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Universidade Federal da Bahia – Departamento de Hidráulica e Saneamento Capítulo 7

CAPÍTULO 7

REGULARIZAÇÃO DE VAZÕES E CONTROLE DE ESTIAGENS

7.1. Introdução

A variabilidade temporal das vazões fluviais tem como resultado visível a ocorrência de
excessos hídricos nos períodos úmidos e a carência nos períodos secos. Nada mais natural
que seja preconizada a formação de reservas durante o período úmido para serem utilizadas
na complementação das demandas na estação seca, exercendo um efeito regularizador das
vazões naturais.
Em geral, os reservatórios são formados por barragens implantadas nos cursos d'água. Suas
características físicas, em especial a capacidade de armazenamento, dependem das
características topográficas do vale no qual estará situado.
Como a ocorrência das vazões é aleatória, ou seja, não há possibilidade de previsão de
ocorrências a longo prazo, não é também possível prever-se com precisão o tamanho da
reserva de água necessária para suprimento das demandas de períodos de seca no futuro. Isto
leva o planejador de recursos hídricos a duas situações ineficientes: superdimensionar as
reservas, às custas de investimentos demasiados no reservatório de acumulação ou,
subdimensionar as reservas às custas de racionamento durante o período seco. Entre essas
duas dimensões estaria aquela ótima.
No entanto, a situação é mais complexa do que o acima exposto, exatamente porque as
vazões são aleatórias. Assim, existirão períodos nos quais determinada dimensão de
reservatório será suficiente e outros em que não. A exceção ocorre nos casos extremos em
que seja implantado um reservatório excessivamente grande, que permita atender sempre a
demanda, ou excessivamente pequeno, que nunca o faça. A dimensão ótima para um
reservatório deverá ser considerada em função de um compromisso entre o custo de
investimento na sua implantação e o custo da escassez de água durante os períodos secos. O
primeiro custo é diretamente proporcional e o segundo é inversamente proporcional à
dimensão do reservatório Quanto menor for a capacidade útil de acumulação de água, ou seja
aquela que pode ser efetivamente utilizada, mais provável é a ocorrência de racionamento.
Portanto, apenas na situação de extrema aversão ao racionamento seria ótima a decisão de
construir-se um reservatório que sempre pudesse acumular água para atender à demanda.
Há um risco de que o raciocínio previamente elaborado leve à errônea conclusão que, para o
atendimento a qualquer demanda hídrica seja suficiente a construção de um reservatório com
capacidade útil suficientemente grande de acumulação. Isso porque, obviamente, a
capacidade útil de acumulação de um reservatório poderá ser efetivamente utilizada se houver
durante algum período úmido água suficiente para enchê-lo. Já se introduziu um número
suficiente de complexidades ao problema para ser aconselhável iniciar a apresentação das
soluções práticas. Mas, apenas para constar, e com risco de assustar o estudante, é possível
citar-se outras mais: a demanda pode também ser variável e mesmo, aleatória como a vazão, e
existem perdas de água em um reservatório, por evaporação, infiltração e vazamentos. O fato
é que o estudo de um reservatório, de regularização de vazões exige o conhecimento de sua
dimensão, das vazões afluentes, da demanda a ser suprida e das perdas que poderão ocorrer.
Neste capítulo, basicamente, três problemas serão tratados. Primeiro, conhecidas as vazões
naturais, ou de entrada no reservatório, calcular o volume deste para atender a uma dada lei
para as vazões regularizadas ou de saída do reservatório. Segundo, dado um certo
reservatório, determinar uma lei, para as vazões regularizadas, que mais se aproxime da
regularização total, isto é, da derivação constante da vazão média. Terceiro, dados um
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reservatório e a lei de regularização, calcular os volumes de água existentes no reservatório


em função do tempo. As soluções destes problemas são básicas para o projeto e operação de
reservatórios de regularização de vazões.

7.2 Cálculo do Volume do Reservatório para Atender a uma Lei de Regularização

Costuma-se chamar de lei de regularização a função:

Qr(t )
Y (t ) = (7.1)
Qmed
onde: Qr(t) é a vazão regularizada em função do tempo (t)
Qmed é a vazão média no período considerado.

Dada a seqüência no tempo, das vazões naturais [Q(t)], e conhecida a lei de regularização
y(t), é possível determinar a capacidade mínima do reservatório para atender a essa lei.
Aqui, a vazão regularizada [Qr(t)] é a soma de todas as vazões que saem do reservatório no
tempo t. Não se fará menção à evaporação mas está poderá ser computada como função da
área líquida exposta e de dados climatológicos. A evaporação poderá também ser subtraída
das vazões naturais que entram no reservatório.
A capacidade mínima de um reservatório para atender a uma certa lei de regularização é
dada pela diferença entre o volume acumulado que seria necessário para atender aquela lei no
período mais crítico de estiagem e o volume acumulado que aflui ao reservatório no mesmo
período.
Considerando vários períodos de estiagem, o mais crítico é aquele que resulta na maior
capacidade do reservatório. Assim, pode-se calcular a capacidade do reservatório para vários
períodos de estiagens e adotar a maior capacidade encontrada.
Seja, por exemplo, um ano com a hidrógrafa dada na Figura 7.1:

Fig. 7.1 - Hidrógrafa de entrada em um reservatório.

Suponha-se que se queira a seguinte lei de regularização:


y (t ) = 1 (7.2)

Isso significa que se deseja uma vazão regularizada constante e igual à média (Qmed).

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É fácil observar que o período crítico para essa lei de regularização é definido pelos meses
de abril e setembro inclusive.
Nos rios perenes do sul do país, a hidrógrafa mostrada na Figura 7.1 é típica; entretanto, não
é necessário que período crítico esteja todo dentro de um ano civil.
O volume necessário para manter a vazão Qmed, durante estes meses é:

Vn = Qmed (∆t ABR + ∆t MAI + ∆t JUN + ∆t JUL + ∆t AGO + ∆t SET ) (7.3)


onde ∆t ABR
é o número de segundos do mês de abril, ∆t MAI
é o número de segundos do
mês de maio e assim por diante. Qmed deve, nesse caso, ser dado em m³/s e Vn em m³.
O volume que chega (Va) ao reservatório neste período é:

V = Q ∆t
a ABR ABR
+ QMAI ∆t MAI + QJUN ∆t JUN + QJUL ∆t JUL + QAGO ∆t AGO + QSET ∆t SET (7.4)

Assim, a capacidade (Cr) mínima do reservatório para manter aquela lei de regularização,
será: Cr = V n − V a (7.5)
Exemplo: A partir da análise da tabela 7.1, calcular a capacidade do reservatório.
TABELA 7.1 - Rio Jaguari em Igaratá
1 2 3 4 5 6 7 8 9
Período
Vazões Vazòes Volumes
Q Difrenças
Q Diferença Disponíveis Demanda Atuais Situação do
demanda Acuml col.
Ano Meses (m3/s) (2) - (3) Acumuladas da Acumuladas da (2,592x106 Reservatório
(m3/s) (4)
col. (2) (m3/s) col. (3) (m3/s) m3)

Jan 9,13 3,8 5,33 - 9,13 3,8 5,21 E


Fev 5,76 3,8 1,96 - 14,89 7,6 5,21 E
Mar 5,43 3,8 1,63 - 20,32 11,4 5,21 E
Abr 3,74 3,8 -0,06 0,06 24,06 15,2 5,15 D
Mai 3,45 3,8 -0,35 0,41 27,51 19,0 4,80 D
Jun 2,94 3,8 -0,86 1,27 30,45 22,8 3,94 D
1
Jul 2,61 3,8 -1,19 2,46 33,06 26,6 2,75 D
Ago 3,65 3,8 -0,15 2,61 36,71 30,4 2,60 D
Set 2,21 3,8 -1,59 4,20 38,92 34,2 1,01 D
Out 2,79 3,8 -1,01 5,21 41,72 38,0 0. S
Nov 4,45 3,8 0,65 - 46,16 41,8 0,65 S
Dez 5,96 3,8 2,16 - 52,12 45,6 2,81 S
Jan 5,12 3,8 1,32 - 57,24 49,4 4,13 S
Fev 7,97 3,8 4,17 - 65,21 53,2 5,21 E
Mar 8,42 3,8 4,62 - 73,63 57,0 5,21 E
Abr 5,25 3,8 1,45 - 78,88 60,8 5,21 E
Mai 7,12 3,8 3,32 - 86,00 64,6 5,21 E
Jun 8,83 3,8 5,03 - 94,83 68,4 5,21 E
2
Jul 4,55 3,8 0,75 - 99,38 72,2 5,21 E
Ago 5,68 3,8 1,88 - 105,06 76,0 5,21 E
Set 4,16 3,8 0,36 - 109,22 79,8 5,21 E
Out 5,02 3,8 1,22 - 114,24 83,6 5,21 E
Nov 4,23 3,8 0,43 - 118,47 87,4 5,21 E
Dez 5,41 3,8 1,61 - 123,88 91,2 5,21 E
E= água escoando pelo extravasor D= nível de água baixando S=nível de água subindo

Desta forma, a capacidade do reservatório é:


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Cr = 5,21(m 3 / s ) ⋅ 30 ⋅ 86.400( S ) = 5,21 ⋅ 2,592 ⋅ 10 6 m 3


Cr = 13,504 ⋅ 10 6 m 3

7.3 Diagrama de Massas

O diagrama de massas ou diagrama de Ripple é definido como a integral da hidrógrafa. É


um diagrama de volumes acumulados que afluem ao reservatório. Uma hidrógrafa como a
mostrada na Figura 7.1 dá origem a um diagrama de massas como o da Figura 7.2.

Como o diagrama de massa é a integral da hidrógrafa, as


tangentes a essa curva dão as vazões em cada tempo
considerado.
Supondo que se deseje a mesma lei de
regularização dada na fórmula (7.2), pode-se
observar que a vazão média (Qmed) é dada pela
inclinação da reta AB da Figura 7.3

Fig. 7.2 - Diagrama de massas.

Para derivar a vazão média (Qmed), o período crítico será definido pelo intervalo de tempo
(t1, t2). É claro que, para manter a vazão média (Qmed) durante o intervalo de tempo (t1, t2), se
necessita do volume (Vn):

V = Q (t − t )
n 2 1
(7.6)

Como o diagrama da Figura 7.3 é um diagrama integral, o volume (Vn) fica representado
pelo segmento EC.

Fig. 7.3 - Regularização da vazão média

O volume que aflui (Va) ao reservatório no período de tempo (t1, t2) é:

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t2

Va = ∫ Qdt (7.7)
t1

O volume (Va) é representado pelo segmento DC.

Assim, a capacidade do reservatório, isto é, (Vn-Va) é representada pelo segmento ED, que
por sua vez é a soma de δ1 e δ2, conforme a Figura 7.3.

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