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Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – UFC.
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Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – UFC.
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Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – UFBA.
Introdução
Com a abertura política, o declínio das oligarquias tradicionais, o retorno
das eleições para diversos cargos, a ampliação do número de funções eletivas na
administração pública local (em função, principalmente, da onda emancipacionista4 do
final da década de 1980) bem como o aumento da demanda por serviços e políticas
públicas para os municípios (sobretudo, os recém-emancipados) levaram os postulantes
a assumirem novas estratégias para constituir e assegurar uma base eleitoral que lhes
dessem competitividade em um mercado eleitoral cada vez mais disputado. Tais
estratégias, dependendo do tamanho do mercado de eleitores, vão desde a elaboração de
imagens-símbolo dos candidatos/candidaturas e sua ampla divulgação via mídias de
massa (CARVALHO, R., 2013; BARREIRA, 1998; GRANDI, 1992 e LOPES, 2005),
que buscam aproxima-lo e identifica-lo com o eleitor, até a compra de votos, ou seja, da
forma mais subjetiva até a mais pragmática.
Na medida em que o mercado eleitoral cresce5, mais impessoal é a relação
político-eleitor, por conseguinte, mais imprescindível se tornam as mídias de massa
(rádio, televisão e mídias eletrônicas como a internet) como meio de intermediar essa
relação (GRANDI, 1992 e CARVALHO, R. 2013). Por outro lado, em mercados
eleitorais locais, principalmente em pequenos municípios como Barreira6, a forma de
interação entre candidatos e eleitores assume um caráter mais intimista que, por sua vez,
legitima um tipo específico de constituição de bases eleitorais, fundamentadas sobre
relações de troca de bens e serviços.
Nesse sentido, estudos apontam que a “vida política no governo local não se
faz na base da organização partidária, mas no uso clientelístico dos recursos disponíveis
pelo governante” (LOPES, 2003, p. 168). Para o vereador, compor a base de sustentação
parlamentar do prefeito significa ter acesso e usar politicamente a estrutura da
administração municipal a seu favor e manter sua própria base eleitoral (Idem). Tal
prática política acaba dificultando a renovação de cadeiras na Câmara de Vereadores
visto que a constituição e, principalmente, a manutenção das bases eleitorais depende da
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Com a abertura política, a descentralização dos recursos fiscais, a plena autonomia aos municípios (que
agora são, de fato, entes federativos), o controle das Assembleias Legislativas sobre as regras e o processo
de emancipação de seus municípios contribuíram para a criação de 1.385 novos municípios no Brasil,
entre fins da década de 1980 e 1990. Levando em consideração o número mínimo de vereadores por
município (a Constituição de 1988 estabelece o mínimo de 9 e o máximo de 55 vereadores), o Brasil
ganhou mais de 12.500 cadeiras legislativas no âmbito local.
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Nesse caso, nos referimos ao mercado eleitoral relativo às eleições gerais.
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Barreira, município com apenas 28 anos de emancipação política, localizado no Maciço de Baturité, tem
uma população de 19.573 habitantes e 17. 537 eleitores.
capacidade do representante político alimentar constantemente sua rede de atendimento
e prestação de serviços. Daí que aqueles postulantes que não conseguem distribuir
favores (construir sua própria base de sustentação eleitoral) já entram no mercado
eleitoral em desvantagem.
No entanto, há outros modos de compor sua base de apoio político-eleitoral
a partir de uma sociabilidade fundada nos laços de vizinhança e amizade. É o caso de
José Targino dos Santos, o Faceta. Agricultor da zona rural de Barreira, residente na
comunidade de Pascoalzinho, possui uma pequena casa de farinha de onde tira o
sustento de sua família. Sua candidatura é lapidar de um tipo de “candidato de
comunidade” (Idem) que sem recursos financeiros próprios para arcar com as despesas
de campanha, sem padrinhos políticos, sem cargo público (por meio do qual pudesse
prestar serviço ou realizar favores) pôde competir com postulantes, que têm a máquina
pública a seu favor, e ser eleito vereador.
Entendendo a política como uma relação de troca, o objetivo deste trabalho
não é tecer uma análise valorativa do câmbio entre políticos e eleitores no mercado
eleitoral, mas pensá-lo dentro da lógica de funcionamento do campo político a partir de
seus agentes e dos significados que a ele são atribuídos.
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A esmola decorre de uma noção moral da dádiva, da fortuna e do sacrifício. Nesse sentido, a dádiva é
transformada em princípio de justiça na medida em que os excessos de riqueza – que desagradaria aos
seus deuses – são partilhados com os pobres. Nas palavras de Mauss “os deuses e os espíritos consentem
que as porções que lhes são dadas [aos homens] e que são destruídas em sacrifícios inúteis sirvam aos
pores e as crianças” (Mauss, 2007, p. 208).
Nessas campanhas, as pessoas escolhidas para darem seus depoimentos representam
todas as outras vítimas. É seu depoimento que as tornam conhecidas, íntimas dos
doadores em potencial. Isso nos leva a pensar que a essência da dádiva, seu aspecto
voluntário e pessoal, permaneceu e sobreviveu à individualização e à impessoalidade
das sociedades industriais.
O sistema de dádiva funciona sobre um duplo movimento: solidariedade-
dívida e igualdade-dominação. A doação é partilha e por meio dela se cria dívidas por
parte de quem recebe, por isso é relação assimétrica tendo em vista que o receptor fica
em dívida com o doador. Dívida essa só “quitada” quando o donatário retribui o
presente. No que tange às relações assimétricas estabelecidas na dádiva, estas geram
hierarquia e, segundo Godelier (2001), se a hierarquia existia antes da troca recíproca é
através dela que a diferença de status não só se mostra como se legitima. O autor
afirma: ao mesmo tempo em que o dom aproxima seus participantes (pois se funda
numa partilha , numa relação de solidariedade) ele também os afasta, tendo em vista que
gera obrigações.
Ao passo que o estabelecimento de uma relação de dádiva gera dívidas –
legitimando a diferença de status social (hierarquia) e possibilitando a dominação do
doador sobre o donatário – coloca seus participantes em contato e os impõe iguais
obrigações morais e simbólicas. Aqui encontramos o princípio de igualdade [de
obrigações] forjando vínculos domésticos de familiaridade que eufemizam as relações
de dominação.
No sistema de prestações totais há, ao mesmo tempo, obrigação e liberdade.
Por um lado, para estabelecer o vínculo e/ou laço social, há a obrigação não só de dar,
como também de receber e de retribuir; por outro, o indivíduo é livre tanto para iniciar
tais relações como é livre para não permanecer nelas 8 (mesmo que essa recusa implique
em desavenças, inimizades). Este sentimento de liberdade também pode ser observado
na tentativa dos atores de negar a obediência às regras de retribuição ou mesmo de
abrandar o valor da dádiva (GODBOUT, 1998). Um exemplo ilustrativo é quando
alguém, ao agradecer por uma dádiva obtida, escuta do doador “não foi nada” ou “não
há de que”. Assim, ao se reduzir o valor do dom também se diminui a obrigação em
retribuir, gerando a incerteza sobre a retribuição da dádiva, o que significa liberdade
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Segundo Godbout (1998) ser um indivíduo (na concepção dumontiana) na modernidade implica
estabelecer relações de simples troca, e por isso ser livre, ou seja, o indivíduo não está obrigado a
estabelecer vínculos e/ou se manter neles. Esta é uma das características da troca no sistema mercantil.
para o donatário. Dessa forma, aquele que recebe um dom fica livre para retribuir e se o
fizer também será uma dádiva.
(...) a observação da circulação da dádiva leva a crer que um agente social
também é levado, em certas relações sociais, não a reduzir mas, ao contrário,
a criar e manter zonas de incerteza, entre ele e outrem, para aumentar o valor
dos laços sociais que lhes são caros. Nessa relação de dádiva, o autor procura,
em vez de limitar a liberdade alheia, aumenta-la, pois ela constitui a condição
prévia do valor que ela irá reconhecer no gesto do outro. Digo que tende a
aumentar a incerteza porque tende permanentemente a reduzir no outro
qualquer sentimento de obrigação, ainda que as obrigações nunca deixem de
existir. O autor de um sistema de dádiva tende a manter o sistema num estado
de incerteza estrutural, para permitir que a confiança se manifeste
(GODBOUT, 1998, p. 7).
Daí a importância do intervalo de tempo entre uma dádiva e sua
contradádiva: é através dele que a sensação de liberdade se institui. Como defende
Bourdieu (1996), o “atraso” em retribuir permite não só que tais atos apareçam como
desinteressados mas também que a relação de dependência e hierarquia, decorrentes da
troca de dádivas, se metamorfoseie em afinidade, afeição, proximidade, familiaridade,
amizade.
9
Ver estudo de Karina Kuschnir, O cotidiano da política, sobre as relações entre político e eleitor num
bairro do Rio de Janeiro.
10
Em O mandonismo local na vida política brasileira, Queiroz descreve a parentela, fulcro do
mandonismo político, como uma estrutura piramidal na qual seus membros, mesmo ocupando status
social diferenciado, teriam a obrigação de ajudar-se mutuamente, ou seja, teriam o dever moral de manter
uma solidariedade de tipo vertical. Na lógica moderna, quando tal modelo de solidariedade se estabelece,
ela não é vista como um dever moral, mas como um ato de generosidade por parte de seu agente.
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Em a Dívida divina: troca e patronagem no nordeste brasileiro, Marcos Lanna chama a atenção para o
fato de, no Brasil, haver uma ideologia da generosidade, que legitima a troca de dádivas e mascara a
dominação/violência.
prestações totais de tipo agonística12, ou seja, fundadas na rivalidade entre aqueles que
trocam, implicando na instituição de hierarquias (o mais poderoso é aquele que pode dar
mais). É no “tempo da política” que a quantidade e qualidade dessas dádivas se
intensificam tendo em vista que o “candidato mais forte” ou “mais poderoso” é aquele
que pode dar maiores e mais valiosos dons.
Para tanto, é fundamental o controle (ou o acesso) local dos recursos
públicos. Daí que o “alinhamento político com as posições do poder executivo é uma
questão de sobrevivência política para o vereador [ou o postulante], pois sem o uso
político da estrutura da administração municipal, não há como contemplar seu
eleitorado” (LOPES, 2005, p. 168) e manter sua lealdade política. Ou seja, a
competitividade no mercado eleitoral local é diretamente proporcional à capacidade do
candidato em alimentar sua base de sustentação político-eleitoral via prestação/troca
constante de bens e serviços. O que pode acarretar um baixo índice de renovação na
Câmara dos Vereadores.
A tabela a seguir mostra o percentual de renovação de cadeiras na Câmara
dos Vereadores no município de Barreira desde sua segunda eleição local13, em 1992,
até o pleito de 2012.
12
Para Mauss, a noção de potlatch designa um tipo específico e evoluído de prestações totais. Segundo
ele, as trocas e os contratos adquirem um caráter de rivalidade, de antagonismo na medida em que os
chefes das tribos se enfrentando, destroem ou distribuem suas riquezas acumuladas, no intuito de
“eclipsar o chefe rival que é ao mesmo tempo associado, [e assim] (...) assegurar uma hierarquia que
ulteriormente beneficiará seu clã” (MAUSS, 2007, p. 192).
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Excluímos da tabela o pleito de 1988 por ser a primeira eleição de Barreira pós-emancipação política
(em 1987), portanto não há como medir índice de renovação parlamentar.
Em toda a sua história, desde a emancipação política até o último pleito
local, em 2012, Barreira teve um total de trinta e quatro vereadores. Destes, treze
vereadores foram eleitos por duas legislaturas; quatro obtiveram três mandatos; outros
quatro conseguiram se reeleger por quatro legislaturas e um obteve seis legislaturas.
A partir de entrevistas com funcionários públicos e eleitores bem como da
observação e análise da própria história de Barreira, notamos que uma das principais
portas de entrada à política no município (ou da autopromoção no campo político) é
atuar na administração pública (principalmente como chefe de secretaria no executivo
municipal). E, uma vez eleito vereador, com acesso aos recursos públicos é mais fácil
tanto manter como ampliar sua base eleitoral e, por conseguinte, ser reeleito. Ao
contrário, vereadores que, depois de (re)eleitos, “descuidam de suas bases”, ou seja, não
fortalecem os laços com seus eleitores (negligenciando, por exemplo, a prestação de
serviços e/ou as relações de amizade), perdem capital político e abrem espaço para
outros candidatos disputarem os votos de sua base de apoio.
Com base nos dados da tabela e nas situações listadas acima, Barreira nos
fornece três exemplos emblemáticos: os vereadores Davi, Alexandre e Vagner16.
Davi iniciou sua atividade política no município como cabo eleitoral e
mediador entre o poder executivo e a comunidade a qual pertence, o que lhe
proporcionou contato direto com os recursos públicos e a possibilidade de distribuí-los
em sua comunidade (seja na forma de benefícios individuais ou coletivos). Devido a sua
“constante atuação junto à comunidade” (ES, entrevista realizada em 17 de agosto de
2012), foi eleito em todos os pleitos nos quais concorreu (1988, 1992, 1996, 2000, 2004
e 2012), fazendo parte de seis das sete legislaturas da Câmara Municipal de Barreira.
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Em fins de 1994, Barreira passou por uma crise política que culminou com a primeira cassação de um
prefeito. Na eleição que se seguiu, um dos pleitos mais disputados, as lideranças que mais se destacaram
foram aquelas que fizeram oposição à facção política do prefeito cassado.
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Devido à crise política vivenciada nos anos anteriores (cassação do prefeito em 1992) e da ótima
avaliação, por parte dos barreirenses, do grupo político que administrou a cidade entre 2001 e 2004, no
pleito de 2004 houve uma massiva votação (e eleição) nos candidatos que compunham a facção
situacionista de modo que conquistaram seis das nove cadeiras da Câmara.
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Em função de perseguições pessoais que sofri durante e após as pesquisas que resultaram em minha
dissertação e em outras produções (incluindo esse artigo) bem como seguindo as recomendações de
minha professora orientadora, optei por utilizar nomes fictícios para os políticos (vereadores e prefeitos)
aqui citados. Com exceção do vereador Faceta que me autorizou narrar sua trajetória e cujo nome já havia
sido citado no resumo aprovado na REA/ABANNE-2015.
influência junto ao eleitorado protestante da cidade, atuou ativamente como cabo
eleitoral de Paulo, candidato a prefeito que eleito naquele pleito. No ano seguinte, foi
nomeado secretário dos transportes e, devido a sua proximidade com o prefeito bem
como a possibilidade de controlar e distribuir recursos públicos, começou a constituir
sua própria base eleitoral. Em 2012, concorreu a uma cadeira na Câmara, sendo o
vereador melhor votado, com um total de 908 votos17. Cabe destacar que, ao contrário
da grande maioria dos candidatos, que tiveram uma votação concentrada em
determinadas áreas/comunidades, Alexandre conseguiu capilarizar sua base eleitoral de
modo a obter votos em quase todos os colégios eleitorais de Barreira.
Por fim, Vagner, o típico “vereador de comunidade” que tem sua base
eleitoral concentrada na comunidade onde mora e onde realiza um trabalho assistencial.
Segundo Lopes, o vereador comunitário é o mais prisioneiro dos interesses de seu
eleitorado visto que “não dispõe de recursos financeiros para entrar no sistema de
compra de votos” (LOPES, 2005, p. 171) e precisa, constantemente, realizar uma
atividade assistencial na sua comunidade eleitoral, o que não garante a sua reeleição
devido ao fato de “não ter como impedir a presença em sua área do trabalho de
candidatos” (Ibidem, p. 172).
O caso de Vagner, que será tratado com mais detalhes a seguir, reflete a
dificuldade de um candidato que, possuindo uma base eleitoral restrita a uma (ou
poucas) comunidade(s), precisa “se empenhar muito mais para manter aquele eleitorado
fiel a ele porque sempre vai ter aquele candidato tentando entrar na área dele,
trabalhando na área dele. Então qualquer vacilo pode ser decisivo” (ES, entrevista
realizada em 17 de agosto de 2012).
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O que equivale a aproximadamente 6,11% dos votos válidos daquele pleito. Para se ter uma ideia, o
vereador com a segunda melhor votação, experiente em disputas eleitorais e já indo para o quarto
mandato, obteve um total de 879 votos, 5,9% dos votos válidos; e o terceiro, com 581 votos ou 3,9% dos
votos válidos. Nas eleições de 2012, o total de votos válidos foi de 14.851 votos num universo de 17.537
eleitores.
onde seus moradores realizam suas festas e confraternizações se encontram na rua
principal.
Como muitas comunidades periféricas de Barreira, Pascoalzinho é
constituída por poucas e extensas famílias. A renda de seus moradores, na maioria,
deriva da exploração da castanha de caju e do cultivo da mandioca (com a produção de
farinha e goma de tapioca). Não há uma grande diferenciação socioeconômica entre eles
e o tipo de relacionamento é fundamentalmente pessoal baseado nas relações de
parentesco, vizinhança e compadrio.
A distância geográfica da comunidade do centro político-administrativo do
município favorece também uma certa ausência dos serviços públicos via Estado. O que
oportuniza a distinção de indivíduos que, por meio de favores prestados, se destacam
como grandes doadores e potenciais cabos eleitorais. Nesse contexto, inserimos Vagner,
pequeno comerciante, que em função de favores prestados consegue vincular um
número considerável de votos, o que chamou a atenção da facção de oposição ao
prefeito, na época, Heitor, que disputaria a reeleição no pleito de 2000. A aliança com a
facção de oposição garantiu ao comerciante uma rede de acesso a recursos públicos, que
até então, eram raros na comunidade, o que lhe permitiu não só se legitimar enquanto
representante político como ampliar sua base eleitoral em Pascoalzinho e em outras
comunidades mais próximas (Arisco, Areré e Cajueiro), consolidar a fidelidade dos seus
moradores e se eleger nos pleitos de 2000 e 2004 com uma expressiva votação 18.
No entanto, cabe lembrar que a lógica da reciprocidade exige uma
permanente manutenção/fortalecimento das obrigações morais que unem indivíduos e
coletividades e negligenciar esses laços é recusar a aliança, é não se reconhecer como
membro do grupo. No caso da política, tomando como referência Vagner, deixar de
prestar serviços a comunidade (ou a parte dela) enfraqueceu suas bases e foi decisivo
para a sua não reeleição em 2008. Nesse pleito, outros postulantes ao cargo de vereador,
representantes de outras localidades, estenderam suas bases para o território de
Pascoalzinho, até então, domínio de Vagner.
Na comunidade de Pascoalzinho, em função de sua estrutura social, do
modo como seus membros se relacionam, há uma identidade coletiva que reconhece a
primazia dos interesses coletivos sobre os individuais. Não queremos excluir a
18
Nas eleições de 2000, Vagner foi eleito por média com 328 votos. Naquele pleito, a vereadora mais
bem votada, Francisca, obteve um total de 474 votos. Nas eleições seguintes, Vagner foi eleito com 549
votos, sendo o vereador mais bem votado, Paulo, com 738 votos. Em 2008 ficou como primeiro suplente
de vereador e obteve 431 votos. Em 2012, também não foi eleito, obteve 461 votos.
existência de relações de troca de caráter mais individualista e utilitarista, mas deixar
claro que há uma percepção de que “se ganha muito mais quando se pensa na
comunidade como um todo” (ES, entrevista realizada em 17 de agosto de 2012). Foi a
partir dessa percepção de que “ser do Pascoalzinho é se sacrificar por ele” (Idem) que a
candidatura de Faceta se viabilizou.
Segundo os moradores de Pascoalzinho, outros candidatos eleitos no pleito
de 2008 que obtiveram votos na comunidade, por “serem de fora”, portanto, por “não se
reconhecerem como membros da comunidade e não conhecerem suas necessidades”,
não foram capazes de “trazer as melhorias que o povo precisava”. Daí a necessidade de
uma candidatura de “alguém de dentro”, de alguém que, vivenciando os mesmos
dramas, “desse valor ao povo do Pascoalzinho”, que os representasse, que construísse a
ponte entre o Estado e a comunidade. Para tanto, nos meses que antecederam as
convenções municipais, moradores do Pascoalzinho faziam reuniões19 para decidir
quem seria o melhor nome para representá-los na Câmara. E o escolhido foi José
Targino dos Santos, o Faceta.
19
Com frequência, os moradores de Pascoalzinho se reuniam em frente a casa de Faceta para conversar
sobre temas os mais diversos, como é comum em comunidades interioranas. Foram nessas reuniões que
começaram a debater sobre a realidade da comunidade e da necessidade de uma candidatura que os
representasse junto ao poder público.
“Faceta, o candidato tem que ser você, se for outro eu não voto!”. A escolha não foi
aleatória, Faceta havia sido escolhido porque estava familiarizado com os sentidos e
percepções da comunidade, porque, pertencendo a mesma lógica de reciprocidade,
acumulou considerável capital simbólico graças ao seu:
(...) desprendimento com as coisas. O Faceta, ele se doa para as pessoas. Se
chega uma pessoa na casa dele atrás de um favor, com um problema e
pedindo ajuda a ele, ele ajuda na hora. O que ele puder fazer pelas pessoas ele
faz. Se chega uma pessoa lá pedindo uma ajuda para pagar uma conta, pra
pagar um transporte para ir para o centro, para comprar um remédio ele dá. E
se ele não tiver ele dá um saco de farinha, dá goma pra pessoa vender. (...)
Uma vez, eu estava lá na casa dele, veio um senhor e perguntou se ele não
tinha dinheiro que desse para ele interar o dinheiro do gás. Ele deu o gás dele
e arrumou umas lenhas para fazer o almoço. (...) O Faceta é assim:
desprendido com as coisas. Tendo uma pessoa com dificuldade, ele tira do
dele para dar para a pessoa. É por isso que todo mundo aqui respeita ele. (ES,
17 de agosto de 2012).
A gramática da reciprocidade em Pascoalzinho comporta a lógica do
sacrifício como meio por onde se retribui o favor. Desse modo, tanto eleitores deveriam
estar dispostos a se doar para alavancar a candidatura de Faceta, quanto este deveria
também se sacrificar pelo bem da comunidade. Foi esse espírito que deu a tônica a sua
candidatura. Sua base de apoio em Pascoalzinho (seus vizinhos, compadres, amigos e
familiares) foi quem arcou com as despesas da campanha. Em comparação às
campanhas de outros postulantes a vereador, os eleitores de Faceta se dedicaram a
divulgar e alavancar a sua candidatura. Aqui destacamos a “solidariedade entre
vizinhos” fortalecendo vínculos de amizade, proximidade, afetividade e cumprindo
papel decisivo nas eleições locais.
A gente confia muito no Faceta e quer ver um vereador que traga as coisas
pra comunidade. Tivemos o Vagner, que foi vereador por oito anos e não fez
nada.(...) Depois que se elegeu fez foi se mudar pro centro. (...) Quando ele
passa por aqui de carro é com os vidros levantados para não ter que falar com
ninguém, para não ter que prestar favor a ninguém. (...) O Faceta, sem ser
vereador, fez muito mais que o outro lá. E ele não queria ser o vereador não,
a gente insistiu muito. (...) se você soubesse o que o povo daqui
[Pascoaozinho] fez?! Teve gente que vendeu terreno, gente que vendeu
gado, gente que vendeu farinha para dar dinheiro para a campanha dele...
para botar gasolina nos carros para levar o povo para os comícios. E o povo
ia mesmo, fazia questão. O LSC foi um que ajudou muito, ele fez foi oferecer
os ônibus dele... não cobrava nada para transportar o povo nos ônibus dele
(FBOF, 13 de setembro de 2012).
É importante observar os termos estabelecidos nesse pacto entre o candidato
e seu eleitorado: como indivíduo total, Faceta é percebido como ocupante de diferentes
lugares na comunidade, portanto devendo cumprir diferentes papéis. Se antes, ocupando
a posição social de vizinho/compadre/amigo havia uma obrigação moral de ajudar o
próximo, agora, soma-se a isso a obrigação de cumprir o papel de representar uma
coletividade, de retribuir todo o esforço que esta coletividade dedicou a sua candidatura.
Como representante político essa “retribuição” extrapola a dimensão individual porque
se estende à toda uma comunidade. A quebra desse pacto significaria o não
reconhecimento da autoridade do líder, portanto, a fragilização de suas bases e a perda
da lealdade/fidelidade (sendo esta mantida pela constante manutenção dos laços de
reciprocidade).
Considerações finais
Há um debate permanente acerca do clientelismo no Brasil e as implicações
de sua permanência na política nacional. Debates que, em sua maioria, se amparam
numa leitura dicotômica do fenômeno e identificam o clientelismo à política tradicional,
ao mundo rural [sobretudo o nordestino], á irracionalidade dos eleitores, em uma
palavra, ao atraso. Em consequência, advogam a ideia de que uma ampla modernização
dos setores socioculturais, econômicos e políticos levariam ao declínio do clientelismo.
No entanto, apesar da instituição de regras mais claras para a
apuração/punição de casos de compra de votos durante as eleições ou maior fiscalização
do Estado no intuito de coibir o uso privado de recursos públicos com finalidades
eleitoreiras, por exemplo, não foi possível a extinção dessa prática.
Para José de Sousa Martins (2001), o clientelismo, como elemento residual
da política tradicional (que sobrevive desde o período colonial), não só convive como é
condição para viabilizar práticas e programas de cunho modernizante. Este é o caráter
anômico da política nacional caracterizado pela convivência de dois tempos: um
atrasado e outro moderno. Desse modo, práticas clientelistas se revestem de
legitimidade através de fachadas modernas como também práticas modernas se valem
de relações clientelistas para se tornarem possíveis.
Na análise de José Murilo de Carvalho (1997), o clientelismo, entendido
como uma relação entre agentes do governo/políticos com as camadas pobres da
população no qual se trocam benefícios públicos por apoio político/voto, é uma
característica da política brasileira que se ampliou com o tempo. Esse tipo de relação
encontra solo fértil em lugares onde o Estado é ausente e/ou não consegue atender as
demandas mais essenciais da população. Daí teóricos como Edson Nunes (1997)
entenderem o clientelismo como um instrumento de mediação entre Estado e sociedade,
um modo de aproximar as camadas mais pobres dos recursos/serviços públicos que, por
outra via, não seria possível.
Tal prática se evidencia durante o “tempo da política”, momento em que os
postulantes a cargos eletivos buscam não só estabelecer redes de apoiadores como, e
principalmente, ter a garantia de que o apoio será real, ou seja, se consubstancie em
votos. Nesse sentido, partimos do pressuposto de que a política, em si, é uma relação de
troca e, como estratégia política, comporta sua lógica e racionalidade próprias, portanto,
extrapolando a categoria clientelismo.
Buscamos, assim, extrair não um sentido valorativo do fenômeno, mas
entender a gramática da troca entre político e eleitor no Brasil para além da simples
“troca de favores” pensando ambos os agentes como capazes de negociar e ressignificar
os termos da troca/relação e compreender como tais modelos interativos se transformam
em estratégia para a adesão política bem como a consolidação de fidelidades.
Privilegiando a perspectiva dos sujeitos e os significados que motivam suas
ações discutimos em que medida o sistema de dádivas serve como modelo analítico e
explicativo para perceber a complexidade da interação entre candidato e eleitor. Assim,
quando a dádiva parte de uma autoridade política, assume o aspecto de um ato de re-
conhecimento (GOMES, 2005). Do lado dos políticos, reconhecimento enquanto
membro de uma coletividade que merece/precisa ser representada bem como das
necessidades dessa mesma coletividade. Do lado do povo, reconhecimento da
autoridade do doador. A partir daí tem-se a construção de uma identidade coletiva que
liga eleitor e postulante numa cadeia de obrigações que, no caso da comunidade de
Pascoalzinho, resignifica os termos desses deveres mútuos e colocam o sacrifício, para
além da dimensão utilitarista, como elemento chave da retribuição.
Para pensar essa lógica da troca como recurso diferenciador no mercado
político local, trouxemos para a discussão a eleição de um vereador no município de
Barreira (Ceará): José Targino dos Santos, o Faceta. Um candidato tido como
inexpressivo mas que, a partir da lógica da dádiva, conseguiu adentrar em “territórios de
outros vereadores” já estabelecidos e não só construir sua rede de apoiadores como
garantir a fidelidade de eleitores que, até então, “só votavam com outros candidatos”.
Apesar de se tratar de um candidatura e comunidade específicas, portanto, que possuem
suas peculiaridades, acreditamos que esta reflexão trouxe importantes elementos para se
(re)pensar a lógica orientadora da relação entre político e eleitor.
Referências Bibliográficas
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GRANDI, R.; MARINS, A.; FALCÃO, E. (Orgs). Voto é marketing... o resto é política.
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