as canções.
A chanson franco-flamenga
Além de Attaignant os principais editores de chansons na primeira metade do século XVI
foram Jacques Moderne, entre 1532 e 1560 e Tilman Susato, em Antuérpia (1543 a 1555).
Estas últimas publicações, em sua maioria de compositores franco-flamengos como
Gombert, Crecquillon e Clemens Non Papa (1510-1555). Suas canções eram mais
contrapontísticas e densas que as de Paris. As linhas melódicas mais melismáticas e ritmo
menos marcado. Apesar de influenciados pelos traços homofônicos franceses, o estilo
imitativo – menos explorado pelos parisienses por limitar-lhes a fantasia – ainda lhes era
atraente, na esteira das realizações de Josquin. Apesar de adotarem as usuais 4 vozes, não
hesitavam em recorrer a 5, 6, 7 ou mais vozes.
Na Alemanha, com a eclosão de uma sociedade próspera, urbana e mercantil, nasceu uma
forma tipicamente alemã, o Lied (canção) polifônico, a 3 vozes, sob uma técnica
contrapontística tipicamente franco-flamenga. Nesta modalidade destacam-se os nomes
do flamengo Heinrich Isaac (1450-1517) e do suíço Ludwig Senfl (1486-1543). Este,
atingiu a perfeição no gênero. Explorando material de origem popular e imprimindo o
pitoresco e o humor nos seus lieder, apesar de conservar uma sobriedade típica à música
germânica do seu tempo. No seu lied Das G’läut zu Speyer – ‘Os sinos de Speyer’,
ouvimos uma curiosa semelhança com a técnica onomatopeica de Janequin. Edições,
especialmente de Nurembergue, vicejaram até 1550, quando o gosto alemão voltou-se
para o madrigal italiano. O lied perdeu a relevância e italianizou-se. Todavia, serviria para
fornecer o modelo e material musical para os corais e hinos da igreja luterana, que logo
se estabeleceria.
Em paralelo à chanson polifônica, surgiu na França, cerca de 1550, outro tipo de
chansons. Estritamente homofônicas, breves, estróficas, contendo muitas vezes um
refrão, e geralmente acompanhadas com o alaúde. De início chamadas vaudevilles, mais
tarde este tipo de peça seria conhecida por air, ou air de cour – ária de corte.

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