Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ABSTRACT: This article aims to give an overview of the History today, highlighting the
use of the concepts of gender and representation and the use of literature as a source and / or
object to the historian. To this end, we intend to demonstrate these uses from the analysis of
the novel Ursula, the nineteenth-century maranhense writer Maria Firmina dos Reis. At first
outline a picture of the discipline and the incorporation of the concepts of gender
and representation, beyond the understanding of the use of literature as a source and / or
object. In the second phase will demonstrate the use of these methods mentioned in the novel.
Como já bem nos dizia Marc Block a História “é a ciência dos homens no tempo”
(BLOCH, 2001: 36) e, como uma construção humana, a própria História sofreu modificações
ao longo de seu tempo. A partir da década de 1960 verificou-se aquilo que ficou conhecido,
posteriormente, como crise das Ciências Humanas e Sociais na década de 1960. Grosso modo
*
Mestranda em História Social pela Universidade Federal do Maranhão.
podemos considerar que os paradigmas de análise dos pesquisadores das Ciências Sociais e
Humanas começaram a ser postos em xeque a partir desse momento. Os métodos
estruturalistas, as análises totalizantes e os pressupostos marxistas começaram a não
responder mais a todas as questões que se apresentavam aos analistas sociais – ao menos da
forma como esses pressupostos eram utilizados. O mundo mudava, a sociedade fazia esse
mundo mudar e uma mudança na forma de se compreender esse novo mundo fez-se
necessária para seus pesquisadores. Segundo Sandra Pesavento (2000: 10):
A sociedade que, ao longo dos anos, após duas grandes guerras, transformou-se
radicalmente até encontrar o estágio que vivenciamos na atualidade, não podia mais ser
explicada por sistemas numéricos fechados, por estruturas sólidas e rígidas, apenas pela
política e economia e a partir dos grandes nomes. Para compreender essa nova sociedade, ver
esses novos indivíduos, foi necessário, justamente, olhar para homens e mulheres como
sujeitos agentes em menor ou maior grau de atitudes. Sujeitos históricos, aqueles que
contribuem para que a roda da História não pare de girar. Para Roger Chartier (1994: 2):
Esse novo diálogo com o método marxista, com o estruturalismo, o abandono dos
preceitos rígidos incorporados pelo positivismo, trouxeram novidades na forma como os
historiadores exercem seu ofício. A História Social e as reflexões a respeito da cultura e das
representações ganharam destaque na medida em que se buscou compreender os processos
históricos nos quais os indivíduos passaram a ser entendidos como sujeitos das ações que
movem o curso dos acontecimentos. É neste panorama que, segundo Peter Burke (1992: 11)
“a nova história começou a se interessar por virtualmente toda a atividade humana. Tudo tem
uma história [...], ou seja, tudo tem um passado que pode em princípio ser reconstruído e
relacionado ao restante do passado”.
Quando os indivíduos passaram a ser vistos como sujeitos da ação que move o
mundo, a questão da interpretação ganhou destaque. Anteriormente as estruturas definiam os
sujeitos universais. Hoje entendemos que os sujeitos se apropriam e recriam de diversas
formas as informações que recebem. Assim, temos em vista a noção de representação
proposta por Chartier. Se os sujeitos interpretam de diversas formas o mundo que os cerca, as
estruturas nas quais estão inseridos, significa dizer que tudo o que produzem é influenciado
pela interpretação que fazem do mundo (espaço / tempo) no qual estão localizados. Segundo
Roger Chartier (1990: 17) “[representações] são estes esquemas intelectuais, que criam as
figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o
espaço ser decifrado”.
Sendo a História, a história dos homens e, os homens em seu caminhar são ativos,
construindo bens materiais e conceitos que têm simbolismos e diversos fins, diversas
atividades humanas passaram a ser incorporadas como documentos para o ofício do
historiador. Entre essas atividades, a escrita é uma das que se destaca. Se, durante um longo
tempo os historiadores ocuparam-se em privilegiar a escrita dos documentos oficiais, as ditas
fontes primárias, com as novas abordagens, outras formas escritas passaram a ser utilizadas
pelos historiadores, entre elas os textos literários.
Outro ponto que ganhou destaque a partir da crise foi a análise de objetos até
então não estudados pelos historiadores, como a questão da mulher. Durante muito tempo,
segundo Michelle Perrot (2008: 17), houve alguns motivos para o que ela chamou de
“invisibilidade” sobre as mulheres, dois deles são:
“Sexo' é uma palavra que faz referência às diferenças biológicas entre machos e
fêmeas [...]. 'Gênero', pelo contrário, é um termo que remete à cultura: ele diz
respeito à classificação social em 'masculino' e 'feminino' [...]. Deve-se admitir a
invariância do sexo tanto quanto deve-se admitir a variabilidade do gênero”.
“Tendo apenas uma existência relacional, cada um dos dois gêneros é produto do
trabalho de construção diacrítica, ao mesmo tempo teórica e prática, que é
necessário à sua produção como corpo socialmente diferenciado do gênero oposto
(sob todos os pontos de vista culturalmente pertinentes), isto é, como habitus viril, e,
portanto não feminino, ou feminino e, portanto, não masculino”.
Maria Firmina dos Reis nasceu a 11/10/1825 na cidade de São Luís capital da
então província do Maranhão. Em 1859 publica o romance Úrsula que, logo após, alcança
críticas e propagandas positivas em diversos jornais locais. Após a publicação do romance,
Maria Firmina passou a contribuir assiduamente com a imprensa local. Publicou poesias em
prosa e verso, charadas/enigmas, além de um conto – A escrava – e outro romance, Gupeva.
Esse último “não foi enfeixado em livro, mas teve 3 (três) edições em folhetim num muito
curto espaço de tempo – o que atesta eloquentemente o grande êxito popular desta original
criação literária” (MORAES FILHO, 1975, s/p). Escreveu também alguns hinos e cantos.
Segundo Algemira Macêdo Mendes, Maria Firmina foi “autodidata, sua instrução
fez-se através de muitas leituras – lia e escrevia francês fluentemente” (MENDES, 2006: 19).
E Norma Telles complementa afirmando que “Gonçalves Dias (1823-1864), o grande poeta
romântico nascido no Maranhão, estudou em Coimbra, enquanto sua conterrânea estudou
sozinha” (TELLES, 2010: 410).
Tancredo tem, em seu passado recente, uma desilusão amorosa. Havia amado
Adelaide, prima de sua mãe. Porém, Adelaide, traiu o amor de Tancredo e, após a morte da
mãe do jovem, a moça casa-se com o pai dele. Desiludido, Tancredo enxerga em Úrsula uma
nova possibilidade de felicidade.
Em uma tarde, enquanto Úrsula passeia sozinha pela mata, tentando acalmar seu
coração da saudade que sente de Tancredo – o jovem havia viajado para resolver assuntos
pendentes e retornaria em duas semanas para casarem-se – a moça é surpreendida por um
homem. Esse homem, pouco depois, ela descobre ser seu tio Fernando P., irmão de sua mãe.
Fernando apaixona-se violentamente por Úrsula e tenta força-la a casar-se com ele. Fernando
havia sido o mandante do assassinato do pai de Úrsula, pois nutria um ciúme doentio por usa
irmão, Luísa B.
“Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher
brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens
ilustrados, que aconselham, que discutem e que corrigem, com um instrução
misérrima, apenas conhecendo a língua de seus pais, e pouco lida, o seu cabedal
intelectual é quase nulo”.
A narradora afirma que seu romance pouco vale, pois na sociedade patriarcal em
que estava inserida, as mulheres eram consideradas mais frágeis física e intelectualmente do
que os homens.
Já a personagem Úrsula é considerada, durante toda a narrativa, uma flor, uma
santa, um anjo de candura, ingênua e perfeita (REIS, 2004: 32):
“[...] porque Úrsula era ingênua e singela em todas as suas ações; e porque esse
interesse todo caridoso, o mancebo não podia avaliá-lo, tendo as faculdades
transtornadas pela moléstia. Este sentimento era pois natural em seu coração, e a
donzela não se envergonhava de o patentear”.
A mãe de Tancredo aparece como uma figura dominada pelo esposo, considerado
um tirano em seu lar. Segundo Tancredo “quantas vezes na infância, malgrado meu,
testemunhei cenas dolorosas que magoavam, e de louca prepotência, que revoltavam” (REIS,
2004: 60). O jovem justifica essa conduta afirmando que (REIS, 2004: 60):
“entre ele [seu pai] e sua esposa estava colocado o mais despótico poder: meu pai
era o tirano de sua mulher; e ela, triste vítima, chorava em silêncio e resignava-se
com sublime brandura. Meu pai era para com ela um homem desapiedado e
orgulhoso – minha mãe era uma santa e humilde mulher”.
Já a mãe de Úrsula, Luísa B., uma personagem que se apresenta ao leitor como
doente, estando durante toda a narrativa, acamada e sob os cuidados da filha, sofreu devido
aos ciúmes possessivos de seu irmão, Fernando P. Os ciúmes de seu irmão aumentaram
quando ela contraiu um matrimônio e, por fim, Fernando foi considerado suspeito do
assassinato do cunhado, um homem leviano, que só assumiu seus deveres de marido
responsável após o nascimento da filha, Úrsula (REIS, 2004: 102):
“Ah! Senhor! – continuou a infeliz mulher – este desgraçado consórcio, que atraiu
tão vivamente sobre os dois esposos a cólera de um irmão ofendido, fez toda a
desgraça da minha vida. Paulo B... não soube compreender a grandeza de meu
amor, cumulou-me de desgostos e de aflições domésticas, desrespeitou seus deveres
conjugais, e sacrificou minha fortuna em favor de suas loucas paixões. Não tivera
eu uma filha, que jamais de meus lábios cairia sobre ele uma só queixa! Mas ele me
perdoará do fundo do seu sepulcro; porque sua filha mais tarde foi o objeto de toda
a sua ternura, e a dor de fracamente poder reabilitar sua casa em favor dela lhe
consumia, e ocupava o tempo. E ele teria sido bom; sua regeneração tornar-se-ia
completa, se o ferro do assassino lhe não tivesse cortado em meio a existência”.
Por fim temos a personagem Preta Susana, uma africana que foi trazida para ser
escrava em terras brasileiras. Ela se apresenta como uma mulher forte que possui lembranças
nostálgicas de sua terra e um grande senso de justiça (REIS, 2004: 116):
REFERÊNCIAS:
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. trad. Maria Helena Kühner. 3º ed. Rio de
Janeiro: Betrand Brasil, 2003.
BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992.
CHARTIER, Roger. História intelectual e história das mentalidades. In: À beira da falésia:
a história entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: UFRGS, 2002, p. 23-60.
________________. A história Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:
DIFEL, 1990.
LEBSOCK, Suzanne. The Free Women of Petersburg: Status and Culture in a Southern
Town, 1784-1860. New York: W.W. Norton, 1984.
MENDES, Algemira Macêdo. Maria Firmina dos Reis e Amélia Beviláqua na história da
literatura brasileira: representação, imagens e memórias nos séculos XIX e XX. Rio Grande
do Sul: PUC-RGS, 2007. Tese de Doutorado em Teoria Literária.
MORAES FILHO, José Nascimento. Maria Firmina, fragmentos de uma vida. São Luís:
COCSN, 1975.
OAKLEY, Ann. Sex, Gender, and Society. New York: Harper Colophon Books, 1972.
PERROT, Michele. Minha história das mulheres. São Paulo: Editora Contexto, 2008.