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CÓSMICA
COORDENAÇÃO E SUPERVISÃO
BIBLIOTECA ROSACRUZ
ISBN - 85-317-0152-X
Dedicatória..................................................................................................9
O Homem e o Livro................................................................................... 11
Nota........................................................................................................... 20
Lista de Algumas das Obras Citadas ou Mencionadas Neste Livro........21
PARTE I
Primeiras Palavras....................................................................................35
PARTE II
Evolução e Involução.
Capítulo
1 Rumo à Autoconsciência...............................................................53
2 No Plano da Autoconsciência....................................................... 57
3 Involução.......................................................................................85
PARTE III
PARTE IV
Capítulo
PARTE V
Capítulo
1 O Crepúsculo...............................................................................293
2 Moisés.......................................................................................... 295
3 Gideão (Apelidado Jurubbaal).................................................... 299
4 Isaías............................................................................................ 301
5 O Caso de Lí R .............................................................................303
6 Sócrates........................................................................................ 309
7 Roger Bacon.................................................................................311
8 Blaise Pascal................................................................................315
9 Benedictus Spinoza.....................................................................319
10 Coronel James Gardiner..............................................................325
11 Swedenborg..................................................................................327
12 William Wordsworth...................................................................329
13 Charles G. Finney....................................................................... 331
14 Alexander Pushkin.......................... ........................................... 335
15 Ralph Waldo Emerson.................................................................337
16 Alfred Tennyson.......................................................................... 339
17 J. B. B........................................................................................... 343
18 Henry David Thoreau..................................................................345
19 J. B................................................................................................349
20 C. P ...............................................................................................351
21 O Caso de H. B. em suas Próprias Palavras................................357
22 R. P S........................................................................................... 363
23 E .T .............................................................................................. 367
24 Caso de Ramakríshna Paramahansa.......................................... 369
25 Caso de J. H. H.............................................................................373
26 T. S. R...........................................................................................375
27 W .H .W .......................................................................................377
28 Richard Jefferies.......................................................................... 379
29 Caso de C. M, C., nas Próprias Palavras Dela............................385
30 O Caso de M. C. L., nas Próprias Palavras D ele....................... 393
31 Caso de J. W. W., Principalmente nas Próprias Palavras D ele... 397
32 O Caso de J. William Lloyd, nas Próprias Palavras Dele...........409
33 Horace Traubel............................................................................. 413
34 O Caso de Paul Tyner, em Suas Próprias Palavras.................... 421
35 O Caso de C. Y. E., nas Próprias Palavras D ela........................ 429
36 O Caso de A. J. S......................................................................... 433
PARTE VI
Biblioteca Rosacruz.................................................................................457
DEDICATÓRIA DA
PRIMEIRA EDIÇÃO
8 de dezembro de 1900
Querido Maurice:
SEU PAI
Algumas vezes acontece que, na maré de livros que continuamente vêm
e vão, um deles não desaparece juntamente com seus contemporâneos e,
devido a algo que contém, ou algo que é, subsiste para uma outra geração -
ou mesmo além disso - respondendo de algum modo a alguma real
necessidade humana.
A viagem até Salt Lake durou cinco meses e lá o jovem Bucke sacou seu
pagamento acumulado de todo aquele tempo e decidiu seguir adiante com
alguns outros. Os aventureiros cruzaram as Montanhas Rochosas pelo South
Pass e logo viram que sua jornada era muito mais emocionante e perigosa,
pois os bandos errantes de índios que encontraram ressentiram-se da presença
de homens brancos e os atacaram assim que os viram. Eles tiveram de abrir
caminho lutando, de acampamento a acampamento, até ficarem reduzidos a
seus últimos cartuchos. Então, não somente sua munição havia acabado,
mas também suas provisões; assim sendo, Bucke e um companheiro viajaram
as últimas 150 milhas comendo somente farinha mexida em água quente,
até que cambalearam para um posto de comércio na montanha e desfaleceram.
Depois de descansarem ali por algum tempo, reiniciaram a viagem, cruzaram
o Grande Deserto Americano em direção ao Rio Carson e finalmente
alcançaram o Gold Canyon.
Por um ano Richard Maurice Bucke viveu como mineiro de ouro, numa
comunidade de cerca de 100 homens brancos espalhados em 1.600 milhas
quadradas de território sem leis, sem tribunais, sem igreja nem escola.
Conheceu e se tomou amigo dos irmãos Grosh e de seu sócio, chamado
Brown, que haviam descoberto as grandes jazidas de prata conhecidas mais
tarde como Comstock Lode, mas que mantinham sua descoberta em segredo
enquanto continuavam com a prospecção de mais prata. Mas um revés os
surpreendeu: Brown e um dos Grosh faleceram e o outro irmão, Allan, seguiu
com Bucke pelas montanhas, embora fosse invemo, na tentativa de alcançar
a costa. Foi uma experiência terrível; Allan Grosh morreu no caminho e
Bucke, com ambos os pés congelados, foi resgatado no último minuto por
um grupo de mineiros. O resultado foi que Bucke precisou ter um dos pés
completamente amputado e uma parte do outro e que, após um inverno inteiro
de cama, ele voltou à vida, na flor de seus 21 anos, tão gravemente mutilado
que pelos restantes 40 anos de sua vida nunca esteve livre de dores por mais
de algumas horas de cada vez.
Mas Richard Maurice Bucke era tudo menos um mero profissional. Num
dos lados de seu cérebro era um cientista objetivo, ao passo que no outro era
um homem de faculdade de imaginação altamente desenvolvida e dotado de
memória extraordinária, especialmente para poesia - de que sabia livros
inteiros de cor. Sua carreira profissional foi notável. Em 1876 foi nomeado
Superintendente do Provincial Asylum for the lnsane, recém-construído em
Hamilton, Ontário; em 1877, do London (Ontario) Hospital. Tomou-se um
dos mais destacados alienistas do continente, introduzindo muitas reformas
em procedimentos que, embora considerados na época perigosamente radicais,
são hoje corriqueiros. Em 1882 tomou-se Professor de Doenças Mentais e
Nervosas na Western University (London, Ontário). Em 1888 foi eleito
Presidente da Psychological Section da British Medicai Association e em
1890 Presidente da American Medico-Psychological Association.
Horace Traubel nos deu uma idéia do que Whitman pensava de Bucke,
como homem e como médico (Bucke tratou de Whitman profissionalmente
e, segundo o poeta acreditava, salvou-lhe a vida). “Alguém esteve aqui outro
dia e se queixou de que o Médico era rigoroso demais. O Sol também é
rigoroso; e quanto a mim - não sou rigoroso?” E: “É bonito vê-lo em seu
trabalho - como lida com pessoas difíceis de modo tão afável”; e ainda:
“Bucke é um homem que gosta de estar ocupado... é rápido na ação, lúcido,
seguro, decidido”. E comparando Bucke com Sir William Osier: “Osier
também tem suas qualidades, grandes qualidades, mas, no final das contas,
o verdadeiro homem é o Doutor Bucke. Ele está acima de todos”.
Quatro anos mais tarde, o próprio livro Consciência Cósmica foi publicado
por Messrs. Innes o f Philadelphia, numa edição limitada de 500 exemplares.
Embora Bucke tenha vivido mais db que seu amigo e ídolo, Whitman, não
viveu o suficiente para ver o sucesso de seu próprio livro; pois, numa noite
do inverno seguinte - 19 de fevereiro de 1902, para sermos exatos - depois
de voltar para casa com sua esposa, da noite que haviam passado na casa de
um amigo, Bucke foi à varanda antes de se deitar, para dar mais uma olhada
nas estrelas - que naquela noite estavam excepcionalmente brilhantes no
claro céu de inverno; escorregou num pedaço de gelo, bateu violentamente a
cabeça contra uma coluna da varanda e caiu. Quando foi erguido já estava
sem vida.
Durante seus anos de formação, quando a maioria dos homens tem sua
originalidade reprimida e suas opiniões padronizadas pelas rotinas de escola
e colégio, Bucke esteve em briga com a vida real e com isto se tomou um
tanto herege. Passou a última noite de sua vida discutindo os indícios a favor
da autoria baconiana das peças e poesias de Shakespeare, questão que
firmemente mantinha do lado heterodoxo. Era um brilhante polemista quando
estava predisposto a isto, sua espantosa memória permitindo-lhe citar páginas
inteiras de autoridades para apoiar seus pontos de vista - chega-se a dizer
que ele podia repetir de cor o livro inteiro de Walt Whitman, Leaves o f
Grass - o que não é nenhum feito medíocre.
Bucke argumentava que esses novos sentidos devem ter começado como
esporádicos, casos isolados da nova consciência em uns poucos indivíduos;
depois devem ter se espalhado gradualmente com o passar das gerações, até
que quase todas as raças civilizadas agora os possuem - embora absolutamente
não com a mesma totalidade ou ao mesmo grau. Mesmo hoje, os bosquímanos
da África e os aborígines da Austrália são totalmente desprovidos deles.
Deve-se notar que este livro está impresso em três tamanhos de letras: no
maior, a parte escrita pelo autor, bem como certas citações curtas que são
indicadas por aspas da maneira usual; os excertos de escritores que alcançaram
a Consciência Cósmica e de outros escritores a respeito deles estão impressos
em tipo de tamanho médio e neste caso não foi considerado necessário usar
aspas, pois todo assunto impresso neste tipo é indicado e os respectivos autores
são devidamente reconhecidos, cada qual com sua parte; o tipo menor é
usado para passagens paralelas e comentários; neste caso as aspas são usadas
da maneira comum.
LISTA DE ALGUMAS DAS OBRAS CITADAS
OU MENCIONADAS NESTE LIVRO
1. Anderson, A.A. Twenty Five Years in a Wagon (Vinte Cinco Anos num Vagão).
Chapman & Hall, Londres, 1888.
4. Balzac, Honoré de. A Memoir o f (Balzac, Honoré de. Uma Biografia de), por K.
P. Wormley. Robert Bros., Boston, 1892.
9. Balzac, Honoré de. The Exiles (Os Exilados). No mesmo livro com 7.
10. Bíblia. Comparada com as mais antigas autoridades e revisada. University Press,
Oxford, 1887. (Na tradução: A BÍBLIA SAGRADA, traduzida em português por
João Ferreira de Almeida - Imprensa Biblica Brasileira, 1954).
28a. Bucke, Richard Maurice. Man’s Moral Nature (A Natureza Moral do Homem).
G.P. Putnam’s Sons, Nova York, 1879.
30. Bum ouf, E. Le Lotus de la Bonne Loi (O Lótus da Boa Lei). L’Imprimerie
Nationale, Paris, 1852.
30a. Bacon, Roger E. Sa vie, ses ouvrages, ses doctrines (Sua Vida, suas Obras, suas
Doutrinas). Por Emile Charles, Hachette, Paris, 1861.
31. Butler, Alban. The Lives of Fathers, Martyrs and other Principal Saints (A Vida
de Padres, Mártires e outros Santos Principais). D. & J. Sadler, Nova York, sem
data, Volume XI.
32. Bacon, Francis. The Works of (As Obras de). Edição Popular por Spedding, Ellis
and Heath, em dois volumes. Hurd & Houghton, Nova York, 1878, Parte I do
Vol. n.
38. Bucke, Richard Maurice. Walt Whitman. David McKay, Filadélfia, 1883.
39. Boehme, Jacob, Works of (Jacob Boehme, Obras de), em quatro volumes. Com
prefácio sobre a vida do autor e figuras ilustrando seus princípios, pelo Rev.
William Law. Impresso para M. Richardson, Londres, 1764-1781.
40. The Life o f Jacob Boehme (A Vida de Jacob Boehme), paginação separada, no
Vol. I de 39.
41. Aurora, the Dayspring or Dawning o f the Day in the East (Aurora, a Alvorada
ou o Nascer do Dia no Oriente), paginação separada, no Vol. I de 39.
42. The Three Principles o f the Divine Essence (Os Três Princípios da Essência
Divina), paginação separada, no Vol. I de 39.
43. The Threefold Life o f Man (A Vida Tríplice do Homem), paginação, separada, no
Vol. H de 39.
44. Forty Questions Concerning the Soul (Quarenta Questões sobre a Alma),
paginação separada, no Vol. II de 39.
48. The Four Tables (As Quatro Mesas, paginação separada, no Vol. II de 39.
52. Blake, William. Poetical Works (Obras Poéticas). Editado por William Rossetti.
George Bell & Sons, Londres, 1891.
53. Burroughs, John. Notes on Walt Whitman as Poet and Person (Notas sobre Walt
Whitman como Poeta e Pessoa), segunda edição. J.S. Redfield, Nova York, 1871.
54. Browning, Robert. The Poetical Works o f (As Obras Poéticas de), em dezessete
volumes. Smith, Elder & Co. , Londres, 1889-1894, Vol. VI.
56. Carpenter, Edward. From Adam Is P eak to Elephanta (De Adam’s Peak a
Elephanta). Swan Sonnenschein & Co., Londres, 1892.
57. Carpenter, Edward. Civilization: Its Cause and Cure (CivilizaçSo: sua Causa e
Cura). Swan Sonnenschein & Co., Londres, 1889.
58. Charles, Emile. Roger Bacon. Sa vie, ses ouvrages, ses doctrines (Roger Bacon.
Sua vida, suas obras, suas doutrinas). Hachette, Paris, 1861.
59. Carlyle, Thomas. Heroes &c (Heróis &c). Em Complete Works (Obras Completas),
em vinte volumes. Estes & Lauriat, Boston, 1885, Vol. I.
67. Darwin, Charles. Animals and Plants under Domestication (Animais e Plantas
Adaptados à Vida Doméstica). Orange, Judd & Co., Nova York, 1868, em dois
volumes, Vol. H.
68. Dante, The New Life (A Nova Vida). Traduzido para o inglês por Charles Eliot
Norton. Houghton, Mifflin & Co., Boston e Nova York, 1892.
73.D avis, T.W. Rhys, Buddhism (Budismo). Society for Promoting Christian
Knowledge, Londres , sem data.
75. Dixon, William Hepworth. Personal History o f Lord Bacon (História Pessoal de
Lord Bacon). John Murray, Londres, 1861.
76. Ellis, Havelock. The Criminal (O Criminoso). Walter Scott, Londres, 1890.
77. Encyclopaedia Britannica, nona edição. Adam and Charles Black, Edimburgo,
1875-1889.
90. Fortnightly Review (Revista Quinzenal). Leonard Scott Publishing Co., Nova
York, julho de 1896.
91. Geiger, Lazarus. Contributions to the History o f the Development o f the Human
Race (Contribuições para a História do Desenvolvimento da Espécie Humana).
Traduzido por David Asher, Trübner & Co., Londres, 1880.
92. Galton, Francis. Hereditary Genius (Gênio Hereditário). D. Appleton & Co.,
Nova York, 1879.
93. Gibbon, Edward. Decline and Fall o f the Roman Empire (Declinio e Queda do
Império Romano), em 6 volumes. Crosby, Nichols, Lee & Co., 1860, Vol. VI.
94. Gilchrist, Alexander. Life o f William Blake (A Vida de William Blake). Macmillan
& Co., Londres e Cambridge, 1863, em dois volumes, Vol. I.
97. Hartmann, Franz. The Life and Doctrines o f Jacob Boehme (A Vida e as Doutrinas
de Jacob Boehme). Kegan Paul, Trench, Trübner & Co., Londres, 1891.
102. Irving, Washington. Life o f M ohammed (A Vida de Maomé). Bell & Daldy,
Londres, 1869.
103. In Re Walt Whitman. Editado por Literary Executors - H.L. Träubel, R.M.
Bucke and T.B. Harned. David McKay, Filadélfia, 1893.
106. James, Henry, Jr. French Poets and Novelists (Poetas e Romancistas Franceses).
Macmillan & Co., Londres, 1878.
107. Kennedy, John. Facts and Histories Illustrating the Divine Life (Fatos e Histórias
Que Ilustram a Vida Divina). The Religious Tract Society, Londres, sem data.
108. Kidd, Benjamin. Social Evolution (Evolução Social). Macmillan & Co., Londres,
1894.
112. Lewis David. Life o f St. John o f the Cross (A Vida de São João da Cruz),
prefixado para 202, abaixo.
113. Lyell, Sir Charles. The Geological Evidences o f the Antiquity ofM an (As Provas
Geológicas da Antiguidade do Homem). John Murray, Londres, 1863.
114. Lecky, W.E.H. History o f European M orals (História da Moral Européia).
Longmans, Green & Co., Londres, 1869, Vol. II.
120. Macaulay, T.B. Critical H istorical and Literary Essays (Ensaios Críticos
Históricos e Literários), em seis volumes. Hurd & Houghton, Nova York, 1875,
Vol. m.
123. Martensen, Hans Lassen. Jacob Behmen: His Life and Teaching; or Studies
on Theosophy (Jacob Behmen: Sua Vida e Seus Ensinamentos; ou Estudos
sobre Teosofia). Traduzido do dinamarquês por T. Rhys Evans. Hodder &
Stoughton, Londres, 1885.
124a. Notes and Fragments (Notas e Fragmentos). Editado pelo Dr. R.M. Bucke,
1899.
125. Nineteenth Century, The (Século Dezenove, O). Nova York, agosto de 1896.
127. Plato (Platão). Tradução de Jowett. Clarendon Press, Oxford 1875, cinco
volumes, Vol. n.
129. Pott, Mrs. Henry. The Promus, de Francis Bacon. Longmans, Green & Co.,
Londres, 1883.
130. Pott, Mrs. IIenry. Did Francis Bacon Write "Shakespeare"? (Escreveu Francis
Bacon “Shakespeare”?). Robert Banks & Sons, Londres, 1893.
132. Pink, Caleb. The Angel o f the M ental Orient (O Anjo do Oriente Mental).
William Reeves, Londres, 1895.
133. Pollock, Sir Frederick. S p inoza’s Life and Philosophy (Vida e Filosofia de
Spinoza). Duckworth & Co., Londres, 1899.
133a. Phelps, Elizabeth Stuart. The Story o f Jesus Christ (A História de Jesus Cristo).
Houghton, Mifflin & Co., Boston, 1897.
134. Romanes, George John. Mental Evolution in Man, Origin o f Human Faculty
(A Evolução Mental no Homem, A Origem da Faculdade Humana). D. Appleton
& Co., Nova York, 1889.
135. Reference H and Book o f the M edical Sciences (Manual de Referência das
Ciências Médicas). Editado por Albert H. Buck, em oito volumes. William
Wood & Co., Nova York, 1885-1889, Vol. Ü.
142. Renan, Ernest. Les Apôtres (Os Apóstolos). Michel, Levy Frères, Paris, 1866.
143. Renan, Ernest. Saint Paul (São Paulo). Michel, Levy Frères, Paris, 1869.
144. Ramsay, W.M. St. P aul the Traveler and the Roman Citizen (São Paulo, o
Viajante e o Cidadão Romano). G.P. Putnam’s Sons, Nova York, 1896.
145. Ruggles, H.J. The Plays o f Shakespeare Founded on Literary Form (As Peças
de Shakespeare Baseadas na Forma Literária) . Houghton, Mifflin & Co., Boston,
1895.
146. Sacred Books o f the East (Livros Sagrados do Oriente). Editado por F. Max
Mueller. The Clarendon Press, Oxford, em quarenta e oito volumes, 1879-
1885.
151. Part I o f Q u r’an (Parte I do Alcorão). Traduzida do árabe por E.H. Palmer,
sendo Vol. VI de 146.
153. Part II o f Qur'an (Parte II do Alcorão). Traduzida do árabe por E.H. Palmer,
sendo Vol. IX de 146.
161. Akankheyya-Sutta. Traduzido do pâli por T.W. Rhys Davids, no Vol. XI de 146.
162. Introduction to 161 (Introdução a 161). Por T.W. Rhys Davids, no Vol. XI de
146.
163. Maha Parinibbana-Sutta. Traduzido do pâli por T.W. Rhys Davids, no Vol. XI
de 146.
165. Introduction to 164 (Introdução a 164). Por H. Kern, no Vol. XXI de 146.
166. The Texts o f Taoism (Os Textos do Taoísmo). Traduzido por James Legge. Vol.
XXXIX de 146.
167. Sharpe, William. Introduction to the Songs, Poems and Sonnets o f William
Shakespeare (Introdução aos C ânticos, Poem as e Sonetos de William
Shakespeare) . Walter Scott, Londres, 1885.
168. Scott, Walter. Editado por Andrew Long, em quarenta e oito volumes. Estes &
Lauriat, Boston, 1894. Vol. n.de Waverley.
170. Stead, William Thomas. Em Review o f Reviews, número não anotado, mas
imediatamente após o falecimento de Tennyson, que ocorreu em 6 de outubro
de 1892.
170a. Spinoza. Ethics (Ética). Traduzido do latim por A.H. Stirling, segunda edição.
Macmillan & Co., Nova York 1894.
171. Sutherland, Jabez Thomas. The Bible: Its Origin, Growth and Character
(Origem, Crescimento e Caráter da Bíblia). G.P. Putnam’s Sons, Nova York,
1893.
172. Salt, H.S. Richard Jefferies: A Study (Richard Jefferies: Um Estudo). Swan
Sonnenschein & Co., Londres, 1894.
173. Sharpe, William. The D ual Image (A Imagem Dual). H.A. Copley, Londres,
1896.
174. Spedding, James. Life and Times o f Francis Bacon (Vida e Época de Francis
Bacon), em dois volumes. Houghton, Osgood & Co., Boston, 1878, Vol. I.
177. Spedding, James. Evenings with a Reviewer (Serões com um Revisor), em dois
volumes. Houghton, Mifflin & Co., 1882, Vol. I.
179. Symonds, J.A. The Study o f Dante (O Estudo de Dante). Adam & Charles
Black, Edimburgo, 1890.
182. Tennyson, Lord Alfred. A Memoir by His Son (Uma Biografia, pelo Seu Filho),
em dois volumes. Macmillan & Co., Londres, 1897, Vol. I.
183. Tennyson, Lord Alfred. Works (Obras), em dez volumes. Henry T. Thomas,
Nova York, 1893.
187. Tyner, Paul. The Living Christ (O Cristo Vivente) . Temple Publishing Co.,
Denver, Col., 1897.
188. Vaughan, Robert Alfred. Hours with the Mystics (Horas com os Místicos), sexta
edição, em dois volumes. Charles Scribner’s Sons, Nova York, 1893, Vol. I.
191. Whitman, Walt. Leaves o f Grass (Folhas de Relva). Brooklin, N.Y., 1855.
192. Whitman, Walt. Leaves o f Grass (Folhas de Relva), edição do autor. Camden,
N.J., 1876.
193. Whitman, Walt. Leaves o f Grass (Folhas de Relva), David McKay, Filadélfia,
1891-1892.
194. Whitman, Walt. Complete Prose Works (Obras Completas em Prosa). David
McKay, Filadélfia, 1892.
197. Wigston, W.F.C. Francis Bacon, Poet, Prophet and Philosopher versus Phantom
Captain Shakespeare (Francis Bacon, Poeta, Profeta e Filósofo versus Capitão
Fantasma Shakespeare). Kegan Paul, Trench, Trübner & Co., Londres, 1891.
198. Wordsworth, William. Poetical Works (Obras Poéticas), sete volumes em três.
Hurd & Houghton, Boston, 1877, Vol. H.
199a. Walden. De Henry D. Thoreau. Houghton, Osgood & Co., Boston, 1880.
202. Yepes, Juan, chamado S. João da Cruz. Life and Works (Vida e Obras), em dois
volumes; o primeiro de David Lewis (112 acima) e o segundo traduzido do
espanhol pelo mesmo. Thomas Baker, Londres, 1889-1891.
204. The D ark Night o f the Soul (A Noite Negra da Alma), no Vol. II de 202.
205. A Spiritual Canticle o f the Soul and the Bridegroom Christ (Um Cântico
Espiritual da Alma e o Cristo Noivo), no Vol. II de 202.
206. The Living Flame o f Love (A Chama Viva do Amor) , no Vol. H do 202.
PRIMEIRAS PALAVRAS
Este livro é uma tentativa de responder esta pergunta; não obstante, parece
razoável que se faça uma declaração prefaciai, em linguagem tão simples
quanto possível, de modo a por assim dizer abrir a porta para a exposição
mais elaborada a ser tentada no corpo do trabalho. Consciência Cósmica,
então, é uma consciência mais elevada do que a do ser humano comum. Esta
última é chamada Autoconsciência e é a faculdade sobre a qual repousa
toda a nossa vida - tanto subjetiva como objetiva - que não é comum a nós e
aos animais superiores, exceto a pequena parte dela que é derivada das poucas
pessoas que alcançaram a consciência mais elevada acima citada. Para tomar
claro este assunto, faz-se necessário entender que há três tipos ou graus de
consciência. (1) Consciência Simples, que é própria (digamos) da metade
superior do reino animal. Por meio desta faculdade, um cão ou um cavalo é
tão consciente das coisas ao seu redor quanto um ser humano; é também
consciente de seus próprios membros e de seu corpo e sabe que estes fazem
parte dele próprio. (2) Acima dessa Consciência Simples, que é própria do
ser humano como dos animais, o primeiro tem uma outra que é chamada
Autoconsciência. Em virtude desta faculdade, ele não só é consciente de
árvores, rochas, águas, seus braços, suas pernas e seu corpo, mas toma-se
consciente dele próprio como entidade distinta, separada do resto do universo.
Está fora de dúvida que nenhum animal pode ter consciência de si mesmo
dessa forma. Além disso, por meio da autoconsciência, o ser humano (que
sabe, assim como o animal sabe) toma-se capaz de tratar seus próprios estados
mentais como objetos de consciência. O animal está por assim dizer imerso
em sua consciência; assim como um peixe no mar; não pode, nem mesmo
em imaginação, emergir dela por um momento sequer, para percebê-la. Mas
o ser humano, em virtude da autoconsciência, pode por assim dizer sair de si
mesmo e pensar assim: “Sim, aquele pensamento que tive a respeito daquele
assunto é verdadeiro; sei que é verdadeiro e sei que sei que ele é verdadeiro”.
Tem sido perguntado ao autor deste livro: “Como você sabe que os animais
não conseguem pensar da mesma maneira?” A resposta é simples e
conclusiva: não há prova de que qualquer animal possa pensar assim, porém,
se pudesse, logo o saberíamos. Entre duas criaturas vivendo juntas, tais como
cães, cavalos e seres humanos, e cada qual autoconsciente, seria a coisa mais
simples do mundo estabelecer comunicação. Mesmo sendo as coisas como
são, diversificada como é a nossa psicologia, conseguimos, observando os
atos de um cão, entrar com toda liberdade na mente dele e ver o que ali se
passa; sabemos que o cão vê e ouve, cheira e saboreia; sabemos que ele tem
inteligência - que adapta os meios aos fins - que raciocina. Se ele fosse
autoconsciente, já o teríamos constatado há muito tempo. Não o fizemos, de
modo que está fora de dúvida que nenhum cão, cavalo, elefante ou macaco
jamais foi autoconsciente. E mais uma coisa, na autoconsciência do ser
humano repousa tudo o que é distintivamente humano em nós e a nosso
respeito. A linguagem é o objetivo de que a autoconsciência é o subjetivo.
Autoconsciência e linguagem - duas em uma, pois são duas metades da
mesma coisa - sao o sine qua non da vida social humana, dos compor
tamentos, das instituições, das atividades de todo tipo, de todas as artes úteis
e belas. Se algum animal tivesse autoconsciência, parece certo que sobre
esta faculdade mestra construiria - como o ser humano o fez - uma superes
trutura de linguagem, costumes, atividades e artes, baseados em raciocínio.
Mas nenhum animal fez isto; portanto, inferimos que nenhum animal tem
autoconsciência.
III
Ele nasceu em boa família de classe média inglesa e cresceu quase sem
instrução no que era na época uma fazenda agreste do Canadá. Quando
criança, ajudava em tarefas consoantes com sua capacidade: cuidava do gado,
de cavalos, ovelhas e porcos; apanhava lenha, trabalhava no campo de feno,
tocava bois e cavalos, procurava animais desgarrados. Suas distrações eram
tão simples como suas tarefas. Uma visita ocasional a uma pequena cidade
vizinha, jogar bola, banhar-se no riacho que corria na fazenda de seu pai,
confeccionar e fazer flutuar pequenas imitações de barcos, procurar ovos de
pássaros e flores na primavera, bem como frutas silvestres no verão e no
outono, constituíam, com seus patins e seu trenó manual no inverno, as
diversões simples que ele adorava. Ainda muito jovem lia e apreciava
intensamente os romances de Marryat, os poemas e romances de Scott e
outros livros do gênero que tratavam da natureza ao ar livre e da vida humana.
Nunca, nem mesmo quando criança, aceitou as doutrinas da Igreja Cristã;
mas, tão logo atingiu idade suficiente para refletir sobre tais temas, concebeu
que Jesus fora um homem - sem dúvida grandioso e bom, mas um homem;
que ninguém jamais seria condenado a uma pena eterna; que se existia um
Deus consciente ele era o mestre supremo e queria o bem de todos no final;
mas que, chegando ao fim esta vida visível no mundo, era duvidoso, ou mais
que duvidoso, que a identidade consciente fosse preservada. O rapaz (e mesmo
a criança) meditava tais tópicos e outros do gênero bem mais do que alguém
poderia supor, mas provavelmente não mais do que muitos outros de seus
pequenos semelhantes mortais de natureza introspectiva. Ele estava sujeito,
às vezes, a uma espécie de êxtase de curiosidade e esperança. Como numa
ocasião especial, quando tinha aproximadamente dez anos de idade, em que
desejou seriamente morrer, para que os segredos do além - desde que houvesse
esse além - lhe pudessem ser revelados. Era sujeito também a agonias de
ansiedade e terror; por exemplo quando, mais ou menos na mesma idade,
leu Fausto de Reynold e, quando estava perto do final, numa tarde ensolarada,
largou o livro completamente sem condição de continuar sua leitura e correu
para o sol a fim de se recuperar do horror que se apossara dele - evento de
que se lembra mais de cinqüenta anos depois. Sua mãe faleceu quando ele
tinha apenas alguns anos de vida e, seu pai, pouco depois. As circunstâncias
exteriores de sua vida, em alguns aspectos, tomaram-se mais infelizes do
que se pode facilmente contar. Aos dezesseis anos saiu de casa para viver ou
morrer. Durante cinco anos vagueou pela América do Norte, desde os Grandes
Lagos até o Golfo do México, desde o alto Ohio até San Francisco. Trabalhou
em fazendas, estradas de ferro, barcos a vapor e nas minas do oeste de Nevada.
Várias vezes quase sucumbiu por motivos de doença, fome, frio intenso e,
certa vez, nas barrancas do Rio Humboldt, em Utah, lutou por sua vida contra
os índios Shoshones, durante meio dia. Depois de vaguear cinco anos, aos
vinte e um voltou para o lugar onde havia passado sua infância. Uma
importância razoável em dinheiro, de sua falecida mãe, permitiu-lhe passar
alguns anos estudando e sua mente, após ter ficado inativa por tanto tempo,
absorveu idéias com extraordinária facilidade. Diplomou-se com louvor quatro
anos depois de seu retomo da costa do Pacífico. Fora do curso da faculdade,
leu com avidez muitos livros especulativos, tais comovi Origem das Espécies
(de Darwin), O Calor e Ensaios (de Tyndall), História e Ensaios e Revisões
(de Buckle), e muita poesia, especialmente aquela que lhe pareceu livre e
destemida. Nesta espécie de literatura, logo preferiu Shelley e, dentre seus
poemas, Adonais e Prometheus foram seus favoritos. Sua vida, por alguns
anos, foi um apaixonado ponto de interrogação, uma sede insaciável de
esclarecimento sobre os problemas básicos. Ao sair do colégio, continuou
sua busca com o mesmo ardor. De maneira autodidata, estudou francês para
poder ler Auguste Comte, Hugo e Renan, e alemão para poder ler Goethe,
especialmente o Fausto. Aos trinta anos descobriu Leaves o f Grass (Folhas
de Relva) e percebeu de imediato que este livro continha, em maior medida
do que qualquer outro que já lera, aquilo que por tanto tempo estivera
procurando. Leu Leaves sequiosa e mesmo apaixonadamente; durante anos,
porém, pouco proveito tirou da obra. Finalmente a luz se fez e a ele se
revelaram - talvez ao ponto em que tais coisas possam ser reveladas - pelo
menos alguns de seus significados. Então ocorreu aquilo de que o que se
escreveu até agora é prefácio.
•N.T. - Recepto: Idéia ou imagem mental formada por percepções sucessivas dos
mesmos objetos ou de objetos semelhantes, acentuando suas características
comuns.
Finalmente, após muitos milhares de gerações terem vivido e morrido,
chegou um momento em que a mente do animal que estamos considerando
alcançou o mais alto ponto possível de inteligência puramente receptiva; a
acumulação de perceptos e receptos continuou até que um cabedal maior de
impressões não pôde ser acrescentado e nenhuma elaboração ulterior destas
pôde ser efetuada no plano da inteligência receptiva. Deu-se então uma nova
mudança e os receptos superiores foram substituídos por conceptos*. A
relação entre um concepto e um recepto é algo parecida com a relação entre
a álgebra e a aritmética. Um recepto é, como já foi dito, uma imagem composta
de centenas, talvez milhares de perceptos; ele próprio é uma imagem abstraída
de muitas imagens; mas um concepto é aquela mesma imagem composta -
aquele mesmo recepto - nomeada, rotulada e, por assim dizer, dispensada.
Um concepto é em verdade nem mais nem menos que um recepto nomeado
(que recebeu um nome) - o nome, isto é, o signo (como na álgebra),
representando daí em diante a própria coisa, isto é, o recepto.
Agora está claro como o dia, para qualquer pessoa que dê o mínimo de
atenção a este assunto, que a revolução pela qual os receptos são substituídos
por conceptos aumenta a eficiência do cérebro no pensamento, tanto quanto
a introdução de máquinas aumentou a capacidade da espécie humana para
o trabalho - ou tanto quanto o uso da álgebra aumenta o poder da mente para
cálculos matemáticos. Substituir um recepto grande e canhestro por um signo
simples foi quase como substituir mercadorias reais - tais como trigo, tecidos
ou ferramentas - por lançamentos num livro razão.
Mas, como foi sugerido acima, para que um recepto possa ser substituído
por um concepto precisa receber um nome ou, em outras palavras, precisa
ser marcado com um signo que o represente, assim como uma etiqueta
representa uma bagagem ou um lançamento num livro razão representa um
lote de mercadorias; em outras palavras, a espécie que tem conceptos é também
- e necessariamente - a que tem linguagem. Além disso devemos notar que,
assim como a posse de conceptos implica a posse de linguagem, assim também
a posse de conceptos e linguagem - que são na realidade dois aspectos de
uma mesma coisa - implica a posse de autoconsciência. Tudo isto significa
que há um momento na evolução da mente em que o intelecto receptivo,
capaz somente de consciência simples, toma-se quase instantaneamente ou
de fato instantaneamente um intelecto conceptual, possuidor de linguagem e
autoconsciência.
*N.T. - Concepto: A resultante de uma operação mental generalizadora; uma imagem
mental genérica abstraída de receptos.
Quando dizemos que um indivíduo - seja um adulto de muito tempo
atrás ou uma criança atual - entrou na posse de conceptos, de linguagem e
de autoconsciência num instante, queremos naturalmente dizer que ele entrou
na posse da autoconsciência e de um ou alguns conceptos, bem como de uma
ou algumas palavras verdadeiras, instantaneamente - e não que tenha entrado
na posse de toda uma linguagem naquele curto tempo. Na história do ser
humano individual, o ponto em questão é alcançado e ultrapassado
aproximadamente na idade de três anos; na história da espécie humana, foi
alcançado e ultrapassado há várias centenas de milhares de anos.
Assim como o mundo humano tal como o vemos, com todas as suas
realizações e maneiras de ser, está baseado na autoconsciência, na consciência
cósmica estão baseadas as religiões e as filosofias superiores e o que delas
provém; e nela estará baseado, quando ela se tomar mais generalizada, um
novo mundo de que seria ocioso tentar falar hoje em dia.
Será que isso é tudo? Que é o fim? Não. Assim como a vida surgiu num
mundo sem vida; assim como a Consciência Simples veio a existir onde
antes havia mera vitalidade sem percepção; assim como a Autoconsciência,
saltando de asas abertas da Consciência Simples, esvoaçou alto sobre terra e
mar, assim também a espécie humana, que foi deste modo estabelecida,
continuando sua ascensão sem começo nem fim, dará outros passos - o
próximo está agora no ato de ser dado - e alcançará uma vida ainda mais
elevada do que qualquer outra vivenciada até aqui ou mesmo concebida.
Que fique claramente entendido que esse novo passo (para cuja explicação
este livro está sendo escrito) não é simplesmente uma expansão da autocons
ciência, mas algo tão diferente disto quanto essa expansão é diferente da
consciência simples, ou quanto esta o é da mera vitalidade destituída de
qualquer consciência, ou ainda como esta última se diferencia do mundo de
matéria inorgânica e energia que a precedeu e do qual procedeu.
NO PLANO DA AUTOCONSCIÊNCIA
Essa árvore que chamamos de vida - e sua parte superior de vida humana
e de mente humana -simplesmente cresceu como cresce qualquer outra árvore
e, além de seu tronco principal, como acima indicado, lançou muitos ramos,
como no caso de outras árvores. Será bom considerar alguns destes. Veremos
que alguns deles nascem da parte mais baixa do tronco; por exemplo a
contratilidade, ramo do qual - e como uma parte dele - surge toda ação
muscular, desde o movimento simples de uma minhoca até os movimentos
maravilhosamente coordenados e feitos, no exercício de sua arte, por um
Liszt ou um Paderewski. Um outro desses grandes ramos inferiores é o instinto
de autopreservação e (como gêmeo dele) o instinto da continuação da espécie
- a preservação da espécie. Mais acima, os sentidos especiais brotam do
tronco principal e, conforme crescem e se dividem repetidamente, tomam-
se ramos maiores e vitalmente importantes da grande árvore. De todos esses
brotos principais nascem braços menores e, destes, rebentos mais delicados.
n
O fato importante a ser notado neste ponto é que, em consonância com a
analogia da árvore aqui adotada, as numerosas faculdades de que o ser humano
é composto (encaradas do ponto de vista da dinâmica) são todas de eras
diferentes. Cada uma delas veio a existir no seu próprio tempo, isto é, quando
o organismo psíquico (a árvore) estava pronto para produzi-la. Por exemplo,
a Consciência Simples, muitos milhões de anos atrás; a Autoconsciência,
talvez há trezentos mil anos. A visão geral é extremamente antiga, mas o
sentido da cor provavelmente só existe há cerca de mil gerações. A sensibili
dade ao som, há muitos milhões de anos, enquanto o sentido musical está
agora aparecendo. A paixão ou o instinto sexual surgiu há muito tempo nas
eras geológicas - a natureza moral humana, de que o amor sexual humano é
um ramo jovem e vigoroso, não parece ter existido há muitas dezenas de
milhares de anos.
m
Para tomar mais pronta e completamente inteligível o que já foi dito e o
que resta a dizer, será conveniente entrar um pouco em detalhe quanto ao
momento e à maneira de algumas faculdades se transformarem e desenvol
verem, como amostra do trabalho divino que se tem desenrolado dentro de
nós e à nossa volta desde o alvorecer da vida neste planeta. A ciência da
psicologia humana (para ilustrar o assunto deste livro) deveria explicar o
intelecto humano, a natureza moral humana e os sentidos. Deveria fazer
uma descrição destes tais como existem hoje, de sua origem e evolução, e
deveria fazer uma previsão de seu curso futuro, seja de declínio seja de ulterior
expansão. Apenas bem poucas páginas de amostra desse trabalho podem
aqui ser apresentadas, mas primeiro daremos uma rápida olhada no intelecto.
Cavalo de Corrida
Cavalo de Carroça
Cavalo Inglês de Carroção
Equus Caballus.. . -
Cavalo Inglês de Caça
Asinus
Cavalo Árabe
2. Eohippus Mesohippus A n c h ith e riu m ........... Hemionus
Pônei de Shetland
(Eoceno) ^ (início (Mioceno) Tamanho Quagga
Tamanho de I do de carneiro Zebra
Raposa J Mioceno) Miohippus . Dauw
Veneziano
Siciliano
Italiano................... -< Calabrês
Espanhol Arcolano
Português Corso
Latim ................
Grego Francês
Sânscrito Valáquio
Zende Rético
3. ? Ariano.
Armênio
Lituano
Antigo Eslavo
Gótico
Expectando
Expectativa
r Expectar................. - i
Expectado
Expectável
Espécime Expectação
Respeito, Respeitar Expectante
Espectador ,_Expectador
Retardação
Espetáculo
Desprez-ar, -ível
Respective
Despeit-o, -ado
Espectro
Especula-r, -ção
Suspeitar, Suspicaz
Especios-o, -amente, -idade
Específico, Especificação
Latim, Specio, Ver, olhar.............
Inspe-cionar, -ção, -tor
Grego, Skeptomai, Eu olho
Espéculo
Skeptikos, Um inquiridor
Espécie
" Episkopes, Um inspetor
Circunspec-to, -ção
4. Pré-raiz - Raiz ariana, Spac. Sânscrito, Pas, Ver
Especiaria, Especieiro
Spasa, Um espião
Prospect-o, -ivo
Spashta, Manifesto
Especial, -mente, -idade
Spas, Um guardião
Auspicioso, Auspício
O.H.G., Spehan, Olhar, espionar
Espicular
Speha, Um espião Respeitável
Espião, Espionar
Aspecto
Prospecto
V^Especificar
idéia do que o intelecto humano já foi em comparação com o que é hoje; do
mesmo modo se toma evidente, num relance, que não somente a evolução
das espécies, das línguas e das palavras é rigorosamente paralela, mas que o
esquema tem provavelmente uma aplicação mais ampla, talvez universal.
Com relação à presente tese, a conclusão a ser tirada dessa comparação é
que as palavras - e portanto os elementos constituintes do intelecto que elas
representam e que chamamos de conceptos - crescem por divisão e
ramificação, conforme novas espécies se ramificam a partir das mais velhas;
e parece claro que um crescimento normal é encorajado e um desenvolvimento
excessivo e inútil é refreado pelos mesmos meios, num caso como no outro -
isto é, por seleção natural e na luta pela existência.
Geiger [91. 48] salienta que pode ser provado, por exame da linguagem,
que remotamente na vida da espécie como na época dos primitivos arianos -
talvez não mais de quinze ou vinte mil anos atrás - o ser humano só tinha
consciência, só percebia, uma cor. Isto é, não distinguia qualquer diferença
de matiz entre o azul do céu, o verde das árvores e da relva, o marrom ou o
cinza da terra e o ouro e o púrpura das nuvens no nascer e no pôr-do-sol.
Assim, Pictet [126] não encontra nomes de cores no primitivo discurso indo-
europeu. E Max Mueller [116:616] não encontra raiz sânscrita cujo
significado tenha qualquer referência a cor.
Além desta evidência, diz-se que é possível provar com base na linguagem
que um sentido como o da fragrância não existia nos primeiros tempos dos
indo-europeus. Vale a pena também mencionar a este propósito que nenhum
animal (embora muitos destes nos ultrapassem tanto no reconhecimento pelo
olfato) possui, até onde sabemos ou podemos descobrir, qualquer sentido de
fragrância e que as crianças só o adquirem depois que têm vários anos de
idade - não, certamente, por vários anos depois de terem adquirido, mais ou
menos perfeitamente, o sentido da cor; correspondendo assim, em seu
desenvolvimento mental (conforme acima indicado), à evolução da mente
humana em geral, pois o sentido da cor provavelmente veio a existir na
espécie muitos milhares de anos antes do sentido da fragrância.
VI
O ser humano, isto é, a Autoconsciência, como já foi dito, deve ter vindo
a existir cerca de trezentos mil anos atrás, quando o primeiro Alalus Homo
emitiu a primeira verdadeira palavra. No indivíduo atual, o ser humano
nasce quando a criança se toma autoconsciente - na idade média de, digamos,
três anos. Entre as raças indo-européias, não mais que cerca de um indivíduo
(denominado idiota) em mil cresce até a maturidade sem atingir a Autocons
ciência. Esta, tendo aparecido no indivíduo, só é perdida em grandes ou
raras crises - como no delírio da febre e em algumas formas de insanidade,
notavelmente na obsessão; por outro lado, a natureza moral humana não
aparece no indivíduo (em média) até, digamos, a meio caminho entre a idade
de três anos e a maturidade. Em lugar de um ou dois em mil, várias vezes o
mesmo número numa centena nascem, crescem e morrem sem uma natureza
moral. Ao invés de ser perdida em crises grandes e raras, ela é constantemente
perdida em caráter temporário. Todas estas indicações provam que a natureza
moral humana é de origem muito mais recente do que o intelecto humano e
que, se supomos que o último tenha trezentos mil anos, não podemos supor
que a primeira tenha a mesma idade.
VII
Esta afirmativa, feita assim em traços gerais, não parece à primeira vista
significar muito, mas de fato significa quase tudo; contém a chave do nosso
passado, do nosso presente e do nosso futuro, pois é a condição da natureza
moral (assim brevemente aludida) que decide por cada um de nós de momento
a momento e pela raça em geral de era em era, que espécie de lugar este
mundo em que vivemos parecerá ser - que espécie de lugar ele efetivamente
é para cada um de nós. Pois não são nossos olhos e ouvidos, nem mesmo
nossos intelectos, que julgam o mundo para nós, mas é a nossa natureza
moral que afinal estabelece o valor do que existe ao nosso redor.
vm
O período de tempo durante o qual a espécie esteve de posse de qualquer
dada faculdade pode ser mais ou menos precisamente estimado partindo-se
de várias indicações. Nos casos em que o nascimento da faculdade ocorreu
em tempos comparativamente recentes - dentro, por exemplo, dos últimos
vinte e cinco ou trinta mil anos - a filologia (como vimos) pode nos ajudar
consideravelmente a determinar a data aproximada de seu aparecimento.
Mas para faculdades comparativamente antigas, tais como o intelecto humano
ou a consciência simples, este meio necessariamente nos falha por completo.
Recorremos, então, aos seguintes testes:
2. Quanto mais tempo uma espécie tenha estado de posse de uma dada
faculdade, mais universal será essa faculdade na espécie. Esta proposição
certamente não requer prova. Toda faculdade nova tem de ocorrer primeiro
em certo indivíduo e, à medida que outros indivíduos vão alcançando o estado
de ser dele vão adquirindo-a também, até que, depois de talvez muitos
milhares de anos, tendo toda a espécie alcançado aquele mesmo estado, a
faculdade terá se tomado universal.
3. Quanto mais tempo uma espécie tenha estado de posse de uma dada
faculdade, mais firmemente estará essa faculdade fixada em cada indivíduo
da espécie que a possua. Em outras palavras: quanto mais recente é qualquer
faculdade, mais facilmente é perdida. Autoridade para esta proposição (de
que ela dificilmente carece) será citada quando ela for feita num outro
contexto. Trata-se de uma proposição quase, se não absolutamente, auto-
evidente.
* No que tange à ausência da autoconsciência nos idiotas, o exame dos internados de um grande
asilo de idiotas revelou o fato de que a faculdade estava ausente em noventa por cento. Os pacientes
examinados tinham, quase todos, acima de dez anos de idade. Naturalmente, alguns deles poderiam
alcançar a autoconsciência mais tarde. Dicionários e trabalhos sobre idiotia [101] definem um idiota
como “um ser humano destituído dos poderes mentais comuns”; mas parece que uma definição
melhor e mais precisa seria: “um ser humano no qual, tendo passado a idade usual, por conseqüência
de atavismo, a autoconsciência não foi desenvolvida” . Ao passo que a definição de imbecil seria:
“Um ser humano que, embora autoconsciente, é, por conseqüência de atavismo, em alto grau
destituído dos poderes mentais comuns”.
Deve no entanto haver muitos membros de espécies inferiores, tais como os
bosquímanos sul-africanos* e os nativos da Austrália, que nunca alcançaram essa
faculdade. Em nossa anoestralidade, a autoconsciência remonta ao primeiro homem
verdadeiro. Milhares de anos devem ter passado entre seu primeiro aparecimento
e sua universalidade, do mesmo modo que milhares de anos estão agora passando
entre os primeiros casos de consciência cósmica e sua universalidade.
Então, quantas raças humanas estão ainda vivendo na Terra, nas quais
nenhum ou poucos membros têm o que poderia ser chamado de natureza
moral humana do ponto de vista de nossa civilização? E, enquanto a
autoconsciência é perdida - não sempre, naturalmente, mas com freqüência
- na insanidade e na febre, a natureza moral está - temos de admitir - sujeita
a ausências e lapsos muito mais freqüentes e por causa bem menor.
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Em suma: como a ontogênese nada mais é que a fllogênese in petto - isto
é, como a evolução do indivíduo é necessariamente a evolução da espécie
muna forma abreviada, simplesmente porque não pode por natureza ser dife
rente (não pode seguir quaisquer outras linhas, porque não há outras linhas
a seguir) - é claro que órgãos e faculdades (ampla e genericamente falando)
têm de aparecer no indivíduo na mesma ordem em que apareceram na espécie
e, conhecida uma ordem, a outra pode ser confiavelmente presumida.
Assim, com o passar das eras, o grande tronco da árvore da vida se tornou
mais alto e, de tempos a tempos, lançou brotos que cresceram a galhos e
estes a ramos nobres que por sua vez lançaram brotos e galhos, muitos dos
quais de grande tamanho e em números imensos. Sabemos que essa árvore
não cessou de crescer; que mesmo agora, como sempre, está lançando novos
brotos e que os velhos brotos, galhos e ramos, estão em maioria aumentando
em tamanho e força. Cessará hoje esse crescimento? Não parece que sim.
Parece mais provável que outros membros e ramos, com que nem sonhamos
hoje, venham a nascer da árvore e que o tronco principal, que da mera vida
cresceu para vida sensitiva, para a consciência simples e para a autocons
ciência, há de passar para formas de vida e consciência mais altas ainda.
INVOLUÇÃO
Trazendo agora estas regras gerais para nós mesmos - para a espécie
humana - vemos que elas indicam que os órgãos e as funções que foram os
mais recentemente adquiridos serão com maior probabilidade defectivos,
ausentes, anormais, doentios. Mas é notório que no ser humano civilizado,
especialmente na raça ariana, as funções que passaram pela maior mudança
nos últimos milênios são aquelas que chamamos de mentais - esse grande
grupo de funções (sensoriais, intelectuais, morais) que dependem dos dois
grandes sistemas nervosos - o cerebrospinal e o grande simpático - e deles
advêm. Esse grande grupo de funções cresceu, expandiu-se, lançou novos
brotos e galhos e está ainda no processo de produzir novas faculdades, numa
taxa extraordinariamente maior do que qualquer outra parte do organismo
humano. Se isto é assim, então, dentro dessa grande congérie de faculdades
é inevitável que encontremos constantes falhas, omissões, defeitos e colapsos.
2. A raça cuja evolução for a mais rápida será a mais sujeita a colapso.
IV
Por analogia, então, somos levados a crer que o passo progressivo que é
o assunto deste livro também está reservado a toda a espécie - que virá um
momento em que não possuir a faculdade em questão será uma marca de
inferioridade paralela à ausência da natureza moral na atualidade. A conjetura
parece ser de que o novo sentido venha a ser cada vez mais comum e apareça
mais cedo na vida, até que, após muitas gerações, venha a aparecer em cada
indivíduo normal na puberdade ou mesmo antes; prossiga então tomando-se
ainda mais universal e aparecendo numa idade ainda mais baixa, até que,
depois de muitos milhares de gerações, manifeste-se imediatamente após a
infância em praticamente todo membro da espécie.
VI
A hipótese adotada pelo autor deste livro requer que casos de consciência
cósmica se tornem mais numerosos de era em era e não somente isto, mas
que se tornem mais perfeitos e mais evidentes. Quais são os fatos a este
respeito? Deixando de lado casos menores, como os que devem ter aparecido
e devem ter sido esquecidos às centenas nos últimos milênios, dentre aqueles
que já mencionamos pelo menos treze são tão grandes que jam ais
desaparecerão da memória humana - a saber: Gautama, Jesus, Paulo, Plotino,
Maomé, Dante, Las Casas, Juan Yepes, Francis Bacon, Jacob Behmen,
William Blake, Balzac, Walt Whitman.
Mesmo a obra e a memória daqueles que escrevem devem ter sido muitas
vezes esquecidas e devem ter morrido. Quanto a um dos maiores dentre estes
pode-se dizer que, se o grande incêndio* tivesse acontecido poucos anos
antes, talvez tivesse destruído todas as cópias do fólio de 1623 e assim para
sempre privado o mundo das peças de “Shakespeare”. A obra desses homens,
falada ou escrita, por natureza só pode ser apreciada por poucas e seletas
pessoas contemporâneas e é em quase todos os casos suscetível de ser
esquecida. Que isto é verdadeiro hoje como nos dias de Gautama, não pode
duvidar quem tenha seguido de perto a carreira de Walt Whitman. Mesmo
no caso dele, a palavra escrita teria sido quase certamente perdida se ele
tivesse falecido (como facilmente poderia ter ocorrido) de acidente ou doença
durante a guerra, embora naquela época três edições de Leaves já tivessem
sido impressas. Ele próprio não considerava sua mensagem salva de extinção
até quase o momento de seu falecimento, embora tivesse trabalhado
infatigavelmente por trinta e cinco anos para a semear.
Como diz Victor Hugo a propósito de Les Génies [Os Gênios]: “Choisir
entre ces hommes, preferer l’un a l’autre, indiquer du doigt le premier parmi
Muitos crêem hoje que Walt Whitman foi a maior força espiritual já
produzida pela espécie - o que significaria que ele é o maior caso de
consciência cósmica até hoje. Mas o balanço de opiniões seria, naturalmente,
de milhares contra um, contrários a tal asserção.
VII
VIII
* Fazer uma escolha entre esses homens, preferir um ao outro, apontar o primeiro
entre esses primeiros, isto é impossível.
Verdade ou não, cada pessoa que tem a experiência em questão acaba
crendo forçosamente em seus ensinamentos, aceitando-os tão absolutamente
como quaisquer outros ensinamentos. Isto, entretanto, não provaria que eles
fossem verdadeiros, pois o mesmo poderia ser dito das alucinações de um
demente.
IX
b. No mesmo instante ela é por assim dizer banhada numa emoção de júbilo,
convicção, triunfo, “salvação”. A última palavra não é rigorosamente corre
ta se tomada em seu sentido comum, pois o sentimento, quando plenamente
desenvolvido, não é de que um ato particular de salvação seja efetuado,
mas de que nenhuma “salvação” especial é necessária, já que o esquema
sobre o qual o mundo está construído é por si só suficiente. É desse êxtase,
muito superior a qualquer outro que pertença à vida meramente autocons
ciente, que os poetas, como tais, ocupam-se especialmente; como Gautama
em seus discursos, preservados nos Suttas; Jesus, nas Parábolas; Paulo,
nas Epístolas; Dante, no final do Purgatorio e no começo do Paradiso;
“Shakespeare”, nos Sonetos; Balzac, em Seraphita; Whitman, em Leaves;
Edward Carpenter, em Rumo à Democracia, deixando aos cantores os
prazeres e as penas, os amores e os ódios, as alegrias e as tristezas, a paz
e a guerra, a vida e a morte do homem autoconsciente; embora os poetas
possam tratar também destas coisas, mas do novo ponto de vista, conforme
está expresso em Leaves: “Jamais voltarei a mencionar o amor ou a morte
dentro de uma casa” [193: 75] - isto é, do velho ponto de vista, com as
velhas conotações.
k. Parece ao autor deste livro haver suficiente evidência de que, com a cons
ciência cósmica, - enquanto ela está efetivamente presente e perdurando
(gradualmente passando) por breve tempo - ocorre uma mudança na apa
rência da pessoa que recebe a iluminação. Essa mudança é semelhante à
que é causada na aparência de alguém por uma grande alegria, mas às
vezes (isto é, nos casos pronunciados) parece ser muito mais acentuada
do que isto. Nesses grandes casos em que a iluminação é intensa, a mudança
em questão é também intensa e pode chegar a ser uma verdadeira “transfi
guração”. Dante diz que foi “transhumanizado num Deus”. Parece haver
uma grande probabilidade de que, pudesse ele ter sido visto naquele
momento, teria apresentado o que só poderia ser chamado de “transfi
guração”. Em capítulos subseqüentes deste livro serão apresentados vários
casos em que ocorreu a mudança em questão, mais ou menos fortemente
marcada.
X
a. Nova consciência.
b. Nova faculdade.
XI
xn
“Bem”, dirá alguém, “se essas pessoas vêem, sabem e sentem tanto, por
que não vêm até nós e o expressam em linguagem clara, dando ao mundo o
benefício disso?” Eis o que a “fala” disse a Whitman: “Walt, você tem um
grande conteúdo; por que não deixá-lo vir à luz?” [193: 50], Mas ele nos
diz:
a. A luz subjetiva.
b. A elevação moral.
c. A iluminação intelectual.
d. O senso de imortalidade.
e. A perda do medo da morte.
f. A perda do senso de pecado.
g. A subitaneidade e instantaneidade do despertar.
h. O caráter anterior do homem - intelectual, moral e físico.
i. A idade da iluminação.
j. O encanto acrescentado à personalidade, de modo que homens e mulheres
são sempre (?) fortemente atraídos para a pessoa,
k. A transfiguração do indivíduo que é objeto da mudança, tal como vista
por outrem quando o sentido cósmico está efetivamente presente.
XIV
XV
Capítulo 1
GAUTAMA, O BUDA
Siddhartha Gautama nasceu de pais abastados (seu pai tendo sido mais
um grande proprietário de terras do que um rei, como se diz que tenha sido),
entre 562 e 552 a.C. Parece suficientemente certo que ele foi um caso de
Consciência Cósmica, embora, dado o caráter remoto de suá época, detalhes
de prova possam até certo ponto faltar. Casou-se muito jovem. Dez anos
após nasceu seu único filho, Rahula. Pouco depois do nascimento de Rahula,
Gautama, então com a idade de vinte e nove anos, repentinamente abandonou
seu lar para se devotar inteiramente ao estudo de religião e filosofia. Ele
parece ter sido um homem de mentalidade muito séria, que, sentindo
profundamente as aflições da espécie humana, desejou acima de tudo fazer
algo para eliminá-las ou pelo menos diminuí-las. A maneira ortodoxa de
alcançar a santidade, na época e na terra de Gautama, era pelo jejum e pela
penitência, de modo que por seis anos ele praticou extrema automortificação.
Ganhou fama extraordinária, pela qual não se interessava nem um pouco,
mas não conquistou a paz mental nem o segredo da felicidade humana por
que tanto se esforçara. Vendo que aquele caminho era vão e a nada levava,
abandonou o ascetismo e logo depois, na idade de trinta e cinco, alcançou a
iluminação sob a famosa árvore Bo.
n
Para nosso presente propósito, é importante fixarmos a idade do advento
do Sentido Cósmico - neste como em outros casos - tão precisamente quanto
possível. Uma autoridade muito recente e provavelmente boa [60] estabelece-a
como trinta e seis anos. Emest De Bunsen, em sua obra The Angel Messiah
[O Messias Anjo], diz que Buda, como Cristo, “começou a pregar aos trinta
anos. Com certeza deve ter pregado em Vaisali, pois lá cinco rapazes toma
ram-se seus discípulos e o exortaram a que continuasse com seus ensina
mentos. Ele estava com vinte e nove anos quando deixou aquele lugar;
portanto, pode muito bem ter pregado aos trinta. Ele não girou a roda da lei
(não se tomou iluminado) senão após uma meditação de seis anos sob a
árvore do conhecimento” [109: 44],
III
IV
No Maha Vagga [162: 208] está dito que “durante a primeira vigília da
noite seguinte à vitória de Gautama sobre o maléfico (a noite seguinte àquela
em que alcançou a Consciência Cósmica), ele fixou sua mente na cadeia de
causação', durante a segunda vigília, fez o mesmo e, durante a terceira,
também fez o mesmo”. Esta tradição existe entre os budistas do Norte e do
Sul e vem desde o tempo anterior à separação destas igrejas; portanto, é
provavelmente genuína e provém do próprio Gautama. Mas expressa em
linguagem clara e concisa um dos fenômenos mais fundamentais relativos
ao advento do Sentido Cósmico; muito provavelmente, “a revelação de
extraordinária grandeza” de que fala Paulo; a visão das “rodas eternas”, de
Dante; “o conhecimento que ultrapassa todos os argumentos da terra”, de
Whitman; a “iluminação interior pela qual podemos finalmente ver todas as
coisas como elas são, contemplando toda a criação - os animais, os anjos, as
plantas, as imagens de nossos amigos e todos os níveis e raças da espécie
humana - em sua verdadeira constituição e ordem”, de Edwárd Carpenter.
V
No Akankheyya-Sutta [161:210-18] são apresentadas as características
espirituais daqueles que têm o Sentido Cósmico. Ninguém que não o tivesse
poderia ter escrito a descrição que indubitavelmente procede, como se
pretende, diretamente de Gautama. Nem poderia qualquer possuidor posterior
dessa faculdade expressar mais claramente, no mesmo número de palavras,
os sinais característicos que a ela pertencem. Por exemplo, ali é dito que a
conquista do estado de Arahat (visão interior, sobrenatural - Nirvâna -
iluminação - Consciência Cósmica) “fará um homem se transformar” :
Palavras d e Gautama Passagens paralelas
VI
vn
As linhas seguintes são citadas como alusão clara ao Sentido Cósmico -
o Upanishad deveria ser lido por inteiro:
Viveu certa vez Svetaketu Aruneya “ Que, vendo, eles podem ver e não
(o neto de A runa). D isse-lhe seu pai apreender e, ouvindo, podem ouvir e não
(Uddâlaka, filho de Aruna): “Svetaketu, compreender” [15:4.12] “Não duvido que
vá à escola, pois não há ninguém que interiores tenham seus interiores e exteriores
tenham seus exteriores e que a vista tenha outra
pertença à nossa raça, querido, que, não
vista e que a audição outra audição e a voz outra
ten d o estudado (os V edas), seja, por voz” [193: 342].
assim dizer, um Brâm ane som ente pelo
nascim ento” .
Tendo iniciado seu aprendizado com um mestre quando tinha doze anos de idade,
Svetaketu voltou a seu pai aos vinte e quatro, depois de ter estudado todos os Vedas,
pretensioso, considerando-se um homem culto e austero.
Seu pai lhe disse: “Svetaketu, como você é tão presunçoso, considerando-se tão
culto e tão austero; meu caro, você já pediu a instrução pela qual ouvimos aquilo que
não pode ser ouvido, pela qual percebemos aquilo que não pode ser percebido, pela
qual conhecemos aquilo que não pode ser conhecido?” [148: 92]
VIII
IX
a. O caráter inicial de sua mente, que parece ter sido ardoroso, sério e elevado;
com efeito, o tipo de caráter que geralmente (sempre?) precede o advento
do Sentido Cósmico.
Pode haver dúvida quanto a se o Sr. Hirai, por “razão universal”, entende
“Consciência Cósmica”, mas sua intenção ao usar a expressão é a mesma.
Se ele compreende ou se vier a compreender o que é Consciência Cósmica, é
certo que dirá que Nirvâna é um nome para ela.
XI
Não há sofrimento para aquele que tenha terminado sua jornada e abandonado o
pesar, que se tenha libertado por todos os lados e lançado fora todos os grilhões.
Até os deuses invejam aquele cujos sentidos, como cavalos controlados por seu
condutor, foram dominados, aquele que está livre do orgulho e livre dos apetites.
A quele que cum pre com seu dever é (#1) «Aquele que ^ seu eSpírito, em qualquer
tolerante como a terra (*1), como o raio emergência, não acelera nem evita a
de In d ra; é com o um lago sem lam a; morte” [193: 291],
novos nascimentos não estão reservados
para ele. Seu pensam ento é sereno e “A terra, nem se retarda nem se apressa; não
serenas são sua palavra e sua ação quando retém, é bastante generosa; as verdades da terra
tenha obtido a liberdade por meio do esperam continuamente, não estão ocultas
verdadeiro conhecimento [131: 271. tampouco; são calmas, sutis, intransmissíveis
pela escrita”[193: 176],
A queles que por firmeza mental tenham se tornado isentos de m au desejo e
[sejam] bem treinados nos ensinamentos de Gautama; esses, tendo obtido o Fruto da
Quarta Senda e tendo imergido a si próprios naquela Ambrosia, receberam [prêmio?]
inestimável e estão no gozo de Nirvana. (*2) K arm a - ação ou atos da pessoa
Seu velho Karma (* 2 ) está exaurido, considerados como determinantes de seu
nenhum novo Karma está sendo produ destino após a morte e numa vida seguinte.
zido; seu coração está livre do anseio por
um a vida futura (*3); destruída a causa (*3) O homem que adquiriu o Sentido Cósmico
de sua existência e nenhum anelo nascen não deseja a vida eterna - ele a tem.
do em seu interior, esses, os sábios, são
ex tin to s com o esta lâm p ad a (R atan a (*4) Nir, “apagar”, vana, “soprando”, da raiz
Sutta). Conduz bem a si mesmo o mendi va, “soprar”, com o sufixo ana. Que
cante que conquistou [o pecado] por meio Nirvâna não pode significar extinção no sentido
da santidade, de cujos olhos o véu do erro de morte, está claro pela seguinte passagem: “E
logo ele atingiu a meta suprema do Nirvâna - a
foi removido, que é bem treinado na reli
vida superior - em prol da qual os homens se
gião; e que, livre de anelo e qualificado
afastam de todo e qualquer proveito e conforto
no co n h ecim en to , te n h a alcançado o domésticos a fim de se tomarem peregrinos sem
Nirvâna (Sammaparibbajaniya Sutta). lar; sim, essa meta suprema ele passou a conhecer
Que é então Nirvâna, que significa sim por si próprio e continua a apreender e ver face
plesmente apagar soprando - extinção a face enquanto ainda neste mundo visível.
(*4) - sendo bem claro, pelo que já foi ”[163: 110].
dito, que não se pode tratar da extinção
da alma? Trata-se da extinção da pecaminosa, cobiçosa condição da mente e do
coração, que - se não è extinta —é a causa de renovada existência individual segundo
o grande mistério do Karma .
Essa extinção deve ser acarretada pelo crescimento da condição oposta de coração
e m ente e corre paralelamente a ele; está completa quando essa condição oposta é
alcançada. Nirvâna é portanto a mesma coisa que um estado sem pecado e calmo da
m ente e, se traduzida, talvez seja melhor interpretada como “ santidade”- isto é,
santidade, no sentido budista - paz perfeita, virtude e sabedoria.
As estrelas extintas há longo tempo podem ser ainda visíveis a nós pela luz que
emitiram antes de cessarem de brilhar; mas o efeito em rápida dissipação de uma
causa não mais ativa logo deixará de ferir nossos sentidos; e onde estava a luz haverá
trevas. Assim o corpo vivente e movente do homem perfeito é ainda visível, embora
sua causa tenha deixado de atuar; mas logo decairá, morrerá e passará e, como nenhum
corpo novo será formado, onde havia vida nada existirá.
Assim, o Prof. Max Mueller, que foi o primeiro a apontar o fato, diz (“As Parábolas
de Buddhaghosha”): “Se olhamos no Dhamma-pada, em todos os trechos em que o
Nirvâna é mencionado não há um só que requeira que seu significado seja aniquilação,
ao passo que a maioria, se não todos, seriam totalmente ininteligíveis se atribuíssemos
esse significado à palavra Nirvâna. A mesma coisa pode ser dita de outras partes dos
Pitakas acessíveis a nós nos textos publicados. Assim o comentarista do Jataka cita
alguns versos do Buddhavansa, ou história dos Budas, que é um dos livros do segundo
Pitaka. Nesses versos temos (entre outras coisas) um argumento baseado na assunção
lógica de que, se existe um positivo, seu negativo tem de existir também; se existe
calor, tem de existir frio, e assim por diante. N um destes pares encontramos existência
em oposição, não a Nirvâna, mas à não-existência; enquanto num outro os três fogos
(o da luxúria, o do ódio e o do erro) opSem-se a Nirvâna (textos Jataka de Fausboll).
Segue-se, creio, que para a m ente do
a u to r do Buddhavansa Nirvâna signifl- (*13) E esta, a vida de alegria e inteligência
cava, não a extinção, a negação do ser, exaltada, livre do desejo, é a vida em
m as a extinção, a ausência dos três fogos Consciência Cósmica,
da paixão” (*13).
Tão pouco é sabido dos livros do Cânon Budista do Norte, que é difícil descobrir
sua doutrina em qualquer ponto controvertido; mas, tanto quanto é possível julgar,
eles co n firm a m esse uso da p alav ra (*14) Gautamadiz: “Fui a Benares, onde preguei
Nirvâna que encontramos nos Pitakas N o a 308 ci1100Solitários. Desde aquele momento
Lalita Vistara, a palavra ocorre em aigu- a roda da minha lei tem estado em movimento e
, , , , o nome de Nirvana fez seu aparecimento no
mas passagens e em nenhum a delas e o mundo„ [164. J6]_ Isto se refere à data da
sentido de aniquilação necessário, em to- iluminação de Gautama e parece mostrar
das considero que Nirvâna significa o claramente que “Nirvâna” é um nome de
mesmo que Nibbana em pâli (*14). Consciência Cósmica. Em oulro lugar no mesmo
livro, ficam os sabendo de “hom ens que
caminham no conhecimento da lei apôs terem atingido o Nirvâna" [164: 125]. E ainda: “Nirvâna
é uma conseqüência da compreensão de que todas as coisas são iguais” [164:129], Uma vez mais:
“Não há nenhum verdadeiro Nirvâna sem o tudo-saber (Consciência Cósmica); procurem conseguir
isto” [164: 140]. Além disso, Gautama fala de si próprio como aquele que explicou neste mundo a
perfeita lei, que conduziu ao Nirvâna inúmeras pessoas [30: 179]. Se ele explicou a perfeita lei e
conduziu pessoas ao Nirvâna enquanto ainda vivia, certamente deve ter alcançado ele próprio o
Nirvâna durante sua vida. Gautama se dirige também a homens que alcançaram o Nirvâna. Como
poderia fazê-lo seNirvâna fosse aniquilação? As palavras da tradução de Bumouf são: “Je m ’adresse
à tous ces Çravakas, aux hommes qui sont parvenues à l’état de Pratyêkabuddha, à ceux qui ont été
établis par moi dans le N irvana, à ceux qui sont entièrement délivrés de la succession incessante des
douleurs” [30: 22] (*). Assim, também, Sariputra, agradecendo e louvando a Gautama, diz: “Hoje
atingi o Nirvâna"— “Aujour d’hui ô Bhagavat, j ’ai acquis le Nirvâna”. “Nirvâna, portanto, é
certamente algo que o homem pode adquirir e continuar vivendo”.
(*15) As palavras de Bumouf são: “L’idée d’affranchissement est la seule que les interprètes tibétains
aient vue dans le mot de Nirvana car c’est la seule qu’ils ont traduite. Dans les versions
qu ’ils donnent des textes sanscrits du Népal, le terme Nirvana est rendu par les mots mya-ngan-las-
hdah-ba, qui signifient litteralment / ’état de celui qui est affranchi de la douleur, ou l ’état dans
lequel on se trouve quand on est ainsi affranchi"[29:\7] (* * ).
Finalmente, para mostrar que, tal como a palavra é usada por aqueles
que conhecem melhor seu significado, dificilmente pode corresponder a morte
e bem pode significar o que aqui é chamado de consciência cósmica, leiamos
as seguintes passagens escolhidas do Dhamma-pada, uma das mais antigas
e mais sagradas escrituras budistas. Todos os trechos deste livro em que
ocorre a palavra Nirvâna são aqui indicados e, juntamente com eles, trechos
paralelos de outros escritos análogos:
Diligência é a senda da imortalidade Tem sido muitas vezes apontado neste livro
{Nirvâna), negligência é o cam inho da que a diligência da mente é condição sine qua
morte. O s que são diligentes não morrem, non para se alcançar a consciência cósmica. As
m as os n eg lig en tes são com o se já citações aqui feitas mostram este ponto de
maneira bastante incisiva.
estivessem mortos [156: 9]. Estas sábias
pessoas, m editativas, firm es, sem pre possuidoras de fortes poderes, atingem o
Nirvâna, a mais alta felicidade [156: 9].
H om ens que não possuam bens, que Depois que Confucio viu Lí R, disse a
vivam de alimentos que lhes sejam dados, seus discípulos: “Sei que os pássaros podem
que tenham percebido a liberdade total e voar, os peixes nadar e os animais correr, mas
o corredor pode ser apanhado por um laço, o
incondicional (Nirvâna), têm um a senda
nadador por um anzol e o pássaro por uma
difícil de ser compreendida, como a dos pás
flecha. Mas há o dragão; não posso dizer como
saros no céu [156: 27], Aquele cujos apetites ele monta no vento através das nuvens e sobe
tenham sido mitigados, que não esteja imer ao céu. Hoje vi Laotsze e só posso compará-
so no prazer, que tenha percebido a liber lo ao dragão”. Poderíamos dizer o mesmo, à
dade total e incondicional (Nirvâna), tem nossa maneira, de quase todas as pessoas
um a senda difícil de ser compreendida, co mencionadas neste livro como possuidoras do
mo a dos pássaros no céu [156: 28], sentido cósmico.
XIII
Balzac diz [5: 143] que Jesus era um Especialista - isto é, que tinha
Consciência Cósmica. Como o próprio Balzac era indubitavelmente ilumina
do, deveria ser uma alta (senão absoluta) autoridade neste particular. Paulo,
tão logo seus próprios olhos foram abertos, reconheceu Jesus como pertencente
a uma ordem espiritual superior - isto é, como possuidor do Sentido Cósmico.
Mas não aceitemos a palavra de ninguém e sim tentemos ver por nós mesmos
que razões existem para se incluir este homem na lista dos possuidores de
Consciência Cósmica.
Segundo outros escritores, seria mais velho. Sutherland [171: 140] diz:
“A morte de Jesus ocorreu no ano 35”. Isto lhe daria trinta e nove por ocasião
de seu falecimento, trinta e seis ou trinta e oito quando começou a ensinar (a
primeira idade, se ele ensinou três anos, como diz João; a segunda, se ensinou
apenas um ano, conforme os sinópticos nos contam) e, digamos, trinta e
cinco ou trinta e seis na iluminação*.
“Está claro que a cronologia recebida do Abade Dyonisius, o Anão, que data da
primeira metade do sexto século, deve ter começado com vários anos de atraso ao
Tudo tende a mostrar que, aproximadamente na idade especificada, ocor
reu nele uma notável mudança; conquanto até certa idade ele fosse muito
semelhante aos outros, de repente ascendeu a um nível espiritual bem acima
dos homens comuns. Aqueles que o haviam conhecido em seu lar, como
fixar o nascimento de Cristo como tendo ocorrido no ano 754 de Roma, um a vez que
se sabe que H erodes faleceu em 750 e Jesus deve ter nascido enquanto Herodes
ainda reinava. O Dr. Geikie indica outros erros de base nos cálculos do Abade
Dyonisius.
“Dyonisius baseou seus cálculos na menção de São Lucas de que João Batista,
que era um pouco mais velho do que Jesus, começou sua obra pública no décimo
quinto ano de Tibério e de que Jesus tinha cerca de trinta anos quando começou a
ensinar (Lucas 3:1-23). Esse décimo quinto ano de Tibério seria provavelmente 782
ou 783; ora, subtraindo trinta, teríamos 752 ou 753, tendo Dyonisius adicionado um
ano a este último, na suposição de que as palavras de Lucas cerca de trinta anos
requeriam que ele acrescentasse um ano. Mas a expressão vaga cerca de era um a
indicação precária em que se basear e, além disto, o reinado de Tibério pode ser
calculado em função de sua associação a Augusto no governo e, portanto, a partir de
765, ao invés de 767. Os textos de São Lucas que citei não podem então ser usados
para o dia nem para o mês do nascimento, ou mesmo para o ano. Isto se vê, na
verdade, nas variadas opiniões sobre todos estes pontos na igreja primitiva e no fato
de o dia 25 de dezembro ter sido aceito como o dia do nascimento somente desde o
quarto século, quando foi divulgado de Rom a como o dia que deveria ser assim
honrado”.
Se aceitamos as conclusões deste escritor, Jesus tinha por volta de trinta e cinco
anos quando de sua iluminação.
menino e como rapaz, não puderam compreender sua superioridade. “Não é
este o filho do carpinteiro?” [14:13:55] -perguntavam. Ou, conforme relatado
em outro lugar: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria?... E escandalizavam-
se nele”. [15:6:3] Essa acentuada ascensão espiritual, ocorrendo subitamente
nessa idade, é em si mesma quase sintomática do advento do sentido cósmico.
O fato de Jesus ter ido a João para ser batizado mostra que sua mente
estava direcionada para a religião e toma provável que ele tivesse (antes da
iluminação) o temperamento devoto do qual brota, quando acontece, o Sentido
Cósmico. Não é necessário supor que a iluminação tenha ocorrido
imediatamente quando do batismo, ou que houvesse qualquer relação especial
entre estas duas coisas. O impulso que levou Jesus à solidão após a iluminação
é usual, se não universal. Paulo o sentiu e o obedeceu; e Whitman fez o
mesmo.
A razão disso está em que a elevação moral que faz parte da Consciência
Cósmica não permite qualquer outra decisão. Se não fosse assim, se a
iluminação intelectual não fosse acompanhada de elevação moral, esses
homens sem dúvida seriam na verdade uns tantos demônios que acabariam
destruindo o mundo. Essa tentação é necessariamente comum a todos os
casos, embora nem todos falem nela. Sua essência é o apelo do velho ego
autoconsciente ao novo poder, no sentido de que este último o ajude a realizar
seus velhos desejos. O demônio, portanto, é o ego autoconsciente. O demônio
(Mâra ) apareceu a Gautama como a Jesus [157: 69] e o incitou a não
empreender uma nova senda mas ater-se às antigas práticas religiosas, a
viver tranqüila e confortavelmente. “Que queres tu com esforço?” - perguntou-
lhe. Mâra não procurou seduzir Gautama com ofertas de riqueza e poder,
pois ele já as possuíra e até o Gautama autoconsciente sabia de sua futilidade.
Como já foi sugerido, todo homem que entra em Consciência Cósmica passa
necessariamente pela mesma tentação. Como todos os demais, Bacon foi
tentado e, como sem dúvida muitos outros caíram, ele em certo sentido caiu.
Sentiu em si mesmo uma capacidade tão enorme que imaginou que podia
absorver a riqueza tanto do Sentido Cósmico quanto da Autoconsciência -
do céu e da terra. Mais tarde se arrependeu amargamente de sua ganância.
Reconheceu o dom (recebido de Deus) da divina faculdade - “the gracious
talent” - que ele diz que “nem entesourou sem usar nem empregou para o
melhor proveito, como devia ter feito, mas desperdiçou em coisas para as
quais (ele) menos estava talhado.” [175: 469]
A superioridade de Jesus em relação a homens comuns consistia (entre
outras coisas) em:
Acuidade intelectual;
Elevação moral;
Um otimismo que a tudo abrangia;
Um senso (ou o senso) da imortalidade.
Há pessoas vivas hoje (e o autor conhece uma delas) que viram o que está
descrito (e bem descrito) nas palavras dos evangelhos acima citadas.
Aqui estão várias fortes razões para se crer que Jesus tinha o Sentido
Cósmico. Uma outra razão (se outra é necessária) é que Jesus está espiri
tualmente no ápice ou perto do ápice da espécie humana e, se há uma faculdade
como a Consciência Cósmica, conforme é descrita neste livro, ele deve tê-la
possuído, pois, do contrário, não poderia ocupar essa posição.
Se, então, Jesus tinha Consciência Cósmica, deve ter se referido repetida
mente a ela em seus ensinamentos, tal como todos os outros homens como
ele fizeram. Se assim fez, deverá ser fácil para qualquer pessoa que saiba
algo a respeito do Sentido Cósmico detectar essas referências, enquanto
aqueles que nada saibam a este respeito deverão necessariamente interpretá-
las de outras maneiras.
m
As citações seguintes abrangem todas as passagens mais importantes e
significativas em que uma das expressões é usada nos evangelhos quando as
palavras em questão são dadas como vindo dos lábios de Jesus:
M as eu vos digo que muitos virão do (*5) Ninguém alcançará o Sentido Cósmico
Oriente e do Ocidente e assentar-se-ão à pela oração, mas sim, se o fizer, por
mesa com Abraão, Isaque e Jacó, no reino hereditariedade e por uma vida elevada e pura.
dos céus. E os filhos do reino serão lança
dos nas trevas exteriores; ali haverá pran (*6) Isto não vale exclusivamente para os
to e ranger de dentes [14:8:11-12], (*6) judeus, mas igualmente para os gentios.
E m verdade vos digo que, entre os que (*7) Entre os m eramente autoconscientes
de mulher têm nascido, não apareceu al (entre “aqueles que de m ulher têm
guém m aior do que João B atista; m as nascido”- fazendo-se distinção entre aqueles
aquele que é o menor no reino dos céus é que não “nasceram de novo” e aqueles que
maior do que ele. E, desde os dias de João “nasceram de novo”) nenhum é maior do que
Batista até agora, se faz violência ao reino João. Mas o menor daqueles que têm o Sentido
dos céus, e pela força se apoderam dele Cósmico é maior do que ele. Desde os dias de
[14:11:11-12], (*7) João, o reino dos céus tem sofrido violência
(interpretação errônea, etc.) na pessoa de Jesus.
M as, se eu expulso os demônios pelo
Espírito de D eus, é conseguintemente che
gado a vós o reino de D eus [14:12:28], (*8) Sua ascendência espiritual era prova de
(*8) que ele entrara em Consciência Cósmica
(o reino dos céus).
Porque a vós é dado conhecer os mis
térios do reino dos céus, mas a eles não
lhes é dado [14:13:11). (*9) (*9) Graças à sua intimidade pessoal com
Jesus, eles perceberam e apreenderam a
O reino dos céus é semelhante ao ho sublimidade sobre-humana da mente dele. Nele
mem que semeia boa semente no seu cam viram o reino dos céus - a vida excelsa.
po; mas, dormindo os homens, veio o seu
inimigo, e semeou joio no meio do trigo,
e retirou-se [14:13:24-25], O reino dos (*10) O antagonismo entre o Sentido Cósmico
céus é sem elhante ao grão de mostarda e a mente meramente autoconsciente e
que o homem, pegando dele, semeou no afinal e inevitável sujeição da última ao primei
seu campo; o qual é realmente a mais pe ro, Uma imagem perfeita da aparente insigni
quena de todas as sem entes; mas, cres ficância inicial do Sentido Cósmico, tal como
cendo, é a maior das plantas, e faz-se uma se manifesta em um ou em alguns indivíduos
árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e obscuros, bem como de sua suprema e esma
se aninham nos seus ramos [14:13:31-2], gadora preponderância em vista da influência
(* 10) universal do ensinamento deles (digamos,
Gautama, Jesus, Paulo e Maomé) e mais espe
O reino dos céus é semelhante ao fer cificamente em vista da inevitável univer
mento, que um a mulher tom a e introduz salidade do Sentido Cósmico no fiituro.
em três medidas de farinha, até que tudo
esteja levedado [14:13:33], (*11)
(*11) Se possível, um a comparação ainda
O reino dos céus é semelhante a um mais exata - o Sentido Cósmico leveda
tesouro escondido num campo que um ho a pessoa e está hoje levedando o mundo.
mem achou e escondeu; e, pelo gozo dele,
vai, vende tudo quanto tem, e com pra
aquele campo [14:13:44], (*12) (*12) Os hom ens que têm C onsciência
Cósmica renunciam a tudo por ela -
O reino dos céus é sem elhante ao todo este livro é uma prova disto.
ho m em , n e g o cia n te , que b u sc a boas
pérolas; e, encontrando um a pérola de
grande valor, foi, v en d eu tudo quanto (*13) A mesma afirmação, em outras pa
tinha, e a comprou [14:13:45-6], (*13) lavras.
O reino dos céus é semelhante a uma (*14) Corresponde à metáfora do trigo e do
rede lançada ao mar, e que apanha toda a joio.
qualidade de peixes; e, estando cheia, a
puxam para a praia; e, assentando-se,
(*15) O Sentido Cósmico é o árbitro final do
apanham para os cestos os bons; os ruins,
bem e do mal. Jesus parece ter antecipado
porém, lançam fora [14:13:47-8], (*14) o estabelecimento de uma escola ou seita cujos
afiliados possuiriam o Sentido Cósmico.
E eu te darei as chaves do reino dos
céus; e tudo o que ligares na terra será
ligado nos céus; e tudo o que desligares (*16) “Estaface,” dizWhitman“deummenino
na te rra , será desligad o n o s céus sadio e honesto, é o programa de todo o
bem” [193: 355],
[14:16:19], (*15)
Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas
com os seus servos; e, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe
devia dez mil talentos. E , não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele,
e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida
se lhe pagasse. Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor,
sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então o senhor daquele servo, movido de
íntima compaixão, soltou-o, e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo,
encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem denários e, lançando mão dele,
sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então o seu companheiro, prostrando-se
a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Ele,
porém, não quis, antes foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. Vendo pois
os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu
senhor tudo o que se passara. Então o seu
sen h o r, cham an d o -o à sua p resen ça, (*17) O Sentido Cósmico é como um rei, muito
disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda acima da mente autoconsciente comum.
Tem absoluta caridade para com esta, que
aquela dívida, porque me suplicaste. Não
constantemente guerreia consigo mesma, mas
devias tu igualm ente ter compaixão do
por fim a mente cosmicamente consciente fará a
teu companheiro, como eu também tive mente meramente autoconsciente desaparecer
misericórdia de ti? E, indignado, o seu completamente da terra e a substituirá. Enquanto
senhor o entregou aos atormentadores, até isso, as pessoas do plano autoconsciente carecem
que pagasse tudo o que devia [14:18:23- muito de paciência e misericórdia.
34] (*17)
(*18) O autor não encontrou nenhum caso de
um homem concentrado em ganhar
E mais fácil passar um camelo pelo dinheiro que tivesse entrado em Consciência
fundo de uma agulha do que entrar um Cósmica. Todo o espírito do primeiro é anta
rico no reino de D eus [14:19:24] (*18) gônico à segunda.
O reino dos céus é semelhante a um homem, pai de família, que saiu de madrugada
a assalariar trabalhadores para a sua vinha. E , ajustando com os trabalhadores a um
denário por dia, mandou-os para a sua vinha. E, saindo perto da hora terceira, viu
outros que estavam ociosos na praça. E disse-lhes: Ide vós também para a vinha, e
dar-vos-ei o que for justo. E eles foram. Saindo outra vez, perto da hora sexta e da
nona, fez 0 mesmo. E, saindo perto da hora undécima, encontrou outros que estavam
ociosos, e perguntou-lhes: Por que estais ociosos todo o dia? Disseram-lhe eles: Porque
ninguém nos assalariou. Diz-lhes ele: Ide vós tam bém para a vinha, e recebereis o
que for justo. E , aproximando-se a noite, diz o senhor da vinha ao seu mordomo:
C ham a os trabalhadores, e paga-lhes o jornal, começando pelos derradeiros até aos
primeiros. E, chegando os que tinham ido perto da hora undécima, receberam um
denário cada um. Vindo, porém, os primeiros, cuidaram que haviam de receber mais;
mas do mesmo modo receberam um denário cada um. E, recebendo-o, murmuraram
contra o pai de família, dizendo: Estes derradeiros trabalharam só um a hora, e tu os
igualaste conosco, que suportamos a fadiga e a calma do dia. M as ele, respondendo,
disse a um deles: Amigo, não te faço agravo; não ajustaste tu comigo um denário?
Toma o que é teu e retira-te; eu quero dar a este derradeiro tanto como a ti. Ou não
me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?
Assim os derradeiros serão primeiros, e
os prim eiros derradeiros [14:20:1-16] (*19) O Sentido Cósmico não é dado pelo
(*19) trabalho feito ou de acordo com o mérito,
conform e este seja avaliado pela m ente
Um homem tinha dois filhos, e, diri autoconsciente. Por que seriam Jesus, Yepes e
Behmen escolhidos, e Goethe, Newton e
gindo-se ao primeiro, disse: Filho, vai tra
Aristóteles deixados de lado?
balhar hoje na minha vinha. Ele, porém,
respondendo, disse: N ão quero. M as de (*20) Por sua resposta, os sacerdotes e os
pois, arrependendo-se, foi. E, dirigindo- anciãos condenaram a si próprios, pois
se ao segundo, falou-lhe de igual modo; disseram: “Eu vou, senhor” e não foram, ao
e, respondendo ele, disse: Eu vou, senhor; passo que os publicanos e as meretrizes nada
e não foi. Qual dos dois fez a vontade do prometeram, porém, como é mostrado em outro
pai? Disseram-lhe eles: O primeiro. Dis ponto no evangelho, algumas vezes tiveram
excelente coração. Estes podem facilmente estar
se-lhes Jesus: Em verdade vos digo que
mais perto da Consciência Cósmica do que a
os publicanos e as m eretrizes entram
classe hipócrita mais alta. Com efeito, onde está
a d ia n te de vós no rein o d e D eu s o caso de um homem hipócrita que se tenha
[14:21:28-31] (*20) tomado iluminado?
O reino de D eus vos será tirado, e (*21) O Sentido Cósmico vem especialmente
às pessoas que têm a natureza moral mais
será dado a um a nação que dê os seus
elevada.
frutos [14:21:43]. (*21)
E ntão o reino dos céus será sem elhante a dez viigens que, tom ando as suas
lâm padas, saíram ao encontro do esposo. E cinco delas eram prudentes e cinco
insensatas. As insensatas, tomando as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo;
mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com as suas lâmpadas. E , tardando
o esposo, tosquenejaram todas, e adormeceram. Mas à meia noite ouviu-se um clamor:
Aí vem o esposo! saí-lhe ao encontro. Então todas aquelas virgens se levantaram, e
prepararam as suas lâmpadas. E as insensatas disseram às prudentes: D ai-nos do
vosso azeite, porque as nossas lâmpadas se apagam. M as as prudentes responderam,
dizendo: Não seja caso que nos falte a nós e a vós, ide antes aos que o vendem, e
comprai-o para vós. E, tendo elas ido comprá-lo, chegou o esposo, e as que estavam
preparadas entraram com ele para as bodas, e fechou-se a porta. E depois chegaram
tam bém as outras virgens, dizendo: Se (*24) O Sentido Cósmico não vem aos dis
nhor, Senhor, abre-nos! E ele, respon plicentes, mas aos diligentes que zelo
samente usam todos os meios de adiantamento
dendo,disse: Em verdade vos digo que vos
espiritual. Todas as virgens pegaram no sono;
não conheço. Vigiai pois, porque não nenhuma delas sabia que o “noivo” estava che
sabeis o dia nem a h o ra [14:25:1-12] gando, mas algumas haviam tomado as neces
(*24) sárias providências - as outras, não.
Porque isto é também como um homem que, partindo para fora da terra, chamou
os seus servos, e entregou-lhes os seus bens. E a um deu cinco talentos, e a outro
dois, e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade; e ausentou-se logo para
longe. E , tendo ele partido, o que recebera cinco talentos negociou com eles, e granjeou
outros cinco talentos. D a mesma sorte, o que recebera dois, granjeou também outros
dois; m as o que recebera um, foi e cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu
senhor. E muito tempo depois veio o senhor daqueles servos, e fez contas com eles.
Então aproximou-se o que recebera cinco talentos, e trouxe-lhe outros cinco talentos,
dizendo: Senhor, entregaste-m e cinco talentos; eis aqui outros cinco talentos que
granjeei com eles. E o seu senhor lhe disse: B em está, servo bom e fiel. Sobre o
pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. E, chegando
também o que tinha recebido dois talentos, disse: Senhor, entregaste-me dois talentos;
eis que com eles granjeei outros dois talentos. Disse-lhe o seu senhor: B em está,
bom e fiel servo. Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei; entra no gozo
do teu senhor. M as, chegando tam bém o que recebera um talento, disse: Senhor,
eu conhecia-te, que és um homem duro,
(*25) O ser humano está dotado de Autocons
que ceifas onde não semeaste e ajuntas
ciência e tem de fazer o máximo possível
onde não espalhaste. E, atemorizado, es desta circunstância antes que possa se elevar
condi na terra o teu talento; aqui tens o acima dela. Ou, em outras palavras (e para con
que é teu. R espondendo, porém, o seu verter a proposição num truísmo), ele deve alcan
senhor, disse-lhe: M au e negligente servo; çar o ápice do nível mental denominado Auto
sabes que ceifo onde não semeei e ajunto consciência, antes que possa passar para o nível
superior denominado Consciência Cósmica. Na
onde não espalhei. Devias então ter dado
parábola, Jesus diz: Deus deu a cada ser humano
o meu dinheiro aos banqueiros, e, quando as faculdades autoconscientes em várias medi
eu viesse, receberia o meu com os juros. das; quanto a ele (qualquer dado indivíduo) pas
Tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que sar além da Autoconsciência para o reino dos
tem os dez talentos. Porque a qualquer céus (a Consciência Cósmica), depende não tanto
que tiver será dado, e terá em abundância; da medida dessas faculdades mas do uso que
delas seja feito. Com certeza há muita verdade
mas ao que não tiver até o que tem ser-
nesta proposição. Se, por outro lado, o cultivo
lhe-á tirado. Lançai pois o servo inútil dessas faculdades é negligenciado, o ser humano
nas trevas exteriores; ali haverá pranto e permanece irrem ediavelm ente no nível da
ranger de dentes. [14:25:14-30] (*25) autoconsciência; nele houve, há e sempre haverá
pranto e ranger de dentes.
E dizia: O reino de D eus é assim
(*26) A semente (uma vida de aspiração) tem
como se um homem lançasse semente à
de ser semeada. Não sabemos o que irá
terra. E dormisse, e se levantasse de noite crescer dela - dias e noites passam e em algum
ou de dia, e a semente brotasse e cresces momento - na cama, caminhando, viajando, “o
se, não sabendo ele como [15:4:26-27] convidado que há muito espera” aparece. Ver
(*26) acima a mesma parábola, em Mateus.
Dizia-lhes também: Em verdade vos (*27) Há alguns aqui presentes que entrarão
digo que, dos que aqui estão, alguns há em Consciência Cósmica. Para uma
que não provarão a morte sem que vejam pessoa dotada de Consciência Cósmica, parece
chegado o rein o de D eu s com poder simples e certo que outras entrarão também.
[15:9:1], (*27) “Asseguro a qualquer homem ou mulher” (diz
Whitman) “a conquista de todas as dádivas do
universo” [193: 216]
E , se o teu olho te escandalizar, lança-
o fora; melhor é para ti entrares no reino
(*28) Não devemos permitir que nada bloqueie
de D eus com um só olho, do que, tendo
o caminho do adiantamento espiritual.
dois olhos, seres lançado no fogo do
Qualquer coisa é melhor do que continuar no
inferno. Onde o seu germe não morre, e estado meramente autoconsciente, que é cheio
o fogo nunca se apaga. Porque cada um de infortúnios.
será salgado com fogo [15:9:47]. (*28)
(*29) Tentativas de entrar no reino de maneira
A lei e os profetas duraram até João; violenta ou desastrada. Tentativas de
desde então é anunciado o reino de Deus, entrar enquanto ainda autoconsciente apenas .
e todo o hom em em prega fo rça para Como isto é verdadeiro hoje!
entrar nele [16:16:16], (*29)
E , interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o reino de Deus, respon
deu-lhes, e disse: o reino de Deus não vem com aparência exterior. N em dirão: Ei-lo
aqui, ou, ei-lo ali; porque eis que o reino
de Deus está dentro em vós [16:17:20-1] (*30) O reino não está fora, mas dentro. É uma
parte (uma faculdade) da mente mesma.
(*30)
E ele lhes disse: Na verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa,
ou pais, ou irmãos, ou mulher, ou filhos, pelo reino de Deus. E não haja de receber
m uito m ais n este m u n d o , e na idade
(*31) Homens dotados de Consciência Cós
vindoura a vida eterna [16:18:29-30], mica têm geralmente sido desta opinião;
(*31) têm se afastado de seus parentes e, ou não se
têm casado ou têm rompido o laço conjugal -
Jesu s resp o n d eu , e disse-lhe: N a cf. Buda, Jesus, Paulo, Balzac (até o fim de sua
verdade, na verdade te digo que aquele vida), Whitman, Carpenter.
que não nascer de novo, não pode ver o
reino de D eus. D isse-lhe N icodem us: (*32) Esta passagem não parece necessitar de
Com o pode um hom em nascer, sendo comentário. Tal como se apresenta, é tão
clara quanto as palavras podem ser. O advento
velho? porventura pode tornar a entrar
do Sentido Cósmico é um novo nâscimento numa
no ventre de sua mãe, e nascer? Jesus
nova vida.
respondeu: N a verdade, n a verdade te
digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de
D eus [17:3:3-5]. (*32)
SUMÁRIO
Que o grande apóstolo tinha o Sentido Cósmico parece tão claro e certo
como César foi um grande general.
N ão poderia ter sido muito mais jovem que Jesus. Era de natureza arrebatada e
im petuosa e, não muito tem po depois da crucificação (talvez dentro de u n s dois
anos), começou a ser notado como um perseguidor dos pequenos grupos de crentes
em Cristo que se reuniam, não somente em Jerusalém, mas em muitos outros lugares.
O mesmo zelo que o tom ou mais tarde um eficiente missionário do cristianismo fez
com que levasse suas perseguições da odiada seita dos “Nazarenos” para além de
Jerusalém, para as cidades e vilas da Judéia e, finalmente, além mesmo das fronteiras
da Palestina. Foi quando estava a caminho da cidade de Damasco, num a pequena
estrada ao nordeste da Palestina, em penhado em ali extirpar a nova heresia, que
ocorreu o extraordinário evento que mudou toda a sua vida.
Ora, se Paulo era - digamos - quatro ou cinco anos mais moço que Jesus,
sua iluminação ocorreu na mesma idade da iluminação de seu grande
predecessor.
Mais uma palavra sobre este último ponto. E um tanto esquisito que
nem o próprio apóstolo nem seu historiador, Lucas - que estava profun-
damente interessado em tudo que se relacionava com sua personalidade -
tenham deixado uma simples referência de que a data do nascimento de
Paulo possa ser deduzida de maneira positiva e definitiva. Falando de sua
vida antes de sua iluminação, entretanto, Paulo diz [18:22:4] : “Persegui
este caminho até à morte, prendendo e metendo em prisões tanto varões
como mulheres”. Um homem tão jovem, a não ser que tivesse nascido em
alguma posição de autoridade, dificilmente teria assumido a postura assim
descrita. Os líderes da principal divisão dos judeus com bem pouca probabi
lidade iriam empregar um homem jovem como ele. A “conversão” de Paulo
possivelmente aconteceu no ano 33 [144: 45-6], Supondo que ele tenha
nascido pouco antes do ano 1, então, quando A os Filipenses foi escrita - isto
é, A.D. 61 [144: 357-8] - ele teria entre sessenta e sessenta e cinco anos de
idade, o que concordaria muito bem com certas expressões nessa epístola
que dificilmente teriam sido usadas por um homem muito mais jovem. Por
exemplo: “Mas de ambos os lados estou em aperto, tendo desejo de partir e
de estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor. Mas julgo mais
necessário, por amor de vós, ficar na carne”[24:1:23-4], Ao escrever ele
estas palavras, não parece que estava doente, nem em qualquer perigo
decorrente de seu julgamento, que estava então em andamento [144: 357-8],
A perspectiva de morte próxima deve ter sido devida a sua idade naquela
ocasião. Mas se ele tinha, digamos, sessenta e cinco anos em A.D. 61, então
teria trinta e sete na época de sua iluminação. Poderia não ter ainda esta
idade, mas dificilmente poderia ser muito mais moço.
n
Temos três relatos distintos do advento de sua nova vida, dois deles
aparente e provavelmente em suas próprias palavras e todos contendo os
elementos essenciais do fato da iluminação, tal como incontestavelmente
conhecido em outros casos. E, em outro lugar [21:12:1-7], temos uma
descrição certamente feita por ele próprio, de certas experiências subjetivas
que por si mesmas seriam uma forte se não convincente evidência do fato da
iluminação; pois é seguro dizer que as palavras ali contidas dificilmente
poderiam ter sido escritas a menos que seu autor tivesse efetivamente
vivenciado a passagem da autoconsciência para a Consciência Cósmica. E
acima de todas essas evidências há um conjunto de escritos deste homem
que repetidamente demonstra a existência nele da faculdade em questão.
Seu comportamento imediatamente após a iluminação é também caracte
rístico. Tomando o rumo usual, ele se retira por algum tempo numa solidão
mais ou menos completa; se para Hauran, como supõe Renan, ou para a
península do Sinai, como julga Holsten, não importa [84:417], No que se
refere à sua iluminação propriamente - sua “conversão”, o advento da
Consciência Cósmica em seu caso - somos informados [18:9:3-9] de que:
Sobre o que, indo então a Damasco, com poder e comissão dos principais dos
sacerdotes, ao meio dia, ó rei, vi no caminho um a luz no céu, que excedia o esplendor
do sol, cuja claridade m e envolveu a mim e aos que iam comigo. E, caindo nós todos
por terra, ouvi uma voz que me falava, e em língua hebraica dizia: Ãaulo, ftaulo, por
que me persegues? JBura tofsa te í recalcitrar contra os agullpec. E disse eu: Quem és,
Senhor? E ele respondeu: Cu sou Jeíus, a quem tu persegues. fflai lebanta-te e põe-te Sobre
teus pis, porque te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunfia tonto ba* coisas que
tens bisto tomo baqueias pelas quais te aparecerei afnba. libranbo-te beste pobo e bos gentios,
a quem agora te enbfo, $ara Ifjes abrires os olt)os, e bos trebas os conberteres à luj, e bo pober
be âatanás a Seus.
Estas três narrativas, que concordam suficientemente entre si, cujas leves
discrepâncias têm pouca ou nenhuma importância, dão-nos os fenômenos
sensoriais usuais que quase sempre acompanham o advento do novo sentido.
E m verdade que nâo convém gloriar- (*1) “Cristo” é o nome que Paulo dá à
me; mas passarei às visões e revelações Consciência Cósmica,
do Senhor. Conheço um homem em Cris
to (*1) que há catorze anos (se no corpo
nâo sei, se fora do corpo não sei, Deus o sabe) foi arrebatado até ao terceiro céu. E
sei que o tal homem (se no corpo, se fora do corpo, não sei; Deus o sabe) foi arrebatado
ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis
(*2), de que ao hom em não é lícito falar. (»2) Palavras mefáve, ^ tol como whitman:
D e um assim m e gloriarei eu, m as de m im “Quando tenciono dizer o melhor, vejo que
m e s m o n ã o m e g lo ria r e i, s e n ã o n a s não o consigo; minha língua se toma ineficiente,
m in h a s fra q u e z a s . P o r q u e , se q u is e r meu fôlego não obedece o comando de seus
gloriar-m e, não serei néscio, porque direi órgãos;tomo-meumhomemmudo” [193:179].
a v e r d a d e ; m a s d e ix o is to , p a ra q u e
ninguém cuide de mim mais do que em mim vê ou de mim ouve. E, para que me não
exaltasse pelas excelências das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a
saber, um mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de me nâo exaltar.
III
Dizemo-vos pois, isto pela palavra do Senhor: que nós, os que ficarmos vivos
para a vinda do Senhor, nâo precederemos os que dormem. Porque o mesmo Senhor
descerá do céu com alarido, e com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os
que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós, os que ficarmos vivos,
seremos arrebatados juntam ente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares,
e assim estaremos sempre com o Senhor.
(*1) As usuais assertivas de imortalidade,
Portanto, consolai-vos uns aos outros com
próprias da Consciência Cósmica.
estas p alav ras [2 6 :4 :1 5 -1 8 ]. (* 1 )
(*2) No que se refere a seu “Evangelho”, Paulo
M as faço-vos saber, irm ãos, que o
foi instruído apenas pelo Sentido Cósmico.
evangelho (*2) que por mim foi anun
ciado não é segundo os homens. Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum,
mas pela revelação de Jesus Cristo [22:1:11-12].
M as, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou, e
me chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim, para que o pregasse entre os
gentios, não consultei a carne nem o sangue, nem tomei a Jerusalém, a ter com os
que já antes de mim eram apóstolos, mas parti para a Arábia, e voltei outra vez a
Damasco [22:1:15-17]. (*3)
Cristo nos resgatou da maldição da (*3) Ele sabia, entretanto, o bastante sobre Jesus
lei, fazendo-se maldição por nós; porque e seus ensinamentos, para poder reconhecer
está escrito: Maldito todo aquele que for (quando isto lhe veio) que os ensinamentos do
Sentido Cósmico eram praticamente idênticos
pendurado no madeiro [22:3:13]. M as,
aos ensinamentos de Jesus.
antes que a fé viesse, estávamos guarda
dos debaixo da lei, e encerrados para (*4) Cristo é o Sentido Cósmico concebido
aquela fé que se havia de manifestar. De como uma entidade ou individualidade
maneira que a lei nos serviu de aio, para distinta. E aquela que de fato redime a todo aque
le a quem chega da “maldição da lei” - isto é, da
nos conduzir a Cristo, para que pela fé
vergonha, do medo e do ódio que são próprios
fôssem os justificados. M as, depois que da vida autoconsciente. Paulo parece supor um
a fé veio, já não estamos debaixo de aio. batismo para a Consciência Cósmica (Cristo).
Porque todos sois filhos de Deus pela fé Indubitavelmente existe esse batismo; mas onde
em Cristo Jesus. Porque todos quantos estão os sacerdotes capazes de ministrá-lo?
fostes batizados em Cristo, já vos reves
(*5) A “ liberdade” do Sentido Cósmico é
tistes de Cristo[22:3:23-27], (*4) suprema. Absolve o ser humano de seu ego
anterior e torna impossível uma futura escra
E stai pois firm es na liberdade com
vidão.
que Cristo nos libertou [...] [22:5:1]. (*5)
(*6) Paulo ama e valoriza a liberdade tão
Porque vós, irmãos, fostes chamados intensamente como o moderno americano
à liberdade [22:5:13]. (*6) W alt W hitm an. Ambos sabiam (o que,
lamentavelmente, poucos sabem) o que é a
M as o fruto do espírito é: caridade*, verdadeira liberdade.
gozo, paz, longanimidade, benignidade,
b o n d ad e, fé, m an sid ão , tem p eran ça. (*7) Onde se lê “Espírito” e “Cristo”, deve-se
Contra estas coisas não há lei. E os que entender C onsciência Cósm ica. C.f.
M.C.L., infra, “O santo sopro mata a luxúria,
são de Cristo crucificaram a carne com
etc.” e o Bhagavadgita: “Mesmo o gosto por
as suas p aixões e c o n c u p isc ên c ia s objetos dos sentidos desaparece daquele que viu
[22:5:22-24], (*7) o supremo”.
* N.T. - Amor, no original.
Porque em Cristo Jesus nem a cireun- (*8) No dizer de Balzac: “A segunda exis-
cisão nem a incircuncisão tem virtude tência”. [5:100]
alguma, mas sim o ser uma nova criatura [22:6:15], (*8)
A inda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e nâo tivesse caridade*,
seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de
profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a
fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse caridade, nada seria. E
ainda que distribuísse toda a m inha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que
entregasse o m eu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso me
aproveitaria. A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade
não trata com leviandade, não se envaidece. Não se porta com indecência, não busca
os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas
folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade
nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão;
havendo ciência, desaparecerá. Porque, em parte, conhecemos, e em parte profeti
zamos. Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como
m enino , m as, logo que cheguei a ser
homem, acabei com as coisas de menino. (*15) Uma esplêndida exposição da moralidade
P o rq u e agora vem os por espelho em própria da Consciência Cósmica. O
enigma, mas então veremos face a face; mesm0 esPírito pode ser constatado em todos os
. x 4.- casos -m as vejamos especialmente [193:2731:
agora conheço em parte, mas entao co- , J . , , -
, ’ , , , ., Concede-me o pagamento pelo qual servi,
nhecerei como tam bem sou conhecido. concede_me cantar a cançâo da &anáe idéia.
Agora, pois, perm anecem a fé, a espe- toma tudo o mais; amei aterra, o sol, os animais,
rança e a caridade, estas três, mas a maior desprezei as riquezas, dei esmola a todos que
destas é a caridade [20:13:1-13], (*15) pediram, defendi os tolos e os loucos, devotei
minha renda e meu trabalho aos outros”.
P orque, assim com o todos morrem
em A dão, assim tam bém todos serão (*16) Uma comparação entre os estados auto-
vivificados em Cristo. M as cada um por consciente e Cosmicamente consciente.
, ^ , , . , A Autoconsciência - diz ele o estado Adâmico
sua ordem: Cristo, as primícias; depois , ~ .. „
r . - e uma condição de morte. Com Cnsto come-
os que sao de Cristo, na sua vinda. Depois ça a verdadeira vida, que irá se espalhar e se tor-
virá o fim, quando tiver entregado o reino nar universal; este é o fim da velha ordem. Depois
a Deus, ao Pai, e quando houver aniqui- disso não haverá mais “regra”, “autoridade” ou
lado todo o império, e toda a potestade e “poder”; todos serão livres e iguais. “O anjo, le-
força [20:15:22-24], (*16) vadono vento, nâo disse ‘Vós, mortos, levantai-
vos’; disse ‘Levantai-vos, vós viventes’ ” [5:145]
Eis aqui vos digo um mistério: N a verdade, nem todos dormiremos, m as todos
seremos transformados. N um mom ento, num abrir e fechar de olhos, ante a última
trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós
serem os transform ados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da
Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa,
o interior, contudo, se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e m om entânea
tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente. N ão atentando
nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são
temporais e as que se não vêem são eternas. Porque sabemos que, se a nossa casa
terrestre deste tabernáculo se desfizer, tem os de D eus um edifício, um a casa não
feita por mãos, eterna, nos céus. E por isso também gememos, desejando ser revestidos
da nossa habitação, que é do céu; se, todavia, estando vestidos, não formos achados
nus. Porque também nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos carregados;
não porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido
pela vida [21:4:16-18 e 21:5:1-4], (*18)
(*18) Paulo contrasta o ego com a vida Cos-
Assim que, se alguém está em Cristo, micamente Consciente. Sua consciência
nova criatura é: as coisas velhas já passa da vida etema é claramente colocada.
ram; eis que tudo se fez novo [21:5:17], (*19) Nenhuma expressão poderia ser mais
(*19) adequada, mais perfeita. O ser humano
que entra em Consciência Cósmica é realmente
Portanto agora nenhuma condenação
uma nova criatura e todo o seu ambiente “se tor
há para os que estão em Cristo Jesus [...]. na novo” - adquire nova aparência e novo signi
Porque a lei do espírito de vida, em Cristo ficado. A pessoa dá a volta para o outro lado das
Jesus, m e livrou da lei do pecado e da coisas, por assim dizer; elas são as mesmas, mas
morte. Porquanto o que era impossível à também inteiramente diferentes. “As coisas não
lei, visto como estava enferma pela carne, são deslocadas dos lugares que antes ocupavam.
Deus, enviando o seu Filho em semelhan A terra é tão positiva e direta como era antes.
Mas a alma também é real; também ela é positiva
ça da carne do pecado, pelo pecado con
e direta; nenhum raciocínio, nenhuma prova esta
denou o pecado na carne. Para que a ju s beleceu isto; foi o inegável crescimento que o
tiça da lei se cumprisse em nós, que não estabeleceu [193:180].
andamos segundo a carne, mas segundo
o espírito. Porque os que são segundo a (*20) Na Consciência Cósmica não há absolu
carne inclinam-se para as coisas da carne; tamente nenhum senso de pecado nem
mas os que são segundo o espírito para de morte; a pessoa sente que esta última é apenas
um incidente na continuidade da vida. O ser
as coisas do espírito. Porque a inclinação
humano meramente autoconsciente não pode,
da carne é m orte; m as a inclinação do pelo cumprimento da “lei” ou de qualquer outro
espírito é vida e paz. Porquanto a incli modo, destruir quer o pecado, quer o senso do
nação da carne é inimizade contra Deus pecado, mas “Cristo” - isto é, o Sentido Cósmico
[...]. [19:8:1-7] (*20) - pode destruir e destrói a ambos.
O mesmo Espírito testifica com o (*21) Todos os seres humanos que têm Cons
nosso espírito que somos filhos de Deus. ciência Cósmica estão no mesmo nível
E, se nós somos filhos, somos logo espiritual, no mesmo sentido em que todos que
herdeiros também, herdeiros de Deus e são autoconscientes são seres humanos - per
tencem à mesma espécie.
co-herdeiros de Cristo: se é certo que com
ele padecemos, para que também com ele
sejamos glorificados [19:8:16-17]. (*21) (*22) Paulo fala da glória e da alegria da vida
Cosmicamente Consciente que ora nasce
no horizonte do mundo, em comparação com o
Porque para mim tenho por certo que
estado autoconsciente já anteriormente universal.
as aflições deste tempo presente não são
“Vistas de glória”, diz Whitman, “incessantes e
para comparar com a glória que em nós ramificando”. “Alegria, sempre alegria”, diz
há de ser revelada . Porque a ardente ex Elukhanam. “Alegria, começando mas sem fim”,
pectação da criatura espera a m ani diz E.C. “Quando tiveres uma vez sentido ”, diz
festação dos filhos de Deus. Porque a Seraphita (isto é, Balzac), “o deleite da embria
criação ficou sujeita à vaidade, não por guez divina (iluminação), então tudo será
sua vontade, mas por causa do que a teu”[7:182]. Comparemos também os extratos
sujeitou. Na esperança de que também a seguintes, de Behmen, nos quais ele, da mesma
mesma criatura será libertada da servidão maneira que Paulo, contrasta o Ego com a vida
Cosmicamente Consciente: “O mundo exterior
da corrupção, para a liberdade da glória
ou a vida exterior não é um vale de sofrimento
dos filhos de Deus. Porque sabemos que
para aqueles que a desfrutam, mas somente para
toda a criação geme e está juntamente aqueles que sabem de uma vida superior. O
com dores de parto até agora. E não só animal desfruta a vida animal; o intelecto, o reino
ela, mas nós mesmos, que temos as intelectual; mas aquele que entrou em rege
primícias do Espírito, também gememos neração reconhece sua existência terrena como
em nós mesmos, esperando a adoção, a um peso e uma prisão. Com este reconhecimento,
saber, a redenção do nosso corpo ele toma sobre si mesmo a cruz de Cristo
[19:8:18-23] (*22) [97:325].
Plotino dizia que, para se aperfeiçoar (*1) “Quando, para um homem que com
o conhecimento, o sujeito e o objeto têm preende, o Eu se tomou todas as coisas”
de estar unidos - que o agente inteligente [150:312]
e a coisa entendida... não podem estar
separados [55:716], (*1) (*2) “Objetos grosseiros e alma invisível são
uma só coisa”[193:173]. “A percepção
Ele sustentava que, para se aperfei parece ser tal que nela todos os sentidos se unem
çoar o conhecimento, o sujeito e o objeto num só sentido. Tal que nela vós vos tornais o
têm de estar unidos [85:716]. (*2) objeto” [63].
Aplaudo tua dedicação à filosofia: Alegro-me em saber que tua alma se tenha
posto a viajar, como Ulisses em regresso, à sua terra natal - àquele glorioso país,
àquele único país real - o mundo da verdade não vista. Para seguir a filosofia, o
senador Rogatianus, um dos mais nobres dentre meus discípulos, desfez-se outro dia
de todo o seu patrimônio, libertou seus escravos e dispensou todas as honras de sua
posição.
Notícias têm chegado a nós de que Valeriano foi derrotado e está agora nas mãos
de Sapor. As ameaças de Francos e Alemães, de Godos e Persas, são igualmente
terríveis, sucessivamente, para nossa degenerada Roma. Em diás como estes, repletos
de incessantes calamidades, os motivos para uma vida de contemplação são mais do
que nunca fortes. Mesmo minha tranqüila existência parece agora tornar-se algo
sensível ao avanço dos anos. Só a idade não consigo excluir do meu retiro. Já estou
cansado desta morada-prisão, o corpo, e ^*3^ ^ noção da continuidade da vida. “E
calmamente aguardo o dia em que a natu- quanto a ti, morte, e a ti, amargo pulmão
reza divina dentro de mim seja libertada da mortalidade, é inútil tentarem me alarmar”
da matéria. (*3) [193:77]
Os sacerdotes egípcios costumavam dizer que um simples toque com a asa de
seu pássaro sagrado podia encantar o crocodilo num torpor; não será assim tão
velozmente, meu prezado amigo, que as penas de tua alma terão poder para aquietar
o corpo indómito. A criatura só cederá à vigilante e extenuante constância do hábito.
Purifica tua alma de toda esperança e todo medo indevidos acerca de coisas terrenas,
m ortifica o corpo, nega teu ego - as afeições, bem com o os apetites - e o olho
interior começará a exercer sua visão clara e solene.
Pedes que te digamos como sabemos e qual é o nosso critério de certeza. Escrever
é sempre maçante para mim. M as às contínuas solicitações de Porfirio eu não devia
ter deixado um a linha que me sobrevivesse. Para teu próprio bem e o do teu pai,
m inha relutância será superada.
M as esta sublime condição não tem (*5) Plotino (conforme ele nos diz) teve três
duração permanente. Somente (*5) de vez períodos de iluminação na época em que
em quando podemos desfrutar essa ele escreveu esta carta a Flaccus - isto é, quando
tinha cinqüenta e seis anos de idade. Somos
vação (misericordiosamente possibilitada
informados por Porfírio de que entre a idade de
a nós) acima dos limites do corpo e do
cinqüenta e nove e de sessenta e quatro (isto é,
mundo. E u mesmo só tomei consciência durante os seis anos das relações entre eles) ele
dela por três vezes até agora, enquanto teve quatro períodos, totalizando pelo menos
Porfírio, até o mom ento, nenhum a vez. sete. Deve-se notar que aquilo que Plotino diz
Tudo o que tenda a purificar e elevar a quanto ao que ajuda na passagem para a
mente há de te assistir nesta consecução Consciência Cósmica é exatamente o que é
ensinado por todos aqueles que a alcançaram -
e facilitar a aproximação e a recorrência
por Gautama, Jesus, Paulo e os demais.
desses felizes intervalos. Há, então, dife
rentes cam inhos pelos quais essa meta pode ser alcançada. O am or à beleza que
exalta o poeta; a devoção ao Absoluto e a ascensão da ciência que fazem a ambição
do filósofo, e o amor e as orações pelos quais alguma devota e ardente alm a tende
para a perfeição em sua pureza moral. Estas são as grandes estradas que conduzem à
altura acima do real e do particular, na qual nos encontramos na presença imediata
do Infinito, que brilha como das profundezas da alma.
A passagem seguinte [83:336] pode ser tomada como um resumo razoável
da filosofia de Plotino tal como entendida pelos neoplatônicos:
As alm as hum anas que desceram para a corporalidade são aquelas que se
permitiram seduzir pela sensualidade e dominar pela luxúria. Elas agora procuram
se apartar de seu verdadeiro ser; e, lutando por independência, assumem um a falsa
existência. Precisam voltar atrás nisso e, como não perderam sua liberdade, um a
conversão ainda é possível.
Aqui, então, entramos na filosofia prática. Pela mesma estrada por onde desceu
deve a alma refazer seus passos de volta ao supremo Bem. Primeiro que tudo deve
retom ar a si própria. Isto é conseguido pela prática da virtude, que tem por m eta a
semelhança com D eus e que leva a Deus. N a ética de Plotino, todos os esquemas de
virtude mais antigos são tomados e arranjados numa série graduada. O estágio mais
baixo é o das virtudes civis; seguem-se as purificadoras e, em último lugar, as virtudes
divinas. As virtudes civis apenas adornam a vida, sem elevar a alma. Isto é a função
das virtudes purificadoras, pela qual a alma é libertada da sensualidade e levada de
volta a si mesma e daí para nous. Por meio de práticas ascéticas, o homem se torna
um a vez mais um ser espiritual e duradouro, livre de todo pecado. M as há ainda uma
consecução superior; não basta ser sem pecado; é necessário tomar-se “D eus”. Isto é
alcançado mediante contemplação do Ser Primevo, o Absoluto; ou, em outras palavras,
através de um a aproximação extática. O pensam ento não pode alcançar isto, pois
chega somente até nous e é ele próprio um a espécie de movimento. O pensamento é
um mero preliminar para a comunhão com Deus. E somente num estado de perfeita
passividade e repouso que a alma pode reconhecer e tocar o Ser primevo. Logo, para
essa consecução superior, a alm a tem de passar por um curriculum espiritual.
C om eçando com a contem plação das coisas corpóreas em sua m ultiplicidade e
harm onia, retira-se para dentro de si própria e se recolhe às profundezas de seu
próprio ser, ascendendo daí para nous, o mundo das idéias. Mesmo lá, porém, não
encontra o Mais Alto, o Absoluto; ainda ouve uma voz, dizendo, “Nâo fizemos a nós
mesmos”. O último estágio é alcançado quando, na mais alta tensão e concentração,
contemplando em silêncio e extremo esquecimento de todas as coisas, é ela capaz,
por assim dizer, de perder a si mesma. Então poderá ver D eus, a fonte da vida, a
fonte do ser, a origem de todo bem, a raiz da alma. N esse momento ela desfruta a
mais alta e indescritível bem-aventurança, em que é como que engolfada de divindade,
banhada na luz da eternidade.
SUMÁRIO
Foi no quadragésimo ano de sua vida que ocorreu essa famosa revelação. Escritores
muçulmanos nos dão relatos a seu respeito, como se a tivessem recebido dos próprios
lábios de M aom é e há alusões a ela em certas passagens do Alcorão. Como era de
seu costum e, ele estava passando o m ês de R am adã na caverna do M onte H ara,
tentando, por m eio de jeju m , de oração e de m editação solitária, elevar seus
pensamentos à contemplação da verdade divina.
Foi na noite que os árabes chamam de A l Kader, ou O Decreto Divino; uma noite
em que, segundo o Alcorão, anjos descem à Terra e Gabriel traz os decretos de Deus.
Durante essa noite há paz na Terra e um a quietude santa reina sobre toda a natureza
até o amanhecer.
Com isso Maomé sentiu instantaneamente seu discernimento iluminado com luz
celestial e leu o que estava escrito no pano, que continha o decreto de Deus, conforme
foi posteriormente promulgado no Alcorão. Quando terminou, o mensageiro celestial
anunciou: “0 , íHaomí. em berbabe ís o profeta be fietuít < eu (ou deu lãnjo gataieir
Diz-se então que M aomé voltou tremendo e agitado para Cadijah, pela manhã,
sem saber se o que ouvira e vira fora efetivamente verdadeiro e se ele era um profeta
decretado para levar a efeito a reforma que por tanto tempo havia sido o objeto de
suas meditações, ou se não poderia ser um a mera visão, um engano dos sentidos ou,
pior ainda, a apariçãó de um espírito mau [102:32-3].
Eles perguntarão a ti do espírito. Dize: “O espírito vem por ordem de meu Senhor
e vós recebeis apenas um pequeno conhecimento dele”. Se assim tivéssemos desejado,
teríamos retirado aquilo com que a ti ins
piramos: então tu não terias encontrado (*3) Ele fala do “espírito” que o visita -
“Gabriel”, o Sentido Cósmico - e usa
nenhum guardião contra nós, a não ser
quase as mesmas palavras de Jesus: “O vento
por misericórdia de teu Senhor; verda assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não
deiramente, sua graça para contigo é sabes donde vem, nem para onde vai; assim é
grande [153:10]. (*3) todo aquele que é nascido do Espírito” [17:3:8]
Não descemos senão por ordem do (*4) “Não descemos”. A observação de Palmer
teu Senhor: Dele é o que está diante de quanto a estas palavras é: “Entre várias
nós, e o que está atrás de nós e o que está conjeturas, a mais usualmente aceita pelos
entre os dois; pois teu Senhor não é nunca comentaristas maometanos é que estas são as
palavras do anjo Gabriel em resposta à queixa
desatento - o Senhor dos céus e da terra
de Maomé quanto aos longos intervalos que
e do que está entre os dois; então serve-O
transcorriam entre os períodos de revelação.
e persevera em Seu serviço [153:31-2]. Compare-se, no capítulo dedicado a Bacon, o
(*4) Soneto xxxiii e o respectivo comentário.
Esta vida do mundo nada mais é que um esporte ou um jogo; mas, na verdade, a
morada do próximo mundo - isto é, a
vida. Se eles apenas soubessem disso! (*6) A distinção entre a vida autoconsciente e a
1153:124]. (*6) vida cosmicamente consciente.
Àquele que deseja a colheita do pró (*7) Um homem rico, pelo mero fato de o ser
ximo mundo, aumentaremos a colheita não está apto a entrar em consciência
para ele; e àquele que deseja a colheita cósmica. Se o faz, provavelmente abandona sua
deste mundo, desta daremos a ele, mas riqueza, como o fizeram Gautama e E.C. Se,
no próximo não terá a menor porção entretanto, um homem (não a tendo) deseja
ardentemente a riqueza, ou (tendo-a) concentra
[153:207]. (*7)
seu coração nela, com certeza “não terá a menor
porção” na Consciência Cósmica.
A vida deste mundo é apenas um jogo
e um esporte; mas se creres em Deus e o
(*8) A insignificância da vida autoconsciente,
temeres, ele te dará teu salário [153:232],
em comparação com a vida cosmi-
(*8) camente consciente.
E o paraíso será trazido para perto (*10) “...o reino de Deus está próximo”
dos piedosos - não longe deles [153:243]. [16:21:31] “...o reino de Deus está dentro
(* 10) em vós” [16:17:21]
a. A luz subjetiva.
b. A elevação moral.
c. A iluminação intelectual.
d. O senso de imortalidade.
e. O caráter decisivo, súbito e inesperado do advento do novo estado.
f. O caráter mental e físico anterior da pessoa.
g. A idade da iluminação, aos 40 anos, mais tarde do que em média, mas
enquanto ainda estava em seu apogeu.
h. O encanto acrescentado à sua personalidade, de modo que ele pôde
conquistar e manter seguidores devotados.
DANTE
Tudo isso indica que Dante tinha natureza reflexiva, estudiosa, diligente,
e podemos interpretar este fato como significando, ou que em seu caso esse
tipo de vida levou a um elevado gênio poético, dentro dos limites da
autoconsciência, ou que levou (como aqui se pretende) à Consciência
Cósmica. Em todo caso, a juventude de Dante parece ter sido tal como a que
encontramos em homens que atingem a iluminação.
II
Nosso poeta era de estatura mediana e, quando atingiu idade mais avançada,
tornou-se um tanto encurvado; seu andar era solene e tranqüilo; sempre trajado
adequadamente, sua roupa era apropriada para sua idade; seu rosto era longo, seu
nariz aquilino, seus olhos mais para grandes do que para pequenos, seu maxilar forte
e seu lábio inferior proeminente; sua pele era amorenada e seu cabelo e sua barba
espessos, negros e crespos; seu semblante era sempre triste e pensativo... Suas
maneiras, em público ou no lar, eram maravilhosamente serenas e controladas e em
todo o seu modo de ser ele era mais cortês e civilizado do que qualquer outra pessoa.
O rosto é um dos mais patéticos que olhos humanos possam ter visto, pois mostra
em suà expressão o conflito entre a natureza forte do homem e as duras marcas do
destino - entre a idéia de sua vida e a experiência prática da mesma. Força é o
atributo mais notável do semblante, mostrada igualmente na larga fronte, no nariz
masculino, nos lábios firmes, no maxilar forte e no queixo largo; e essa força,
decorrente dos traços principais de seu rosto, é enfatizada pela força das linhas de
expressão. O olhar é grave e duro quase ao ponto de ferocidade; há nas sobrancelhas
algo de desdenhoso e na fronte uma contração como que causada por pensamentos
penosos; porém, obscurecidas sob esse olhar mas não perdidas, vêem-se as marcas
da ternura, do refinamento e do autodomínio, que, em combinação com características
mais óbvias, dão ao semblante do poeta falecido uma dignidade e uma melancolia
inefáveis . Não há sinais de fraqueza ou de fracasso. E a imagem de uma fortaleza,
de um a alma forte, “apoiada em consciência e num a vontade inexpugnável”,
contundida pelos golpes de inimigos de fora e de dentro, com as paredes marcadas
por muitos sítios, mas permanecendo firme e inabalável contra todos os ataques, até
o fim do conflito.
ra
IV
A Vita Nuova de Dante, escrita no fim do século XIII, foi publicada pela
primeira vez em 1309, quando ele tinha quarenta e quatro anos de idade.
Bem no final dessa obra, Dante parece falar do advento da Consciência Cós
mica.
Após este soneto, uma visão maravilhosa me apareceu, na qual vi coisas que me
fizeram resolver não mais falar dessa abençoada (Beatrice) antes que pudesse tratá-
la mais dignámente. E, para conseguir isto, estudo ao máximo de minhas forças,
como ela bem o sabe. Assim, se for do agrado Daquele graças ao qual todas as coisas
vivem, que minha vida seja prolongada por alguns anos, espero dizer dela aquilo que
jamais foi dito de mulher alguma.
VI
N ã o m ais esperes nem palavra nem (*1) Há dois pontos aqui que merecem ser
sinal de m im . L ivre, íntegro e equilibrado observados: (1) Quando o Sentido Cósmi-
em teu próprio livre arbítrio, e seria erra- co advém, as regras e os padrões próprios
do não agires em conform idade com ele; ^ autoconsciência são suspensos. “Con-
por isso em ti acim a do teu eu a coroa ou frontados, repelidos e postos de lado”
m itra coloco. [71:176] (*1) [193:153] é a expressão de Whitman.
Nenhum homem com o Sentido Cósmico
aceitará orientação (nos assuntos da alma) de outro homem ou de qualquer suposto Deus. Em seu
próprio coração ele tem á sua disposição o mais alto padrão acessível e a este aderirá e terá de aderir;
somente a este poderá obedecer. ( 2 ) 0 outro ponto é a duplicação do indivíduo: “em ti acima do teu
eu”. Comparem-se estas palavras com as de Whitman, “O outro Eu-sou”; com as de “Shakespeare”
[176:62], “E a ti (meu Eu) que para mim mesmo eu louvo”; comas de Paulo, “Se qualquer homem
está em Cristo, ele é uma nova criatura”; com as de Jesus, “A menos que um homem nasça
novamente”. Um novo indivíduo deve nascer dentro do antigo e, assim nascendo, viverá sua própria
e distinta vida.
Uma senhora me apareceu, trajada (*2) O Sentido Cósm ico vestido da luz
com a cor da chama viva. Voltei-me para subjetiva. No umbral do novo sentido,
a esquerda, na confiança com que a crian Virgílio (caracterizando aqui a faculdade
ça pequena corre para sua mãe quando humana sem o Sentido Cósmico) deixa Dante.
está am edrontada ou quando está em Não que a consciência simples e a autocons
dificuldade, para dizer a Virgílio: “Menos ciência nos abandonem quando entramos em
do que uma dracma de sangue resta em Consciência Cósmica, mas de fato deixam de nos
guiar - “a visão tem uma outra visão, a audição
mim que não esteja tremendo, eu reco
uma outra audição, e a voz uma outra voz”.
nheço os sinais da antiga chama”; mas
[193:342]
Virgílio nos tinha deixado privados dele
próprio [71:191]. (*2)
Conforme meu rosto inelinou-se para cima, meus olhos viram Beatrice. Por trás
de seu véu e além do riacho, ela me pareceu mais superar seu antigo ego do que
superara os outros aqui quando estava
aqui [71:198], (*3) (*3) O novo mundo está ainda velado e distante,
mas mesmo assim sua glória transcende em
Q uando eu estava perto daquela muito todas as coisas do velho mundo da mera
abençoada praia, a bela senhora [a nature autoconsciência.
za?] abriu seus braços, pegou minha
cabeça e me submergiu até o ponto em (*4) Nota de Norton: “O beber das águas do
Letes que obliteram a memória do pecado”.
que tive de engolir água [71:199], (*4)
Não há sentido de pecado na Consciência
Cósmica.
Oh, esplendor de luz viva, eterna!
quem se tornou tão pálido sob a sombra (*5) O poeta m ais preparado (ao nível de
do Parnasso, ou bebeu tanto em sua autoconsciência), por estudo e prática, não
cisterna que não pareceria ter sua mente poderia representar o novo mundo quando este
embaraçada, tentando representar a ti tal livremente (no ar livre) mostra a si mesmo.
como lá apareceste, onde em harmonia o “Nenhuma escola ou sala fechada pode comun
céu te encobriu quando no ar livre te gar comigo”, diz o Sentido Cósmico pela língua
revelaste? [71:201] (*5) de Whitman [193:75],
Tu estarás comigo, para sempre um (*6) Dante entra em igualdade com Jesus.
cidadão da Roma de que Cristo é um Compare-se Whitman: “A ele que foi
romano. [71:206] (*6) crucificado” [193:298],
Do m edo e da vergonha desejo que (*7) Compare-se o que diz Balzac, “Jesus era
tu doravante te despojes. [71:211] (*7) um Especialista” e o que diz Paulo,
“Herdeiros de Deus e co-herdeiros em Cristo” .
Nem medo e nem vergonha podem existir juntamente com o Sentido Cósmico.
VII
A glória Daquele que move todas as coisas penetra o universo todo e brilha mais
numa parte e menos numa outra. No céu que recebe a maior parte da sua luz eu
estive e vi coisas que aquele que de lá do pg) ^ pau,o ouyiu ,.palavras inefiveis” e
alto desce não sabe como contar nem pode Whitman, quando ''tentou dizer o melhor”
fazê-lo. [72:1] (*8) daquilo que tinha visto, ficou mudo.
De repente dia pareceu ser acrescen- (*9) “Como num desmaio, num instante, um
tado ao dia, como se aquele que pode outro sol, inefável, plenamente me
fazê-lo tivesse adornado o céu com um deslumbra [1 9 2 :207],
outro sol. [72:4] (*9)
Beatrice estava de pé, com seus olhos concentrados nas rodas eternas e nela fixei
meus olhos, do alto desviados. Olhando para ela, tornei-me interiormente como
Glaucus (*1) se tornou ao provar da erva
(*1) Glaucus - timoneiro da nave Argo - que
que o fez companheiro no mar dos outros foi transformado num deus.
deuses . A transhumanização não pode
ser expressa em palavras; portanto, que (*2) De Glaucus.
o exemplo (*2) seja suficiente para
aquele a quem a graça reserva a (*3) Se eu continuasse a ser um mero ser
humano.
experiência. Se apenas eu fosse o que de
mim tu criaste por derradeiro (*3), Ó (*4) O desejo de Deus leva um homem da
amor que governas os céus, tu sabes, tu autoconsciência para a Consciência Cós
que com tua luz me soergueste. mica e essa revolução, quando efetiva, é eterna.
d. A iluminação intelectual.
e. A elevação moral.
f. O senso de imortalidade.
“Um dos homens mais notáveis do século XVI” [128:206], “Las Casas
foi a estrela mais brilhante dessa pequena constelação [os primeiros hispano-
americanos]. Com olhos de vidente viu e em palavras de profeta predisse o
julgamento que recairia sobre a Espanha pelos horrores perpetrados contra
os aborígines”[119:706].
Pouco se sabe de sua primeira ocupação nessa ilha, com exceção do fato de que
ele parece ter estado mais ou menos preocupado em ganhar dinheiro, como todos os
outros colonos. Por volta de 1510, foi ordenado sacerdote. Realizou três ou quatro
vocações, tendo sido um sequioso homem de negócios, um historiador dedicado e
preciso, um grande reformador, um grande filantropo e um vigoroso eclesiástico.
[98:2]
Era eloqüente, perspicaz, confiável, corajoso, desprendido e piedoso [98:3],
Sua vida foi dessas que transcendem a biografia e requerem que uma história
seja escrita para ilustrá-las. Sua carreira proporciona talvez um exemplo singular de
um homem que, não sendo nem um conquistador, nem um descobridor, nem um
inventor, tornou-se, pela simples força de sua benevolência, uma figura tão notável
que grandes trechos da história não podem ser escritos, ou pelo menos não podem
ser compreendidos, sem se fazer da narrativa de seus feitos e esforços um dos fios
principais com que a história seja tecida. No período inicial da história americana,
Las Casas é indubitavelmente a figura principal. Ele foi justificadamente chamado
de “o Grande Apóstolo das índias”[98:289],
Era uma pessoa de tão imensa habilidade e força de caráter que, em qualquer
época do mundo que tivesse vivido, sem dúvida teria sido um de seus homens mais
proeminentes. Como homem de negócios, tinha raro poder executivo. Era um grande
diplomata e um pregador eloqüente, um homem de energia titânica, ardoroso mas
controlado, de invencível tenacidade, caloroso de coração e temo, calmo em seus
julgamentos, de humor perspicaz, absolutamente destemido e absolutamente autêntico.
Fez muitos e implacáveis inimigos, alguns dos quais eram por demais inescrupulosos;
mas creio que ninguém jamais o tenha acusado de qualquer pecado pior do que
extremo fervor de temperamento. Sua ira subia a um ponto de incandescência e de
fato houve bastante ensejo para isto. Era também propenso a dizer o que pensava e
proclamar verdades desagradáveis com pungente ênfase. [89:439]
Por volta de 1510, a escravatura dos índios, sob os nomes de repartimentos e
encomiendas, tinha se tomado deploravelmente cruel. A vida de um índio não tinha
o menor valor. Era mais barato fazer um índio trabalhar até a morte e depois apanhar
um outro, do que cuidar dele e, por isto, os escravos eram forçados a trabalhar até a
morte, sem misericórdia. De tempos a tempos eles se rebelavam e então eram
“massacrados às centenas, queimados vivos, empalados em estacas aguçadas, feitos
em pedaços por cães de caça.” [89:443]
Las Casas, por dom natural, era um homem muito versátil, que encarava os
assuntos humanos de vários pontos de vista. Em outras circunstâncias ele não teria
precisado se transformar num filantropo, embora qualquer carreira para a qual pudesse
ter sido atraído não pudesse ter deixado de ser honrada e nobre. A princípio ele
parece ter sido o que se poderia chamar de um homem de mentalidade mundana.
Mas o fato mais interessante que podemos encontrar a seu respeito é seu firme
desenvolvimento intelectual e espiritual; de ano para ano ele se alçava a planos de
pensamento e sentimento cada vez mais altos. Como outros, foi de início um senhor
de escravos e nisto nada via de mal. Mas desde o começo sua natureza bondosa e
compassiva se fez presente e seu tratamento dos escravos era tal que eles o amavam.
Era um homem de aspecto impressionante e facilmente distinguível, e os índios em
geral, que fugiam à vista de um homem branco, logo passaram a reconhecê-lo como
um amigo em quem sempre podiam confiar. [89:448]
Quando Las Casas leu estas palavras, uma luz do céu pareceu brilhar sobre ele.
Aquilo que lhe bloqueava a visão caiu de seus olhos. Ele percebeu que o sistema de
escravatura estava errado em princípio. [89:450]
Las Casas tinha então quarenta anos de idade. Fiske conta ainda como,
por mais cinqüenta e dois anos, ele levou uma das vidas mais ativas, belas e
beneficentes, vindo a falecer “em Madrid, após uma enfermidade de alguns
dias, com noventa e dois anos. Em toda sua longa e árdua vida - com exceção
talvez de apenas um momento, quando da chocante notícia da destruição de
sua colônia na Pearí Coast (Costa da Pérola) - não encontramos nenhum
registro de trabalho interrompido por doença e, até o fim, sua vista não ficou
fraca nem sua força natural abatida”. [89:481]
Fiske conclui:
Ao se considerar uma vida como a de Las Casas, todas as palavras de louvor
parecem fracas e frívolas. O historiador pode apenas se curvar em reverente respeito,
ante uma figura que, em alguns aspectos, é a mais bela e sublime nos anais do
cristianismo desde a época dos apóstolos. Quando, uma vez ou outra no decurso dos
séculos, a Providência Divina traz ao mundo uma vida como essa, sua memória tem
de ser prezada pela humanidade como uma de suas posses mais preciosas e sagradas.
Para os pensamentos, as palavras, os atos de um homem como este, não há morte. A
esfera de sua influência continua para sempre a se ampliar. Eles brotam, desabrocham,
florescem, dão frutos, de era para era. [89:482]
* N.T. - Versículos traduzidos diretamente do original, dado que não constam na
Bíblia em português [10] usada nesta edição de Consciência Cósmica.
Como escreveu Las Casas, uma evidência mais ou menos decisiva sobre
o ponto aqui levantado deveria ser encontrada sob sua própria mão. Mas
seus trabalhos eram em maioria curtos e tratavam de tópicos especiais e do
momento; o trabalho em que ele pode ter tocado (se é que tocou) no suposto
evento em sua história pessoal é sua “Historia General de las índias” e este,
lamentavelmente, nunca foi impresso.
É uma inferência razoável, com base nas observações acima, que os escri
tos de Las Casas têm as qualidades usualmente encontradas naqueles que
procedem da Consciência Cósmica, tais como arrojo, originalidade, não-
convencionalismo, discernimento aguçado, compaixão e coragem. E acima
de todos estes pontos é bem possível que, fossem seus escritos examinados,
seria constatado que contêm a prova, por declaração direta, de que seu autor
possuía o Sentido Cósmico.
f. E devido (se podemos confiar nisto - e parece tão provável que é fácil
acreditar que ocorreu) à luz subjetiva que se diz ter sido por ele vivenciada
por ocasião de Pentecostes, em 1514. Se fosse possível demonstrar que
essa luz tivesse tido a mesma natureza da luz que brilhou em Paulo, Maomé
e outros, então teríamos certeza de que Las Casas teria possuído o Sentido
Cósmico. Mesmo no estado atual do caso, há pouca dúvida quanto a isto.
Não pode ser esquecido que a (suposta) luz subjetiva foi o presságio
imediato do novo nascimento espiritual de Las Casas, nem que esse novo
nascimento ocorreu na época do ano característica - enquanto ele estava
pensando em seu sermão para Pentecostes - portanto, perto do fim de
maio ou do começo de junho.
JUAN YEPES
(Chamado São João da Cruz)
Depois de algum tempo, certos raios de luz, conforto e divina doçura dispersaram
essas névoas e levaram a alma do servo de Deus a um paraíso de deleites interiores
e de doçura celestial [31:552].
Por ter criado ou por ter aderido a algumas formas monásticas, ele foi
preso durante alguns meses, em 1578, e foi durante esse período, aos trinta
e seis anos, que entrou em Consciência Cósmica.
Em 15 de agosto de 1578 ele tinha passado oito meses na prisão. No dia
vinte e quatro de junho do mesmo ano, completou trinta e seis anos de idade.
A iluminação ocorreu quando ele estava na prisão e aparentemente (mas
o registro não é claro neste particular) poucos meses antes de 15 de agosto.
Consideradas todas as indicações disponíveis, parece quase certo que a
iluminação tenha ocorrido na primavera ou no começo do verão e que na
ocasião Yepes estava a um mês ou dois (antes ou depois) de seu trigésimo
sexto aniversário. [112:108]
Foi no mesmo ano, após a iluminação [112:141], que ele começou a
escrever.
O fenômeno da luz subjetiva parece ter se manifestado com intensidade
fora do comum neste caso.
Consta que outros a viram. Diz-se também que ela o iluminava por toda
a volta do mosteiro. Estas últimas declarações sem dúvida assentam em
exagero ou confusão, assim como se verifica na descrição do mesmo fenômeno
no caso de Paulo. É curioso também que, no caso de Juan Yepes, seguiu-se
uma cegueira parcial que durou alguns dias e esteve de algum modo eviden
temente ligada à luz subjetiva.
No caso de Paulo, a cegueira foi mais acentuada e teve maior duração.
Parece que o distúrbio central que tem de coexistir com a luz subjetiva pode
ser tão grande que faça com que o centro óptico seja por algum tempo incapaz
de reagir a seu estímulo normal. Parece claro que, tanto no caso de Paulo
como no de Yepes, a mudança que provocou a cegueira era centralizada. Um
dos biógrafos de Yepes descreve o fenômeno da luz em si mesma e de seus
efeitos sobre seus olhos nas seguintes palavras:
Sua cela tornou-se inundada de uma luz visível ao olho físico. Certa noite, o
frade que cuidava dele foi como de costume ver se seu prisioneiro estava seguro e
viu a luz celestial de que a cela estava inundada. Ele não parou para pensar e correu
para o prior, achando que alguém na casa tinha as chaves para abrir as portas da
prisão. O prior, com dois religiosos, foi imediatamente para a prisão, mas ao entrar
na sala pela qual se chegava à prisão, a luz se desvaneceu. Não obstante, o prior
entrou na cela e, encontrando-a escura, acendeu a lanterna de que se munira e pergun
tou ao prisioneiro quem lhe dera luz. São João lhe respondeu dizendo que ninguém
na casa o fizera, que ninguém poderia tê-lo feito e que não havia vela nem lâmpada
na cela. O prior nada disse e saiu, julgando que o guardião havia se equivocado.
Algum tempo depois, São João da Cruz disse a um de seus irmãos que a luz
celestial que Deus tão misericordiosamente lhe enviara durara a noite toda e enchera
sua alma de alegria, fazendo a noite passar como se fosse apenas um instante. Quando
sua prisão estava chegando ao fim, ele ouviu nosso Senhor lhe dizer como que da luz
que estava em volta dele: “João. eta-me aqui; não tema*; eu te libertarei" [112:108],
Poucos momentos depois, enquanto escapava da prisão do mosteiro, consta que
ele teve uma repetição da experiência, como segue:
Viu uma luz maravilhosa, da qual veio uma voz que disse: “deaue-me”. Ele seguiu
e a luz moveu-se adiante dele em direção à parede que estava na encosta, e então,
sem que ele soubesse como, encontrou-se em seu topo, sem nenhum esforço ou
fadiga. Desceu à rua e então a luz se desvaneceu. Tão brilhante era ela que por dois
ou três dias - assim confessou ele mais tarde - seus olhos estiveram fracos, como se
ele tivesse estado olhando o Sol com toda sua força [112:116].
Embora, como eu já disse, seja verdade que Deus esteja sempre em toda alma,
concedendo-lhe dádivas e preservando para ela seu ser natural pela Sua presença,
com tudo isto Ele nem sempre comunica a vida sobrenatural. Pois esta só é dada por
amor e graça, que nem todas as almas alcançam, e aquelas que alcançam não o
conseguem ao mesmo grau, pois algumas ascendem a graus mais altos de amor do
que outras. Portanto, tem maior comunhão com Deus a alma que é mais adiantada no
amor - isto é, aquela cuja vontade é mais harmonizada com a vontade de Deus. E a
alma que alcançou perfeita conformidade e semelhança está perfeitamente unida a
Deus e sobrenaturalmente transformada em Deus. Por causa disso, portanto, como já
expliquei, quanto mais a alma se apega às coisas criadas, confiando em sua própria
força, por hábito e tendência, menos está propensa a essa união, porque não se entrega
completamente nas mãos de Deus, de modo que Ele possa transformá-la sobrena
turalmente [203:78], (*5)
(*5) A distinção entre a vida autoconsciente,
, __.__ ____, .................. u,;... i mesmo em seu melhor nível, e a vida em
E m o u tras ocasioes, tam b em , a luz
,, , , , Consciência Cósmica,
divina atinge a alm a com tanta força que
as trevas não são sentidas e a luz não é (*6) “Louis teve um típico ataque de catalepsia.
percebida; a alm a parece inconsciente de Ficou de Pé Por cinqüenta e nove horas,
tudo que conhece e, portanto, por assim sem se mover>seus olhos flxos’ sem falar ou
,. , . . . comer, etc.” [5:1271. Esta experiência de
dizer perdida no esquecimento, sem saber (ist0 . de Bal’zac) pertence ao período
onde está nem o que lhe aconteceu, in- jiuminação, como no caso de Yepes.
consciente da passagem do tem po. (*6)
(*7) E provável que uma experiência seme-
Pode acontecer e de fato acontece que lhante, na mesma circunstância, seja
m uitas horas se passem enquanto a alm a comum’ embora nâo seia umversal-
se encontre nesse estado de esquecim ento; tudo parece apenas um m om ento quando
ela novam ente retorna a si. [203:127] (*7)
Os céus são meus, a terra é minha e as nações são minhas! meus são os justos e
os pecadores são meus; meus são os anjos e a Mãe de Deus; todas as coisas são
minhas, o próprio Deus é meu e para
mim, porque Cristo é meu e todo para (*2) Whitman nos diz: “Como se alguém,
mim. Que então pedes, que buscas, ó talhado Para Possf coisas’ nâo Pudesse
i • i n * i ,j , « ' entrar a vontade em todas e incorpora-las a si
alma minha? lu d o e teu - tudo e para
v ti. mesmo [193:214]. E „ mais:
M *.1Que
ai t?supoe
_ • voce
«rx.
N ã o p eg u es m enos nem fiq u es com as que eu ,he sugeriria numa centena de maneiras
m igalhas que caiam da m esa de teu pai. senão que o ser humano, homem ou mulher, é
Vai e e x u lta em tu a gló ria, e sc o n d e-te tão bom quanto Deus? E que não há nenhum
nela e alegra-te, e obterás todos os desejos D eus m ais divino do que você m esm o”?
de teu coração. [206:607] (*2) [193:299].
Visões de substâncias incorpóreas, como de anjos e de almas, não são freqüentes
nem naturais nesta vida terrena, e menos ainda o é a visão da essência divina que é
peculiar aos bem-aventurados, a menos que seja comunicada transientemente por
dispensação de Deus, ou por conservação de nossa condição e vida natural e pela
abstração do espírito, como foi talvez o caso de São Paulo quando ouviu os
impronunciáveis segredos no terceiro céu. “Se no corpo”, disse ele, “não o sei, ou
fora do corpo, não o sei; Deus o sabe”. Está claro nas palavras do apóstolo que ele foi
transportado para fora de si mesmo, pelo (*3) A visão Cósmica comparada, em poucas
ato de Deus, como para sua existência palavras comuns, com “ visões" mais
natural [203 198-9] (*3) comuns de, por exemplo, anjos e espíritos, nas
_ , , , , quais Yepes parece ter pouca fé.
O c o n h e c im e n to d a v e rd a d e p u ra
requer, para um a explicação adeq u ad a, (M) « transcendem todas as palavras” Esta é
que D eus pegue a m ão e conduza a pena a experiência universal,
do escritor. T enha em m ente, m eu preza
do leitor, que estes assuntos transcendem (*5) Uma tentativa de indicar a diferença radical
todas as palavras. (* 4 ) M as com o m eu entre o conhecimento próprio da mente
propósito não é discuti-los e sim ensinar autoconsciente e a consciência da verdade
„ j- ■ ■ . j- • característica da m ente Cosm icam ente
e d irig ir a a lin a p a ra a u m a o d iv in a „ . x _ . .. . , ......
, . « . . , Consciente. De indicar tambem o jubilo da
através deles, sera suticiente que eu f a e „
M Consciência Cósmica e a impossibilidade de
deles concisam ente dentro de certos limi- expressar na única linguagem que temos (a
tes, até o ponto em que meu assunto o linguagem da autoconsciência), o que é visto,
requeira. (*5) Esta espécie de visão não ou o que é sentido no estado Cosmicamente
é a m esm a coisa que as visões intelectuais Consciente. “Quando tenciono dizer o melhor”,
de co isas corpóreas. C on siste em com - ^iz Whitman, “vejo que não o consigo; minha
p re en d e r ou ver com p reen siv am en te as línSua se torna ineficiente. meu fôlego não
verdades de D eus, ou das coisas ou a res- ° bef , “ ™ ° rgâos’ tom °-me um homem
. mudo”. 193:179
peito das coisas q u e existem , existiram ,
ou existirão. E mais como o espírito da profecia, como eu talvez explique mais
adiante. Esta espécie de conhecimento tem uma dupla natureza: uma se refere ao
Criador; a outra, a criaturas. E embora ambas sejam bem cheias de doçura, o deleite
produzido pela que se refere a Deus não pode ser comparado com qualquer outra
coisa; não há palavras nem linguagem que possa descrevê-lo, pois trata-se do
conhecimento do próprio Deus e de seus deleites. [203:205]
Na medida em que isso se torna pura contemplação, a alma percebe claramente
que não pode descrevê-lo de outro modo senão em termos gerais que a exuberância
de deleite e felicidade lhe impõe. E embora às vezes, quando esse conhecimento é
outorgado à alma, sejam proferidas palavras, a alma sabe muito bem, no entanto,
que de modo algum expressou o que sentiu, porque está consciente de que não há
palavras de significação adequada. [203:206]
Esse conhecimento divino atinente a Deus nunca se refere a coisas particulares,
pois está intimamente ligado ao Mais Alto e, portanto, não pode ser explicado, a não
ser quando se refere a alguma verdade menor do que Deus, suscetível de ser descrita;
esse conhecimento geral, porém, é inefável. Só uma alma em união com Deus é
capaz desse profundo e amoroso conhecimento, pois ele próprio é essa união. Esse
conhecimento consiste em certo contato da alma com a Divindade e é o Próprio Deus
que é então sentido e vivenciado, embora não de maneira manifesta e clara, como o
será em glória. Mas esse toque de conhecimento e doçura é tão forte e profundo que
penetra a substância mais íntima da alma e o diabo não pode interferir nisto nem
produzir qualquer coisa semelhante - porque não há nada mais que lhe seja comparável
- nem infundir qualquer doçura ou deleite que de algum modo possa
a isso se assemelhar. Esse conhecimento, em alguma medida, tem o toque da essên-
cia divina e da vida sempiterna e o diabo (*6) Compare-se Behmen: “O conhecimento
não tem nenhum poder para simular qual- espiritual não pode ser comunicado de um
quer coisa que seja tão grande. [203:207] intelect0 a outro>mas de ser Procurado no
espírito de Deus”[97:56].
SUMÁRIO
a. No caso de Juan Yepes, a luz subjetiva parece ter estado presente e ter
sido mesmo extraordinariamente intensa, embora possa haver alguma
confusão no relato da mesma.
c. A iluminação intelectual esteve bem, mas não talvez de maneira tão forte
como em alguns outros casos.
d. Seu senso de imortalidade é tão perfeito que não lhe ocorre discuti-la
como uma questão à parte ou tão-somente como uma questão. Ele
simplesmente se tomou Deus, um Deus, ou uma parte de Deus, e não
pensaria em discutir sua imortalidade mais do que pensaria em discutir a
de Deus.
e. Naturalmente, ele perdeu (se é que jamais teve) todo medo da morte. A
morte é simplesmente nada para ele. É um assunto que absolutamente
não lhe diz respeito.
FRANCIS BACON
Nada que se aproxime de um estudo exaustivo deste caso pode ser tentado
ui. As meras bordas do assunto já preencheram uma biblioteca de tamanho
oável, enquanto o âmago da questão mal foi tocado.
T. S.Baynes [86:764] diz que estas especulações “não podem ser considera
das como bem sucedidas”; mas supondo para fins de argumentação que houve
realmente esse jovem, ou essa mulher secreta [Mary Fitton, 167:30 et seq.
ou uma outra], isto não provaria absolutamente nada. Essas pessoas podem
ter tido existência real e a elas e delas pode ter sido falado como o significado
superficial dos Sonetos, assim como se fala ao oceano e do oceano no signifi
cado superficial de With Husky Haughty Lips* [193:392]. Ou consideremos
como outro exemplo o da Prece de Colombo [193:323]. Colombo pode ter
feito exatamente essa prece e não há razão para que Whitman não devesse
ter posto essa oração na boca de Colombo; mas nada é mais certo que as
palavras em questão serem dirigidas ao Todo-poderoso pelo próprio Whitman.
Mas por que selecionar exemplos? Não há em Leaves talvez um só verso que
tenha somente um significado. E quem hoje em dia não compreende que, na
Divina Comédia, Dante usou os termos teológicos correntes em seu tempo
para velar e expressar pensamentos muito mais profundos e mais elevados
do que aqueles que até então haviam sido atribuídos a eles? Atribua-se o
significado corrente aos termos usados e seus versos terão um sentido, mas
atribua-se a esses termos a intenção de Dante e eles terão um outro sentido,
imensamente mais amplo e profundo. Assim, seu último e melhor tradutor,
que sem dúvida o conheceu profundamente, diz que “uma fonte mais profunda
e mais dominante de compreensão imperfeita do poema do que qualquer
dificuldade verbal reside no significado duplo ou triplo que perpassa por
ele” [70:16], Ou seria Seraphita uma espécie de conto de fadas, tendo por
figura central uma idealizada e ninfômana jovem norueguesa?
Que um homem que tem Consciência Cósmica é de fato pelo menos uma
pessoa dual, é algo fartamente mostrado e ilustrado neste livro e
“Shakespeare”, o autor das peças e dos Sonetos, é realmente um outro (embora
sendo o mesmo) eu do Bacon que escreveu as obras em prosa, falou no Parla
mento, viveu perante o mundo como jurista, homem da corte e cidadão. Do
mesmo modo que “Seraphita” (Seraphitus), sendo Balzac, é totalmente distin
to doBalzac notório, que era visto nos salões de recepção parisienses. Assim
como o Whitman do Leaves é completamente distinto (e no entanto o mesmo)
do Whitman que viajava em ônibus e trem e que “viveu a mesma vida com
os outros” e veio a falecer em Camden, em 26 de março de 1892. Ainda
como “Gabriel”, sendo Maomé, é ao mesmo tempo uma outra e distinta
personalidade.
IV
V
Assim temos a moldura em que montar o quadro: a mente de Bacon é
excepcionalmente precoce e ele entra em Consciência Cósmica, suponhamos,
no começo de 1590, aos vinte e nove anos de idade ou pouco depois; ele
tinha provavelmente escrito várias peças antes disto, algumas das quais podem
ter sido consideradas dignas de inclusão no fólio de 1623. Na primavera de
1590 (aos trinta anos) ele adquire o Sentido Cósmico. Nos dois anos seguintes
(1590-91), isola-se e produz várias peças, ao mesmo tempo que, numa espécie
de comentário paralelo a respeito de suas experiências mentais e de seu
trabalho, escreve os primeiros “Sonetos”, ao passo que os demais foram
escritos, um ou dois por vez, conforme as circunstâncias os requeriam, entre
este período e a data de sua publicação, 1609.
Seria apropriado, neste ponto, darmos alguma informação sobre a
personalidade de Bacon, se este assunto não fosse demasiado extenso para
os limites deste livro. A questão que nos interessa aqui é, naturalmente, a
seguinte: Eram seu intelecto e sua natureza moral (especialmente a segunda)
tais como os que são próprios das pessoas que têm Consciência Cósmica?
Quanto às respostas à segunda metade desta pergunta, surgiu uma dúvida
(fomentada principalmente por Pope e Macaulay). Este ponto não pode ser
discutido aqui. Tudo que pode ser dito é que este autor crê que Bacon era tão
grandioso moralmente quanto o era intelectualmente; e ele acredita que,
seja quem for que se dê ao trabalho de considerar seriamente os trabalhos
clássicos sobre o assunto, escritos por homens competentes e imparciais (tais
como Personal History, de Dixon [75], Life and Times, de Spedding [174],
Evenings With a Reviewer, de Spedding [177] e especialmente Life, deRawley,
que conhecia Bacon muito bem), chegará inevitavelmente à mesma conclusão.
Sobre ele, diz Rawley: “Ele não tinha malícia; não se vingava de injúrias;
não difamava a ninguém; ao contrário, procurava dizer o melhor que podia
ser dito de qualquer pessoa, mesmo tratando-se de um inimigo” [141:52], E,
depois de muitos anos de estudo, Spedding sintetiza o assunto como segue:
A evidência a partir da qual todos tiveram de julgar levou-me a supor que ele era
uma pessoa muito diferente de como era comumente considerado. Essa idéia me
induziu a procurar novas evidências e todas que descobri confirmaram minha
impressão. Não critico as pessoas por não saberem que conselho Bacon deu ao rei
quanto à convocação de um parlamento e a negociar com ele; mas digo que o teor do
conselho, tal como hoje apresentado, mostra que os integrantes do parlamento não
eram bons para fazer previsões; que a conclusão a que chegaram quanto ao caráter
de Bacon, partindo dos fartos indícios de que dispunham foi estranhamente inexata;
tão longe da verdade como se alguém considerasse Flavius como um exemplo de
mau administrador porque a economia a que servia estava indo mal. Tomo estes
elementos recentemente descobertos como testes. Se eu estivesse errado, teria sido
condenado; se Macaulay estivesse com a razão, eles o teriam confirmado. [178:189]
No final de seu livro, após todos os fatos da vida de Bacon que chegaram
até nós terem sido revistos e considerados, ele prossegue:
Para mim pelo menos, por mais que se possa lamentar uma queda como essa, de
um homem como ele, e um fecho tão lastimável de uma vida como a dele, sempre
senti que, não tivesse ele caído, ou tivesse ele caído numa situação menos desoladora
em suas condições exteriores, eu nunca teria sabido o quanto ele era um homem bom
e grandioso - dificilmente, talvez, o quanto a bondade intrínseca é uma coisa grandiosa
e invencível. Passando do mundo exterior para o mundo que estava em seu interior,
não conheço nada mais inspirador, mais comovente, mais sublime, do que a indómita
energia, a confiança, a clarividência, a paciência e a compostura com que seu espírito
sustentou-se naquele destino tão deprimente. Nem o coração do próprio Jó foi tão
dolorosamente provado, nem passou ele melhor por suas provas. Nos muitos livros
que Bacon escreveu durante esses últimos cinco anos, não encontro lamentações
ociosas, queixas vãs contra terceiros, nenhuma justificativa medíocre de si mesmo;
nenhum traço de uma mente desgostosa, vacilante ou desesperada. [178:407]
Para encerrar esta parte do assunto, vamos dar uma olhada em dois outros
breves excertos. O primeiro é do Plano da Obra e, o segundo, do Novum
Organum. Diz Bacon:
E há ainda o seguinte:
Posso então dizer de mim mesmo Se o “licor extraído de inúmeras uvas” não
aquilo que alguém disse como pilhéria ®0 Sentido Cósmico, não parece muito claro o
(dado que tão verdadeiramente evidencia l “6 Possa ser-
a diferença): “Não é possível que tenhamos de pensar do mesmo modo, visto que um
bebe água e outro bebe vinho”. Ora, outros homens, tanto em tempos antigos como
nos modernos, em matéria de ciência têm bebido como água um licor cru, fluindo
espontaneamente do discernimento ou inferido por lógica, como de um poço por
roldanas. Ao passo que eu brindo à humanidade com um licor extraído de inúmeras
uvas, de uvas perfeitamente m aduras, colhidas em cachos, ajuntadas e então
esmagadas na prensa e finalmente purificadas e clarificadas na cuba. Portanto, não é
de admirar que eles e eu não pensemos do mesmo modo. [34:155]
vn
Este não é, naturalmente, o lugar para uma discussão da autoria das
peças, mas como é aqui tido como certo que elas devam ser creditadas a
Bacon, será correto indicarmos algumas das principais razões para adotarmos
esta posição. O depoimento do autor deste livro sobre o assunto será apre
sentado quando alguns dos Sonetos estiverem sendo considerados. À parte
dessas passagens nos Sonetos, as “razões” em questão podem ser assim resu
midas:
i. A relação que existe, por um lado, entre Ricardo III e Henrique VIII, de
“Shakespeare” e, por outro lado, a história em prosa de Henrique VIII, de
Bacon, faz com que seja quase certo que o mesmo homem tenha escrito as
três obras [197:1-24],
j. Afirma-se às vezes que Bacon era cientista, filósofo, homem da corte,
advogado, homem de negócios, mas não um homem de grande perspicácia
ou um grande poeta, que pudesse ter escrito as peças. Mas, em primeiro
lugar e deixando de lado as peças, Bacon era ambas as coisas: era perspicaz
e era poeta. Macaulay não exagera quando escreve que, como é demonstra
do em suas obras em prosa: “A faculdade poética era poderosa na mente
de Bacon, mas não, como sua perspicácia, poderosa a ponto de ocasional
mente usurpar o lugar de sua razão e tiranizar totalmente o homem”.
“Nenhuma imaginação”, acrescenta ele, “jamais foi ao mesmo tempo tão
forte e tão completamente dominada” [120:487],
1. Por volta de 18 de abril de 1621, após sua queda, Bacon compôs uma
prece que Addison citou como parecendo as devoções de um anjo e não de
um homem [175:467], Nenhuma poesia mais verdadeira nem mais elevada
é encontrada nas peças ou nos Sonetos do que nessa prece. Nenhum homem
com a alma no corpo pode lê-la e duvidar de sua absoluta candura e
sinceridade. Nela, diz ele: “Suscitei (embora numa roupagem modesta) o
bem de todos os homens”. Ninguém jamais explicou o que pudesse ser
esse “bem de todos os homens” que Bacon suscitou e que andava em
roupagem modesta. Poderia ser alguma outra coisa além das peças? “O
bem de todos os homens” é uma frase tão grandiosa que o propósito a que
se refere tem de ser necessariamente imenso. Que outro propósito do gênero
poderia ter existido na mente de Bacon naquela época? Bem, suas obras
filosóficas - o De Augmentis, o Novum Organum e as demais? Sim, sem
dúvida isto seria verdadeiro a respeito delas. Mas o propósito de que se
falou estava numa roupagem modesta. Estavam estas últimas assim? Bem
ao contrário. Elas trajavam genuína vestimenta de alta classe, filosófica,
tanto na forma como no estilo - além disto, no melhor latim que, por
amor ou por dinheiro, poderia ser obtido para elas.
“Mas de onde vem a palavra longa, e será que pode ser descoberta uma
relação entre ela e o homem real, Francis Bacon? Para responder a isto,
voltemos ao manuscrito de Northumberland House, MS„ mencionado acima.
Esse MS. pertencia a Bacon e nunca poderia ter sido visto pelo ator, Shakes-
peare. Na folha externa está escrita a palavra: Honorificabilitudino. Esta é
também um anagrama. Ela envolve as palavras: Initio hi ludi Fr. Bacono
(no início estas peças de* Fr. Bacon). Parece ter sido uma primeira idéia. As
palavras latinas não formam uma oração completa; sugerem um significado
mas não o contêm de fato. O anagrama nesta forma não era considerado
satisfatório e foi depois melhorado na forma encontrada em Love ’s Labor ’s
Lost.
Mas este livro nada tem a ver com a questão Bacon-Shakespeare, exceto
incidentalmente e por força de circunstâncias. Alguém escreveu as peças e
os “Sonetos” e acredita-se que essa pessoa, seja quem for, tinha Cons
ciência Cósmica. E assim como são encontrados em quase todos esses ca
sos dois tipos de escritos - a saber, um que flui do Sentido Cósmico e outro
que, brotando na mente autoconsciente, trata diretamente do Sentido Cós
mico como uma realidade que para ela é objetiva - assim estes dois tipos
de escritos são encontrados neste caso: (1) As peças, que tratam do mun
do dos homens e fluem diretamente do Sentido Cósmico e (2) os Sone
tos, que tratam (do ponto de vista do homem autoconsciente) do próprio
Sentido Cósmico, de maneira sutil e oculta, como é usual e na verdade
inevitável.
Resta (e é tudo o que pode ser feito aqui) apresentar tantos “Sonetos”
quantos caibam no espaço disponível, acompanhados das necessárias
observações explanatórias.
IX
SONETO n
Quando considero que tudo que cresce (*6) Todas as coisas, após um
Só por um breve momento em perfeição se período m om entâneo de
mantém, maturidade, murcham e decaem. O
próprio Sentido Cósmico está sujeito
Que este imenso palco além de espetáculos nada
à mesma lei universal. Para que ele
apresenta, absolutamente não morra com a
Onde as estrelas em secreta influência observam, morte de seu possuidor, ele (o Bacon
Quando percebo que homens qual plantas autoconsciente) o im planta
aumentam, novamente nos Sonetos.
Pelo mesmíssimo céu animados e refreados,
Em sua juvenil tolice gabando-se de que o alto
decrescem,
E da memória seu esplêndido estado apagando;
Então a presunção desta inconstante estada
A meus olhos em juventude mais rico vos torna,
Onde perdulário Tempo com Decadência disputa,
Para em maculada noite vosso dia de juventude
mudar;
E, tudo em guerra com o Tempo, por amor a
vós,
Conforme ele de vós toma eu em vós novo
implanto. (*6)
Mas por que vós, de maneira mais poderosa, (*7) Ele (O Bacon autoconsciente)
Não fazeis guerra contra o Tempo, esse sanguinário irá (diz ele) implantar o Senti
tirano? do Cósmico nos Sonetos. Mas, (diz
E em vosso declínio não vos fortaleceis ele ao Sentido Cósmico), por que
Com mais abençoados meios que minha estéril rima? razão vós (vós mesmo) não adotais
Agora, no ápice de felizes horas estais; um modo mais poderoso de assegu
rar vossa im ortalidade terrena?
E muitos intocados jardins, não arranjados ainda,
Estais agora no apogeu de vossa
Com virtuoso desejo vossas vivas flores à luz trariam,
juventude e muitos intocados jardins
Muito mais parecidas do que vossas pintadas (arte, poesia, drama, etc.) sentir-se-
imitações: iam felizes em trazer à luz vossos
Assim deveriam ser da vida os versos que a vida filhos - vossas vivas flores. E estas
restauram, se pareceriam muito mais convosco
Que este, o pincel do Tempo, ou minha pupila pena, do que uma descrição de vós feita
Nem num mérito interior nem na beleza exterior, de fora (como no caso dos Sonetos).
Podem vos fazer aos olhos dos homens viver. Sim, porque os Sonetos são uma
O de vós mesmo desfazer-vos, imóvel vos descrição do Sentido Cósmico do
mantém; ponto de vista da autoconsciência,
E por vossa própria doce arte conduzido ao passo que a coisa realmente
desejável seria que o próprio Sentido
deveis viver. (*7)
Cósmico falasse. “Só do acalento
gosto”, diz Whitman, “do cantarolar
SONETO XVII
de tua valvulada voz”. Se vos
Quem meu verso acreditaria em tempos por vir, apagásseis, diz Bacon ao Sentido
Se preenchido fosse com vossos altíssimos Cósmico, haveríeis de vos tom ar
desertos? imortal. Haveríeis de “vos manter
imóvel”.
Embora seja ele ainda, o sabem os Céus, apenas
qual tumba
(*8) Deixai-me dizer o que eu quei
Que vossa vida esconde e nem metade mostra de ra (como nos Sonetos) a vosso
vossas partes. respeito; ninguém poderia saber, de
Se eu pudesse escrever de vossos olhos a beleza, minhas palavras, o que realmente
E em novos números todas as vossas graças enumerár, sois. Deixai-me dizer como pareceis
Diria a era por vir, “este poeta mente; a mim e se dirá que exagerei, que
Toques assim celestiais, faces terrenas jamais menti. Mas produzi - deixai atrás de
tocaram”. vós filhos como vós —dignos de vós
Assim, por sua idade amarelecidos, deveriam meus mesmo - como devem ser - então
papéis não sereis negado. Inequivocamente
Ser escarnecidos, como homens velhos de menor vivereis duas vezes: (1) Em vossa
verdade que a língua; própria prole, cuja divindade nin
guém poderá questionar e (2) em mi
E de fúria de poeta deveriam vossos justos direitos
nha descrição de vós, nos Sonetos,
ser chamados,
a qual será vista, por comparação
E de exagerada métrica de canção antiga: com a vossa própria prole, como
Mas se algum filho vosso vivo fosse naquele verdadeira.
tempo,
Duas vezes viver deveríeis - nele e em minha
rima. (*8)
A um dia de verão devo comparar-te? (*9) A primeira parte do soneto é um
Es mais encantador e mais temperado: louvor ao Sentido Cósmico,
mico. Pareceria que, na ocasião em que
Fortes ventos sacodem sim os graciosos botões
este soneto foi composto, Bacon havia
de maio,
estabelecido em sua própria mente como
E do verão o prazo demasiado curto é: o Sentido Cósmico iria se expressar, e
Vezes quente demais, do céu o olho brilha, parte do trabalho parece ter sido feita -
Vezes em sua dourada pele esmaecido é; isto é, algumas das peças terem sido
E tudo que belo é, do belo vezes declina, escritas. Ele fala do Sentido Cósmico
Pelo acaso ou pelo curso mutante da natureza como tendo subsistido ao tempo em
desadomado; versos eternos.
Mas não murchará teu eterno verão,
Nem a posse perderá daquele belo que deves; (*10) O Soneto XXXIII se refere ao
Nem a Morte se gabará de que em sua sombra caráter intermitente da ilumina
ção, que é verdadeiro em todos os casos
vagueias,
de Consciência Cósmica, nos quais há
Quando em eternos versos ao tempo subsistes: mais de um lampejo da divina radiância.
Enquanto respirar possam homens, ou ver Trata do desânimo e da aridez dos
possam olhos, intervalos, em comparação com os
Tanto vive isto e a ti dá vida. (*9) períodos em que o Sentido Cósmico está
efetivamente presente. Assim, Behmen,
referindo-se ao caráter intermitente de
SONETO XXXIII sua iluminação, diz [40:16]: “O sol
brilhou sobre mim por um bom tempo
Inumeráveis gloriosas manhãs tenho visto mas não constantemente, pois escondeu-
Os cumes das montanhas com soberano olho se e então eu não sabianem compreendia
bem m eu próprio trabalho” [seus
exaltarem,
próprios escritos]. Note-se o uso das
Com face dourada os verdes prados beijando, mesmas imagens por ambos os autores.
Pálidos córregos com celeste alquimia Também Yepes nos diz: “Quando essas
embelezando; visões ocorrem, é como se uma porta
Quando em vez, nas nuvens mais baixas permitir fosse aberta para uma luz maravilhosa,
andar pela qual a alma vê, assim como os
Com feia angústia em sua celestial face, homens vêem quando o raio lampeja
numa noite escura. O relâmpago toma
E do mundo infeliz seu rosto esconder,
visíveis por um instante os objetos do
Para o poente com esta vergonha escapando: ambiente e depois os deixa no escuro,
Embora meu filho certa manhã cedo deveras tenha embora suas formas permaneçam na
brilhado imaginação. Mas no caso da alma a
Com todo o triunfante esplendor em minha fronte; visão é muito mais perfeita, pois as
Mas, ai! que só por uma hora meu ele foi. coisas que ela viu em espírito naquela
Uma nuvem do campo de mim o escondeu agora. luz ficam tão impressas nela que, sempre
que Deus a ilumina novamente, ela os
Mas a ele, por meu amor, nem um pouquinho
vê claro como o fez na primeira vez,
desdenha; exatamente como num espelho, no qual
Macularem-se podem os sóis do mundo, vemos objetos refletidos toda vez que
quando o sol do céu se macula. (*10) nele olhamos. Uma vez concedidas à
alma, essas visões nunca mais a deixam totalmente; pois as formas permanecem, embora se tomem um
tanto indistintas no decurso do tempo. Os efeitos dessas visões na alma são quietude, iluminação,
glória como que jubilosa, doçura, pureza, amor, humildade, propensão ou elevação da mente a Deus,
às vezes mais, às vezes menos, às vezes mais de um, às vezes mais de outro, conforme a disposição da
alma e a vontade de Deus” [203:200-1], Comparem-se as últimas palavras de Yepes com Paulo: “O
fruto do espírito [Cristo, o Sentido Cósmico] é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade,
fé, mansidão, temperança” [22:5:22],
SONETO XXXIX
SONETO LII
Assim como o rico sou eu, cuja abençoada chave
A seu doce tesouro trancado pode levar,
Q ue ele não há de a cada hora inspecionar,
Pois isto o gozo embotaria, de esporádico prazer.
Por isso tão solenes e raras são as festas,
Pois, raramente vindo, no longo ano estabelecidas,
Como preciosas pedras esparsamente são colocadas,
* N.T. - N o original em inglês há aqui um interessante, talvez importante jogo de
palavras: a “ditado por ele” (dictated by him), o autor acrescenta: (or it). A
sugestão para reflexão está em que “him ” refere-se a pessoa, ao passo que “ it”
refere-se a coisa ou fenômeno - na sua tese, o Sentido Cósmico.
Ou como jóias maiores no colar. (*13) Compare-se Plotino: “Esta
Assim é o tempo que vos guarda, sublime condição não é de
qual cofre meu, duração permanente. É apenas de vez
Ou como o armário que o manto esconde, em quando que podemos desfrutar a
elevação (misericordiosamente a nós
Para algum especial instante especialmente
possibilitada) acima dos limites do
abençoado tomar,
corpo e do mundo. Eu mesmo a
Por um novo desabrochar de seu aprisionado apreendi somente três vezes até
orgulho. agora” [188:81], Os períodos de
Abençoados sois vós cujo merecimento iluminação de Bacon foram prova
escopo dá, velm ente m ais longos e m ais
Provido sendo para o triunfo, falto sendo para freqüentes do que os de Plotino.
a esperança. (*13) Aparentemente, nenhum dos dois
podia controlar os períodos de
iluminação. Parece provável que
Jesus esteja se referindo a esse arbitrário ir e vir (aparentemente sem causa) da luz divina, quando
diz [17:3’.8y “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde
vai; assim é todo o que é nascido do Espírito.”
SONETO Lffl
Qual é vossa substância, da qual sois feita, (*14) Uma descrição, de um ponto
Que milhões de estranhas sombras a vós de vista, da Consciência Cósmica.
propendem Que se compare a ela uma descrição
Pois cada um, cada qual uma sombra tem, de Gautama, do mesmo ponto de
vista. Diz ele: “O estado de Arahat
E vós, exceto uma, toda sombra podeis dar.
[Consciência Cósmica] torna um
Descrevei Adónis, e a simulação
homem apto a compreender pelo seu
Do que sois, pobre imitação é; próprio coração os corações de
Na face de Helena toda a arte da beleza outros seres e dos outros homens, a
aplicada, entender todas as mentes, as impe
E vós, em gregos atavios, nova tuosas, as calmas, as iradas, as pacífi
pintada sois: cas, as iludidas, as sábias, as concen
Da primavera falai, e da fartura do ano; tradas, as sempre variantes, as eleva
Uma, de vossa beleza sombra mostra, das, as estreitas, as sublimes, as per
versas, as resolutas, as vacilantes, as
A outra, como vossa plenitude se mostra;
livres e as escravizadas” [161:215].
E vós, em toda abençoada forma
Isto é, revela todo caráter, como étão
conhecemos.
bem exem plificado no dram a
Em toda externa graça alguma parte tendes, “shakespeariano” . Compare-se a
Mas vós como ninguém, ninguém como vós, visão mundialmente ampla de Dante;
quanto a um coração leal. (*14) a penetração de Balzac na estrutura
e na operação do infinito coração
humano; as palavras de Whitman, “Sou do velho e do jovem, tanto do tolo quanto do sábio, desatento
dos outros, sempre atento aos outros, maternal bem como paternal, criança bem como homem”, etc.
[193:42] e o conhecimento quase universal do homem e de seu ambiente, que seus escritos indicam,
especialmente Leaves.
Não o mármore nem os dourados monumentos (*15) Com “esta poderosa rima”,
De príncipes a esta poderosa rima sobreviverão; na qual o Sentido Cósmico
M as nestes conteúdos mais forte brilhareis perdurará e brilh ará no futuro
Do que não varrida pedra, com desleixado tempo distante, provavelmente não se quer
dizer os Sonetos, mas as peças ou
lambuzada.
alguma peça em particular, como
Quando devastadora guerra estátuas derrubar,
Romeu e Julieta (escrita em 1596 e
E motins o trabalho de alvenaria arrancarem, impressa em 1597 e 1599). Até o
N em a espada de Marte nem da guerra o fogo julgamento que a elevação do gosto
intenso queimarão humano, promovida pelas próprias
De vossa memória o registro vivo. peças, fará nascer, vós (a Consciência
Contra a morte e toda esquecida inimizade Cósm ica) vivereis nesta peça e
Caminhareis; vosso louvor lugar encontrará ainda, deleitareis os olhos e o coração dos
N os olhos mesmo de toda a posteridade que amam.
Q ue este mundo até a terminante sina consome.
Assim, até o juízo em que ressurgireis,
Aqui vivereis e nos olhos dos amantes
morareis. (*15)
SONETO LEX
Se nada novo existe, mas aquilo que é (*16) O escritor pergunta: “É esta
Antes já era , como enganado é nosso cérebro, ilum inação de que estou
Q ue, em inventar empenhando-se, erroneamente consciente um fenômeno novo, ou
existia no velho mundo? Gostaria”
gera
- diz ele - “de poder encontrá-la, ou
O segundo fardo de um antigo filho! então uma descrição dela, em litera
O h, esse registro poderia, com um retroativo olhar, tura. Se ela já existiu, tem de ser en
Mesmo de quinhentos cursos do sol, contrada nos registros da mente hu
Vossa imagem nalgum antigo livro me mostrar, mana, e se eu pudesse encontrar esses
Pois a mente a princípio em aparência foi feita! registros, poderia avaliar se a mente
Que eu pudesse ver o que o velho mundo poderia humana estaria progredindo, recuan
dizer do ou permanecendo parada". Ele
parece chegar à conclusão de que
A esta harmoniosa maravilha de vossa estrutura;
poucos ou nenhum dos grandes escri
Q uer aprimorados estejamos nós, quer antes tores do passado teve essa experiên
estejam eles, cia. Bacon estava altamente familia
O u quer o mesmo seja o ciclo, rizado com a Bíblia e, portanto, com
O h, seguro estou, de velhos dias a perspicácia os evangelhos e as epístolas de Paulo,
A piores assuntos, de admiração louvor mas sua reverência para com estes
prestou. (*16) escritos provavelmente o impediria
de comparar suas experiências com
a dos escritores sagrados. Não parece que ele conhecia muito de Dante; e a literatura budista, em
que o assunto é exaustivamente tratado, era livro absolutamente selado para os ingleses de seu
tempo. Jamais ocorreria a ele examinar o Alcorão e a vida de Maomé, se é que eram acessíveis a ele.
Assim, é provável que Bacon estivesse totalmente impossibilitado de ter qualquer conhecimento de
outros casos além do seu próprio.
O pecado do narcisismo todo o meu olho possui, (*17) Neste soneto, a dualidade da
E toda a minha alma e todas as minhas partes; pessoa que o escreve vem à
E para este pecado remédio não há, tona com muita força - sem dúvida
Tão enraizado está ele no âmago do meu coração. propositadamente. Quando ele se
A mim parece que nenhum rosto, gracioso seja encontra no seu Eu Cosmicamente
como o meu, Consciente, está por assim dizer per
Nenhuma forma tão verdadeira, nenhuma verdade dido em admiração de si mesmo.
Quando se volta para seu eu físico e
tão valiosa;
autoconsciente tende, ao contrário, a
E para mim mesmo meu próprio valor define, desprezar a si próprio. Ele é ao mes
Como eu a todos os outros em todo valor supero. mo tempo muitíssimo e pouquíssimo
Mas quando meu espelho a mim, eu mesmo, um egotista. Aqueles que conheceram
realmente mostra, o homem Walt Whitman sabem que
Surrado e truncado, pelo tempo curtido, esta mesma aparente contradição,
Meu próprio narcisismo bem ao contrário leio; apoiada nos mesmos fundamentos,
Tão narcisista ego iniqüidade era. existia muito acentuadamentenele. A
Es tu (eu mesmo), que a mim mesmo louvo, adm iração de W hitm an pelo
Com beleza de teus dias minha idade pintando. Whitman Cosmicamente Consciente
(*17) e suas obras (Leaves), era exatamente
como pintada neste soneto, ao passo
que ele estava absolutamente desprovido de egotismo no jeito comum do indivíduo autoconsciente.
Acredita-se que estas observações seriam também verdadeiras quando aplicadas a Paulo, Maomé
ou Balzac. Em última análise, a questão parece ficar mais ou menos assim: O Eu Cosmicamente
Consciente, de todos os pontos de vista, parece maravilhoso, divino. Do ponto de vista do Eu Cos-
micamente Consciente, o corpo e o ego autoconsciente também parecem divinos. Mas, do ponto de
vista da autoconsciência comum, e portanto comparado com o Eu Cosmicamente Consciente, o ego
autoconsciente e o corpo parecem insignificantes e até, como se vê bem no caso de Paulo, desprezíveis.
SONETO XCV
Quão doce e amável a vergonha tornas, (*21) “Quão doce e amável a ver
Que qual verme em fragrante rosa, gonha tomas”. Helen Price
A beleza detecta de teu flóreo nome! diz que, em 1866, Walt Whitman
Oh, em que doçuras teus pecados envolves! (que na época precisava muito de um
Essa língua que de teus dias a história conta, editor para Leaves ofGrass) recebeu
de uma importante editora uma boa
De teu passatempo lascivos comentários fazendo,
oferta, na condição de que ele con
Deslouvar pode, só numa espécie de louvor;
cordasse em eliminar alguns versos
Teu nome chamar, má reputação abençoa. de Children o f Adam (“Filhos de
Ah, que palácio esses defeitos conseguiram Adão”). Uma ou duas horas depois
Que para sua habitação a ti escolheram, que a oferta foi feita, ele voltou à casa
Onde o véu da beleza toda mancha cobre, da mãe dela em Nova York, onde es
E todas as coisas um belo se tomam, que olhos tava então hospedado e, depois deter
possam ver! contado a ela e a sua mãe a respeito
Acautela-te, coração querido, deste grande da oferta, disse: “Mas não ouso fazê-
privilégio; lo; não me atrevo a deixar fora ou
alterar o que é tão genuíno, tão
A mais dura lâmina, mal usada, seu fio perde.
indispensável, tão elevado, tão puro”
(*21)
[38:32], E, quanto a um episódio
anterior em sua vida, disse ele ao escritor [38:26]: “Em 1855, quando Leaves o f Grass provocou
uma tempestade de raiva e condenação, fui para o extremo oriental de Long Island e passei o final
do verão e todo o outono - o mais feliz de minha vida - em Shelter Island e Peconic Bay. Depois
voltei para Nova York, com a resolução confirmada - da qual jamais depois me afastei - de ir em
frente com o meu empreendimento poético à minha própria maneira e conclui-lo o melhor que
pudesse”. Um incidente semelhante ocorreu na vida de Balzac, relativamente à publicação de Le
Médecin de Campagne (“O Médico do Campo”). Em 1833 (pouco depois da iluminação) ele
escreveu a sua tão amada irmã que aquele livro chegaria às mãos dela na semana seguinte: “Custou-
me”, disse ele, “dez vezes o trabalho da obra Louis Lambert... Aquele trabalho foi terrível. Agora
posso morrer em paz; fiz um grande trabalho pelo meu país”. Dois meses depois, escreve ele
novamente: “Sabes como Le Médecin foi recebido? Com uma torrente de insultos;... mas escolhi
meu caminho; nada poderá me desencorajar... A torrente que me empurra para a frente nunca foi tão
rápida; nenhuma obra mais terrivelmente majestosa jamais compeliu o cérebro humano” [4:142-3],
O quarto verso, (“Oh, em que doçuras”, etc.), refere-se aos vícios, aos crimes e às perversidades nas
peças (aos atos de Regan, Goneril, Edmund, lago, etc.). E não são todos eles cobertos por um véu de
beleza? Essa língua, diz ele, que narra as visões, as revelações que procedem do Sentido Cósmico,
“deslouvar pode, só numa espécie de louvor”. (“E eu digo”, fala Whitman, “que na verdade não
existe o mal ”) [193:22]. Depois ele exorta o Sentido Cósmico a acautelar-se “deste grande privilégio”.
E assim vemos Whitman “voltando a (seus) poemas, reconsiderando-os, neles demorando-se” e
eliminando palavras e expressões que lhe parecem livres demais. Este soneto é um dos mais difíceis
de se penetrar totalmente em seu significado, mas, quando se consegue isto, é talvez a mais primorosa
passagem jamais escrita pelo seu autor. A mais primorosa em expressão e em sutileza metafísica.
Nenhum comentário talvez, certamente nenhum comentário deste autor, poderá lhe fazer mesmo a
mais modesta justiça.
SONETO XCVI
Dizem alguns, teu defeito a juventude é; outros, a (*22) As peças (as filhas do Sentido
devassidão; Cósmico) são julgadas de
Dizem alguns, tua virtude a juventude é, e nobre maneira variada. O que, por exem
passatempo é; plo, a uma pessoa parece “devassi
dão”, para outra é “nobre passatem
Virtude e defeito, amados são ambos, ora mais ora
po”. Ambos, defeitos e virtudes, são
menos; recomendados, pois os defeitos são
Em virtudes que a ti refluem, defeitos tornas. transformados em virtudes, pela
Como no dedo de entronizada rainha alquimia do Sentido Cósmico. “Eu
A mais humilde jóia bem valorizada será, mesmo sou” , diz Whitman, “tanto
Assim são os erros que em ti são vistos mau quanto bom, e assim minha
Em verdades traduzidos e para veras coisas nação é, e eu digo que na verdade
considerados. não existe om al” [193:22]. E Paulo
diz: “ Sei e estou persuadido no
Quantas ovelhas poderia o sombrio lobo trair,
Senhor Jesus [isto é, pelo Sentido
Se como uma ovelha pudesse ele se disfarçar! Cósmico] que nada é impuro em si
Quantos espectadores poderias tu desviar, m esmo”. Assim como um a jó ia
Se de todo o teu estado a força empregasses! modesta na mão de uma rainha passa
Mas não o faças; de tal modo te amo, por uma rica pedra preciosa, assim
Que, tu sendo meu, minha é tua boa reputação. todas as coisas em ti (o Sentido
(* 22 ) Cósmico) são belas, verdadeiras e
boas. Se desses livre expressão a esta
revelação (usando a força de todo o teu estado), muitos desviarias (pois não te compreenderiam) e
tu mesmo (em tua prole - como as Epístolas de Paulo, o drama shakespearíano, Leaves o f Grass,
etc.) serias condenado e assim impedido de fazer teu devido trabalho no mundo; portanto, “não o
faças”.
SONETO XCVII
SONETO CXXVI
Ó tu, meu adorável menino, que em teu poder (*24) Este soneto constitui o fecho
Do Tempo a caprichosa ampulheta seguras, sua da alocução à Consciência
ceifeira a hora; Cósmica. Foi provavelmente escrito
bem pouco antes de sua publicação
Que minguando cresceste e nisto mostraste
(1609), quase vinte anos depois que
Teus amantes murchando enquanto teu doce Eu seu autor fora “iluminado com o
crescia; Esplendor Bramânico” [155:232] e
Se a Natureza, soberana senhora da ruína, produzira, sob seu influxo, quase
Conforme em frente segues ainda te puxa para trás, todas as peças shakespearianas. “Ó
Com o propósito te mantém ela, de que sua perícia tu, meu adorável menino”, diz ele
O tempo a desonrar venha, e desventurados minutos dirigindo-se pela últim a vez ao
matar. Sentido Cósmico, que em tua mão o
tempo e a morte seguras - que min
Mas a ela teme, ó tu, favorito do seu prazer!
guando (conforme a idade avança
Reter pode ela seu tesouro, mas mantê-lo não pode: dentro de mim), cresceu (nas peças,
Sua auditoria, tardia embora, respondida tem teus produtos), e com isso te mostras
de ser, constantemente aumentando, en
E sua quitação é a ti retribuir. (*24) quanto teus amantes mortais mur
cham e morrem. Se a Natureza de
sejasse (como é de seu jeito) destruir-te (as peças - filhas da Consciência Cósmica), no entanto não
o faria, mas a ti manteria, para mostrar que ela é capaz de desonrar o tempo, fazendo o que ele não
pode matar. Não somente isso, mas também para mostrar que esse produto da Natureza pode até
matar o tempo (“desventurados minutos matar”). Mesmo assim tu (o favorito da Natureza - o
Sentido Cósmico - as peças) ainda deves temer a Natureza, que pode a ti manter por certo tempo,
mas talvez não para sempre. Quanto a ela (a Natureza), embora seu dominio seja tão forte, deverá
Um dia prestar contas de si mesma a um poder mais forte. Esse poder és tu (Consciência Cósmica),
t quem, quando a evolução (que é a Natureza) tiver dado frutos (isto é, tiver se tomado generalizada
- como é a autoconsciência hoje), ela (a Natureza) terá recebido sua quitação. Pois a plena aparição
do Sentido Cósmico destruirá a morte, o medo da morte, o pecado e o espaço. “Virá então o fim,
quando ele (Cristo - a Consciência Cósmica) entregará o reino a Deus, ao próprio Pai, quando ele
tiver abolido todo domínio, toda autoridade e todo poder. Pois ele deverá reinar até que tenha calcado
M U S inimigos sob seus pés. O último inimigo que será abolido é a morte [20:15:24-26]. A Consciência
Cósmica a tal ponto lançará para um segundo plano as coisas dos sentidos (da autoconsciência - da
Natureza como a entendemos hoje, que ora absorve os pensamentos dos homens), que praticamente
■a abolirá. A Natureza, ao invés de ser o Senhor, como agora, será uma escrava - na verdade
receberá, efetivamente, sua quitação.
SUMÁRIO
Um dia, sentado em seu quarto, seu olhar caiu sobre um prato de estanho polido,
que refletia a luz solar com um esplendor tão maravilhoso que ele caiu num êxtase
interior e pareceu-lhe como se pudesse então olhar nos princípios e fundamentos
profundos das coisas. Ele pensou que se tratava apenas de uma fantasia e, para fazê-
la desaparecer de sua mente, saiu para o gramado. Mas ali percebeu que estava
contemplando o próprio coração das coisas, da própria relva e da grama, e aquela
natureza real harmonizou-se com o que ele tinha visto interiormente. Não disse nada
disto a ninguém, mas louvou e agradeceu a Deus em silêncio. Retomou a prática
honrada de seu oficio, atentou para seus afazeres domésticos e sentiu-se em paz com
todas as pessoas. [123]
Desta primeira iluminação, Hartmann diz que, por ela e dela, “Ele apren
deu a conhecer o mais íntimo fundamento da natureza e adquiriu a capacidade
de ver de então em diante no coração de todas as coisas com os olhos da
N.T. - * Ou Jakob Böhme
alma, numa faculdade que permaneceu nele mesmo em sua condição
normal”[97:3], E na biografia apresentada como introdução a suas obras a
mesma circunstância é mencionada nas seguintes palavras:
Por volta do ano 1600, aos seus vinte e cinco anos de idade, ele foi novamente
circundado pela luz divina e mais uma vez infundido com o conhecimento celestial;
adentrando o campo até um relvado diante de Neys Gate, em Görlitz, sentou-se ali e,
olhando a grama e a relva do campo com sua luz interior, teve a visão íntima de sua
essência, sua função e suas propriedades, que lhe foram reveladas pelas suas linhas,
imagens e qualidades. Do mesmo modo contemplou toda a Criação e com essa base
de revelação escreveu posteriormente seu livro De Signaíura Rerum. Na revelação
desses mistérios à sua compreensão ele viveu uma grande alegria, mas voltou para
casa, cuidou de sua família e viveu em grande paz e silêncio, mal insinuando a
alguém as coisas maravilhosas que lhe haviam acontecido, até que em 1610, sendo
novamente imerso naquela luz, para que os mistérios que lhe tinham sido revelados
não passassem por ele apenas como um fluxo, e mais como um apontamento do que
com intenção de publicar, escreveu seu primeiro livro, intitulado Aurora, or the
M om ing Redness (“Aurora, ou o Rubor da Manhã”) [40:13-14].
Dez anos mais tarde [1610] ele teve outra notável experiência interior. O que
antes vira somente de maneira caótica, fragmentária e em vislumbres isolados, agora
contemplou como um todo coerente e em contornos mais definidos [123].
D ez anos mais tarde [1610], ocorreu sua terceira iluminação e aquilo que em
visões anteriores lhe tinha parecido caótico e multifário foi agora reconhecido por
ele como uma unidade, assim como uma harpa de muitas cordas, cada corda da qual
é um instrumento separado, enquanto o todo é uma só harpa. Agora ele reconhecia a
ordem divina da natureza e a maneira como do tronco da árvore da vida brotam
diferentes ramos, produzindo folhas, flores e frutos diversos, e teve forte impressão
da necessidade de escrever o que viu e preservar o registro [97:3],
Ao passo que ele próprio fala como segue dessa iluminação final e com
pleta:
O portal me foi aberto e num quarto de hora vi e aprendi mais do que se tivesse
passado muitos anos consecutivos numa universidade, coisa que admirei extre
mamente, e em razâo disto dirigi meu louvor a Deus por isto. Pois vi e conheci o ser
de todos os seres, o abismo e a eterna geração da Santíssima Trindade, o descenso e
a origem do mundo e de todas as criaturas, através da sabedoria divina: conheci e vi
em mim mesmo todos os três mundos, isto é, (1) o divino [angélico e paradisíaco],
(2) o escuro [a origem da natureza no fogo] e (3) o mundo externo e visível [sendo
uma procriação ou um nascimento externo a partir tanto do mundo interno como do
espiritual], E vi e conheci toda a essência ativa, no mal e no bem, e a origem e a
existência destes; do mesmo modo, a maneira como o ventre fecundo da eternidade
frutificou. D e modo que, não só fiquei grandemente maravilhado, mas também me
regozijei em extremo [40:15],
Sua aparência física era um tanto comum; ele era alto, tinha uma fronte estreita
mas têmporas proeminentes, o nariz bastante aquilino, a barba rala, olhos cinzentos
brilhando para um azul celestial e voz fraca mas agradável. Era modesto em sua
aparência, despretencioso nas conversas, lento em suas ações, paciente no sofrimento
e dócil de coração [123:15].
Em sua aparência exterior, Behmen não era especial; tinha barba curta e rala,
voz fraca e olhos de um tom acinzentado. Era deficiente em força física; não obstante,
nada se sabe de que ele tenha tido qualquer doença além da que causou sua morte
[97:17],
Sua vida pode ser lida lado a lado com a de Gautama, Jesus, Paulo, Las
Casas, Yepes, ou mesmo Whitman, sem receio de que Behmen, com seu
dócil coração, venha a sofrer com tal comparação, enquanto sua morte merece
igualdade de registro com a de Yepes ou Blake. Aconteceu no domingo, 20
de novembro de 1624.
Antes de uma hora da madrugada, Behmen chamou seu filho Tobias para perto
de sua cama e lhe perguntou se não estava ouvindo uma música bonita; depois pediu
que abrisse a porta do quarto, para que a canção celestial pudesse ser ouvida melhor.
Mais tarde perguntou que horas eram e, quando lhe disseram que o relógio havia
batido duas horas, disse: “Ainda nâo é minha hora; daqui a três horas será minha
hora”. Depois de uma pausa, falou uma vez mais, dizendo: “ Tu, poderoso Deus,
Zabaoth, salva-me conforme a tua vontade”. Em seguida, disse: “Tu, Senhor Jesus
Cristo crucificado, tem misericórdia de mim e leva-me para teu reino”. Deu então a
sua esposa certas instruções relativas a seus livros e outras coisas temporais, dizendo-
lhe também que ela não iria sobreviver a ele por muito tempo (como de fato aconteceu)
e, despedindo-se de seus filhos, disse: “Agora entrarei no Paraíso”. Pediu então a
seu filho mais velho, cujo olhar amoroso parecia impedir que a alma de Behmen se
separasse dos elos do corpo, que o virasse e, com um profundo suspiro, sua alma
entregou seu corpo à terra a que ele pertencia e entrou no estado mais elevado que
nâo é do conhecimento de ninguém exceto daqueles que o vivenciaram pessoalmente
[97:15],
II
Para mostrar o que tem sido pensado desses livros por homens competentes
que os estudaram, será conveniente citarmos as palavras do editor de The
Three Principies (“Os Três Princípios”), na edição de 1764, in-quarto:
Não sou jovem [escreve ele], estando agora perto de meus cinqüenta anos; no
entanto comecei a aprender alemão para que pudesse ler este incomparável autor em
seu próprio idioma. Eu mesmo escrevi alguns livros não-inaceitáveis, mas não sou
digno de desatar os cordões dos sapatos desse homem maravilhoso, que considero a
maior luz que já apareceu na Terra, segundo somente para Ele, que era a própria
luz... A vós aconselho, absolutamente, que vos atireis no abismo de conhecimento da
mais profunda de todas as verdades [97:32 e 199:30].
m
Se contemplardes vosso próprio ego (*1) “Um estranho e difícil paradoxo, embora
e o mundo exterior, e o que neles está verdadeiro,vosdou:objetosbrutoseaalma
acontecendo, vereis que vós, no tocante invisível sâo uma só coisa” [193:173], e
ao vosso ser exterior, sois esse mundo Gautania, Plotino e Carpenter são todos igual-
exterior [97 137] (*1) mente positivos sobre este mesmo ponto.
Sois um pequeno mundo formado do (*2) “Deslumbrante e tremendo, quão rápido o
grande mundo, e vossa luz exterior é um nascer do sol me mataria se eu não pudesse
caos do Sol e da constelação de estrelas. agora e sempre enviar o nascer do sol para fora
Se não fo sse assim , não teríeis a de mim” [193:50],
capacidade de ver por meio da luz do Sol
[97:137], (*2) (*3) “O outro Eu-Sou” [193:32], “Es tu [eu
mesmo] que para mim mesmo louvo”
Não eu, o eu que eu sou, sei destas [176:62], O reconhecimento da personalidade
coisas: Mas Deus sabe destas coisas em dual da pessoa Cosmicamente Consciente - isto
mim [97:34], (*3) é, o ego autoconsciente e o Eu Cosmicamente
Consciente.
Portanto, somente aquele em quem
Cristo existe e vive é um cristão, um (*4) “Cristo”, aqui, foi usado como Paulo
homem em quem Cristo foi elevado, da constantemente usa a palavra, como um
desgastada carne de Adão [97:5], (*4) nome - isto é, da Consciência Cósmica.
Se sobes esta escada que eu subo para a profundeza de Deus, como tenho feito,
então tens subido bem: Não vim para este significado, ou para esta obra e este conhe
cimento através de minha própria razão
ou através de minha própria vontade e (*6) Nenhum daqueles que alcançaram a
Consciência Cósmica a “buscou”; eles não
meu propósito; nem busquei este conheci
o poderiam ter feito, pois não sabiam que uma
mento, nem mesmo conhecer algo a res coisa assim existisse. Mas parece que todos os
peito deie. Busquei apenas o coração de casos m ais m arcantes eram hom ens que
Deus, para nele me esconder das tormen buscavam veementemente o “ coração de Deus”
tas tempestuosas do diabo [41:237], (*6) - isto é, a melhor e mais elevada vida.
Ora, a vontade nâo pode suportar a atração e a impregnação, pois estaria livre e
no entanto não pode, pois é desejosa; e, sentindo que não pode estar livre, entra com
a atração para dentro de si mesma e toma (ou concebe) em si mesma uma outra
vontade, que deve sair das trevas para ela própria, e essa outra vontade concebida é
a mente eterna, que nela entra como um súbito lampejo (ou relâmpago) e dissipa as
trevas, e nela penetra e nela faz morada e para si mesma faz um outro (ou segundo)
princípio de uma outra qualidade (fonte ou condição), pois o tormento da agitação
permanece nas trevas [43:5], A primeira vontade eterna é Deus, o Pai, e é gerar Seu
filho - isto é, Seu Verbo - não de qualquer outra coisa, mas de Si Mesmo; e já vos
informamos a respeito das essências que são geradas na vontade e também como a
vontade nas essências é colocada em trevas e como as trevas (na roda da ansiedade)
são apartadas pelo lampejo do fogo, e como a vontade vem a ser em quatro formas,
enquanto no original todas as quatro são apenas uma, mas no lampejo do fogo aparecem
em quatro formas; e também como o lampejo do fogo existe efetivamente, em que a
primeira vontade aguça a si mesma na ansiosa dureza, de modo que a liberdade da
vontade brilha na carne. Com isto oferecemos à vossa compreensão que a primeira
vontade brilha no lampejo do fogo e está se consumindo por força da agudeza ansiosa,
onde a vontade continua na agudeza e abrange a outra vontade em si mesma (entender
no centro da agudeza), que deve sair da
agudeza
°
e rpermanecer em si mesma na (*7) Duas exposiçoes exóticas da j
geraçao do
e te rn a liberdade, sem so frim en to ou segundo Eu (Cosmicamente Consciente)
origem [43.15-16], (*7) no primeiro eu (autoconsciente).
Pois Jesus Cristo, o Filho de Deus, o Verbo Eterno no Pai (que é o fulgor, o brilho
e o poder da eternidade da luz) tem de se tomar homem e nasceT em vós, paTa que
conheçais a Deus; do contrário estais num estábulo escuro e ficais apalpando, tateando,
sempre procurando por Cristo à mão direita de Deus, supondo que ele esteja muito
distante; lançais vossa mente para o alto acima das estrelas e procurais Deus, como
os sofistas vos ensinam, eles que representam Deus como um ser muito distante, no
céu [43.24]. ( 8) (*g) “Cristo”, aqui usado como por Paulo, para
Sentido Cósmico - “Eu vivo, nâo mais eu,
Eu era tão sim ples quanto aos m isté- masCristoviveemmim” [22:2:20].“Cristo,que
rios ocultos com o aos m ais insignifican- ® nossa vida” [25:3:4]. ‘ Jesus Cristo está em
tes; m as a m inha virgem das m aravilhas vos l2 1 1 3 -5!-
de D eus me ensinou, de modo que tenho (*9 ) o Sentido Cósmico é uma virgem,
de escrever sobre Suas maravilhas; embo- Compare-se Beatrice, de Dante, e Seraphita
ra na realidade meu propósito seja escre- (Seraphitus), de Balzac - como também 0 jovem
ver isto como um apontamento para mim ~ 0 Sentido Cósmico - nos Sonetos de Bacon, é
mesmo, ainda assim falarei como p a ra uma vlr^ m; tod°sf ° “uma virgem”. “Como
. um apontamento . Com pare-se W hitman:
muitos a q u ilo q u e e sabido p o r D e u s “Apenas algumas sugestões procuro reconstituir
[43:31], (*9) aqui para meu próprio uso” [193:14].
Assim distinguimos para vós a substância nas trevas; e embora seja bem difícil
sermos por vós compreendidos, e embora, também, pouca fé possa ser nisso deposi
tada, temos no entanto uma prova bastan- (*10) Assim, como prova ou argumento para
te convincente disso, não somente no céu algumas de suas doutrinas mais recôn-
criado mas também no centro da Terra, ditas e espirituais - otimismo, imortalidade,
bem como em todo o princípio deste mun- crescimento sem fim, expansão e evolução -
do, o que seria longo demais expor aqui Whitman recorre aos fenômenos comuns da
[43 331 (*10) natureza e da vida. Diz ele : “Ouço-vos ali
murmurando, Ó estrelas do céu, Ó sóis - Ó relva
dos túmulos - O perpétuas transferências e promoções, se nada dizeis, como posso eu dizer alguma
coisa?” [193:77]
O discípulo perguntou a seu m estre: (*11) Balzac nos diz: “Da abstração [auto-
“ C om o posso eu chegar à vida supersen- consciência] são derivadas as leis, as
sível, para que possa ver D eus e ouvi-Lo artes, os interesses, as idéias sociais. É a glória e
falar”? Disse o mestre : “Quando por um 0 castig0 00 mundo: Glorioso’cria 35 soc,cdades;
, ,» nocivo, impede o ser humano de entrar na senda
m om ento puderes atirar a ti m esm o na- , .
r . d o especialismo [Consciência Cósmica], que
quilo onde n en h u m a criatura vive, então leva ao Infmito„ [5.142]
ouvirás o que Deus fala”. (*11)
Mestre - Está em ti; e se puderes cessar por um instante todo o teu pensar e
querer, ouvirás as inefáveis palavras de Deus.
Discípulo - Por que meios ouvirei e verei a Deus, estando Ele acima da natureza
e da criatura?
Mestre - Quando estiveres quieto ou silente, então serás aquilo que Deus era
antes da natureza e da criatura, e de onde Ele fez tua natureza e tua criatura. Então
ouvirás e verás com aquilo com que Deus viu e ouviu em ti, antes que teu querer, teu
ver e teu ouvir tivessem início.
Discípulo - Que é que me impede ou me detém, que não posso chegar a isso?
Mestre - Teu próprio querer, ver e ouvir. E como lutas contra aquilo de que
provieste, apartas a ti mesmo, com teu próprio querer, da vontade de Deus, e com teu
próprio ver somente em teu próprio querer vês; e teu querer faz parar teu ouvir com
teu próprio pensar nas coisas naturais terrenas e te prende ao chão e te obscurece
com aquilo que queres, de modo que não podes chegar àquilo que é supernatural e
supersensível [50:75-6],
M estre - Se reinas sobre todas as (*13) Assim, diz Whitman com respeito à
criaturas apenas exteriormente, então tua propriedade: “Como se alguém talhado
vontade e teu reinado são de natureza para possuir coisas não pudesse a seu bel-prazer
entrar em todas elas e incorporá-las a si mesmo”
bestial e não passam de um reinado
[193:214], E também: “Não ver nenhuma posse
transitório imaginário, e trazes também sem que a deva possuir, usufruindo de tudo sem
teu desejo a uma essência bestial, com a trabalho ou compra, abstraindo a festa mas não
qual tornas-te infectado e fascinado, e abstraindo uma só partícula dela, levar o melhor
assumes também uma condição bestial. da fazenda do fazendeiro e do palácio elegante
Mas se deixaste a condição imaginária, do homem rico, e as castas bênçãos do casal bem
então estás na condição super-imaginária, casado e os frutos de pomares e as flores de
jardins” [193:127],
e reinas sobre todas as criaturas, no
terreno de que elas são criadas, e nada na Terra pode te ferir, pois és como todas as
coisas e nada é diferente de ti [50:76], (*13)
Seu mestre lhe disse muito bondosa (*14) A “Cruz de Cristo”, do ponto de vista do
mente: Amado discípulo, se acontecesse que se poderia chamar de tipo “paulino”
que tua vontade pudesse apartar a si mes desses homens, significa sim plesm ente o
ma de todas as criaturas por uma hora e despojar-se das boas coisas da autoconsciência
e de portar os chamados males da vida auto-
se lançar naquilo onde não há criatura
consciente. Mas esses bens são vistos por eles
alguma, ela estaria sempre revestida com como não sendo bons, e esses males como não
o mais alto esplendor da glória de Deus sendo maus, e alcançar este ponto de vista (em
e provaria em si mesma o mais doce amor Consciência Cósmica) é a única coisa boa.
de nosso Senhor Jesus, que nenhum ho “Chegar alí é partir daqui, saindo do ego e
mem pode expressar, e nela própria en afastando-se o quanto possível deste vil estado
contraria as inefáveis palavras de nosso para aquele que é o mais alto de todos. Portanto,
Senhor referentes à sua grande misericór elevando-se acim a de tudo que possa ser
conhecido e compreendido temporal e espiri
dia; sentiria em si mesma que a cruz de
tualmente, a alma tem de desejar veementemente
nosso Senhor Cristo seria muito agradá alcançar aquilo que nesta vida [a vida autocons-
vel para ela e amaria isso mais do que a ciente] não pode ser conhecido e que o coração
honra e os bens do mundo [50:78], (*14) não pode conceber e, deixando para trás todo
real e possível gosto e sentimento dos sentidos e
do espírito, deve desejar veementemente chegar ài
[203:74],
Mestre - Embora agora ames a sabe (*15) “Falamos sabedoria entre os perfeitos;
doria terrena, quando estiveres sempre não porém a sabedoria deste mundo”
revestido com a celestial [sabedoria], [20:2:6], “Se alguém dentre vós se tem por sábio
verás que toda a sabedoria deste mundo neste mundo, faça-se louco para ser sábio.
nada mais é que insensatez e que o mun Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante
de D eus” [20:3:18-19], A sabedoria da
do não detesta senão o teu inimigo - isto
autoconsciência é uma insensatez do ponto de
é, a vida mortal; e quando tu mesmo
vista do Sentido Cósmico.
vieres a detestar a vontade dessa vida
mortal, então tu também começarás a
amar aquele desprezo pela vida mortal [í
Discípulo - Q ue são a v irtude, o (*16) Este excerto e o próximo contêm uma
poder, a elevação e a grandeza do amor? definição de Consciência Cósmica do
(* ponto de vista de Nirvâna, seu nome budista.
Mestre - Sua virtude é aquele nada (de onde todas as coisas procedem) e seu
poder está (em e) através de todas as coisas; sua elevação é tão alta quanto Deus e
sua grandeza é maior que Deus; aquele que o encontra nada e todas as coisas encontra.
Discípulo - Amado Mestre, rogo que me digas como devo entender isso.
Mestre - Assim deves entender o meu dizer que sua virtude é aquele nada: Quando
tiveres saído completamente da criatura e te tomado nada para tudo o que é natureza
e criatura, então estarás naquele ser eterno que é o próprio Deus e perceberás e sen
tirás a mais alta virtude do amor [50-1:81]
(*17). E tam bém o m eu dizer que aquele (*17) “Ó Bhikshu, esvazia este barco (isto é,
que o encontra nada e todas as coisas en- esvazia-te das coisas da autoconsciência);
c o n tra , este tam b ém é verdadeiro, pois se vazio- ele irá tendo cortado Paixão e
ele encontra um abism o supernatural, su- ódio, irás para Nirvâna [156.86],
persensível, sem fundo, onde não há lugar para morar; e também encontra nada que
seja assim, e portanto a nada pode ser comparado, pois é mais profundo que qualquer
coisa e é como nada para todas as coisas, pois não é compreensível; e visto que é
nada, é livre de todas as coisas e é aquele único bem que um homem não pode
expressar ou dizer o que é, Mas o meu último dizer que aquele que o encontra todas
as coisas encontra é também verdadeiro; ele foi o começo de todas as coisas e reina
sobre todas as coisas. Se o encontras, chegas ao solo de onde todas as coisas procedem
e onde elas subsistem, e nele és um rei (*18) Aquele que está preparado (diz
sobre todas as obras de D eus [50:81]. Whitman) pode entrar na posse de todas
(*18) as coisas [193:214].
Discípulo - Amado Mestre, não posso mais suportar que qualquer coisa me
desvie; como encontrarei o caminho mais próximo para isso?
Mestre - Onde o cam inho for o m ais (*19) Se desejais alcançar a vida divina
árduo, aí andarás e tom arás aquilo que o (Consciência Cósmica), diz Yepes, deveis
m undo rejeita; e aquilo que o m undo faz, atirar fora toda satisfação, temporal e espiritual
n A , , . (do ser humano autoconsciente) [204:5341,
n a ° o faças tu. A n d a contrario ao m un- ~esquecendo as coisas que estejam atrás [as
do em to d as as coisas. E n tã o c h eg a rás coisas da autoconsciência] e procurando alcançar
ao caminho mais próximo para isso... as coisas que estâo adiante” [24:3:13], Este
(* 19) parece ser o ditame universal.
Mestre - Que tu digas também que serias classificado como um insensato, é ver
dadeiro; pois o caminho para o amor de Deus é insensatez para o mundo mas sabedoria
para os filhos de Deus. Quando o mundo percebe esse fogo de amor nos filhos de
Deus, diz que eles se tornaram insensatos, mas para os filhos de Deus é o maior te
souro, tão grande que nenhuma vida pode expressá-lo e nenhuma língua pode sequer
nomear o que o fogo do inflamante amor de Deus é; é mais branco que o Sol, é mais
doce que qualquer outra coisa; é muito mais nutriente do que qualquer alimento ou
bebida e mais agradável do que toda a alegria deste mundo. Aquele que consegue is
to é mais rico do que qualquer rei na Ter- , .
, , , , ( 2 0 ) O homem natural (meramente
ra, mais nobre do que qualquer imperador autoconsciente) nâo compreende as
possa ser e mais poderoso e forte do que coísas do espírito de Deus, porque lhe parecem
toda autoridade e todo poder. (*20) loucura” [20:2:14],
Então o discípulo perguntou ainda a seu mestre: “Para onde vai a alma quando o
corpo morre, tanto para ser salva como para ser condenada?”
Mestre - Já não é necessário ir. Somente a vida moral exterior, com o corpo,
separam-se da alma; essa alma teve céu e inferno dentro de si anteriormente, como
está escrito. O reino de Deus nâo vem com obediência exterior a preceitos, nem se
dirá “ei-lo aqui”, ou “lá está ele”, pois, notai bem, o reino de Deus está dentro de
vós: E não importa qual dos dois, isto é,
céu ou inferno, estará manifesto nele, no (*21) “Nunca haverá mais céu ou inferno do
qual esteja a alma [50:82-3], (*21) <lue existe a8 ora” [193:30],
Discípulo - Que existirá após este mundo, quando todas as coisas perecerem?
Mestre - Som ente a substância m ate- (*23) “A alma é por si própria, tudo tende para
ríal cessa de ser - isto é, os quatro ele- ela, tudo tem referência àquilo que segue;
mentos, o Sol, a Lua, as estrelas, e então tudo 0 ciue uma Pessoa faz’ diz>Pensa’ tem sua
, , , . , , t conseqüência; nenhum movimento pode um
O mundo interior sera totalmente visível .____ _ _ .
homem ou uma mulher lazer, que afete a ele ou
0 m anifesto. M as o que quer que ten h a a e(a num dja, num mês, qualquer parte da vida
lido feito pelo espírito neste tem po, bom direta, ou a hora da morte, mas o mesmo afeta a
OU mau, digo que toda obra ali se separará ele ou a ela, dai por diante, através da vida
de m an e ira esp iritu al, ou p ara a etern a indireta [193.289].
luz, ou para as trevas eternas, pois aquilo que nasce de cada um a penetra novam ente
naquilo que lhe é sem elhante [50:86]. (*23)
IV
S U M Á R IO
b. Houve (quase certamente), embora não nos tenha sido dito com muitas
palavras, a luz subjetiva.
f. Perda do medo da morte (se ele jamais o teve, como é provável, pois
parece ter sido um menino e um jovem bastante comuns.)
A dificuldade dos biógrafos de Blake No fato de que Blake se alçava além e muito
posteriores a 1863, data do livro do Sr. além dos homens de mera autoconsciência mas
Gilchrist, é de um tipo totalmente dife não podia ver ou fazer muitas coisas que eles
rente. E a dificuldade de afirmar suficien viam claramente e podiam fazer facilmente,
vemos um a relação entre ele e os grandes
temente alto as extraordinárias preten
iluminados. Com certeza a mesma coisa poderia
sões de Blake a admiração e reverência,
ser dita de todos eles. Em assuntos mundanos,
sem omitir as outras considerações que todos eles ou quase todos são como criancinhas,
precisam ser clara e com pletam ente ao passo que nas coisas espirituais são como
colocadas para obtermos alguma idéia do deuses. Note-se como Balzac contraiu pesadas
homem tal como ele era - de sua total dívidas por falta de senso comum de negócios,
dessemelhança com seus contemporâ- trabalhando em vão durante anos para pagar
neos, de sua espantosa genialidade e de essas dívidas, enquanto exercia plenamente
seu nobre desempenho em duas artes, do genialidade suficiente p a ra equipar um
elevado nível a que ele transcendeu ou regimento de Rothschilds. Bacon derramou sobre
a humanidade incalculáveis riquezas intelectuais
tros homens e da incapacidade que sem
e espirituais, mas, com toda a aparente vantagem
pre demonstrou para realizar o que outros
(posição na corte, prestígio hereditário, amigos
realizam facilmente. Ele conseguia fazer influentes), em vão trabalhou durante anos por
imensamente mais do que eles, mas rara uma posição na esfera autoconsciente, pois,
mente conseguia fazer o mesmo. Por al depois que a conquistou, não soube mantê-la.
gum processo desconhecido ele havia se Buda, Jesus, Paulo, Las Casas, Yepes, Behmen
elevado ao cume de verdadeiros Alpes e Whitman foram sábios: perceberam que as
coroados de nuvens, enquanto outros fica coisas do Sentido Cósmico eram suficientes e
simplesmente puseram de lado as coisas da
vam se curvando servilmente no vale.
autoconsciência; mas tivessem eles tentado lutar
Mas alcançar um ponto intermediário na por essas coisas, muito provavelmente teriam
montanha era o que eles podiam pronta- fracassado em obtê-las.
mente conseguir passo a passo, enquanto
para Blake esta consecução comum era impraticável. Ele não conseguia e não queria
fazer isso; a falta de vontade, ou melhor, a total alienação da vontade, a determinação
de se elevar (que era natural nele) e não caminhar (o que era antinatural e repulsivo),
assumiam o lugar de uma real necessidade de poder [139:9].
N o prefácio a Jerusalém, Blake fala desta obra como tendo sido “ditada” a ele, e
outras de suas expressões provam que ele a considerava mais como uma revelação
da qual ele era o escriba do que como um produto de sua própria mente inventora ou
moldadora. Blake a considerava “o maior Esta é a declaração de cada possuidor do
poema que este mundo contém”, acres Sentido Cósmico. Não sou eu, o homem visível,
centando, “posso elogiá-la, pois não me quem fala, mas (como diz Jesus) “O que eu falo,
falo-o como o Pai mo tem dito” [17:12:50]; ou
atrevo pretender ser outra coisa senão o
como Paulo escreve: “Não me atreverei a falar
secretário - os autores estão na eternida
de quaisquer coisas, a não ser aquelas que Cristo
de”. Numa carta anterior (25 de abril de diga através de mim”* [16:15:18]. “Solta o freio
1803) ele dissera: “Escrevi este poema de tua garganta” [193:32] diz Whitman ao
de um ditado imediato, doze ou às vezes Sentido Cósmico. E assim universalmente.
vinte ou trinta versos de cada vez, sem
premeditação e mesmo contra minha vontade” [139:41].
Blake tinha uma intuição mental, uma inspiração, ou revelação - não importa
como a chamemos; ela era tão real ao seu olho espiritual como um objeto material
poderia ser ao seu olho físico; e sem dúvi
da seu olho físico, o olho de um desenhis “Oh, estou seguro”, diz Whitman, “eles
realmente vieram de Ti - o impulso, o ardor, o
ta ou pintor com grande dom de invenção
poderoso, sentido, interior comando, uma
e composição, estava bem mais do que mensagem dos céus” [193:324], “As nobres
normalmente pronto para seguir os dita verdades”, diz Gautama, “não estavam entre as
mes do olho espiritual e para ver, num doutrinas que nos foram transmitidas, mas em
ato quase instantaneamente criativo e mo seu interior surgiu o olho para percebê-las”
delador, a imagem visual de uma essência [159:150],
visionária [139:62],
Ele sabe que aquilo que faz não é “Divino eu sou”, diz Whitman, “por dentro
inferior ao que faziam os maiores entre e por fora”.
os antigos. Superior não pode ser, pois o
poder humano não pode ir além daquilo que ele faz ou do que eles fizeram. É o dom
de Deus, é inspiração e visão [139:72],
*N.T. - Na Bíblia em português usada para esta tradução [10] não encontramos
exatamente este versículo - que seria Lucas, 15:18, Encontramos um
versículo que pode ter o mesmo significado ou espírito, em Romanos, 15:18. Nele se
lê: “Porque não ousaria dizer coisa alguma que Cristo por mim não tenha feito ... por
palavra e por obras”.
D eve ser admitido que em muitos ca- “Pesquisei muito os velhos tempos”, diz
sos Blake falava de si mesmo com inco- Whitman, “estudei aos pés dos grandes mestres;
mensurável e provocador auto-aplauso. agora, se for apropriado, que os grandes mestres
Isto é na verdade um efeito conspícuo da possam retribuir e estudar afflim” [193:20]
simplicidade de caráter de que venho de falar; é egotismo, mas não mundano, egoístico
[139:71],
Que ele foi feliz, no todo e no melhor “A felicidade é uma das marcas do Sentido
sentido, considerando todas as suas pro- Cósmico.”
vas e tribulações, é um dos sinais mais fortes em seu louvor. “Se me perguntarem”,
escreve o Sr. Palmer, “se jamais conheci entre os intelectuais um homem feliz, Blake
seria o único que imediatamente me ocorreria”. Aspirações visionárias e ideais da
mais intensa espécie; a vida imaginativa predominando inteiramente sobre a vida
física e mundana e praticamente ultrapassando-a por completo; uma simplicidade
infantil de caráter pessoal, isenta de interesse pessoal e ignorando ou negligenciando
qualquer política de autocontrole, embora habitualmente guiada e regulada por nobres
em oções e uma resoluta lealdade ao dever - estes são os traços principais que
descobrimos por toda a carreira de Blake, em sua vida e em sua morte, em seus
escritos e em sua arte. E isto que o toma tão peculiarmente amorável e admirável
como homem e que reveste suas obras, especialmente seus poemas, de tão deleitoso
charme. Sentim os que ele é verdadeiramente “do reino dos céu s”; acima do
firmamento, sua alma conversa com arcanjos; na terra, ele é como o menino que
Jesus “pôs no meio deles” [139:70],
B lake parece ter acreditado implici- Sua atitude em relação à morte é a de todos
tam ente n a im ortalidade e (em alguns 08 iluminados, Ele não crê numa “outra vida”,
pontos essenciais) sem muito desvio da Não pensa que será imortal. Ele tem vida eterna,
crença de outras pessoas. Quando soube da morte de Flaxman (7 de dezembro de
1826), comentou: “N ão posso pensar na morte como mais do que sair de um quarto
e entrar em outro” . Em um de seus escritos ele diz: “O mundo da imaginação é o
mundo da eternidade. E o seio divino para o qual todos iremos após a morte do corpo
vegetativo” [139:79],
Com toda probabilidade Blake leu, o mesmo escreve George Frederic Parsons
em sua juventude, alguns dos escritores sobre Balzac [6:11]. Thoreau faz sugestão
m ísticos ou cabalísticos - Paracelso, semelhante quanto a Whitman [38:142] e em
Jacob Böhme, Cornelius Agrippa; e há geral tem sido constantemente sugerido ou dado
muito em suas especulações, em substân- a entender que alguns desses homens estiveram
cia e em tom, e às vezes em detalhes, lendo outros dentre eles. Naturalmente, isto pode
que pode ser remontado a autores dessa vezes acontecer, mas, falando de modo geral,
categoria [139 80] nâo ^ 0 caso’ P°'s niuitos deles são bastante
iletrados e o estudo de outros, como por exemplo
de Bacon, não segue este mesmo padrão. Blake, Balzac, Yepes, Behmen, Whitman, Caipenter e os
demais, cada qual viu por si mesmo esse outro mundo de que nos fala. Ninguém pode nos falar dele
em segunda mão, pois ninguém que não tenha visto algo dele pode concebê-lo.
A morte de Blake foi tão nobre e característica quanto sua vida. Gilchrist
[94: 360-1] nos dá o relato seguinte, simples e tocante:
“Sua doença não foi violenta, mas uma queda suave e gradativa de suas
forças físicas, que de modo algum afetou sua mente. O rápido fim não foi
previsto por seus amigos. Sobreveio num domingo, 12 de agosto de 1827,
perto de três meses antes de ele completar setenta anos de idade. “No dia de
sua morte”, escreve Smith, que recebeu um relato da viúva, “ele compôs e
cantou canções ao seu Criador, de maneira tão doce para os ouvidos de sua
Catharine, que, quando ela se levantou para ouvi-lo, ele, olhando para ela
com muito afeto, disse: Minha bem-amada, elas não são minhas - não, elas
não são minhas/” Disse então que eles não se separariam; ele estaria sempre
perto dela, para cuidar dela. As canções piedosas seguiu-se, por volta das 6
horas da tarde de verão, uma calma e indolor parada da respiração, cujo
exato momento não foi percebido por sua esposa, que estava sentada a seu
lado. Uma vizinha humilde, a única companhia que ela tinha então, disse
depois: “Estive presente à morte, não de um homem, mas de um anjo
abençoado”.”
Resta-nos mencionar'’certas declarações do próprio Blake que parecem
ter a ver com o assunto em questão - isto é, a pergunta: foi Blake um caso de
Consciência Cósmica?
Algumas pessoas se iludem de que Blake diz que suas faculdades autoconsci en
não haverá um juízo final... Eu não as tes são um estorvo para ele e não um auxílio.
iludirei. O erro é criado; a verdade é eter Também Balzac: “Perniciosa, ela [a autocons
na. A criação, ou o erro, será queimado e ciência] impede o homem de entrar na senda do
então, e não até então, a verdade, ou a Especialismo [Consciência Cósmica] que leva
eternidade, aparecerá. Ele [o erro] será ao infinito” [5:142], Assim também os peritos
queimado no momento que os homens hindus ensinam e sempre ensinaram que a su
deixem de contemplá-lo. D e minha parte pressão e a extinção de muitas das faculdades
declaro que não contem plo a criação autoconscientes são condições necessárias à ilu
exterior e que, para mim, ela é estorvo e minação [56:166 et seq.].
não ação. “Quê?” será perguntado, “quando o sol nasce, não vedes vós um disco
redondo de fogo, assim como um guinéu?” “Oh, não, não! Vejo uma incontável compa-
nhia da hoste celestial, gritando: “Santo,
Assim Carpenter pergunta (bem sabendo a
santo, santo é o Senhor Deus Todo-Pode-
resposta) “Não existe uma verdade... uma ilumi
roso!” N ão questiono meu olho físico, nação interior... pela qual possamos aíinal ver
tanto quanto não questionaria uma janela as coisas como elas são, contemplando toda a
a propósito de uma vista. Olho através criação... em seu verdadeiro ser e sua verdadeira
dela e não com ela [95:176]. ordem?” [57:98]
Abaixo das figuras de Adão e Eva (descendo a corrente geradora a partir daí)
está o assento da prostituta denominada mistério [a vida autoconsciente] no
Apocalipse. Ela (mistério) é segura por dois seres (a vida e a morte), cada qual com
três cabeças; eles representam a existência vegetativa. Como está escrito no Apoca
lipse, eles a desnudam e a queimam com fogo [isto é, a morte a desnuda e as paixões
da vida autoconsciente a queimam qual com fogo]. Isto sepresenta a eterna con-
sumpção da vida vegetal e a morte [a vida
e a morte do meramente autoconsciente]
“Seu verme não morre, e o seu fogo nunca
com sua concupiscên cia. As tochas
se apaga” * [15:9:44], disse Jesus da vida
enfumaçadas em suas mãos [nas mãos da
autoconsciente, que (também) é o inferno de
vida e da morte] representam o fogo Dante.
eterno, que é o fogo da geração ou vege
tação; é uma eterna consumpção. Aqueles
que são abençoados com visão im a E W hitm an diz: “ Eu rio daquilo que
ginativa [Consciência Cósmica] vêem chamais de dissolução”.
essa mulher eterna [mistério - a vida
autoconsciente] e tremem ante aquilo que
os outros não temem; enquanto desde “Ele [meu outro Eu], nem aquele afável
nham e riem daquilo que os outros temem fantasma familiar [o Sentido Cósmico] que à
noite com inteligência o logra” [176:86],
[95:166],
*N.T. - Também em [13:66:24]: “o seu bicho nunca morrerá, nem o seu fogo se
apagará”.
SUMÁRIO
Um outro escritor, ainda mais recente, pode ser citado para o mesmo fim.
H. T. Peck [128a:245] assim resume o resultado de seus estudos: “O lugar
que este grande gênio em última análise tem de ocupar na história da literatura
não foi ainda definitivamente estabelecido. Os críticos franceses ligam seu
nome ao de Shakespeare, ao passo que os críticos ingleses parecem achar
que uma comparação como esta é muito ousada. Pessoalmente, creio que, no
final, seu nome será colocado ainda mais alto do que o de Shakespeare, no
verdadeiro ápice da pirâmide da fama literária.
Balzac pôs as seguintes palavras na boca de Dante, que, segundo ele, foi
um “Especialista”. O próprio Balzac foi um “Especialista”. Essas palavras,
portanto, serão aplicáveis tanto a ele como a Dante: “Então o coitado do
jovem pensa que é um anjo exilado do céu. Quem de nós tem o direito de
desenganá-lo? Eu? Eu, que sou tantas vezes elevado acima desta Terra por
um poder mágico? Eu, que pertenço a Deus? Eu, que sou um mistério para
mim mesmo? Não vi o mais belo dos anjos [o Sentido Cósmico] vivendo
neste mundo inferior? Estará esse jovem mais ou menos fora de si do que eu
estou? Terá ele dado um passo mais arrojado para a fé? Ele crê; sua crença
sem dúvida o guiará para alguma senda luminosa, como essa em que
caminho”[9:263].
Que Balzac estivesse situado à parte e num plano acima dos homens
comuns, foi conjeturado durante sua vida e percebido por milhares de pessoas
desde sua morte. Taine, procurando encontrar uma explicação do fato óbvio,
diz: “Seu instrumento era a intuição, essa faculdade perigosa e superior,
pela qual o homem imagina ou descobre, num fato isolado, todas as
possibilidades de que é capaz; uma espécie de segunda visão, própria dos
profetas e dos sonâmbulos, que às vezes encontram o verdadeiro, muitas
vezes o falso, e que comumente alcançam apenas a verossimilitude” [6:12].
Ainda muito jovem, Balzac decidiu ser escritor. Parece que ele sentiu,
mesmo ainda menino, que estava destinado a fazer algo importante nesse
campo e compôs na escola, entre outras coisas, um tratado sobre a vontade e
um poema épico. Mais tarde escreveu em Paris, no decurso de dez anos,
mormente com o pseudônimo de “Horace de Saint Aubin”, uns quarenta
volumes, tidos como quase totalmente sem valor. Uma boa autoridade [106:87]
assim resume este episódio na história de Balzac: “Antes de seus trinta anos
ele havia publicado, sob vários pseudônimos, cerca de vinte romances longos,
verdadeiras produções “Grub Street”, escritas em sórdidos sótãos de Paris,
na pobreza, em perfeita obscuridade. Várias dessas “oeuvres de jeunesse”
foram recentemente republicadas, mas as melhores delas são horríveis.
Nenhum escritor jamais passou por um aprendizado mais árduo para chegar
à sua arte, ou se demorou tão desesperadamente na base da escada da fama”.
Então, aos trinta anos, sua genialidade começou a despontar em Les Chouans
e Physiologie du Marriage. Ele deve ter entrado em Consciência Cósmica
por volta do começo de 1831, aos trinta e dois anos, pois Louis Lambert (que
foi sem dúvida concebido logo depois da iluminação) foi escrito em 1832.
Em 1833, aos trinta e quatro anos, ele tinha entrado na plena posse de sua
verdadeira vida, um pressentimento da qual o havia dominado desde cedo
em sua infância.
Madame Surville diz: “Só em 1833, mais ou menos na época da publicação
de Médecin de Campagne, ele pensou pela primeira vez em reunir todos os
seus personagens e formar uma sociedade completa. O dia em que esta idéia
irrompeu em sua mente foi um dia glorioso para ele. Ele saiu da Rue de
Cassini, onde passara a residir depois de ter saído da Rue de Toumon, e
correu para o subúrbio de Poissonnière, onde eu estava então morando.
“Curvem-se diante de mim - disse ele alegremente - estou a caminho de
me tornar um gênio!
“Então revelou seu plano, que o assustava um pouco, pois, por maior que
fosse seu cérebro, precisava de tempo para elaborar um esquema como aquele.
Eis uma descrição dele no começo de seus trinta anos, feita por Lamartine:
Balzac estava de pé em frente à lareira daquela sala querida onde vi tantos homens
e mulheres notáveis entrando e saindo. Ele não era alto, embora a luz em seu rosto e
a mobilidade de sua figura m e impedissem de reparar na sua estatura. Seu corpo
balançava com seu pensamento; às vezes parecia que havia um espaço entre ele e o
chão; vez por outra ele se abaixava, como que para apanhar um a idéia a seus pés, e
depois se erguia sobre eles para seguir o vôo de seu pensamento acima dele próprio.
Q uando entrei na sala ele estava empolgado com o assunto de uma conversa com
M onsieur e M adam e de Girardin, e só se interrom peu por um instante, para me
lançar um olhar agudo, rápido e gracioso, de extrema bondade.
Ele era robusto, cheio, quadrado na base e de lado a lado dos ombros. O pescoço,
o peito, o tronco e as coxas eram fortes, com algo da amplitude de Mirabeau, mas
sem excesso. Sua alma transparecia e parecia encarar tudo de maneira leve, alegre,
como uma coberta elástica e de modo algum como um fardo. Seu tamanho parecia
dar-lhe poder e, não, despojá-lo dele. Seus braços curtos gesticulavam com facilidade;
falava como fala um orador. Sua voz ressoava com a energia um tanto veemente de
seus pulmões, mas nela não havia aspereza nem sarcasmo nem raiva; suas pernas,
nas quais ele mesmo balançava bastante, sustentavam facilmente seu tronco; suas
mãos, que eram grandes e rechonchudas, expressavam seu pensam ento à medida
que ele as movia. Assim era o homem exterior naquela robusta estrutura. M as na
presença de seu rosto era difícil pensar a respeito de seu físico. Aquele rosto que
falava, do qual não era fácil desviar os olhos, encantava e fascinava; seu cabelo era
penteado em m assas espessas; seus olhos negros eram penetrantes com o dardos
embebidos em benevolência; eles entravam confiantemente nos nossos, como amigos.
Suas bochechas eram cheias e rosadas; o nariz era bem modelado, embora um tanto
longo; os lábios eram finos de contorno mas cheios e erguidos nos cantos; os dentes
eram irregulares e chanfrados. Sua cabeça tendia a se inclinar para um lado e depois,
quando a conversa o excitava, era rapidamente levantada, com um a espécie de orgulho
heróico.
Tem sido dito de Balzac: “Ele foi uma iluminação lançada sobre a vida”.
Foi uma ilustração de seu próprio dito: “Tudo o que somos está na alma”
(“nous ne sommes que par l’ame”), e uma pergunta que fez a um amigo toca
muito perto a tese deste livro:
Tens certeza [disse ele] de que tua Isto lembra Whitman: “A visão tem uma
alma já teve seu pleno desenvolvimento? outra visão, a audição uma outra audição e a
R espiras ar através de todos os poros voz uma outra voz [193:342],
dela? Vêem teus olhos tudo que podem ver? [4:126]
“Outubro, 1833. Sabes como Medecin foi recebido? Com uma torrente
de insultos. Os três jornais do meu próprio grupo que falaram nele fizeram-
no com o maior desprezo pela obra e por seu autor” [4:143],
“Dezembro, 1835. Nunca a torrente que me empurra para a frente foi tão
rápida; nenhuma obra mais terrivelmente majestosajamais conmpeliu a mente
humana. Vou à minha labuta como um jogador às cartas. Durmo apenas
cinco horas e trabalho dezoito; vou acabar me matando” [4:145],
Tem sido dito: “Poucos escritores foram maiores que Balzac na manifes
tação das qualidades morais”. Mas Goethe diz: “Wenn ihr nicht flillt ihr
Werdefs nicht eijagen”. Se um homem é destituído de uma dada faculdade,
é inútil que tente descrevê-la.
“Ele procurou tesouros e não encontrou nenhum senão aqueles que tinha
dentro de si mesmo - seu intelecto, seu espírito de observação, sua maravilhosa
capacidade, sua força, sua alegria, sua bondade de coração - numa palavra,
sua genialidade.
“Sóbrio em todos os aspectos, sua moral era pura; ele tinha horror a
excessos, por serem a morte do talento; respeitava as mulheres com seu
coração e com sua mente, e sua vida, desde a primeira juventude, foi a de um
eremita [4:201],
“Ele viu tudo e disse tudo; tudo compreendeu, tudo adivinhou- como
então pode ser imoral?. . .
“Balzac tem sido criticado por não ter princípios porque não tem, penso
eu, convicções categóricas em questões de fato na religião, na arte, na política,
ou mesmo no amor” [4:203].
Quando vi Balzac pela primeira vez, ele tinha cerca de trinta e seis anos e sua
personalidade era um a daquelas que jam ais se esquece. E m sua presença, lembrei
palavras de Shakespeare: diante dele, “a natureza poderia se levantar e dizer ao
Itiundo inteiro: Este foi um homem”. Ele trajava um hábito de monge de flanela ou
chashmere branca, no qual, algum tempo mais tarde, fez Louis Boulanger pintar ele
próprio, Balzac. Q ue fantasia o levara a escolher esta roupa em particular que ele
sempre trajava, de preferência a todos os outros tipos, não sei. Talvez simbolizasse a
seus olhos a vida de claustro a que seu trabalho o condenava e, beneditino por
romantismo, ele usava o hábito. Seja como for, ele lhe assentava maravilhosamente.
Quanto a seus olhos, nunca houve outros iguais; eles tinham uma vida,
uma luz, um inconcebível magnetismo; o branco dos olhos era puro, límpido,
com um ligeiro tom azulado, como o de uma criança ou de uma virgem,
envolvendo dois diamantes negros, salpicados em certos momentos de reflexos
dourados - olhos de fazer uma águia fechar as pálpebras - olhos de ler
através de paredes, ou no âmago das pessoas, ou de aterrorizar um furioso
animal selvagem - os olhos de um soberano, de um vidente, de um subjugador.
A expressão habitual do rosto era de uma pujante hilaridade, de uma alegria
à Rabelais, uma alegria monacal.
Estranho como possa parecer dizer isto no século dezenove, Balzac era
um vidente. Seu poder como observador, seu discernimento como fisiologista,
sua genialidade como escritor, não explicam suficientemente a infinita varie
dade dos dois ou três mil tipos humanos que desempenham um papel mais
ou menos importante em sua comédia humana. Ele não os copiou; ele os
viveu idealmente. Vestiu suas roupas,contraiu seus hábitos, movimentou-se
em seus ambientes, foi eles próprios, durante o tempo necessário [4:204-8],
Aqui há uma coisa curiosa. Como é que esses homens que formam a
mente da espécie humana raramente ou nunca podem (pelo menos segundo
seus contemporâneos) escrever sua própria língua apropriadamente? Segundo
Renan (e ele não parece ter sido contradito), o estilo de Paulo era tão ruim
quanto possível (“sans charme; la forme, en est âpre est presque toujour
dénuée de grace” [143:568].*
Deve-se notar que ele, como todos os homens da classe a que pertence,
era religioso, embora não tanto da maneira ortodoxa; esses homens raramente
aderem a uma igreja. Um “especialista” pode fiindar uma religião; raramente
pertence a uma. Os “especialistas” são pela religião e não por uma religião.
Assim Balzac nos diz de si mesmo, sob o nome de “Louis Lambert”:
O limite que muitas mentes alcançam foi o ponto de partida de que a sua mente
um dia começaria a buscar novas regiões da inteligência [5:79].
II
Nestes dois livros ele descreve o novo sentido mais cabalmente do que
ele jamais fora descrito em outros lugares. Em Louis Lambert ele faz uma
descrição arrojada, clara e cheia de bom senso, que é particularmente valiosa
para o nosso propósito atual. Depois, no ano seguinte, após ter escrito essa
obra, compôs Seraphita, cujo objetivo foi delinear uma pessoa dotada da
grande faculdade. Juntos, os dois livros provam que seu autor era dotado da
faculdade. Seraphita tem de ser lido inteiramente, para ser entendido e
apreciado; e, naturalmente, Louis Lambert também deve ser lido por completo;
mas a evidência de que necessitamos agora pode ser obtida desta última
obra dentro do limite de algumas páginas. Os excertos são da tradução de K.
P. Wormley, que foi comparada com o original e considerada fiel.
O m undo das idéias está dividido em (*i) Há no intelecto três estágios - consciência
três esferas: a dos instintos; a da abstra- simples, autoconsciência e Consciência
ção; a do especialism o [5:141], (*1) Cósmica.
A maior parte da humanidade visível (*2) Naturalmente, não é verdade que a massa
- isto é, a parte mais fraca - habita a esfe da espécie humana tenha consciência sim
ples e não autoconsciência. Na verdade, é a se
ra dos instintos; os instintivos nascem , gunda que faz como que uma dada criatura seja
trabalham e morrem sem atingir o segun um ser humano. Mas é verdade (o que Balzac
do grau da inteligência hum ana - isto é, quer dizer) que, na massa, a consciência simples
a abstração [5:142]. (*2) desempenha um papel bem maior do que a auto
consciência. A “parte mais fraca” de fato vive bem
A sociedade tem seu começo na abs mais em consciência simples do que em autocons
tração. Em bora a abstração, quando com ciência.
parada com o instinto, seja um poder quase divino, é infinitamente débil se comparada
com o dom do especialismo, que é o único que pode explicar Deus. A abstração
contém toda um a natureza em forma germinal, tão potencialmente quanto um a semente
contém o sistema de uma planta e todos os seus produtos. D a abstração derivam as
leis, as artes, os interesses, as idéias sociais. E a glória e o flagelo do mundo. Quando
gloriosa, cria sociedades; quando perniciosa, impede que o ser hum ano entre na
senda do especialismo, que leva ao infinito. O homem julga todas as coisas por suas
abstrações - o bem, o mal, a virtude, o
(*3) Na abstração - isto é, na autoconsciência -
crime. Suas fórmulas do direito são a sua ahumanidade, e portanto a sociedade huma
balança e sua justiça é cega; a justiça de na, tem seu início. “Somente o especialismo pode
D eus vê - aí está tudo. H á, necessaria explicar Deus”. Que se note, neste particular, que
mente, seres intermediários que separam todas as religiões dignas do nome - budismo,
maometismo, cristianismo e possivelmente outras
o reino dos instintivos do reino dos abs-
- nasceram do especialismo - isto é, da Consciên
trativos, em quem a instintividade se mis cia Cósmica. “Eu” (Cristo, o Sentido Cósmico)
tura com a abstratividade, num a infindá “sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vai
vel variedade de proporção. Alguns têm a Deus senão por mim”. Não está tão claro como
mais da primeira do que da segunda, e é que a autoconsciência barra o caminho para a
Consciência Cósmica. Pelo contrário, ela parece
vice-versa. Além disto, há seres em que
ser o único e necessário caminho que pode levar
a ação de cada um a é neutralizada, pois à Consciência Cósmica. Muitos dos iluminados,
am b as são m o v id as p o r igual fo rça entretanto, têm a mesma opinião de Balzac e eles
[5:142], (*3) devem ser os melhores juizes disto.
Entre a esfera do especialismo e a es (*6) “Natura non facit saltum”. É necessário
fera da abstração, e do mesmo modo entre que haja uma passagem gradual da cons
estas esferas e a da instintividade, encon ciência simples para a autoconsciência e desta
tramos seres em quem os diversos atribu para a Consciência Cósmica - isto quer dizer
tos dos dois reinos estão misturados, pro que é necessário que haja um caminho de passa
duzindo um a natureza mista - o homem gem gradual. Não obstante, nada é mais certo
do que essa passagem da consciência simples
de gênio [5:143], (*6)
para a autoconsciência, e desta para a Cons
ciência Cósmica, ser comumente feita com um salto repentino e muitas vezes terrivelmente assus
tador. Mas para que as condições não se misturem e não se sobreponham, como diz Balzac, seria
bom não ser muito categórico.
Balzac prossegue:
Portanto, talvez um dia o sentido in (*10) Quando toda a espécie tiver alcançado a
verso de et verbo caro fa c tu m seja o epíto- Consciência Cósmica, nossa idéia de
me de um novo evangelho, que dirá: e a Deus será realizada no ser humano.
carne será fe ita verbo\ isto se tom ará a
(*11) A “ressurreição” não é dos chamados
elocução de Deus [5:145]. (*10)
mortos, mas dos vivos que estão “mortos”
no sentido de nunca terem entrado na verdadeira
A ressurreição é acarretad a pelos vida.
ventos do céu que varrem os mundos. O
anjo trazido na rajada não diz: “ Vós, M ortos, levantai-vos”; ele diz, “Levantai-vos,
vós viventes” [5:145]. (*11)
III
A primeira vista ele parece bem mais velho, de modo que muitas vezes se
lupõe que tenha setenta ou mesmo oitenta. Tem pouco mais de um metro e
Oitenta de altura e é bem ereto. Pesa perto de noventa quilos. Seu corpo e
•eus membros são de tamanho natural e bem proporcionados. Sua cabeça é
grande e arredondada em todas as direções; a parte superior é um pouco
mais alta do que a tomaria um semicírculo da fronte para a parte posterior.
Embora seu rosto e sua cabeça dêem a impressão de estarem bem supridos
de cabelos, o cocuruto é moderadamente calvo; nos lados e na nuca, o cabelo
é longo, muito fino e quase branco como neve. As sobrancelhas são bem
arqueadas, de modo que há uma longa distância entre o olho até o centro da
sobrancelha (este é o traço facial que mais chama a atenção à primeira vista).
Os olhos são azul-claros; não são grandes - na verdade, em proporção à
cabeça e ao rosto, parecem um tanto pequenos; são turvos e sombrios, não
expressivos; se têm alguma expressão é de bondade, serenidade e suavidade.
As pálpebras são cheias, as superiores comumente cobrindo quase a metade
do globo ocular. O nariz é largo, forte e bem reto; é de bom tamanho mas não
é grande em proporção ao resto da face; não desce diretamente da testa mas
se aprofunda um tanto entre os olhos numa boa extensão. A boca é de bom
tamanho, os lábios carnudos. Os lados e a parte inferior do rosto estão cobertos
com uma barba fina e branca, suficientemente longa para descer um pouco
até o peito. No lábio superior, um bigode espesso. As orelhas são bastante
grandes, especialmente longas de cima para baixo, pesadas e muito vistosas.
Creio que todos os sentidos do poeta são extraordinariamente aguçados,
especialmente sua audição; nenhum som ou modulação de som perceptível a
outros lhe escapa e ele parece ouvir muitas coisas que são inaudíveis para as
pessoas comuns. Eu o ouvi falar de ouvir a grama crescendo e as árvores
brotando folhas. As maçãs do rosto são redondas e suaves. Seu rosto não tem
linhas indicativas de preocupação, cansaço ou idade - a barba e os cabelos
brancos, e a debilidade ao andar (por causa de paralisia), é que o fazem
parecer velho. A expressão costumeira de seu rosto é de repouso, mas há
uma decisão, uma firmeza bem marcada. Jamais vi seu olhar, mesmo
momentaneamente, expressar desdém, ou qualquer sentimento maligno.
Nunca soube que ele tivesse zombado de qualquer pessoa ou menosprezado
qualquer coisa, ou manifestado de qualquer modo ou em qualquer grau,
quer alarme, quer apreensão, embora na minha presença ele tenha sido
colocado em circunstâncias que teriam causado ambas as coisas na maioria
dos homens. Sua tez é peculiar - um matiz moreno brilhante, que,
contrastando com seu cabelo branco e sua barba branca, causa uma impressão
muito forte. Seu corpo não é branco como o de todos as outras pessoas de
procedência inglesa ou teutônica que tenho visto- tem uma cor rosa delicada
mas bem acentuada. Todos os seus traços são grandes e maciços. Seu rosto é
o mais nobre que já vi.
Embora ele às vezes não tocasse em um livro por uma semana, geralmente
passava uma parte do dia (embora não uma grande parte) lendo. Talvez
lesse, em média, umas duas horas por dia. Raramente lia qualquer livro
deliberadamente por inteiro e não havia mais sistema (aparente) em sua
leitura do que em qualquer outra coisa que ele fizesse; quer dizer,
absolutamente não havia sistema algum nisso. Se ele se sentava numa
biblioteca por uma hora, costumava ter de meia dúzia a uma dúzia de livros
à sua volta, na mesa, em cadeiras e no chão. Parecia ler algumas páginas
aqui e algumas páginas ali e passar de um ponto para outro, de um livro para
outro, sem dúvida procurando algum indício ou fio em particular. Às vezes
(embora muito raramente), interessava-se suficientemente por um livro para
o ler por completo. Acho que leu quase se não por inteiro Egypt [“Egito”] de
Renouf, e Egypt de Bruschbey, mas estes foram casos excepcionais. No seu
modo de ler ele mergulhou em histórias, ensaios, tratados metafísicos,
religiosos e científicos, romances e poesias - embora eu creia que lesse menos
poesias do que qualquer outra coisa. Não lia em nenhuma outra língua que
não o inglês, mas acredito que conhecia muito mais o francês, o alemão e o
espanhol do que teria admitido. Mas em sendo aceita a palavra dele neste
particular, ele sabia muito pouco de qualquer assunto.
Ele tinha um jeito de cantar quando estava a sós, geralmente a meia voz,
onde quer que estivesse e fosse o que fosse que estivesse fazendo. Podia-se
ouvi-lo logo de manhã, enquanto tomava seu banho e se vestia (então ele
talvez cantasse a plena voz baladas ou canções marciais), e grande parte do
tempo em que passeava ao ar livre durante o dia cantava melodias, usualmente
sem palavras, ou um recitativo sem estrutura. As vezes recitava poemas,
creio que geralmente de Shakespeare ou Homero e, de vez em quando, de
Bryant ou de outros. Dedicava bem pouco tempo a escrever. É provável que
nunca tenha dedicado muito tempo a esta ocupação. Escreveu poucas cartas
de caráter pessoal. Enquanto estava conosco, podia escrever uma carta a um
jornal canadense a respeito de suas viagens, seu estado geral, as últimas
coisas que fizera e suas últimas idéias, e mandar fazer cinqüenta ou cem
cópias para mandá-las a seus amigos e parentes, especialmente mocinhas e
jovens em geral, fazendo disto toda a sua correspondência. Escrevia quase
tudo a lápis, numa espécie de livro de folhas soltas que levava no bolso da
camisa. Esse livro consistia em algumas folhas de papel branco de boa qualida
de, dobradas e presas por um ou dois grampos. Ele disse que tinha experimen
tado todos os tipos de livros de anotações e tinha gostado mais daquele. Seu
trabalho literário era feito a qualquer hora e geralmente sobre seus joelhos,
de improviso e muitas vezes ao ar livre. Mesmo numa sala com as conveniên
cias usuais para se escrever, não usava mesa; punha um livro nos joelhos ou
o segurava em sua mão esquerda, deitava o papel sobre ele e assim escrevia.
Sua caligrafia era clara e comum, cada letra perfeitamente formada.
n
Walt Whitman é o melhor, o mais perfeito exemplo que o mundo teve até
agora do Sentido Cósmico, primeiro porque ele é o homem em quem a nova
faculdade foi, provavelmente, mais perfeitamente desenvolvida, e especial
mente porque ele é, por excelência, o homem que em tempos modernos
escreveu clara e extensamente do ponto de vista da Consciência Cósmica e
também que se referiu a seus fatos e fenômenos mais clara e cabalmente do
que qualquer outro escritor, antigo ou moderno.
Ele nos fala claramente, embora não tão completamente quanto gostaría
mos, do momento em que alcançou a iluminação, bem como, mais para o
fim de sua vida, de seu passamento. Não que devamos supor que ele teve o
Sentido Cósmico continuamente, anos a fio, mas que este veio cada vez
menos freqüentemente à medida que a idade avançava, provavelmente
perdurou menos e menos a cada vez e diminuiu em vividez e intensidade.
E é interessante observar aqui que Whitman parece ter feito tão pouca
idéia quanto fizeram Gautama, Paulo ou Maomé, do que era que lhe estava
dando o poder mental, a elevação moral e o júbilo perene que se contam
entre as características do estado que ele alcançou e que parecem ter sido
para ele motivo de contínuo pasmo. “Vagueando espantado”, diz ele, “com
minha própria leveza e alegria”. [193:36]
Vejamos agora o que Whitman diz desse novo sentido que lhe deve ter
vindo em junho de 1853 ou 1854, na idade típica, isto é, de trinta e quatro ou
trinta e cinco. A primeira menção direta a isto está na página 15 da edição
de 1855 de Leaves [191:15], Vale dizer, na terceira página de seu primeiro
escrito depois que a nova faculdade havia chegado para ele - pois o longo
prefácio deste livro foi escrito após o corpo do livro. Os versos estão
essencialmente inalterados em todas as edições subseqüentes. Na edição atual
(1891-92), estão na página 32.
Sua vida exterior também se tomou sujeita aos ditames do novo Eu - segurou seus pés. Por
fim ele fala concisamente da mudança ocorrida em sua mente e em seu coração pelo nascimento, em
seu interior, da nova faculdade. Diz que se sentiu imediatamente cheio da paz, da alegria e do
conhecimento que transcendem toda arte e todo raciocínio da Terra. Ele atingiu o ponto de vista do
qual somente pode um ser humano ver algo de Deus (“o qual somente”, diz Balzac, “pode explicar
Deus”; o ponto que, a menos que ele o alcance, “não pode”, diz Jesus, “ver o reino de Deus”). E ele
resume o relato afirmando que Deus é seu amigo íntimo, que todos os homens e mulheres já nascidos
são seus irmãos, suas irmãs e amantes, e que toda a criação está construída sobre o amor e assenta
no amor.
Pode ser que Walt Whitman seja o primeiro homem que, tendo
Consciência Cósmica muito desenvolvida, tenha-se deliberadamente disposto
contra o ser dominado por ela, determinando-se, ao contrário, a sujeitá-la e
tomá-la uma serva, juntamente com a consciência simples, a autoconsciência
e o restante do EGO individual conjunto. Ele percebeu o que nem Gautama
nem Paulo perceberam e que Jesus percebeu (embora não tão claramente
como ele): que, embora essa faculdade tenha verdadeiramente caráter divino,
não é mais sobrenatural ou preternatural do que a visão, a audição, o paladar,
o tato, ou qualquer outra e, por conseguinte, ele se recusou a lhe dar uma
supremacia ilimitada e não permitia que ela tiranizasse o resto. Ele crê nela,
mas diz que o outro ego, o velho ego, não se deve humilhar ante o novo; nem
deve o novo ser usurpado ou limitado pelo velho; procura fazer com que eles
convivam como colaboradores amistosos. E pode ser dito aqui que quem
quer que não compreenda esta última oração jamais compreenderá plenamente
Leaves.
Assim Dante declara concluindo que, visto pela luz do Sentido Cósmico,
tudo é perfeito, inclusive aquilo que, estando fora dessa luz, é (ou parece)
imperfeito [72:213],
Não se supõe que no caso de qualquer homem nascido até agora tenha o
Sentido Cósmico estado constantemente presente durante anos, meses, ou
mesmo semanas - provavelmente nem mesmo dias ou, dificilmente, horas.
Em muitos casos ele aparece somente uma vez e por alguns momentos apenas,
mas esse lampejo é suficiente para iluminar (mais ou menos intensamente)
todos os anos subseqüentes da vida. Nos casos maiores pode se fazer presente
durante muitos minutos por vez e voltar a intervalos de semanas, meses ou
anos. Entre estes extremos parece haver uma vasta escala de casos maiores e
menores.
Mais de uma vez foi aqui afirmado que, enquanto a Consciência Cósmica
está efetivamente presente, há uma profunda mudança na aparência da pessoa.
•Nesta passagem, Paulo parece limitar a afirmação a “aqueles que amam a D eus”
(aqueles que têm Consciência Cósmica), mas o que ele realmente quer dizer é sem
dúvida: Todas as coisas trabalham juntamente paia o bem; mas isto na realidade só
é visto e conhecido por aqueles que tenham recebido o dom do Sentido Cósmico.
Ao se pensar em como o semblante fica iluminado por uma grande alegria
comum, pode-se perceber que essa mudança de que se falou deve acontecer.
Não somente isto, mas é de conhecimento pessoal do autor deste livro que
(seguramente, em alguns casos) a pessoa não retorna completamente (pelo
menos de modo permanente) à sua antiga expressão e aparência, por meses
e mesmo anos, após um período de iluminação.
Certa noite, em 1866, quando Walt Whitman estava conosco em Nova York, a
campainha para o chá fora tocada havia dez minutos ou mais quando ele desceu de
seu quarto e todos nos reunimos em torno da mesa. Observei-o quando ele entrou na
sala; parecia haver uma cintilação e exultação peculiar ao seu redor, um júbilo quase
irreprimível, que brilhava do seu rosto e parecia penetrar todo o seu corpo. Isto foi
particularmente notável, pois sua disposição comum era de uma serenidade quieta
mas cheia de alegria. Eu sabia que ele estivera trabalhando numa nova edição de seu
livro e esperava que, se ele tivesse oportunidade, dissesse-nos algo que nos fizesse
compartilhar o segredo de sua misteriosa alegria. Infelizmente, a maioria dos que
estavam à mesa estava ocupada com algum assunto de conversa; a cada pausa eu
esperava ansiosamente que ele falasse; mas, não; uma outra pessoa começava
novamente, até que eu fiquei quase louca de impaciência e irritação. Ele parecia
escutar e até chegou a rir com algumas das observações que foram feitas, mas não
disse uma única palavra durante a refeição; e seu rosto apresentava ainda aquele
brilho e deleite especial, como se ele tivesse compartilhado algum elixir divino. Sua
expressão era tão extraordinária que eu poderia ter duvidado de minha própria
observação, não tivesse isto sido notado por outra pessoa além de mim mesma
[38:321],
m
SUMÁRIO
b. A elevação moral e
d. Em nenhum outro homem que já viveu o sentido da vida eterna foi tão
absoluto.
e. O medo da morte era ausente. Nem na saúde nem na doença ele mostrou
qualquer sinal dele e há toda razão para se crer que não o sentia.
f. Ele não tinha o menor senso de pecado. Isto não deve ser entendido no
sentido de que ele se achasse perfeito. Whitman percebia sua própria
grandeza tão clara e plenamente quanto o faziam seus admiradores.
Também percebia como estava imensuravelmente abaixo do ideal que
constantemente colocava ante si próprio.
Foi no começo de 1881, conforme ele nos diz, aos trinta e sete anos, que
Carpenter entrou em Consciência Cósmica. O indício do fato é perfeitamente
claro, mas o autor deste livro não tem condição de dar detalhes da iluminação
neste caso, além dos que são dados a seguir. Como resultado direto do advento
do Sentido Cósmico ele praticamente renunciou a sua posição social e se
tomou um operário; isto é, obteve alguns acres de terra a não muitas milhas
de Dronfield, em Derbyshire, construiu ali uma pequena casa e lá viveu com
a família de um trabalhador, como um deles. Trajando-se de veludo cotelê
conforme os costumes da região, pegou sua enxada e trabalhou firmemente
com os outros. Pareceu-lhe que as maneiras e os costumes dos ricos eram
menos nobres do que os dos pobres; que a alma e a vida dos ricos eram
menos nobres. Preferiu viver com os relativamente pobres e ser ele próprio
relativamente pobre; neste particular, não seguindo o exemplo deles mas
participando no instinto de Gautama, Jesus, Paulo, Las Casas e Whitman.
Conservou seu piano e, depois de horas de trabalho manual, refrigerava-se
com uma sonata de Beethoven, pois era músico realizado e independente. É
desnecessário dizer que ele era um socialista declarado e avançado - talvez
um anarquista. Era um com o povo, o povo “comum” (tomado tão numeroso,
tão comum, disse Lincoln, porque Deus os ama e gosta de ver muitos deles).
E infantil dizer (como alguns pensaram e disseram) que os homens desse
quilate vivem como pobres, com os pobres, com a finalidade de influenciar a
estes e como um exemplo para os ricos. Eles simplesmente vivem como
pobres, com os pobres, como trabalhadores entre trabalhadores, porque
preferem a vida, as maneiras, os hábitos, o ambiente, a personalidade destes
à vida, às maneiras, aos hábitos, ao ambiente e à personalidade dos ricos.
Ocasionalmente, Carpenter entrava na chamada “boa sociedade” (onde tinha
relações estreitas e queridas), mas não permanecia nela por muito tempo.
Ele amava, acima de todas as coisas, nele e nos outros, honestidade,
imparcialidade, sinceridade e simplicidade, e dizia que encontrava mais estas
coisas nos trabalhadores pobres, comuns, do que nos homens e mulheres
ricos que constituíam a “sociedade”.
II
Numa carta ao autor deste livro, que pedira certos detalhes a respeito do
novo sentido, ele diz:
Realmente não creio que lhe possa dizer qualquer coisa sem falsear e obscurecer
o assunto. Fiz o melhor que pude ao descrevê-lo em Towards Democracy. Não tenho
nenhuma experiência de luz física neste particular. A percepção parece ser tal que
todos os sentidos se unem num só sentido. Em que você se toma o objeto. Mas isto
é ininteligível, mentalmente falando. Não „ . . IT . . . . .
. , (*1) No Vagasaneyi-Sammta-Upanishad ha o
creio que M
o assunto possa
r
ainda ser • . __ . i___
seguinte verso: Quando, para um homem
definido, mas não tenho conhecimento de qllc compreende, o Eu se tornou todas as coisas,
que haja qualquer problema em escrever que pesar, que problema pode haver para ele que
a seu respeito. (*1) já contemplou aquela unidade”? [150:312]
Por estas razões, prefiro não tentar ou pretender dar o ensinamento exato, sem
preconceito, dos Gurus da índia ou de suas experiências, mas apenas indicar, até
onde eu possa, com minhas próprias palavras e na forma moderna de pensamento, o
que considero ser a direção em que devemos procurar esse conhecimento antiquíssimo
que tem tido um a influência tão estupenda no Oriente e que realmente é ainda a
marca principal de sua diferença do Ocidente.
E quanto àqueles que efetivam ente atingem algum a parte dessa região, não
devemos supor que se tom em de imediato semideuses ou infalíveis. N a realidade,
em m uitos casos a própria novidade e a estranheza da experiência dão origem a
seqüências fantasmagóricas de especulação ilusória. Embora devêssemos esperar e
embora seja sem dúvida verdadeiro no todo que aqueles a quem chamaríamos de os
tipos superiores de seres hum anos existentes sejam os que mais provavelm ente
venham a possuir quaisquer faculdades que possam estar pairando por aí, nâo é
sempre assim que acontece e há casos bem reconhecidos em que pessoas de natureza
moral decididamente deficiente ou pervertida alcançam poderes que pertencem na
verdade a um grau mais alto de evolução e são por isso correspondentemente perigosos.
Em tudo isso ou numa grande parte disso os instrutores da índia insistem. Eles
dizem - e creio que isto aponta para a realidade de sua experiência - que nâo há
nada de anorm al ou milagroso no assunto; que as faculdades adquiridas resultam
totalm ente de longa evolução e treinam ento e que elas têm leis distintas e um a
ordem própria. Reconhecem a existência de pessoas de faculdade demoníaca, que
adquiriram poderes de certo grau sem um a correspondente evolução moral, e admitem
que são raras as fases mais altas de consciência e que é pequeno o número daqueles
que no momento têm condição de alcançá-las. Com estes pequenos preâmbulos então
estabelecidos, creio que podemos prosseguir dizendo que o que o G náni busca e
obtém é uma nova ordem de consciência - à qual, por falta de melhor, podemos dar
o nom e de consciência universal ou C onsciência C ósm ica, em contraste com a
consciência individual ou a consciência física especial com que todos estam os
fam iliarizados. N ão estou ciente de que o equivalente exato desta expressão,
“consciência universal” , seja usado na filosofia hindu; mas a Sat-chit-ánanda Brahm,
a que todo iogue aspira, indica a mesm a idéia: sat, a realidade, aquilo que a tudo
penetra; chit, o saber, o perceber; ánanda, o bem-aventurado - todos estes termos
unidos em um a manifestação de Brahm.
M uitos atos e processos do corpo - por exemplo, engolir - são assistidos pela
consciência pessoal manifesta; muitos outros atos e processos absolutam ente não
são percebidos pela m esm a; e poderia parecer razoável supor que estes últim os,
afinal de contas, fossem puramente mecânicos e desprovidos de qualquer substrato
mental. M as os desenvolvimentos posteriores do hipnotismo no Ocidente têm mostrado
- o que é bem conhecido dos faquires da índia - que sob certas condições a consciência
dos atos e processos internos do corpo pode ser obtida e não som ente esta, mas
tam bém a consciência de acontecimentos que estejam ocorrendo longe do corpo e
sem os meios comuns de comunicação.
Assim, a idéia de uma outra consciência, em alguns aspectos com maior alcance
do que a comum e com métodos de percepção próprios, tem gradualmente se infiltrado
nas m entes ocidentais.
H á um a outra idéia com que a ciência moderna nos tem familiarizado e que nos
está levando em direção à mesma concepção: a idéia da quarta dimensão. A suposição
de que o m undo real tem quatro dim ensões de espaço, ao invés de três, torna
concebíveis muitas coisas que de outro modo seriam incríveis. Toma concebível que
objetos aparentem ente separados - por exem plo, pessoas distintas - estejam na
realidade fisicam ente unidos; que coisas aparentem ente separadas por enormes
distâncias de espaço estejam na realidade bem juntas; que um a pessoa ou um objeto
possam entrar e sair de um a sala fechada, sem que paredes, portas ou janelas, etc.,
sejam obstáculos; e, para que essa quarta dimensão se tornasse um fator de nossa
consciência, é óbvio que deveríamos ter meios de conhecimento que para o sentido
comum pareceriam simplesmente miraculosos. A parentem ente, muita coisa sugere
que a consciência alcançada pelos Gfíanis da índia a seu grau, e por sujeitos hipnóticos
ao deles, é dessa ordem quadridimensional.
Assim como um sólido está relacionado com suas próprias superfícies, assim, ao
que parece, a Consciência Cósmica está relacionada com a consciência comum. As
fases da consciência pessoal são apenas diferentes facetas da outra consciência; e
experiências que parecem remotas entre si na individual são talvez todas igualmente
próximas na universal. O próprio espaço, tal como o conhecemos, pode ser praticamen
te anulado na consciência de um espaço maior de que ele é apenas a superfície; e
um a pessoa que viva em Londres pode não improvavelmente descobrir que tenha
um a porta de fundo que dê muito simplesmente e sem cerimônia para Bombaim.
“Em repouso em toda parte”, “Indiferença”, “Igualdade” . Esta foi um a das partes
mais notáveis do ensinamento do Guru. Em bora (por razões de família) mantendo
ele próprio muitas das observâncias de casta e embora mantendo e ensinando que
para a m assa do povo as regras de casta fossem perfeitamente necessárias, nunca
cessou de insistir em que quando chegasse o momento para um homem (ou um a
mulher) ser “emancipado” , todas essas regras teriam de ser abandonadas como coisas
sem importância - todas as distinções de castas, classes, todo sentimento de superiori
dade ou excelência pessoal - até mesmo do bem e do mal - e o mais absoluto senso
de igualdade tem de prevalecer para com todos, bem como determinação em sua
expressão. Foi certam ente notável (em bora eu soubesse que os livros sagrados o
continham) encontrar este princípio germinal da Democracia Ocidental tão vividamen-
te ativo e em funcionamento bem fundo sob as inúmeras camadas da vida social e
dos costum es do Oriente. M as assim é; e nada m ostra m elhor a relação entre o
Ocidente e o Oriente do que este fato.
Esse senso de igualdade, de liberdade quanto a normas e limitações, de inclusi
vidade e da vida que “repousa em toda parte”, pertence, naturalmente, mais à parte
Cósmica ou universal de um ser humano do que à parte individual. Para a última é
sempre um obstáculo e uma ofensa. E fácil mostrar que os homens não são iguais,
que não podem ser livres, e apontar o absurdo de uma vida indiferente e em repouso
sob todas as condições. Todavia, para a consciência maior, estes são fatos básicos
subjacentes à vida comum da humanidade e que alimentam o próprio indivíduo que
os nega.
Mais tarde [62] Carpenter fez ainda uma outra tentativa de explicar ou
pelo menos indicar a natureza do novo sentido. Diz ele:
A respeito de Towards Democracy (*1) É importante notar que por toda esta ex
têm-me sido feitas algumas vezes pergun posição, bem como nos outros escritos
tas que acho difícil responder; tentarei de Carpenter sobre o mesmo assunto (como
aqui formular alguns pensamentos a este quem quer que tenha lido este livro até este ponto
respeito (*1). perceberá sem mais repetição), seu testemunho
quanto aos fenômenos da Consciência Cósmica
corre paralelamente e é muitas vezes idêntico ao
Bastante tempo atrás (digamos, quan dos Suttas, de Behmen, de Yepes e de outros es
do eu tinha uns vinte e cinco anos e mora critores da mesma classe que tratam deste assun
va em Cambridge) quis escrever algum to (especialmente, talvez, o autor do Bagavat
tipo de livro que se dirigisse muito pes Gita), embora nâo pareça que ele tenha estudado
soal e intimamente a qualquer pessoa que (e provavelmente não estudou) estes escritores.
se importasse de lê-lo - que estabeleces
se, por assim dizer, um a relação pessoal íntima entre o leitor e eu; e durante anos
sucessivos fiz várias tentativas de realizar esta idéia - dentre as quais um ou dois
começos em versos (um, por exemplo, que posso mencionar, chamado The Angel of
Death and Life [“O Anjo da Morte e da Vida”] pode ser encontrado num pequeno
livro intitulado Narcissus and Other Poems [“Narciso e Outros Poemas”], agora faz
tem po esgotado, que publiquei em 1873. M as nenhum a de minhas tentativas me
satisfez e depois de algum tempo comecei a pensar que a busca nSo era razoável -
porque, embora talvez nâo fosse difícil para qualquer pessoa com uma disposição
maleável e solidária tanger certas cordas em qualquer indivíduo que encontrasse,
parecia impossível esperar que um livro - que não pode de modo algum se adaptar às
idiossincrasias de seus leitores - pudesse encontrar a chave das personalidades em
cujas mãos viesse a cair. P ara isto seria necessário supor e encontrar um terreno
absolutamente comum a todos os indivíduos (todos, afinal, que tivessem alcançado
certo nível de pensamento e experiência) e escrever o livro nesse terreno comum e a
partir dele; mas isto pareceu na época impraticável.
P assaram -se anos, relativam ente cheios de aco ntecim entos, com saídas de
C am bridge e palestras universitárias em cidades provinciais, e assim por diante;
mas com inatividade no tocante a escrever e, interiormente, com extrema tensão e
sofrimento. Finalmente, no início de 1881, sem dúvida como culminação e resultado
de lutas e experiências que estiveram ocorrendo, tomei consciência de que uma massa
de material estava se formando dentro de mim, exigindo imperativamente expressão
- embora eu nâo pudesse então ter dito o que exatamente haveria de ser sua expressão.
No momento tomei-me avassaladoramente consciente da revelação, dentro de mim,
de u m a região que u ltrap assav a em algum sen tid o as fro n teira s co m u n s da
personalidade, à luz da qual minhas próprias idiossincrasias de caráter - defeitos,
realizações, limitações, e não sei o que mais - pareciam nâo ter a menor importância
- um a absoluta libertação da mortalidade, acompanhada de uma calma e uma alegria
indescritíveis.
Também percebi ou senti imediatamente que essa região do ego que havia em
mim existia igualm ente (em bora nem sempre igualm ente consciente) em outras
pessoas. Relativamente a ela, as meras diversidades de temperamento que comumente
distinguem e dividem as pessoas perderam sentido e se tornaram indiferentes e foi
aberto um cam po no qual todas pudessem se encontrar, no qual todas fossem
verdadeiramente iguais. Assim, as duas palavras que controlaram meu pensamento
e m inha expressão naquela ocasião vieram a ser Liberdade e Igualdade. A necessidade
de espaço e tempo para trabalhar nisso cresceu tão fortemente que, em abril daquele
ano, abandonei meu emprego de palestrante. Além disso, uma outra necessidade me
ocorrera, impondo essa decisão - a necessidade de uma vida ao ar livre e de trabalho
manual. Finalmente nâo pude mais lutar contra esta necessidade nem contra a outra;
tive de desistir e obedecer. Quando isto aconteceu, na ocasião que mencionei eu já
estav?. vivendo numa pequena cabana numa fazenda (em Bradway, perto de Shefííeld),
com um am igo e sua família, e trabalhava na fazenda nos intervalos de minhas
palestras. Quando abandonei essas palestras, tudo se tom ou claro para mim. Montei
uma espécie de guarita de madeira no jardim e ali, ou no campo e no bosque, durante
toda a primavera e o verão e por todo o inverno, de dia e às vezes de noite, com sol ou
chuva, na geada e na neve, e em todas as espécies de clima cinzento e sombrio,
escrevi Towards Democracy - ou de qualquer modo o primeiro e mais longo poema
que leva esse nome.
Em fins de 1881 esse poema estava concluído - embora tenha sido revisado e um
pouco emendado no começo de 1882; e me lembro de ter sentido então que, embora
fosse ele defeituoso, fraco e inconsistente em expressão, se tivesse êxito em passar
ainda que a metade do esplendor que o havia inspirado, seria bom e eu nâo precisaria
me dar ao trabalho de escrever qualquer outra coisa (o que, com a devida consideração
da palavra “se”, mesmo agora sinto que foi um a insinuação verdadeira e benévola).
A escrita desse livro e a sua publicação (em 1883) tiraram de minha mente uma
carga que vinha pesando nela havia anos e desde então nunca mais tive aquele
sentimento de opressão e ansiedade que sofrera constantemente antes - e que, acredito,
em suas diferentes formas, é um a experiência comum na primeira fase da vida.
Agora quero me referir ao pronome “eu” que ocorre tão livremente neste livro.
N este e em outros casos do gênero, o autor está naturalmente sujeito a uma acusação
de egotismo e, pessoalmente, não m e sinto disposto a combater qualquer acusação
desse tipo que possa ser feita. Que haja meros egocentrismo e vaidade incorporados
nestas páginas, não duvido por um só momento, e que na medida em que existem
prejudicam a expressão e a finalidade deste livro, tam bém nâo duvido. M as a
existência destas coisas não afeta a real questão: que ou quem, essencialmente, é o
“eu” de que se fala?
A esta pergunta devo também admitir francamente que nâo posso dar nenhuma
resposta. N ão sei. Q ue essa palavra não é usada no sentido dramático é tudo que
posso dizer. O “eu” sou eu mesmo, assim como poderia encontrar palavras para
expressar a mim mesmo; mas o que seja esse ego e o que possam ser seus limites -
e portanto o que seja o ego de qualquer pessoa e quais possam ser seus limites - não
sei dizer. Tenho às vezes pensado que talvez o melhor trabalho que alguém poderia
fazer - se sentisse a qualquer momento ampliações e extensões de seu ego - seria
sim plesm ente registrá-las tão fielm ente quanto possível, deixando a outros - ao
cientista e ao filósofo - a explicação e sentindo-se confiante de que o que realmente
existisse n a pessoa seria constatado como existente, conscientemente ou em forma
latente, em outras pessoas. E direi que nesses registros tenho acima de tudo tentado
ser autêntico. Se eu disse, “E u, Natureza”, foi porque na ocasião, seja como for, senti
“Eu, N atureza”; se disse “ Sou igual ao menor”, foi porque não poderia expressar o
que senti mais diretamente do que por essas palavras. O valor de tais declarações só
pode aparecer com o tempo; se elas forem corroboradas por outros, então ajudarão a
formar um corpo de registro que bem poderá merecer pesquisa, análise e explicação.
Se não forem assim corroboradas, então serão natural e devidam ente deixadas de
lado como meras excentricidades de auto-ilusão. Nâo tenho a menor dúvida de que
algum a coisa realm ente g en u ín a será corroborada. P arece-m e cad a vez m ais
claramente que a palavra “eu” tem um a gama praticamente infinita de significado -
que o ego cobre um campo muito maior do que usualmente supomos. Em alguns
pontos somos intensamente individuais e, em outros, intensamente solidários; algumas
de nossas impressões (como a cócega de um pêlo) são de caráter em inentem ente
momentâneo, ao passo que outras (como o sentimento da identidade) envolvem longos
períodos de tempo. As vezes estamos conscientes de quase um a fusão entre nossa
identidade e a de um a outra pessoa. Q ue significa tudo isso? Somos realm ente
indivíduos separados, ou a individualidade é um a ilusão ou, então, é apenas um a
parte do ego ou da alma que é individual e não o todo? É o ego absolutamente uno
com o corpo, ou é somente um a parte do corpo, ou ainda é o corpo apenas uma parte
do ego - um de seus órgãos, por assim dizer - e não todo o ser humano? Ou, finalmente,
não será talvez possível expressar a verdade por qualquer uso direto destes ou de
outros termos da linguagem comum? Seja como for, que sou eu?
Estas são questões que aparecem ao longo do Tempo, exigindo solução - para as
quais a hum anidade está constantem ente tentando encontrar um a resposta. N âo
pretendo respondê-las. Pelo contrário, tenho certeza de que nenhum dos trechos de
Towards D em ocracy foi escrito com vistas a dar u m a resp o sta. E le s foram
simplesmente escritos para expressar sentim entos que insistiam em ser expressos.
Nâo obstante, é possível que alguns deles - transmitindo as experiências e declarações
mesmo de um a só pessoa - possam contribuir com material para se obter aquela
resposta a estas e outras perguntas do gênero, que algum dia será seguramente dada.
Que há uma região de consciência situada além daquilo que chamamos usualmente
de mortalidade, para a qual nós humanos podemos no entanto passar, praticamente
não duvido; mas, partindo do pressuposto de que isto seja um fato, sua explicação
ainda depende de pesquisa. Nestas poucas notas sobre Towards Democracy eu não
disse nada sobre a influência de Whitman - pela mesma razão que nada disse sobre
a influência do sol ou dos ventos. Estas influências são muito remotas e se ramificam
de maneira demasiadamente complexa para serem remontadas. Em 1868 ou 1869
deparei-me com a pequena seleção de Leaves o f Grass feita por William Rossetti e
li esta edição e as do original, continuam ente, d u ran te dez anos. Jam ais tive
conhecimento de qualquer outro livro (com exceção talvez das sonatas de Beethoven)
que eu pudesse ler e reler como fiz com este. Acho difícil imaginar o que teria sido
m inha vida sem esse livro. Leaves o f Grass “ incorporou-se ao meu sangue”; mas
nâo creio que jamais tenha tentado imitá-lo ou ao seu estilo. Lutei bastante contra o
inevitável desvio das formas mais clássicas de poesia para um ritmo mais solto e
mais livre, disputando o terreno (“dando m urro em ponta de faca”) polegada a
polegada, durante um período de sete anos de num erosas criações m alogradas e
híbridas - até que finalmente, em 1881, fui compelido à forma (se é que pode ser
assim chamada) de Towards Democracy. Não a adotei porque fosse uma aproximação
à forma de Leaves o f Grass. Qualquer semelhança que possa haver entre o ritmo, o
estilo, os pensamentos, a construção, etc., dos dois livros, tem de ser, creio eu, atribuída
a um a similitude mais profunda de intenção e atmosfera emocional nos dois autores
- embora essa similitude possa ter decorrido (e sem dúvida decorreu principalmente)
da influência pessoal de um sobre o outro. Seja como for, nossos tem peram entos,
pontos de vista, antecedentes, etc., são tão inteiramente diversos e opostos que, com
exceção de alguns pontos, dificilmente posso imaginar que haja muita semelhança
real a ser constatada. O estilo de Whitman, pletórico, exuberante, viril, deve sempre
fazer dele um a das pessoas mais originais do mundo - uma fonte perene de saúde e
força, tanto moral como física. Ele tem a amplitude da própria Terra e não pode ser
ignorado, tal como não pode ser ignorada um a montanha. Com efeito, muitas vezes
ele m e lembra um a grande pedreira na encosta de um a montanha - os grandes fachos
de luz solar e as sombras, a face primitiva da própria rocha, o poder e o arrojo de
hom ens trabalhando nela, as massas e os blocos caídos, materiais para infindáveis
construções e belos tufos de ervas ou flores em saliências inacessíveis - um quadro
bastante artístico em sua própria incoerência e falta de forma. Towards Democracy
tem um a radiância mais suave, como a da Lua comparada com a do Sol - permitindo
que a gente vislumbre as estrelas por detrás. Terno e meditativo, menos resoluto e
absolutamente menos volumoso, tem mais a qualidade do ar fluido e dócil do que a
da terra sólida e inflexível.
Aquele dia —o dia da liberação —a ti (*2) Como veio a ele, assim virá a outros,
virá, em que lugar nâo sabes; virá, mas
não sabes a hora (*2). (*3) Quase literalmente verdadeiro no caso de
N o púlpito, enquanto o sermão pregas k*8 Casas-
(*3), observa! Súbito os laços e as faixas - no berço, no caixão, na mortalha e nas
ataduras - tombarão;
N a prisão Ele virá; e as correntes, mais fortes que o ferro, os grilhões, mais duros
que o aço, se dissolverão - para sempre livre serás.
N o quarto doente, em meio a sofrimento, lágrimas e cansaço de toda um a vida, um
som de asas virá - e saberás que próximo estará o fim -
(O amado, levanta-te, docemente comigo vem - mas ansioso não sejas tanto - para
que a própria alegria a ti não desfaça.)
N o campo com o arado e a grade; no estábulo ao lado de teu cavalo;
N o bordel em meio a indecência e ociosidade e tua roupa e a de tuas companheiras
consertando;
Em meio à vida da moda, visitas matutinas em ociosidade fazendo e recebendo, e
berloques arranjando em tua sala de estar - mesmo lá, quem sabe?
N a hora marcada, devidamente virá ele. [61:23]
Não há paz, exceto onde estou, disse o (*4) Fala o Sentido Cósmico.
Senhor - (*4)
Embora saúde tenhas - aquilo que é chamado saúde - no entanto sem mim somente
falsa cobertura da doença é;
Embora amor tenhas, no entanto se entre e ao redor dos amantes não estiver eu, só
tormento e inquietação seu amor será;
Embora bens e amigos e o lar tenhas - todos estes virão e irão embora - nada há de
estável ou seguro que não será levado embora.
M as eu, somente, fico - não mudo,
Assim como o espaço por toda parte se estende, e todas as coisas dentro dele se
movem e mudam, mas ele nâo se move nem muda,
Assim o espaço dentro da alma sou eu, do qual o espaço fora nada mais que imagem
mental e similitude é;
Habitar-me vem tu, a entrada tens para toda vida - a morte a ti não mais separará
daqueles a quem amas.
Sou o sol que de dentro sobre todas as criaturas brilha - a mim contempla, de eterna
alegria repleto serás.
Não te enganes. Logo este mundo exterior tombará - dele te despirás tu, como o ser
humano de seu corpo mortal se despe.
Agora mesmo tuas asas nesse outro mundo - o mundo da igualdade - a estender
aprende, meu filho, para no oceano de mim e de meu amor nadares.
(Ah! não te ensinei pela semelhança deste mundo exterior, por suas alienações e
mortes e seus letais sofrimentos - tudo para isso?
Para a alegria, ah! improferível júbilo!). [61:343-4]
III
SUMÁRIO
Capítulo 1
O CREPÚSCULO
Uma palavra pode ser dita neste ponto para nos guardarmos contra uma
possível suspeita. Em nenhum caso o relator (a pessoa que teve a experiência)
foi induzido por alguma palavra ou por algum sinal. Cada um dos relatos
seguintes (assim como é claramente verdadeiro quanto aos que estão incluídos
na Parte IV), foi feito com absoluta espontaneidade, quase sempre sem
qualquer conhecimento dos fenômenos pertencentes a outros casos e
seguramente sem estar influenciado na narração por um conhecimento de
outros casos. Em vista da extraordinária uniformidade desses relatos (até
onde eles chegam) é importante que este fato seja claramente compreendido.
MOISÉS
Na época em que Moisés viu o “fogo”, parece que ele estava já casado e
tinha filhos [11:4:20], mas ainda era jovem, pois viveu e trabalhou por qua
renta anos a partir daí. Parece provável que na época ele estivesse na idade
típica da iluminação, ou perto disto. A princípio ele ficou alarmado com o
“fogo”, ou a luz, como é comum: “E Moisés encobriu o seu rosto, porque
temeu olhar para Deus”[11:3:6]. “Quem sou eu, que vá a Faraó”[11:3:11]? —
assim como Maomé não confiou em si mesmo. A “voz” dando comandos
mais ou menos explícitos é um fenômeno comum. É duvidoso que essa voz
jamais seja ouvida com o ouvido exterior - talvez ocasionalmente, mais
provavelmente nunca. A luz é quase certamente sempre subjetiva e sem dúvida
a voz também. Mas com o Sentido Cósmico vem a consciência de certos
fatos e a impressão que se faz na pessoa é de que estes lhe foram transmitidos
e, se o foram, então o foram por alguém - alguma pessoa (mas, naturalmente,
não por um ser humano) - daí a voz de Deus para Moisés, a voz do Pai para
Jesus, a voz do Cristo para Paulo, a voz de Gabriel para Maomé, a voz de
Beatrice para Dante. Quem a pessoa pensou ter ouvido (na boca de quem o
ensinamento foi colocado), será suposto ou determinado pelos hábitos mentais
do sujeito, por sua idade e sua cultura.
Quando o texto acima já havia sido escrito, o autor recebeu uma carta de
C. M. C., cujo caso está incluído neste livro (Capítulo 29), na qual ela descreve
uma experiência tão parecida com a da “sarça ardente” que é impossível
resistir à tentação de citá-la. Diz ela: “Duas senhoras amigas e eu estávamos
viajando poucos dias atrás. Era uma manhã muito bonita, perfeita. Quando
estávamos seguindo uma estrada sombria no campo, saímos da carruagem
para apanhar ásteres púrpuras que floresciam em toda sua perfeição às
margens da estrada. Eu estava numa disposição de espírito estranhamente
jubilosa - toda a natureza parecia doce e melancólica. Os ásteres nunca
tinham me parecido tão belos. Olhei para os grandes maços que havíamos
colhido com crescente espanto por seu brilho e passou-se algum tempo até
que me dei conta de que isto era incomum. Mas logo percebi que estava
vendo a aura das flores. Uma luz maravilhosa resplandecia de cada pequena
pétala e flor e o seu todo era uma chama esplendorosa. Eu tremi de êxtase -
era uma “sarça ardente”. Não há como descrever. As flores pareciam jóias
ou estrelas, da cor da ametista, tão claras e transparentes, tão firmes e intensas,
um sutil brilho vivo. O véu quase se rompeu; talvez nem tanto, ou eu as teria
visto sorrindo, conscientes e olhando para mim. Que momento foi aquele!
Sinto um calafrio quando penso nele”.
GIDEÃO,
(Apelidado Jerubbaal)
Nada de definido pode ser dito neste caso. A idade de Gideão na ocasião
não é conhecida. A luz subjetiva (se ele a vivenciou), sua conversão repentina
de um plano religioso inferior para outro superior (o que parece bastante
certo), sua rápida elevação na estima de seus compatriotas, sua vida longa e
estrénua, seu claro reconhecimento de Deus, sua recusa em reinar em qualquer
outro sentido que não o de agente de Jeová - tudo isto indica a possibilidade
de sua iluminação.
ISAÍAS
N o ano em que morreu o rei Uzias, Os pontos principais a serem notados são:
eu vi ao Senhor assentado sobre um alto (1) Ele viu Deus. (2) Ele viu que Deus é o
e sublime trono, e o seu séquito enchia o Cosmo. (3) A expressão “a casa se encheu de
templo. Os serafins estavam acima dele; fu m o ” deveria (se a hipótese é correta) de
preferência ser “de luz” ou “de chamas”, pois
cada um tinha seis asas: com duas
deveria se referir à luz subjetiva; mas parece
cobriam os seus rostos, e com duas
duvidoso que a palavra hebraica Ashan possa
cobriam os seus pés e com duas voavam. significar “luz” ou “chama”. Se, entretanto, está
E clamavam uns para os outros, dizendo: filologicamente ligada à palavra sânscrita
Santo, santo, santo é o Senhor dos Arman, deve ser suscetível de interpretação
Exércitos; toda a terra está cheia da sua análoga. (4) Ele perde o senso do pecado.
glória. E os umbrais das portas se
moveram com a voz do que clamava, e a casa se encheu de fumo. Então disse eu: Ai
de mim, que vou perecendo porque eu sou um homem de lábios impuros, e habito no
meio dum povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o rei, o Senhor dos Exércitos!
Mas um dos serafins voou para mim trazendo na sua mão uma brasa viva, que tirara
do altar com uma tenaz; E com ela tocou a minha boca, e disse: Eis que isto tocou os
teus lábios; e a tua iniqüidade foi tirada, e purificado o teu pecado. Depois disto ouvi
a voz do Senhor, que dizia: A quem enviarei, e quem há de ir por nós? Então disse eu:
Eis-me aqui, envia-me a mim. [Isaías, 6: 1-8]
O CASO DE Lí R.
Que é esse Tâo? Diz-se que mantém jovens as pessoas que o possuem.
Diz-se que a um famoso taoísta, um velho, foi perguntado: “Sois velho, senhor,
mas vossa pele é como a de uma criança; como é isto?” E a resposta foi:
“Familiarizei-me com o Tâo” [166:34], Na primeira tradução do Tâo Teh
King para qualquer idioma ocidental, Tâo é tomado no sentido de Ratio, ou
a Suprema Razão. A descrição de Abel Remusat, do caractere Tâo, é: “Não
me parece possível traduzir esta palavra senão por Logos, no tríplice sentido
de Soberano Ser, Razão e a Palavra.” O sucessor de Remusat na cadeira de
Chinês em Paris, Stanislau Julien, que fez uma tradução do Tâo Teh King,
decidiu que era impossível compreender por Tâo Razão Primordial ou
Inteligência Sublime e concluiu que o Tâo era desprovido de ação, de
pensamento, de julgamento e de inteligência - na verdade, ele parece (sem
assim dizer) ter tomado a palavra como sinônima (como sem dúvida ela é)
de Nirvana [166:12], Finalmente, ele a traduz como “um caminho” ou “o
caminho”, no sentido de “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”, e assim,
por outro lado, ela se torna sinônima de “Cristo”, de “Nirvâna”e de
Consciência Cósmica.
Diz-se também do Tâo que “sua mais alta excelência é como a da água.
A excelência da água se manifesta no benefício que traz a todas as coisas e
no fato de ela ocupar, sem se esforçar em fazer o contrário, o terreno mais
baixo que todos os homens abominam. Assim, (seu caminho) aproxima-se
do caminho do Tâo. Não há nada no mundo mais mole e fraco que a água e,
no entanto, para atacar as coisas firmes e fortes, nada tem primazia sobre
ela. Todas as pessoas do mundo sabem que o mole supera o duro e o fraco
supera o forte, mas ninguém é capaz de aplicar isto na prática” [166:30-1].
Diz-se ainda que: “É jeito do Tâo agir sem (pensar em) agir, conduzir as
coisas sem (sentir) suas dificuldades, degustar sem discernir qualquer sabor,
considerar os pequenos como grandes e os poucos como muitos, e retribuir
ofensa com bondade” [166:31],
Homens comuns parecem brilhantes (*1) “Contemplai estaface trigueira, estes olhos
e inteligentes e só eu pareço estar em tre cinzentos,
vas. Eles parecem cheios de discernimen Esta barba, branca lã sobre o meu pescoço
to e só eu sou obtuso e confuso. Pareço pendendo,
Minhas bronzeadas mãos e o meu jeito
ser levado como que pelas correntes do
silencioso, sem charme”[193:105].
mar, carregado como se não tivesse lugar
para descansar. Todos os homens têm (*2) “As raposas têm covis, e as aves do céu
suas esferas de ação, ao passo que só eu têm ninhos, mas o Filho do homem não tem
pareço apático e incapaz como um rude onde reclinar a cabeça” [14:8:20],
habitante de fronteira. (Assim) só eu sou
diferente dos outros homens, mas valorizo a mãe que acalenta (o Tâo) [166:63], (* 1
e *2)
O Tâo, considerado como imutável, não tem nome. Embora em sua primordial
simplicidade ele possa ser pequeno, o mundo inteiro não se atreve a lidar com (a
pessoa que incorpora) ele como um ministro. Se um príncipe feudal ou rei pudesse
guardá-lo ou segurá-lo, todos se subme (*4) “É como um grão de m ostarda, que,
teriam espontaneamente a ele. Céu e terra quando se semeia na terra, é a mais peque
(sob sua orientação) unem-se e fazem na de todas as sementes que há na terra; mas,
tendo sido semeado, cresce; e faz-se a maior de
descer o doce orvalho, que, sem as ins
todas as hortaliças, e cria grandes ramos, de tal
truções dos homens, alcança igualmente
maneira que as aves do céu podem aninhar-se
todo lugar, como por sua livre vontade debaixo da sua sombra.” [15:4:31-32]
[166:74] (*4).
Naquele que segura em suas mãos a Grande Imagem (do Tâo invisível) o mundo
inteiro atenta. Os homens a ele apelam e não recebem nenhum dano mas (encontram)
descanso, paz e o sentimento de tranqüilidade. Música e manjares farão o visitante
passageiro parar (por um lapso de tempo).
(*5) “O homem natural não compreende as
Mas embora o Tâo, assim como vem da
coisas do espírito de Deus (do Sentido Cós
boca pareça insípido e não tenha sabor, mico), porque lhe parecem loucura” [20:2:14],
embora pareça não merecer ser contem Os ensinamentos do Sentido Cósmico são sempre
plado ou escutado, o uso dele é inexau sem gosto, a princípio insípidos, mas seu uso “é
rível [166:77] (*5). inexaurível”.
Sem passar de sua porta, a pessoa (*6) “Em vão a contenção ou timidez.,
entende (tudo que acontece) sob o céu; Em vão objetos se põem a léguas de distância
sem olhar para fora de sua janela, a e múltiplas formas assumem”[193:54].
pessoa vê o Tâo do céu. Quanto mais
(*7) “Um minuto apenas de vós faço uso,
longe a pessoa sai (de si mesma), menos
depois de vós desisto, garanhão,
sabe [166:89], (*6 a *9)
Por que necessito de vossos passos, quando eu,
eu mesmo, mais rápido vou que eles?
Mesmo quando parado estou, de pé ou sentado,
mais célere passando do que vós” [193:55],
(*8) “Aquilo que é o mais comum, o mais barato, o mais inferior, o mais fácil, sou Eu” [193:39],
Aquele que consegue para si mesmo (*10) “Não ver nenhuma posse senão a que
tudo sob o céu, assim o faz não se dando possas ter, de tudo usufruindo sem labuta ou
a nenhum trabalho (com esta finalidade). compra, abstraindo a festa sem no entanto uma
só partícula dela abstrair,
Se alguém se dá a trabalho (com esta
Pegar o melhor da fazenda do fazendeiro e da
finalidade), não consegue para si mesmo elegante vila do homem rico, e as castas bênçãos
tudo sob o céu [166:90] (*10). do casal bem casado e as frutas dos pomares e
as flores dos jardins,
Aquele que em si mesmo tem abun As mentes dos homens de seus cérebros colher,
de seus corações o amor” [193:127],
dantemente os atributos (do Tâo) é como
uma criança. Insetos venenosos não o (*11) “Qualquer que não receber o reino de
picarão; aves de rapina não o atacarão Deus como um menino, de m aneira
[166:99] (*11). nenhuma entrará nele” [ 15:10:15].
Aquele que conhece (o Tâo) não (se (*12) É curioso que os homens dotados de
preocupa) em falar (a respeito dele); Consciência Cósmica não falem dela.
aquele que está (sempre pronto) a falar a Anos atrás, quando este autor era mais íntimo
de Walt Whitman do que jamais fora de seus
respeito dele não o conhece. Aquele (que
irmãos, procurou arduamente fazer com que
o conhece) manterá sua boca fechada e Whitman lhe dissesse algo a respeito (pois sabia
fechará os portais (de suas narinas). Rom bem que havia algo especial a dizer e Whitman
budas fará suas pontas aguçadas e as sabia que ele sabia), mas nunca conseguiu extrair
complicações das coisas desembaraçará; uma palavra do poeta. Esses homens a colocam
seu brilho moderará e se harmonizará em seus escritos de maneira impessoal, mas difi
com a obscuridade (de outros). Isto é cha cilmente falam face a face de suas experiências
pessoais; estas são por demais sagradas para
mado “o Acordo Misterioso” . (Tal ser)
serem tratadas dessa maneira.
não pode ser tratado com intimidade nem
friamente; ele está além de lucro ou prej z.o - de nobreza ou baixeza; é o homem
mais nobre sob o céu [166.100] (*12).
O mundo inteiro diz que, embora meu (*16) Considerem-se e comparem-se as vidas
Tâo seja grande, mesmo assim parece ser e os ensinamentos de Gautama, Jesus,
inferior (a outros sistemas de ensinamen Paulo, Whitman, Carpenter e praticamente todos
os grandes casos.
to). Mas é justamente sua grandeza que
o faz parecer inferior. Se ele fosse como qualquer outro (sistema), há muito tempo
sua pequenez teria sido conhecida! (*16)
Mas eu tenho três coisas preciosas, que prezo e guardo cuidadosamente. A primeira
é docilidade; a segunda é economia e, a terceira, abster-me de ter precedência sobre
os outros.
Com essa docilidade posso ser audaz; com essa economia posso ser liberal;
abstendo-me de ter precedência sobre os outros posso me tomar um recipiente da
mais alta honra. Hoje em dia, as pessoas rejeitam a docilidade e são todas pela
audácia; a economia, e são todas pela liberalidade; o último lugar, e só procuram ser
as primeiras; (de todas elas o fim é) a morte [166:110].
(*19) “Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para ser sábio” [20:3:18].
SÓCRATES
Tanto por suas qualidades morais quanto por seus dons intelectuais,
Sócrates parece estar cotado entre os homens mais destacados de toda a
história. Mas seria obviamente absurdo argumentar que, por causa destes
fatos, ele tivesse sido um caso de Consciência Cósmica, dado que entre as
características da Consciência Cósmica contam-se a elevação moral e a
iluminação intelectual. Xenofonte nos diz que Sócrates afirmava que “recebia
sugestões de um Deus” [201:350], Diz ele que “Sócrates fora admirado acima
de todos os homens pela jovialidade e tranqüilidade com que vivera” [201:505]
e cita ainda Sócrates dizendo: “Eu não admitiria a qualquer homem que ele
tivesse vivido melhor ou com mais prazer do que eu” [201:506]. Estes indícios,
embora não sejam absolutos, sugerem fortemente que Sócrates tinha o Sentido
Cósmico. É bem sabido que ele tinha excepcional saúde e força física e parece
que por ocasião de sua morte, embora com mais de setenta anos de idade,
sua mente e seu corpo eram fortes como sempre. Parece também claro que
ele tinha uma forte convicção da imortalidade, embora isto talvez não
implicasse o senso da imortalidade que é próprio da Consciência Cósmica.
Seu otimismo, que é também uma das características do Sentido Cósmico,
não deve ser esquecido, nem sua atratividade pessoal, bem maior do que a da
média das pessoas. O fenômeno do “sinal”, da “voz”, do “deus”, do “gênio”
ou do “daimon”, segundo consta, data de seus primeiros anos.
Por outro lado, Lelut [88:313] remonta o que considera como a insanida
de* de Sócrates ao assédio de Potidaea, 429 a.C., quando Sócrates teria cerca
de quarenta anos de idade. O que aconteceu nessa ocasião é relatado como
segue no Simposium [127:71]: “Certa manhã ele estava pensando em algo
que não conseguia resolver; não queria desistir e continuou pensando desde
o amanhecer até o meio-dia. Ali ficou ele de pé, absorto em seu pensamento
e, ao meio-dia, isto chamou atenção e pela multidão espantada correu o
* Pois Lelut é um caso típico de homem de “bom senso” e, para ele, todos os
místicos são lunáticos.
rumor de que Sócrates estivera de pé e pensando em alguma coisa desde o
raiar do dia. Finalmente, à tarde, após a ceia, alguns jônios, por curiosidade
(devo explicar que isto não aconteceu no inverno e sim no verão), trouxeram
suas esteiras e deitaram-se ao ar livre, a fim de que pudessem observá-lo e
ver se ele ficaria de pé a noite toda. E ele ficou ali, toda a noite até a manhã
seguinte; e, com o retomo da luz do dia, ofereceu uma prece ao Sol e seguiu
seu caminho”.
Nem este nem qualquer outro homem deveria ser classificado entre os
membros da nova raça pelo fato de que tinha perspicácia extraordinária,
pois alguns dos maiores intelectos humanos estão claramente fora da Cons
ciência Cósmica; nem qualquer desenvolvimento extraordinário daquela
faculdade, apenas, levaria um homem a esta consciência. Não é então devido
à sua inteligência, extraordinária como esta parece ter sido, que a questão
“foi Roger Bacon um caso de Consciência Cósmica?” é aqui levantada. Por
outro lado, infelizmente, nenhum detalhe, como iluminação instantânea ou
luz subjetiva, veio até nós como tendo ocorrido neste caso. Tudo que temos
são as referências de Bacon a um certo “Master Peter”, de quem ele recebeu
extraordinária assistência em seu trabalho filosófico. E a questão é: não guar
dará esse Master Peter [“Mestre Pedro”] a mesma relação para com Bacon
que Cristo para com Paulo, Beatrice para com Dante, Seraphita para com
Balzac, Gabriel para com Maomé? Pois nunca devemos esquecer a qualidade
essencial da mente Cosmicamente Consciente.
Esse, então, segundo Charles [58], era o estado de coisas entre Bacon e
Master Peter. Que cada qual julgue por si mesmo quem ou o que possa ter
sido Master Peter. Charles estivera falando da agitação intelectual e da vida
da época e prossegue: “Em meio a tudo isso, sob que bandeira lutará o estudan
te de Oxford? Qual mestre escolherá ele entre tantos ilustres doutores? Ele
contempla em seu foco mais brilhante essa ciência de que seus contemporâ
neos tanto se orgulham e o sentimento que tem não é de entusiasmo mas de
desdém. Escuta as mais eloqüentes vozes, mas para mestre escolhe, não um
Alexander de Hales, ou um Albert, mas uma pessoa obscura de quem a
história nada sabe. Aquela aparente renascença parece-lhe uma verdadeira
decadência. Para ele, aqueles dominicanos e franciscanos são homens igno
rantes quando comparados com Robert de Lincoln e seus amigos e, os moder
nos, geralmente bárbaros em contraste com os gregos e os árabes. A experiên
cia, assim pensa ele, vale mais que todos os escritos de Aristóteles, e um
pouco de gramática e matemática é mais útil que toda a metafísica das escolas.
Assim aplicou-se ele apaixonadamente a essas ciências desdenhadas. Apren
deu árabe, grego, hebraico, caldeu - quatro idiomas - numa idade em que
Albert sabia somente um deles e em que São Tomás se satisfazia em usar as
más traduções de William de Morbeke. Lê com avidez os livros dos antigos,
estuda matemática, alquimia, óptica. Antes de reformar a educação de sua
época, reconstrói sua própria educação e para este fim associa-se a matemáti
cos e sábios obscuros, de preferência aos mais renomados filósofos. Alexander
de Hales não lhe inspira outra coisa que não desdém. Albert, a seus olhos, é
ignorante e presunçoso e, sua influência, fatal para a época sobre a qual
estende sua ascendência. Só William of Auvergne merece respeito. Os amigos
que ele valoriza são pessoas menos celebradas - William of Shirwood, segundo
ele muito mais preparado que Albert; Campano de Novarre, matemático e
aritmético; Nicolas, tutor de Amansy de Monfort; John of London, que Jeff
acredita ser John Peckham e, acima de todos, o mais desconhecido, segundo
ele o mais preparado de todos os homens daquele tempo, aquele a quem
venera como seu mestre, admira como exemplo vivo da verdadeira ciência e
que chama de “Master Peter”.
“A julgar pelo retrato que Bacon fez dela, trata-se de uma pessoa singular.
Master Peter é um solitário, tão empenhado em evitar fama como outros em
procurá-la; esforçando-se para velar e esconder sua ciência aos homens e
que a eles recusa a verdade que não são dignos de receber. Master Peter não
pertence a nenhuma das poderosas ordens eclesiásticas da época; não ensina
e não deseja nem estudantes nem admiradores; foge da importunação do
vulgo. E orgulhoso e ao seu desdém do povo une uma fé imensa em si mesmo.
Vive isolado, contente com a riqueza mental que possui e que poderia multipli
car muitas vezes se assim desejasse. Se se dignasse a ocupar uma cátedra de
professor, o mundo inteiro viria a Paris para ouvi-lo; se quisesse chegar-se a
algum soberano, nenhum tesouro poderia pagar o valor de sua maravilhosa
ciência. Mas ele despreza a massa composta de loucos corrompidos com as
sutilezas da lei, charlatães que por seus sofismas desonram a filosofia, tomam
a medicina ridícula e falsificam a própria teologia. Os mais esclarecidos
dentre eles são cegos ou, se fizessem vãos esforços para usar seus olhos, a
verdade os ofuscaria. Eles são como morcegos no crepúsculo - quanto menos
luz, tanto melhor podem enxergar. Somente ele olha diretamente para o sol
radiante. Escondido num retiro que lhe dá segurança com silêncio, Master
Peter deixa a outrem longos discursos e a guerra de palavras, para se entregar
ao estudo de química, das ciências naturais, da matemática, da medicina e,
acima de tudo, à experiência, cuja importância, em sua época, somente ele
compreende. Seu discípulo o cumprimenta pelo nome dqMaster ofExperience
[“Mestre da Experiência”], que em seu caso substitui os títulos sonoros e
ambiciosos dos outros doutores.
“Foi com esse grande desconhecido, esse gênio não descoberto, cujo nome
ficou sem registro na história da ciência, que (segundo ele) Bacon aprendeu
línguas, astronomia, matemática, ciência experimental, tudo enfim que ele
sabia. Em comparação com esse Master Peter, os estudantes, os professores,
escritores, mestres, pensadores das universidades, eram obtusos, lerdos, insen
satos [compare-se com Paulo, Bacon, Behmen, Maomé; é realmente um depoi
mento universal que, quando o Sentido Cósmico aparece, a sabedoria da
autoconsciência é reduzida a pó e cinzas], A devoção de Bacon para com seu
desconhecido mestre deveria resgatar este último da obscuridade em que
está sepultado, mas parece impossível identificá-lo entre o número infinito
de sábios do mesmo nome que podem ser encontrados nos catálogos” [58:14
et seq.].
** O relato acima sobre Master Peter foi colhido por Charles de Opus Tertium,
Opus Minus, de De Septem Peccatis e de outras obras, todas de Bacon.
BLAISE PASCAL
1623-1772
A saúde de Pascal foi durante toda a sua vida delicada. Ele foi provavel
mente sempre um homem perfeitamente moral, embora fosse afeiçoado à
alegria e aos prazeres sociais de seu tempo e de seu país.
Durante toda sua vida deu evidência abundante de que possuía a um grau
incomum a honestidade mental e a verve que sempre parecem próprias
daqueles que alcançam o Sentido Cósmico.
Brilhante como era seu intelecto antes de novembro 1654, tornou-se ainda
mais brilhante depois. Por volta de um ano após essa data, começou a escrever
Cartas Provinciais e mais tarde seus Pensées [“Pensamentos”], sendo que
ambos estes trabalhos (embora o segundo seja apenas uma série de notas
para escrever um livro) mostram qualidades mentais extraordinárias. Pode-
se dizer com segurança que ele não poderia ter escrito nem um nem o outro
antes da data acima.
Alguns dias após a morte de Pascal, um criado sentiu, casualmente, algo
duro e grosso sob o tecido de seu gibão. Cortando a costura nessa área,
encontrou um pergaminho dobrado e, dentro deste, um papel dobrado. Ambos
tinham algo escrito com a caligrafia de Pascal, cujas palavras são aquelas
que aqui apresentaremos. O pergaminho e o papel foram entregues à irmã
de Pascal, Madame Périer, que os mostrou a alguns amigos. Todos perceberam
de imediato que aquelas palavras, assim escritas por Pascal em duplicata e
por ele preservadas com tanto cuidado e tanta preocupação (transferindo-as
ele próprio, como o fez, de gibão para gibão), deviam ter tido a seus olhos
um significado profundo. Algum tempo após a morte de Madame Périer
(que aconteceu vinte e cinco anos depois da morte de seu irmão), seus filhos
mostraram esses documentos a um frade que era um amigo íntimo da família.
Ele copiou o documento e escreveu algumas páginas de comentário sobre
ele, a que Marguerite Périer acrescentou mais algumas páginas. Esses
comentários estão agora perdidos, bem como o pergaminho. Mas a cópia em
papel, na escrita de Pascal, existe ainda na Bibliothèque Nationale de Paris.
Foi Cordecet quem deu ao documento o nome de “Amulette Mystique de
Pascal” [“Amuleto Místico de Pascal”] [112a: 156].
* Lelut [112a: 154] dá as palavras exatas do amuleto, sua form a e seu arranjo,
como segue:
S j L 'c .
''/V ?
Não será possível mostrar que Spinoza tenha sido um caso de Consciência
Cósmica no mesmo sentido em que pode ser mostrado, por exemplo, que
Juan Yepes foi um caso; não temos os necessários detalhes de sua iluminação.
Tudo que podemos fazer é relatar os fatos de que dispomos e deixar o leitor
julgar por si próprio. Consideraremos primeiro a natureza de seu ensinamento
filosófico e depois os fatos de sua vida real. Verificaremos que ambos apontam
quase inevitavelmente para a mesma conclusão. Spinoza (por exemplo) “não
pode admitir que o pecado e o mal tenham qualquer realidade positiva, muito
menos que qualquer coisa aconteça contrariamente à vontade de Deus. Não
é apenas uma maneira inexata e humana de falar, dizer que o ser humano
pode pecar contra Deus e ofender a Deus” [133:47], E: “O Universo é regido
por leis divinas, que, ao contrário das que são feitas pelo homem, são
imutáveis, invioláveis e um fim em si mesmas e não instrumentos para se
alcançar objetivos particulares. O amor de Deus é o único verdadeiro bem do
ser humano. De outras paixões podemos nos livrar, mas não do amor,
porquanto pela fraqueza de nossa natureza não poderíamos subsistir sem o
gozo de alguma coisa que pudesse nos fortalecer por nossa união com ela.
Somente o conhecimento de Deus nos capacitará a dominar paixões
perniciosas. Este, como a fonte de todo conhecimento, é o mais perfeito de
todos; e, na medida em que todo conhecimento é derivado do conhecimento
de Deus, podemos conhecer Deus melhor do que conheçamos a nós mesmos.
Este conhecimento, no devido tempo, leva ao amor de Deus, que é a união
da alma com Ele. A união da alma com Deus é seu segundo nascimento e
nisto consistem a imortalidade e a liberdade do ser humano” [133:86]. A
última oração deste período, transcrito em itálico pelo autor deste livro, se
tomada absolutamente, decide a questão - pois a união da alma com Deus é
iluminação, é o segundo nascimento e nele estão a imortalidade e a liberdade.
E ele diz ainda: “O amor a uma coisa eterna e infinita alimenta a mente com
alegria pura e é completamente livre de tristeza; isto é algo a ser altamente
desejado e ardentemente procurado” [133:116], É a Bem-aventurança
Bramânica - a alegria que Whitman, Carpenter, Yepes e os demais nunca se
cansam de celebrar.
Então, mais adiante, ele nos diz que o bem principal é ser dotado de certo
caráter. “O que seja esse caráter, mostraremos em seu devido lugar - isto é,
que ele consiste no conhecimento da união que a mente tem com o todo da
natureza” [133:118], Mas esse conhecimento não existe àparte da iluminação,
enquanto, por outro lado, todos aqueles que entraram em Consciência
Cósmica o possuem. Assim, Spinoza, ao invés de procurar na maneira usual
uma explicação artificial para a correspondência de duas coisas assim
(aparentemente) diferentes, como o corpo e a mente, diz ousadamente que
“são a mesma coisa e diferem apenas como aspectos” [133:180]. Assim
Whitman (e todos os demais, em linguagem diferente): “Estava alguém pe
dindo para ver a alma? Que veja sua própria forma e fisionomia, etc.” [193:25].
Assim, além disso, Spinoza mais de uma vez classifica as espécies de nosso
conhecimento de maneira a tomar necessária a inclusão do que é neste livro
chamado de intuição, que é a forma que pertence à mente Cosmicamente
Consciente e só a esta mente. Diz ele, por exemplo: “Podemos aprender
coisas (1) por ouvir dizer ou por alguma autoridade; (2) pela mera sugestão
da experiência; (3) por raciocínio; (4) por percepção completa e imedia
ta” [ 133:119 e 188]. E diz também que este último modo de conhecer “procede
de uma idéia adequada da natureza absoluta de algum atributo de Deus para
um conhecimento adequado da natureza das coisas”. Isto é, o ser humano
entra em relação consciente com Deus (no ato da iluminação) e, através
desse contato - até onde ele alcança - tem um “conhecimento adequado das
coisas”. É duvidoso que qualquer ser humano meramente autoconsciente
pudesse ter usado esta linguagem, pois para um ser humano assim nada
parece mais absurdo que uma asserção de conhecimento por simples intuição
e, no entanto, nada é mais certo do que esse conhecimento seja assim
adquirido. O seguinte é igualmente característico: “Conhecer Deus - em
outras palavras, conhecer a ordem da natureza e encarar o universo como
ordenado - é a mais alta função da mente; e o conhecimento, como a forma
perfeita da atividade normal da mente, é bom em si mesmo e não como um
meio” [133:241], Se Spinoza quer dizer aqui (como parece provável que
queira) o mesmo que Balzac quando falou do especialismo, dizendo que “é o
único que pode explicar Deus”, então Spinoza foi um especialista. Assim,
quando ele diz que “o conhecimento claro e distinto de natureza intuitiva
engendra o amor a um ser imutável e eterno, verdadeiramente dentro de
nosso alcance”[133:268], ele implica em si próprio a posse da Consciência
Cósmica e ensina que ela está ao alcance de todos. Igualmente característico
é o seguinte: “Em todo conhecimento exato, a mente conhece a si mesma
sob a forma de eternidade; vale dizer, em todo ato desse gênero ela é eterna
e sabe que é eterna. Essa eternidade não é persistência no tempo após a
dissolução do corpo, assim como não é preexistência no tempo, pois não é
em absoluto comensurável com o tempo. E a ela está associado um estado ou
uma qualidade de perfeição denom inada o amor in te le ctu a l de
£>ews”[ 133:269], Spinoza, como Whitman, ensinava que “na verdade, não
existe o mal” [193:22]; diz ele: “A perfeição das coisas é para ser reconhecida
somente em função de sua própria natureza e seu poder; e as coisas não são
ali mais ou menos perfeitas conforme agradem ou desagradem ao sentido
dos seres humanos, ou sejam convenientes para a natureza do ser humano
ou a ela repugnantes. Se alguém pergunta por que Deus não criou todos os
seres humanos de modo que pudessem ser regidos somente pela razão, não
dou nenhuma resposta senão esta: Porque não lhe faltou matéria para criar
todas as coisas, mesmo desde o mais alto grau de perfeição até o mais baixo.
Ou mais exatamente assim: Porque as leis de sua própria natureza eram tão
vastas que eram suficientes para produzir todas as coisas que podem ser
concebidas por uma inteligência infinita”[133:327], Como observa Pollock,
esta é “uma mente infinita hipotética, que deve ser distinguida do intelecto
infinito, que conhecemos como uma das coisas imediatamente produzidas
por Deus” [133:328],
Tudo o que resta é mostrar que, assim como em sua vida e seus ensinamen
tos, assim em seu reconhecimento pelo mundo Spinoza está estreitamente
ligado à categoria de homens a que aqui procuramos associá-lo. “O primeiro
efeito de seus escritos na Holanda foi levantar uma tempestade de indignada
controvérsia”[133:349], E o homem que Novalis descreveu corretamente
como “ébrio de Deus” foi classificado como “blasfemo, ateu, enganoso”,
enquanto seus livros foram descritos como “as obras destruidoras da alma,
de Spinoza” [ib.]. Por uma centena de anos após sua morte pouco foi lido,
mas depois disto, mais e mais; e agora ele está situado no nível a que pertence,
como um dos grandes líderes espirituais da espécie humana.
CORONEL JAMES GARDINER
1688-1745
**» “Menos de uma dracma de sangue resta em mim que não esteja tremendo”, diz
Dante em circunstâncias semelhantes [71:192],
SWEDENBORG
1688-1772
(se a revelação mereça crédito ou não) - questão nunca levantada, pelo menos
após os primeiros minutos ou as primeiras horas, por uma pessoa que tenha
obtido mesmo um vislumbre do “Esplendor Bramânico”.
Mais adiante, no mesmo poema, há um outro trecho que descreve com
outras palavras a mesma condição mental, que pode ser apropriadamente
chamada de o crepúsculo da Consciência Cósmica:
Senti
Uma presença que com a alegria me disturba
De elevado pensamento; um sublime senso
D e algo bem mais profundamente permeado,
Cuja morada a luz de sóis poentes é,
E o redondo oceano e o vivente ar,
E o céu azul, e na mente do homem -
Um movimento e um espírito, que impele
Todos os seres pensantes, todos os objetos de todo pensamento,
E através de todas as coisas rola [198:189],
CHARLES G. FINNEY
1792-1875
Este caso é de interesse maior do que o comum, pelo fato de que, embora
nele tenha ocorrido quase certamente, embora não fortemente marcado, o
fenômeno da luz subjetiva, juntamente com acentuada exaltação moral e
provavelmente alguma iluminação intelectual, mesmo assim ele não foi
coroado pela visão Cósmica - o Esplendor Bramânico. Não é portanto
completo, mas apenas parcial ou imperfeito.
Assim a vida deste homem, embora pela experiência daquele dia de outono
infinitamente exaltada em comparação com a da média dos homens
autoconscientes, está analogamente abaixo da vida dos homens que não
apenas sentiram Aquele que é Infinito, como Charles G. Finney O sentiu,
mas que passaram à Sua presença e viram Sua inconcebível glória.
A elevação de minha alma foi tâo grande que eu corri para o quarto que ficava
atrás do escritório da frente, para orar.
N ão havia fogo ou luz no quarto; não obstante, parecia como se ele estivesse
perfeitamente iluminado. Conforme eu entrei e fechei a porta, pareceu como se tivesse
encontrado o Senhor Jesus Cristo face a face. Não me ocorreu que se tratava
completamente de um estado mental; pareceu que eu o vi como teria visto qualquer
outro homem. Ele nada disse, mas me olhou de tal maneira que me fez prostrar-me
a seus pés. Desde então sempre considerei isto um estado mental bastante especial;
pois pareceu-me que ele estava de pé diante de mim e eu caí a seus pés e abri minha
alma para ele. Chorei alto como uma criança e fiz as confissões que pude com a voz
sufocada.
Devo ter continuado nesse estado por um bom tempo; mas minha mente estava
absorta demais para se lembrar de qualquer coisa que eu tivesse dito. Mas sei que,
tão logo minha mente se acalmou, eu retornei ao escritório da frente e vi que o fogo
que tinha feito com madeira grossa estava quase apagado. Mas conforme eu me virei
e estava prestes a me sentar perto do fogo, recebi um poderoso batismo do Espírito
Santo. Sem esperar por isto, sem jamais ter tido a idéia em minha mente de que
houvesse tal coisa para mim, sem qualquer lembrança de que eu jamais tivesse
ouvido tal coisa mencionada por qualquer pessoa no mundo, o Espírito Santo desceu
sobre mim, de um modo que parecia entrar em mim, corpo e alma.
Não há palavras para expressar o maravilhoso amor que foi derramado em meu
coração. Chorei alto, com alegria e amor; e não sei, mas eu diria que literalmente
gritei os inexprimíveis jorros de meu coração. Estas ondas me perpassaram, me
perpassaram, me perpassaram, uma após a outra, até o momento em que me lembro
de ter gritado: “Eu vou morrer se estas ondas continuarem a passar por mim”. E
disse: “Senhor, não posso mais agüentar”; mesmo assim não sentia nenhum medo da
morte.
Por quanto tempo continuei nesse estado, não sei. Mas era tarde da noite quando
um integrante de meu coro veio me ver. Era um dos fiéis da igreja. Ele me encontrou
naquele estado de choro alto e perguntou: “Sr. Finney, o que é que há com o senhor”?
Não consegui formular nenhuma resposta por algum tempo. Então ele perguntou:
“Está com alguma dor?” Procurei me recompor e respondi: “Não, mas estou tão feliz
que não posso viver” [104:17-18],
Depois disso, a longa, laboriosa e beneficente vida deste homem provou,
se é que uma prova fosse necessária, que sua “conversão” não foi nenhuma
excitação acidental que pudesse ter acontecido a qualquer homem, mas uma
marca inequívoca de superioridade espiritual.
Somente ela pode inspirar a quem queira, e vede! suas palavras serão líricas,
doces e universais como o nascer do vento.
Essa energia não desce à vida individual, ou a qualquer outra condição que não
a posse plena. Vem para os humildes e simples; vem para quem se desfaça do que
seja estranho e orgulhoso; vem como uma visão interior; vem como serenidade e
grandeza. Quando vemos aqueles em quem ela faz morada, tomamos consciência de
novos graus de grandeza. Dessa inspiração o ser humano volta com um tom mudado.
Não fala com os homens considerando a opinião deles. Ele os testa. D e nós se requer
que sejamos simples e verdadeiros. O viajante vaidoso tenta embelezar sua vida
citando o lorde, o príncipe e a condessa, que algo disseram ou fizeram a ele. O vulgo
ambicioso vos mostra seus broches e anéis e preserva seus cartões e cumprimentos.
O s mais cultos, em seus relatos de suas próprias experiências, selecionam a
circunstância poética agradável; a visita a Roma, o homem de classe que viram; o
amigo brilhante que conhecem; mais ainda, talvez, a magnífica paisagem, as grandes
luzes, os grandes pensamentos, de que desfrutaram ontem - e assim procuram dar
uma cor romântica a sua vida. Mas a alma que ascende a adorar o grande D eus é
simples e verdadeira; nada pinta cor-de-rosa; não tem amigos finos; nenhum
cavalheirismo; não tem aventuras; não quer admiração; vive na hora que é agora, na
mais intensa experiência do dia comum - em razão do presente momento e a mera
ninharia tendo-se tomado porosa ao pensamento e absorvente do mar de luz.
ALFRED TENNYSON
Este poeta (pois, embora não seja absolutamente qualificado para estar
situado na ordem divina, serviu merecidamente a esse nome e a ele faz jus)
passou a maior parte de sua longa vida na região da autoconsciência que se
encontra próxima à parte inferior do Sentido Cósmico. Seus “transes
sobrenaturais”, mencionados em The Princess [“A Princesa], nos quais ele
parecia “mover-se num mundo de fantasmas e sentir (ele próprio) a sombra
de um sonho” [185:11], pertencem àquele reino espiritual; mas bem mais
seguramente uma condição bem descrita se encontra nos versos seguintes,
em Ancient Sage [“Sábio Antigo”].
Eu, que só ouvidos tinha, audição consigo, (*1) “Vocêjápediu a instrução pela
E visão, eu que só olhos antes tinha, qual ouvimos aquilo que não
pode ser ouvido, pela qual percebe
M omentos vivo, eu que só anos vivera.
mos aquilo que não pode ser percebi
E verdade discirno, eu que só da cultura erudição do, pela qual conhecemos aquilo que
conhecia. não pode ser conhecido?” [148:92]
(*2) “Ouvindo, ouvireis, mas não
com preendereis, e, vendo,
Além do alcance do som ouço,
vereis, m as não percebereis”
Além do alcance da visão vejo, [14:13:14],
Novas terras e céus e mares em redor,
(*3) “A visão tem outra visão e a
E em meu dia o Sol sua luz empalidece.
audição outra audição e a voz
(*1, *2, *3) outra voz” [193:342],
O s m ilhões estão su ficientem ente (*2) Compare-se Whitman: “Não posso estar
acordados para o trabalho físico; mas so acordado, pois nada me parece como era
m ente um em um milhão é suficiente antes, ou então estou agora acordado pela pri
mente acordado para o efetivo exercício meira vez e tudo antes foi um sono banal”
[124a:49],
intelectual, somente um em cem milhões
para uma vida poética ou divina [199a:97], (*2 )
Às vezes, quando me comparo com outros homens, parece como se eu fosse mais
favorecido pelos deuses que eles, para além de quaisquer desertos de que tenho
consciência; como se nas mãos deles eu tivesse um a garantia e certeza que meus
semelhantes não têm e fosse especialmente guiado e protegido. Não me elogio mas,
se possível, eles me elogiam. Nunca me senti solitário ou fui por pouco que fosse
oprimido por um sentimento de solidão, exceto uma vez, e isto foi algumas semanas
depois que vim pava o bosque, quando por um a hora eu me perguntei se a vizinhança
próxima do homem não seria essencial a uma vida serena e sadia. Estar só era uma
coisa desagradável. M as eu estava ao m esm o tem po consciente de um a ligeira
insanidade em minha disposição de espírito e parecia prever minha recuperação. Em
m eio a u m a leve chuva, e n q u an to estes pensam entos prevaleciam , tornei-m e
subitamente cônscio de tão doce e benigna comunhão na N atureza - no próprio bater
de cada pingo de chuva, e em cada som e cada vista ao redor de minha casa, uma
infinita e inexplicável afabilidade, tudo de uma vez, como uma atmosfera, sustentando-
me - que isso tornou as imaginadas vantagens da vizinhança humana insignificantes,
de modo que desde então nunca mais pensei nelas. Cada folha de pinheiro se expandiu
e intumesceu com simpatia e mostrou sua amizade para comigo. Fui tão claramente
conscientizado da presença de algo afim comigo, mesmo nas cenas que estamos
acostumados a classificar como selvagens e áridas, e também de que o mais próximo
de sangue a mim e o mais humano não era um a pessoa nem um integrante do vilarejo,
que eu pensei que nenhum lugar poderia jamais ser estranho para mim novamente.
Algumas das horas mais prazerosas foram durante as longas tem pestades na
primavera e no outono, as quais me confinaram à casa por toda a manhã e a tarde,
aquietado pelo incessante ruído e golpear da chuva; quando um crepúsculo prematuro
anunciou um a noite longa, em que muitos pensamentos tiveram tempo para se enraizar
e desabrochar. Naquelas chuvas direcionadas para o nordeste, que tanto ameaçavam
as casas do vilarejo, quando as criadas mantinham-se de prontidão com rodo e balde
HENRY DAVID THOREAU
Só conheço a mim mesmo como um a entidade hum ana; o cenário, por assim
dizer, de pensamentos e afeições; e tenho consciência de certa duplicidade pela qual
posso ficar tão afastado de mim mesmo (*1) Compare-se Whitman: “Turistas e curio
com o de outrem . P or intensa que seja sos me rodeiam; pessoas que encontro, o
m inha experiência, estou consciente da efeito em mim de minha antiga vida ou do bairro
presença e da crítica de um a parte de ou da cidade onde vivo, ou do país, os últimos
compromissos, descobertas, invenções, socie
mim, que é como se não fosse uma parte
dades, velhos e novos autores, meu jantar, roupa,
de mim mas um espectador, não compar associados, olhares, cumprimentos, dívidas, a
tilhando nenhuma experiência mas obser real ou imaginada indiferença de algum homem
vando-a; e isso não é mais eu do que é ou mulher que amo, a doença de um dos meus
você [199a:146], (*1) parentes próximos ou minha mesmo, ou o fazer
um mal, ou perda ou falta de dinheiro, ou
depressões ou exaltações, batalhas, os horrores da guerra fratricida, a febre de notícias duvidosas, os
eventos caprichosos; todas estas coisas me vêm dia e noite e de mim se vão novamente, mas não são
Eu próprio.
“A parte desse puxa-e-empurra está o que sou, entretido, complacente, compassivo, unitário
indolente, olha para baixo, está ereto, ou curva um braço em certo descanso impalpável, olhando
com a cabeça curvada para o lado, curioso do que virá em seguida, tanto dentro como fora do jogo
e observando e se maravilhando por ele” [193:31].
J. B.
O governo da mente carnal, que não teve o Filho da Divindade gerado nela, não
tem conhecimento real do que seja a única verdadeira Divindade. Ninguém conhece
os nomes da real Divindade e de seu Cordeiro, até que estes sejam escritos em seu
entendimento por revelação especial a cada qual individualmente. Sobre a Rocha da
real revelação do Cristo na mente pelo seu eterno Pai, a congregação do verdadeiro
Cristo está edificada. Esta é a única base
(*3) Em outras palavras: A mente meramente
de certeza; e o mundo pode continuar a autoconsciente pode crer em Deus mas não
se dividir indefinidamente em seitas dis pode conhecê-lo - nunca o viu, nunca poderá
cordantes, até que receba esta revelação, vê-lo. Os únicos homens que podem conhecer e
porquanto não pode ter nenhuma certeza de fato conhecem a Divindade são os homens
até então; mas todos aqueles que a rece Cosmicamente Conscientes (a consciência da Di
vindade e do Cosmo sendo a mesma coisa). O
bem concordam e não podem discordar
que C. P. muito apropriadamente chama de con
[132:20], (*3) gregação de Cristo é simplesmente composto da
queles que foram iluminados. Esta iluminação é a única base de certeza nestes assuntos. Se todas as
pessoas do mundo tivessem Consciência Cósmica, todas concordariam em muitas questões básicas
de religião e filosofia que hoje são discutidas - embora sem dúvida outras questões, muitas das
quais não estão à vista no presente momento, possam surgir e ser discutidas.
Foi dessa própria parte - desse Filho gerado nele - que era a mente espiritual,
que o Espírito da Verdade disse: “És meu Filho: neste dia eu te gerei”. E ele o soube
naquele dia mesmo em que foi gerado - no dia mesmo em que se tornou consciente
de ter sido tornado vivo para esse Pai de seu entendimento, porquanto esse Filho
espiritual nele espontaneamente “chamou, Pai” , com certeza natural, como não havia
chamado antes. E assim esse Filho gerado do Eterno Espírito da Verdade de tal modo
clama em todos aqueles em quem é gerado, que eles e somente eles sabem como o
primogênito foi gerado. E somente estes sabem o que o domínio da Divindade é,
pois, “A m en o s q u e um ^hom em assim (M) Dispensa comentário; é apenas uma ^
n a sç a n o v a m e n te , ele n ã o pode vê-lo mação da realidade do novo nascimento
[132:22], (*4) - isto é, do advento da Consciência Cósmica.
A mente carnal pode falar “da Pater- (*5) Deus é o Pai de cada um de nós; mas
nidade de Deus e da fraternidade do ho- ninguém, sem iluminação, pode compreen-
m en r . m as não com preende nem um a der 0 ^ estas Palavras slS"lflcam-
nem a outra, porque esse Filho de Deus não foi gerado nela [132:33]. (*5)
Além de tudo, ele disse: “Nesse dia” - no dia em que eles estiverem conscientes
de que esse Espírito veio a eles - “ sabereis que eu sou no Pai e vós em mim e eu em
vós” . E como era impossível ao homem estar pessoalmente neles, e eles nele, é claro
que quando o Espírito da Verdade se tivesse inscrito claramente em sua consciência
isto seria, ao mesmo tempo, o Pai e o Filho neles e eles nestes, e o trabalho teria sido
puram ente o de um estado mental espi-
(*6) Dispensa comentário.
ritual [132:24].(*6)
(*7) Jesus se considerava o primeiro homem da
Aquele que era o menor no reino dos nova espécie (Cosmicamente Consciente),
céus, era maior que João” , pois aqueles Dentre os homens meramente autoconscientes
que nele entraram foram feitos perfeitos ninguém chegara a um nível mais alto do que
pela plenitude da Luz do eterno Espírito. João, mas o menor dos homens da nova ordem
Daí “a lei dos profetas foi até João, mas ser'a ma'or 11116 ele-
com ele começou a pregação do reino de D eus” [132:31]. (*7)
E para estes (os iluminados) é inteiram ente claro que, sendo esta D ivindade
eterna, toda existência tem de ser eterna, porquanto toda Verdade é simplesmente a
Verdade da existência. Para esses, a existência é uma imensidade eterna de existência
infinita, atuando com força infinita, num a ordem inevitável, infinita e, portanto,
absolutamente perfeita, em cuja perfeição ou verdade todas as coisas e sua ação têm
necessariam ente de estar incluídas, e isto Paulo expressou na frase abrangente e
básica, “ Todas as coisas são da D ivin
dade” [132:68]. (*8) (*8) Um aspecto da visão Cósmica.
Os apóstolos eram ministros da nova Aliança, que estava baseada nessa Rocha,
que era um a base inteiramente nova de raciocínio, e absolutamente não eram ministros
da antiga aliança da lei moral. A lei moral, sendo o conhecimento do bem e do mal,
é o “ministério da morte”, ao passo que a nova lei é o ministério da vida. A antiga é
o ministério da condenação, que é a mor (*9) A “Rocha” é, naturalmente, o Sentido
te, e a nova é o ministério da justificação, Cósmico. Quer qualquer uni dos apósto
que é a vida; assim, aqueles que passam los além de Paulo tenha tido Consciência
para o domínio da nova necessariamente Cósmica ou não, o trabalho deles foi nesse plano,
pois o objetivo desse trabalho era preservar e di
saem da velha e assim eles têm de ser
fundir os ensinamentos de Jesus. Na Consciência
“libertados da velha”, e assim é que não Cósmica não há condenação, não há pecado, não
h á condenação, não há morte, para aque há mal, não há morte. Isto pode ser uma afir
les que estão n a A lia n ç a do C ris to ” mação dura, mas é verdade.
[132:73]. (*9)
(*10) “Isto” se refere à Visão Cósmica, ao
Isto revela o esplendor sem limites “Esplendor Bramânico”.
da infinita face da real Divindade, refulgindo naquele que o veja seu equilíbrio de
“Misericórdia e Verdade” [132:75]. (*10)
“O ponto seguinte foi quando vi que não havia uma linha divisória entre
a vida vegetal e a animal e, assim, não havia começo nem fim em nenhuma
delas. A primeira dessas experiências me ocorreu muito antes de eu encontrar
o que Tales disse a este respeito. Estas declarações são talvez suficientes
para indicar a direção em que meu intelecto se tem desenvolvido.
“Eu estava chegando aos sessenta anos quando percebi que o que é
verdadeiro em qualquer tempo e qualquer lugar é também verdadeiro em
todos os momentos e em todos os lugares, ou, o que chamamos de lei, se
encontrado em qualquer lugar, será encontrado em todos os lugares, embora
os homens possam lhe dar nomes diferentes. O que os homens chamam de
gravidade vale para fenômenos mentais tanto quanto para fenômenos físicos
e todos os fenômenos físicos, na melhor hipótese, são foscos e tenebrosos,
até que se elevem à vida espiritual. Como ilustração do fato de que toda lei é
universal, considere-se a lei ou o princípio familiar segundo o qual ação e
reação são iguais. Que é isto senão colher o tufão depois de ter semeado o
vento, ou como difere essa lei natural deste ensinamento: “Cada qual colhe o
que semeia”? Não serão apenas diferentes acordes na grande sinfonia
cósmica?
“Vós me dais uma árdua tarefa quando me pedis que indique a diferença
que percebo em mim a partir dessas experiências. Não encontro nenhuma
língua em que vos possa falar das coisas deste reino em que agora estou.
Nem sequer descobri um alfabeto. Quando, oh! quando terei condição de
revelar sua poesia? Em todo lugar e em todo objeto vejo um movimento
incessante e, nesse movimento, uma força criativa para sempre repetindo e
tornando a repetir o mesmo processo simples, ao infinito. Por toda a natureza
os grandes ritmos rolam e o céu e a terra se enchem com a melodia. Os
homens não são mais que meninos correndo atrás de sombras. Ninguém
parece perceber o sentido espiritual do mundo - ninguém se preocupa em
compreender a infinita simplicidade de seus processos.”
SUMÁRIO
Numa carta a este autor, R.P. S. diz: “Eu tinha cerca de trinta anos quando
este maravilhoso batismo transformador me ocorreu. A ele atribuo resultados*
imensamente desproporcionais a minha muito modesta capacidade natural
ou meu conhecimento. Um diagnóstico científico e exato disso seria uma
contribuição muito valiosa para o conhecimento humano”.
Aqui está um caso de ascensão para a plena luz da manhã, antes do real
nascer do Sol. Este homem foi altamente privilegiado, mas não lhe foi dado
ver “os céus abertos”. Ele entrou na Bem-aventurança Bramânica mas não
viu (ao que parece) o “Esplendor Bramânico”.
E. T.
Como se livrar do ego inferior. A flor desaparece por si mesma conforme o fruto
cresce; assim vosso ego inferior se dissipará conforme o divino crescer em vós.
O espelho sujo nunca reflete os raios do Sol; assim, os impuros e os que não são
limpos de coração, que estão sujeitos a Maya (ilusão), nunca percebem a glória de
Bhagavan, o Santo. M as os puros de coração vêem o Senhor, do mesmo modo que o
espelho limpo reflete o Sol. Assim, pois, sede santos.
Assim como alguém pode subir ao topo de uma casa por meio de um a escada, ou
de um bambu, ou de uma corda, assim também diversos são os meios e modos de se
alcançar Deus e cada religião do mundo mostra um desses meios.
Por que não podemos ver a Divina Mãe? Ela é como uma senhora de alta linhagem,
conduzindo todos os seus negócios de trás de um biombo - vendo todos mas não
sendo vista por ninguém. Somente Seus filhos devotados a vêem, aproximando-se
dela por trás do véu de Maya.
Vedes muitas estrelas no céu à noite, mas não as encontrais quando o Sol nasce.
Podeis dizer que não há estrelas no céu do dia? Assim, ó ser humano, porque não
vedes Deus nos dias de vossa ignorância, não digais que não há Deus.
N a brincadeira de pique ou pega-pega, se um a das crianças consegue tocar o
pique (Boori) não está m ais sujeita a ser cham ada de “ladrão” por aquela que a
persegue. Analogamente, tendo um a vez visto D eus, o ser hum ano não mais está
preso aos grilhões do mundo. Assim como a pessoa que toca o pique está livre para
ir aonde quiser sem ser perseguida e cham ada de “ ladrão” , assim tam bém no
“playground” deste mundo não há medo para aquele que tenha um a vez tocado os
pés de D eus. Ele alcança a liberdade de todas as preocupações e ansiedades deste
mundo e nada pode jam ais prendê-lo outra vez.
O menino que está usando a máscara com a cabeça de leão parece realmente
muito terrível. Ele vai aonde sua irmãzinha está brincando e solta um grito hediondo,
o que de imediato choca e aterroriza a menina, fazendo-a gritar com sua voz mais
aguda, na agonia do desespero de escapar às garras daquela terrível criatura. Mas
quando seu pequeno atormentador tira sua máscara, a menina amedrontada reconhece
imediatamente seu querido irmão e corre para ele exclamando: “O h, é meu querido
irmão, afinal!” Este é o caso de todos os seres humanos do mundo que estão iludidos
e amedrontados e são levados a fazer toda sorte de coisas pelo poder nefando de
Maya, ou Nescidade, sob cuja máscara Brahman se esconde. Mas quando o véu de
Maya é retirado de Brahman, os homens então não vêem nele um Mestre terrível e
inflexível mas, sim, seu próprio amado Outro Eu.
Talvez não possa ser provado (da maneira usual) que Ramakrishna tenha
sido um caso de Consciência Cósmica. Não podemos apontar a presença da
luz subjetiva ou a súbita iluminação numa certa idade. Apesar disto há pouca
dúvida quanto ao diagnóstico e podemos prontamente compreender nossa
falta de informação precisa, que é provavelmente devida ao fato de que aqueles
que nos relataram o caso não faziam idéia de sua real natureza, ou de quais
eram os sintomas característicos e essenciais. Para eles a luz subjetiva (se
tinham conhecimento dela) pareceria provavelmente uma coisa sem impor
tância e igualmente quanto à idade e à relativa subitaneidade do advento de
tais características no caso, conforme eles o relataram.
CASO DE J. H. J.
“Por alguns dias estive fortemente impressionado com este sonho e não
pude contá-lo a ninguém. Dentro de cerca de uma quinzena contei-o à minha
família; depois à minha classe da escola dominical; desde então o tenho
freqüentemente repetido. Foi o sonho mais vívido que já tive.”
“Eu vivera durante três anos ou mais um período “apertado”. Sabia que
tinha de haver um lugar de repouso, ou toda a Bíblia era uma mentira. Desde
menino lera e pensara a respeito da “segunda vinda” e, embora risse dos
adventistas e soubesse que eles eram tolos em suas expectativas, eu ainda
tinha bastante do prodigioso em mim para estar na expectativa de uma
mudança repentina de alguma espécie. Um dia, no final da primavera de
1871 [ele estava então exatamente com trinta e quatro anos de idade], o Sr.
B. [J. B. neste livro] disse à minha esposa que meu caso era muito curioso.
Disse ele: “Seu marido nasceu novamente e não sabe disso. Ele é um bebêzinho
espiritual que ainda não abriu os olhos, mas vai se dar conta disto muito
brevemente”. E, cerca de três semanas depois, por volta das sete e quarenta
e cinco, enquanto eu caminhava na Segunda Avenida (em New York) com
minha esposa, a caminho de uma palestra no Liberal Club, de repente
exclamei para ela: “A., eu tenho vida eterna”! Não posso dizer que tenha
havido uma exaltação tremenda, mas foi um estado de exaltação muito
acentuado. O sentimento mais forte foi uma espécie de segurança imorredoura
de que o Cristo em mim havia nascido e permaneceria em sempiterna
consciência- e permaneceu. Houve uma ocasião depois disto, três anos mais
tarde, em agosto de 1874, num barco de Long Branch, em que num grupo de
pessoas, sentado, recostado em minha cadeira, tive uma experiência da maior
exaltação mental e espiritual - quando pareceu como se toda a minha alma,
e o corpo também, estivessem inundados de luz, mas isto jamais me fez
esquecer a primeira experiência, que, embora tenha sido algo parecida com
esta última, não foi tão arrebatadora.”
T. S. R.
* Louis Lambert - isto é, Balzac - foi tido por seus amigos como insano na ocasião
de sua iluminação [5:126 et seq.]. Maomé temeu que estivesse ficando insano.
N o caso de M.C.L. (mais adiante) a mesm a dúvida veio à tona. Esta dúvida tem
in co n testav elm en te se m an ifestad o n a m ente de quase to d a p esso a que tem
experienciado a iluminação.
W. H. W.
A história do meu coração começa há (*1) Aos dezoito anos de idade ele entra no
dezessete anos [105:1], E u não tinha mais crepúsculo do Sentido Cósmico. Mas nem
que dezoito anos quando um significado então nem mais tarde se apresentam quaisquer
fenômenos característicos da entrada em
interior, esotérico, começou a vir a mim
Consciência Cósmica.
de todo o universo visível e indefiníveis
aspirações tomaram conta de mim [105:181], (*1)
Se algum pastor tivesse incidentalm ente me visto, deitado no gram ado, teria
pensado apenas que eu estivesse descansando por alguns minutos; eu não demonstrava
nada abertamente. Quem poderia ter imaginado o torvelinho de paixão que se passava
dentro de mim enquanto eu estava ali deitado! Eu estava bastante exausto quando
cheguei em casa [105:8].
Tendo bebido profundamente do céu (*3) De passagens como estas diz Salt
acima e sentido a mais gloriosa beleza [172:53]: “Jefferies agora escreve sem
do dia e relembrando o velho, velho mar, disfarce, como uma pessoa que recebeu uma
revelação solene da beleza interior do universo”.
que (como m e pareceu) estava logo ali
Mas deve-se notar especialmente que seu amor
na orla, eu agora m e tornei perdido e
pela beleza exterior é sempre um anseio, tor
absorvido no ser ou na existência do uni nando-se intenso mas nunca realizado, de se
verso. Senti-me bem fundo na terra abai tomar o objeto. Mas talvez a essência do Sentido
xo e bem alto no céu e mais longe ainda Cósmico, do ponto de vista do intelecto, seja a
até o Sol e as estrelas. Mais distante ain percepção de que o sujeito e o objeto são um só.
da, além das estrelas, no vácuo do espaço Vejam-se, anteriormente, as palavras de E.C. e
e, assim perdido, m inha condição de também do Vaga-Saneyi-Samhita-Upanishad
[193:173]'. “Estranho e difícil, esse paradoxo
separação do ser chegou a parecer uma
como verdadeiro dou, que os objetos brutos e os
parte do todo [105:8-9], (*3)
invisíveis são um só”. Mas Gautama diz que
“dentro dele nasceu o olho para perceber, o conhecimento, o entendimento, a sabedoria que ilumina
a verdadeira senda, a luz que dissipa as trevas”.
Com todo aquele tempo e poder, orei para que eu pudesse ter em minha alma a
parte intelectual daquilo - a idéia, o pensamento [105:17]. Agora, este momento me
dá todo o pensamento, toda a idéia, toda a alma expressa no Cosmo ao meu redor
[105:18], Dá-me a plenitude da vida, como ao mar e ao Sol, como à Terra e ao ar, dá-
me plenitude de vida física igual e além da plenitude destas coisas; dá-me grandeza
e perfeição da alma superiores a todas as coisas; dá-me o meu desejo inefável, que
cresce em mim como a m aré - dá-m e isto com toda a força do m ar [105:103].
Conscientizo-me de um a ilimitável vida anímica; conscientizo-me da existência de
um U niverso de pensam ento [105:51], Creio na form a hum ana; que eu consiga
encontrar algo, algum, método pelo qual essa forma alcance sua maior beleza. Sua
beleza é como um a flecha, que pode ser atirada a qualquer distância conform e a
força do arco. Assim, a idéia expressa na forma humana é capaz de indefinida expansão
e elevação de beleza. Quanto à mente, à consciência interior, à alma, minha oração
desejou que eu pudesse descobrir um modo de vida para ela, tal que ela pudesse não
apenas conceber essa vida, mas efetivamente desfrutá-la na Terra. Eu desejei pesquisar
um novo e mais elevado conjunto de idéias em que a mente trabalhasse. A analogia
de um novo livro da alma é a que chega mais perto de transmitir este significado -
um livro extraído do presente e do futuro e não do passado. Em lugar de um conjunto
de idéias baseadas na tradição, que eu dê à mente um novo pensamento, extraído
diretamente do maravilhoso presente, desta exata hora [105:30].
Reconhecendo tão claramente minha (*4) Ele tem o sentimento da vida contínua -
própria consciência interior, m inha psi- não parece que possa morrer. Se tivesse
que, não me pareceu que a morte afetasse alcançado a Consciência Cósmica teria entrado
a personalidade. N a dissolução não havia na vida eterna e nâo haveria nenhum “P ^ 06” a
, • , ■ , , este respeito,
nenhum precipício sem ponte, nenhum
insondável abismo de separação; o espírito não se tornou imediatamente inacessível,
saltando na fronteira para um a distância imensurável [105:34], (*4)
Q uando c o n sid e ro q u e v ivo n e ste (*5) Ora! Quem liga para milagres? Para mim,
m om ento no eterno Agora, que sem pre cada hora da luz e da escuridão é um mila-
existiu e sem pre existirá, q u e neste ins- Sfe>ca|Ja centímetro cúbico de espaço é um
ta n te esto u em m eio a coisas im ortais, m ilagre’ [193:301], etc.
que provavelm ente h á alm as infinitam ente superiores à m inha, assim com o a m inha
em relação a um pedaço de m adeira - que é então um “ m ilagre”? [105:44] (*5)
Sinto-m e à m argem de um a vida des- (*6) Ele sente que não conseguiu apreender -
conhecida, muito perto, quase tocando-a que há algo pouco mais além do seu
- a um passo de poderes que, se eu pudes- alcance; seu contentamento nunca é completo
se apreender, haveriam de m e dar u m a ou só o é em lampejos. Por outro lado, aqueles
imensa amplitude na existência [105:45] que entraram plenamente em Consciência
(*6). Às vezes um verdadeiro êxtase de Cósmica - sobre os quais o sol nasceu - que
intenso desfrute de todo o universo enchia alcançaram o Nirvana - o reino dos céus - estão
todo o meu ser [105:182], Quero mais em paz e felizes. “Estou satisfeito”, diz Whitman,
idéias da vida aním ica. E stou certo de “exist0 tal como sou' Ist0 basta” “Se. que sou
. , * j tt_ firme e são”. “Sei que sou imortal”. E todos os
que ha mais a serem encontradas. U m a , .1 ^ ^ „
j ., . , . ... ., plenamente iluminados, de Gautama a E.C.,
grande vida - toda um a civilizaçao - esta r . . , . .
f . . _ , A inclusive eles propnos, declaram a mesma plena
logo depois da fronteira do pensam ento .. r „ , .
° r r satisraçao do deseio.
comum [105:48].
H á um a E ntidade, una E ntidade - (*7) Sim, o Sentido Cósmico, que Jefferies
A lm a, ainda não reconhecida [105:48], sentiu mas não alcançou.
(*7)
O ser humano tem uma alma, por enquanto ao que me parece em estado latente,
com a ajuda da qual pode ele ainda descobrir coisas hoje consideradas sobrenaturais
[105:144],
Creio de todo meu coração na carne, no corpo, e creio que ele deve ser reforçado
e tomado mais belo por todos os meios [105:114]; que os órgãos do corpo podem ser
mais fortes em sua ação, perfeitos e duradouros; que a carne exterior pode ser ainda
mais bela; que a forma pode ser mais fina e os movimentos mais graciosos [105:29],
Sou de opinião que todos os tipos de ascetismo são a mais vil blasfêmia - blasfêmia
contra toda a espécie humana. Creio na
carne, no corpo, que é digno de culto (*8) “Creio na carne e nos apetites. Ver, ouvir,
[105:114], (*8) sentir, são milagres e cada parte de mim é
um milagre. Divino eu sou, dentro e fora!”
Como posso expressar adequadamen
(*9) Em passagens como esta tem-se a prova
te meu desprezo pela asserção de que to decisiva de que Jefferies nunca realmente
das as coisas ocorrem para o melhor, para alcançou o Sentido Cósmico - isto é, ele nunca
um fim sábio e beneficente, e de que são se tomou consciente da ordem Cósmica - a visão
decretadas por uma inteligência humana! das “rodas eternas”, da “cadeia de causação”,
Esta é a maior falsidade e um crime con não lhe foi concedida.
tra a espécie humana [105:134], (*9)
Fui forçado a escrever estas coisas por um irresistível impulso que tem trabalhado
em mim desde a primeira juventude. Elas não foram escritas para fins de discussão,
menos ainda com alguma idéia de lucro; na verdade, justo pelo contrário. Elas foram
forçadas de mim mesmo pela sinceridade de coração e expressam minhas mais sérias
convicções [105:181], U m a das maiores (*10) Assim, disse Bláke de Jerusalém-, “Es-
dificuldades que encontrei é a falta de crevi esta poesia por ditado imediato, doze
palavras para expressar idéias [105:184], ou às vezes vinte ou trinta versos cada vez, sem
, * | , ,, premeditação e mesmo contra minha vontade”.
Este sentimento de domínio extemo ou intemo
por alguma coisa ou alguém é comum, se não universal, entre aqueles que têm o Sentido Cósmico.
Assim como no caso daqueles que entraram no santuário dos santuários, assim Jefferies, embora a
revelação em seu caso tenha sido longe de completa, viu mais do que achou fácil expressar em nossa
linguagem da mente autoconsciente.
CASO DE C. M. C.,
NAS PRÓPRIAS PALAVRAS DELA
Então descansei, não totalmente con- (*2) Todos os leitores deste livro devem ter
tente, é verdade. Alguma coisa na vida notado a aparente incompatibilidade entre
havia sido perdida, que parecia que tinha 38 chamadas religiões - em outras palavras, as
de estar lá: profundezas em m inha própria ' 8 ^ “ e a Consciência Cósmica. Aquele que
natureza que nunca tinham sido sonda- alcança ou está P8™ alcançar esta última;,°,u
j „ nunca pertenceu a um a igreia, como Walt
das; alturas que eu podia ver mas que nao „ T. .. , . . • .
. , • Whitman, ou deixa a igreja antes da íiuminaçao,
tinham sido alcançadas. O abismo entre como c M c >ou imediatamente após a
o q u e eu era e o que precisava ser e ra iluminação. Quase a única exceção a esta regra
profundo e am plo, m as com o esta m esm a foi Juan Yepes - uma exceção a ser explicada
carência era óbvia n a vida de outros, foi pela grande largueza da Igreja Católica, que lhe
aceita com o m inha cota no fado com um , permitiu interpretar sua experiência em termos
M as então a essa vida, passado seu auge da religião corrente. As igrejas são inevitáveis e
e a p are n te m en te fixado para o bem ou sem dúvida indispensáveis no plano da
p a ra o m al, e s ta v a p a ra v ir um n o v o autoconsciência, são provavelmente (em
t . j , ~ qualquer forma) impossíveis no plano
elem ento, que deveria me transform ar, 1 ^ \
_ . . ., , Cosmicamente Consciente.
transtormar minha vida e o mundo para
mim. A alm a, o Eu mais profundo, estava para despertar e exigir o que lhe era
próprio! (*2) Estava para ser despertada uma força irresistível, que, com poderosas
investidas, rasgaria o véu por trás do qual a natureza esconde seus segredos. Uma
doença, combinando extrema prostração física com igualmente extrema perturbação
emocional e mental, revelou-me as profundezas de minha própria natureza. Depois
de alguns meses, minhas forças foram restauradas e minha condição mental melhorada
até certo ponto, mas a profunda inquietação ficou. Com o poder de sofrer veio o
poder da solidariedade para com todos os sofredores. O que eu havia até então
aprendido ou compreendido da vida era como a picada de um alfinete em comparação
com um golpe de adaga. Eu estivera vivendo na superfície; agora estava descendo às
profundezas e, à medida que ia cada vez mais fundo, as barreiras que haviam me
separado dos meus semelhantes eram derrubadas; o senso de parentesco com cada
criatura vivente se aprofundara, de modo que eu estava oprimida com um duplo
fardo. N ão haveria eu de ter tranqüilidade e paz nunca mais? Parecia que não. A vida
tinha m uitas bênçãos - lar, marido, filhos, amigos - mas foi com desalento que
pensei nos anos que viriam até que a morte viesse me libertar.
Pulando o intervalo entre este momento e setembro de 1893, por nâo ser importante
exceto pela luta constante dentro de mim, passo a descrever, tão bem quanto for
possível, o evento supremo de m inha vida, que sem dúvida está relacionado com
tudo o mais e é o resultado daqueles anos de apaixonada busca.
Eu me dera conta de que minha necessidade era ainda maior do que eu havia
pensado. A dor, a tensão, fundo no ceme, no centro de meu ser, era tão grande que eu
m e sentia como deveria se sentir alguma criatura que tivesse crescido mais que a sua
concha mas não conseguisse sair dela. O que era eu não sabia, exceto que era um
grande anelo - para a liberdade, para uma vida maior - para um amor mais profundo.
Parecia nâo haver nenhuma resposta na natureza para aquela infinita necessidade. A
grande maré avançou devastadoramente, indiferente, impiedosa e, as forças esgotadas,
exauridos todos os recursos, nada restou senão submissão. Disse eu então: Tem de
haver uma razão para isto, um propósito nisto, mesmo que eu não o possa apreender.
O Poder em cujas mãos estou pode fazer de mim o que quiser! Passaram-se vários
dias desde esta resolução até que o ponto de entrega total fosse alcançado. Enquanto
isso, com todos os sentidos interiores, procurei por aquele princípio, fosse qual fosse,
que haveria de me sustentar quando eu me abandonasse.
Por fim, subjugada, com uma curiosa, (*3) Eu me entreguei! C arpenter nos diz
crescente força em minha fraqueza, eu [56:166 etseq.] que a “supressão do pensa
me entreguei! Em pouco tempo, para mi mento” e o “cancelamento de projetos e pro
pósitos” são os pontos principais em que insistem
nha surpresa, comecei a sentir um con
os peritos indianos e iogues para se alcançar os
forto físico, de repouso, como se algum Siddhi ou poderes miraculosos (vale dizer
esforço, alguma tensão tivesse sido elimi iluminação - Nirvana). A mesma doutrina foi
nada. Nunca antes eu tinha vivenciado evidentemente ensinada na índia durante séculos.
um tal sentimento de saúde perfeita. Eu No Bhagavad Gita é estabelecido [154:68] que
me espantei com ele. E como era brilhan a “atividade da mente e dos sentidos” tem de ser
te e belo o dia! Olhei para o céu, as colinas reprimida - na verdade, que um absoluto vazio
mental é a condição para se receber a iluminação.
e o rio, admirada de nunca antes ter tido
Isto parece ser a base do ensinamento de Jesus;
consciência de quão divinamente belo era
que não nos devemos deixar preocupar com
o mundo! A sensação de leveza e expan cuidados por dinheiro, alim ento, roupas,
são continuou crescendo, as arestas de necessidades do lar [14:6:25 - 16:10:42]. Mas
tudo foram aplainadas e não havia nada uma coisa é necessária, diz ele: Nirvana, o reino
em todo o mundo que parecesse fora do de Deus. E o fato de nos preocuparmos com esses
lugar. (*3) N o jantar, observei: “Como assuntos mundanos só tende a nos manter
afastados desse reino, ao passo que se alcança
estou estranhamente feliz hoje”! Se eu
mos as coisas do mundo que procuramos, nada
tivesse percebido então, como o fiz de
é ganho, pois elas não têm valor. Assim, diz
pois, que uma coisa tão grandiosa estava Balzac: A vida autoconsciente “é a glória e o
me acontecendo, eu teria com certeza dei flagelo do mundo; gloriosa, ela cria sociedades;
xado meu trabalho e me abandonado à perniciosa, impede que o ser humano entre na
contemplação daquilo, mas tudo me pare senda do especialismo, que leva ao Infinito”. E
ceu tão simples e natural (apesar de seu Whitman: “Que procurais?” “Credes que seja o
caráter maravilhoso) que eu e meus afaze amor?” “Sim”, ele continua, “o amor é grande,
mas”, diz ele (referindo-se ao Sentido Cósmico),
res prosseguimos como de costume. A luz
“há algo mais que é muito grande; faz com que
e as cores fulguravam, a atmosfera pare tudo se harmonize; magnificente, para além das
cia tremular e vibrar ao meu redor e den coisas materiais, com mãos contínuas a tudo se
tro de mim. Alegria, paz e repouso perfei estende e a tudo provê”. “Se tendes isto, nada
tos estavam por toda parte e, mais estra- mais quereis ter”.
nho que tudo, veio-me uma sensação co
mo de alguma presença serena e magnética - grandiosa e onipresente. A vida e a
alegria em meu íntimo estavam se tomando tão intensas que, ao anoitecer, tomei-me
inquieta e saí andando pelos quartos e pelas salas, sem saber o que fazer comigo
mesma. Deitando-me cedo para que pudesse ficar sozinha, logo todos os fenômenos
objetivos foram suprimidos. Eu estava vendo e compreendendo o significado sublime
das coisas, a razão de ser de tudo que antes estivera oculto e em trevas. A grande
verdade de que a vida é uma evolução espiritual, de que esta vida é apenas uma fase
passageira na progressão da alma, irrompeu então ante minha visão espantada com
arrebatadora magnificência. Oh, pensei, se isto é o que esta experiência significa, se
este é o resultado, então a dor é sublime! Abençoados os séculos, as eras de sofrimento,
se nos trazem a isto! E o esplendor aumentou ainda mais. Nesse momento, o que
pareceu uma grande, rápida e crescente onda de esplendor e glória inefável se abateu
sobre mim e me senti sendo envolvida, tragada.
Senti que ia embora, que me perdia. (*4) O medo que foi assinalado m ui de uma
Então fiquei aterrorizada, mas com um dezena de vezes neste livro.
medo brando. Estava perdendo minha consciência, minha identidade, mas estava
sem força para me controlar. (*4) Veio então um período de arrebatamento, tão intenso
que o universo parou, como que pasmo ante a indizível majestade do espetáculo!
Somente um em todo o infinito universo! O Todo-Amoroso, o Ser Perfeito! A Perfeita
Sabedoria, verdade, amor e pureza! E com esse arrebatamento veio a visão interior.
Naquele mesmo maravilhoso momento do que poderia ser chamado de superna bem-
aventurança, veio a iluminação. Vi, com intensa visão introspectiva, os átomos e as
moléculas de que aparentemente o universo é composto - não sei se materiais ou
espirituais - rearranjando-se conforme o
, (*5) De uma ordem para ouCra: Esta é a visão
cosm o (em sua vida continua, sempi- . . „ , . „
K r cósm ica- o Esplendor Bramanico- o sen-
tem a) passa de uma ordem para outra. timento ou a consciência do cosmo, que está
(*5) Que júbilo quando vi que não havia (aparentemente) na raiz de tudo isso, do mesmo
nenhum intervalo na cadeia - nenhum elo modo que o sentimento ou a consciência do ego
deixado fora - tudo em seu lugar e mo- é o fato central na humanidade, tal como o vemos
hoje ao nosso redor. É a “cadeia de causação”
mento. Mundos, sistemas, todos mistura
de Gautama, as “rodas eternas” de Dante, o “mo
dos num harmonioso todo. Vida univer- vimento medido e perfeito” da “marcha do
sal, sinônim a de am or universal! universo” [193:85] de Whitman.
Quanto tempo durou aquele período de mtenso êxtase, não sei - pareceu uma
eternidade - mas pode ter sido apenas alguns momentos. Depois relaxei, vieram as
lágrimas felizes, a expressão murmurada em êxtase. Eu estava em segurança; estava
na grande estrada, a via ascensional que a humanidade tem trilhado com pés ensan
güentados mas com imorredoura esperança no coração e canções de amor e confiança
nos lábios. (*6) Agora eu compreendia
as velhas verdades eternas, que eram no (*6) “Em outros momentos”, diz Juan Yepes,
entanto frescas, novas e encantadoras co “a divina luz atinge a alma com tanta força
mo o alvorecer. Quanto tempo durou a que as trevas não são sentidas e a luz é ignorada;
visão, não sei dizer. De manhã, acordei a alma parece inconsciente de tudo que sabe e
portanto se perde, por assim dizer, em esqueci
com uma leve dor de cabeça, mas com o
mento, não sabendo onde está nem o que lhe
sentido espiritual tão forte que o que cha aconteceu, inconsciente da passagem de
mamos de coisas reais e materiais, ao tempo” [203:127],
meu redor, a mim pareciam como som
bras e irreais. Meu ponto de vista estava (*7) Todo anseio do coração fo i satisfeito: A
inteiramente mudado. Coisas velhas ti abolição ou extinção das paixões e dos
nham passado e tudo tinha se tornado no desejos próprios da vida autoconsciente (daí o
vo. O ideal tinha se tornado real, o velho nome de Nirvana) é um dos aspectos caracterís
real tinha perdido sua realidade anterior ticos (comojá vimos muitas vezes) do reino dos
céus - do Sentido Cósmico. Este ponto é observa
e tinha se tornado como uma sombra.
do em todo caso genuíno, mas de nenhum modo
Essa irrealidade sombria das coisas ex é mais bem expresso do que nas seguintes pala
ternas não durou muitos dias. Todo an vras: “Jesus respondeu e disse-lhe: se tu conhe
seio do coração fo i satisfeito, (*7) toda ceras o dom de Deus, e quem é o que te diz dá-
pergunta respondida, os “ represados, me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água
aflitivos rios”, alcançaram o oceano - eu viva. Disse-lhe a mulher: Senhor, tu não tens com
amei infinitamente e fui infinitamente que a tirar, e o poço é fondo; onde pois tens a
amada! A maré universal fluiu sobre mim água viva? És tu maior do que o nosso pai Jacó,
que nos deu o poço, bebendo ele próprio dele, e
em ondas de alegria e regozijo, derraman
os seus filhos, e o seu gado? Jesus respondeu, e
do-se sobre mim em torrentes de fragran
disse-lhe: Qualquer que beber desta água tomará
te bálsamo. a ter sede; mas aquele que beber da água que eu
lhe der nunca terá sede, porque a água que eu
Isto descreve uma sensação real. O lhe der se fará nele uma fonte de água que jorrará
amor e a ternura infinitos pareciam real para a vida eterna” [17:4:10-14].
mente fluir sobre mim, qual óleo santo,
curando todas as minhas feridas e contusões. Como pareciam tolos, infantis, a
petulância e o descontentamento, diante daquela serena majestade! Eu aprendera a
grande lição de que o sofrimento é o preço que tem de ser pago por tudo aquilo que
vale a pena; (*8) de que de algum modo misterioso somos refinados e sensibilizados,
sem dúvida em alto grau por ele, de modo
que nos tornamos suscetíveis às influên (*8) Porque a nossa leve e m om entânea
cias mais elevadas e mais puras da natu tribulação produz para nós um peso etemo
reza - e isto, se é verdade para um, é de glória mui excelente [21:4:17].
verdade para todos. E, sentindo e sabendo
(*9) “Aquilo que eu estava vendo”, diz Dante
isto, agora já não me transtorno como nas mesmas circunstâncias, “parecia-me
antes, mas fico “silente” “enquanto me um sorriso do universo. O alegria! Ó inefável
sento e contemplo todo o pesar do mun contentamento!”
do” - “toda a interminável maldade e
agonia”. Aquele doce e eterno sorriso na face da natureza! (*9) Não há nada no
universo que se lhe compare- tão jubiloso repouso e tão doce despreocupação -
dizendo-nos com o mais temo amor: tudo está bem, sempre esteve e sempre estará.
A “luz subjetiva” (assim me parece) é magnética ou elétrica - alguma força é liberada
no cérebro e no sistema nervoso - alguma explosão ocorre - o fogo que ardia no peito
é agora uma chama ascendente. Em diversas ocasiões, semanas após a iluminação
descrita, senti claramente faíscas elétricas saltarem dos meus olhos. N a minha
experiência, a “luz subjetiva” não foi uma coisa vista - uma sensação distinta de
uma emoção - foi a própria emoção - êxtase. Foi o contentamento e êxtase do amor,
tão intensificado que se tomou um oceano de luz viva, palpitante, cujo brilho reluzia
mais que o brilho do Sol. (*10) Seu ful
gor, seu calor e sua ternura enchiam o (*10) ...cujo brilho reluzia mais que o brilho
universo. Aquele oceano infinito era o do Sol: “Acima do brilho do Sol”, diz
amor eterno, a alma da natureza e tudo Paulo. Maomé viu “um facho de luz de esplendor
era um sorriso sem fim! tão insuportável que ele desmaiou”. Yepes ficou
por alguns dias parcialmente cego por ela. Na
experiência de Dante, “ De repente, dia pareceu
O que me deixou pasma acima de
ser acrescentado ao dia, como se Aquele que
tudo, conforme os meses iam passando pode tivesse adomado o céu com um outro Sol”;
(a partir daquele setembro), foi uma sen e Whitman ficou deslumbrado por “Um outro
sação profunda de uma Santa Presença. Sol inefável e todos os orbes que eu conhecia e
Havia um silêncio em tudo, como se a mais brilhantes e desconhecidos orbes” .
natureza estivesse retendo o respiro em adoração. Houve momentos em que essa
sensação me veio com tal força que se tornou opressiva, quase dolorosa. NSo me
teria surpreendido que as próprias rochas e colinas tivessem prorrompido num grande
hino de louvor. Por vezes senti como se estas tivessem de fazê-lo, para aliviar meus
sentim entos.
Um dia, por um momento, meus olhos foram abertos. Foi de manhã, no começo
do verão de 1894, e eu fui para fora feliz, com disposição tranqüila, para olhar as
flores, aproximando meu rosto das ervi-
, , . , „ . . (*11) Conta-se uma experiência paralela de
lhas-de-cheiro, destrutando seu perfume, _ , .
r Behmen. Ele se sentou num prado
observando como sua forma e sua cor verdejante olhando para 0 capim e a relva>
eram vividas e nítidas. (*11) O prazer viu sua essência, seus usos e suas propriedades”
que senti se aprofundou em êxtase; eu [40:13],
fiquei extremamente emocionada e esta
va começando a me maravilhar daquilo quando, bem fundo dentro de mim , um véu
ou uma cortina de repente se rompeu e tomei consciência de que as flores estavam
vivas e conscientes! Elas estavam agitadas! E eu sabia que estavam emitindo centelhas
elétricas! Que revelação foi aquela! O sentim ento que m e veio com essa visão é
indescritível - voltei-me e fui para casa, cheia de inefável temor reverente.
H avia e ainda há, embora não tão per (*12) Ao ar livre: Assim Carpenter [56] nos
ceptível como antes, uma sensação muito diz que, ao transcrever os pensamentos e
clara e peculiar ao longo das sobran as emoções do Sentido Cósmico, viu que era
celhas, acima dos olhos, como a de uma “necessário escrever ao ar livre”, pois, diz ele:
“O que procurei transmitir recusou-se a se
tensão que tivesse passado, uma sensação
revelar a portas fechadas” . Assim também o
de mais espaço. Essa é a sensação física. Sentido Cósmico, falando através de Whitman,
A mental é um sentimento de majestade, diz [193:75]: “Nunca traduzirei a mim mesmo,
de serenidade, que é mais conspícuo ao mas somente àquele ou àquela que fique comigo
ar livre. (*12) U m outro efeito muito cla- em particular, ao ar livre”.
ro e peculiar seguiu-se aos fenômenos
descritos acima - o de estar centrada, ou de ser um centro. Foi como se, cercando-
me e me tocando estreitamente por todos os lados, houvesse os mais macios e felpudos
travesseiros. Para qualquer lado que eu me reclinasse, lá estavam eles. Esses
travesseiros se ajustavam a cada ponto cansado, de modo que, embora eu estivesse
claramente consciente do mais leve toque, não havia a menor resistência ou obstrução
a movimento e mesmo assim o apoio era tão permanente e sólido como o universo.
Era como “braços perenes”. E eu estava finalmente ancorada! Mas a quê? A algo
fora de mim mesma?
Dessa experiência nasceu uma irredutível confiança. No fundo da alma, por trás
de toda dor, de toda perturbação da vida, há um silêncio, vasto e grandioso - um
infinito oceano de calma, que nada pode perturbar; a própria extrema paz da Natureza,
que “transcende toda compreensão”.
Aquilo que procuramos com apaixonado anseio, aqui e ali, acima e fora,
encontramos por fim dentro de nós mesmos. O reino, em nosso interior! O Deus que
vive dentro de nós! Estas são palavras cujo sublime significado jamais conseguiremos
perscrutar.
A pequena comunicação abaixo foi enviada a este autor por uma irmã
mais moça de C. M. C., em resposta a uma pergunta feita por eie quanto a se
tinha sido observada alguma mudança na aparência de C. M. C. quando de
suas experiências, acima apresentadas, ou depois delas. A comunicação está
datada de 2 de fevereiro de 1895 e é a seguinte, palavra por palavra:
Foi em dezembro, três meses depois, que vi minha irmã pela primeira vez após
a experiência descrita e sua aparência modificada me causou uma impressão tão
profunda que nunca vou esquecer. Sua aparência e seu jeito de ser estavam tão
mudados que ela quase não parecia a mesma pessoa. Havia uma luz clara, brilhante
e cheia de paz em seus olhos, iluminando todo o seu rosto, e ela estava tão feliz e
contente - tão satisfeita com as coisas tais como elas eram! Parecia como se algum
grande peso tivesse sido tirado dela e ela estivesse livre. Quando ela falou comigo,
senti que ela estava vivendo num novo mundo de pensamento e de sentimento, que
eu desconhecia. Sinceramente, P. M.
O CASO DE M. C. L.,
NAS PRÓPRIAS PALAVRAS DELE
Cedo em minha carreira conquistei uma boa reputação como pregador popular e
alcancei o poder de interessar um auditório e mantê-lo atento. Como ministro, lutei
contra os problemas intelectuais da idade, não somente no campo teológico, mas
também no físico, no sociológico e no psíquico. Meu desejo de informação era ávido
e, a procura da verdade, honesta e persistente.
Minha família ficou alarmada e um médico foi chamado. Ele diagnosticou que
eu estava sofrendo de prostração nervosa, mas não encontrou sintomas de insanidade,
cujo horror me havia oprimido. A exaustão era tal que eu senti a necessidade de
descansar e fui para a casa de minha mãe, na velha propriedade entre as colinas de
Connecticut. A ela contei a história. Ela disse: “Meu filho, eu estava esperando isto.
Agora você conhece a verdade de um Cristo Vivo”.
A névoa ou luz foi mais sentida do que vista. A maior aproximação que já conheci
para a sensação foi a que tive quando estava em Niágara e visitei a Gruta dos Ventos.
E também quando, de minha janela, no Hotel Coutet, em Chamouni, vi o Sol nascer
no Mt. Blanc. O matiz, mais sutil que as ondas de cor, era o dessas experiências -
um berilo fluido ou uma esmeralda transparente.
A mente aos poucos passou do medo a uma consciência clara de algum evento
aparentemente extranatural. A princípio meu pensamento foi, “Este é um ataque de
paralisia”, e testei todas as funções do corpo e da mente; então, a mente se abriu
para entender algo do que estava se passando. Acompanhou o ritmo da sensação e
cada progresso da experiência envolveu um processo mental.
Esta é a primeira tentativa que já fiz de apresentar uma história verbal daquela
hora santa e foi com algum sentimento de hesitação que escrevi; mas o que está
escrito, está escrito.
Nasceu em 11 de agosto de 1853. A data de sua iluminação foi 20 de
janeiro de 1885. É arquiteto. Tem sido sempre um homem sério, ansioso por
saber o que é certo e fazê-lo. Após a momentânea consecução da Consciência
Cósmica, tornou-se mais inclinado ainda a seguir o mesmo caminho. Antes
da iluminação era agnóstico e cético, como o esboço autobiográfico anexo
mostrará. Não somente não tinha crenças mas não tinha esperança alguma.
Após a iluminação, nunca mais duvidou da infinita benevolência do poder
central e soberano do universo. Embora neste caso o Sentido Cósmico tenha
vindo apenas por um momento e depois tenha passado, provavelmente para
o resto de sua vida, mesmo assim o homem foi por ele incrivelmente
enobrecido. Este parece ser o melhor termo para a mudança que nele se
operou. Embora não fosse um Buda, um Cristo, ou um Whitman, a partir
daquele momento ele foi claramente superior à média dos homens. Como
prova desta afirmação pode ser mencionado o fato de que muitos dos melhores
jovens de sua cidade o procuravam e o constituíam, sob o título de “Mestre”,
como seu líder espiritual. Esses jovens, como o autor deste livro pode
pessoalmente testemunhar, durante anos dedicaram a esse homem afeição
pessoal e reverência, por nenhuma outra razão senão a de que viram
claramente nele uma natureza espiritual superior, superioridade esta que
nunca tinha sido observada ou suspeitada nele até o advento do Sentido
Cósmico em 1885. Desde sua iluminação, J. W. W. tem dedicado sua vida à
elevação intelectual e moral dele mesmo e de seus amigos.
Creio que não preciso vos dizer que a doença final de minha mãe e sua morte
foram com imensurável margem de diferença o mais duro pesar e a dor mais forte
que eu já conheci ou que provavelmente jamais venha a conhecer. Mas é também
verdade que a memória delas é para todo o sempre minha posse mais preciosa - uma
posse sem preço.
Aquele período foi o momento supremo de minha vida e sua mais profunda
experiência. N a vida comum vivemos somente na superfície das coisas, nossa atenção
interminavelmente distraída pelas mais rasas ilusões e ninharias.
Mas uma grande consternação remove a venda dos nossos olhos e nos compele,
na intensa solidão de nossa própria alma, a contemplar as insondáveis profundezas
em que flutuamos e questionar seus vastos e solenes significados. Essa consternação
nos advém revestida de densas trevas e de profundo mistério e penetra em nosso
coração com agonia e pesar indescritíveis, mas pode acontecer que as horas mais
escuras de sua provação, o momento supremo em si, mostre-se também uma revelação
do Altíssimo para nossa alma e nos leve à própria presença do Amor Infinito, da
Ternura Infinita.
D e minha parte não posso duvidar que esta foi minha própria experiência. Falar
nela é profaná-la. Sou indigno até de aludir a ela. Mas desde então ela tem sido o
conforto de minha vida.
Ah! os anos que se seguiram! Um vislumbre momentâneo do inefável brilho,
seguido de uma concentração de nuvens e trevas, de penosos tropeços e grandes
erros, sem apoio de qualquer auxílio espiritual reconhecível, os céus surdos e
indiferentes a minhas mais veementes orações e agonias, não! menosprezando-as
mesmo, ao que parecia. Mas em meio a tudo isso, como o brilho constante de uma
luzente estrela, a memória daquele momento sagrado permaneceu profundamente
em meu coração e eu nunca realmente duvidei por um momento que uma Infinita
Sabedoria e um Infinito Amor de fa to envolvem a vida de todos nós - de maneira
terna, piedosa e solidária. Podem os passar toda a nossa vida sem jamais nos
apercebermos disto, duvidando disto, não! até negando isto categoricamente. Mas
isto existe\ e aquele a quem a visão em absoluto tenha ocorrido, ainda que no mais
breve relance transitório de consciência momentânea, jamais poderá esquecê-la,
mesmo que todo o seu caminho posterior possa estar envolto em trevas e ele próprio
possa cair em erro grosseiro e possa resvalar.
Aprendi que o primeiro capítulo do Gênese era pelo menos um relato muito
grosseiro do fato real. Em certa época fui um ardoroso e entusiástico estudante dos
livros de Hugh Miller e fiquei contente com a reconciliação que ele procurava
estabelecer entre o ensinamento de sua amada ciência, a Geologia, e o registro bíblico.
Mas tive de desistir disso quando passei a ler e estudar o livro de Darwin e outros
livros e me familiarizar com as descobertas geológicas mais recentes. Lembro-me
bem do entusiasmo com que copiei à mão a famosa conferência do Professor Huxley
ao Departamento de Geologia da Associação Britânica, na qual ele remontou o
pedigree do cavalo a seus progenitores no período eoceno e à clara evidência de sua
evolução.
Lembro-me do prazer com que li o livro Heat as a Mode o f Motion [“O Calor
como um Tipo de Movimento”], de Tyndall, e o reli várias vezes. Li também suas
palestras sobre “Sound” [Som]. Isto foi minha introdução à Física, da qual aprendi
as grandes doutrinas da conservação e correlação de forças, assim como aprendera
antes a perceber a algum grau a unidade e uniformidade da natureza. Diante de
concepções tão majestosas, tão augustas, as idéias comuns de oração e milagres
pareceram infantis. Lembro-me de ter lido Fragments o f Science [“Excertos de
Ciência”], de Tyndall, e de ter sentido isso ainda mais fortemente. Com o tempo
cheguei a abandonar totalmente o hábito de orar.
Não se pode ler muito no campo da ciência fisiológica sem uma séria reflexão
sobre a natureza da consciência, a relação entre mente e estrutura física e a influência
de tudo isto na crença na imortalidade pessoal. Sempre me pareceu claro que o único
resultado lógico das considerações colocadas pela ciência é que elas são categórica e
totalmente opostas a essa crença.
Resumindo: Para mim a ciência destruiu toda a crença nas lendas bíblicas da
Criação e da queda do homem, etc., bem como na doutrina da expiação, e pelo
menos questionou seriamente todas as narrativas de milagres, a probabilidade de
resposta à oração e a idéia da imortalidade pessoal. Também toda a idéia da divina
encarnação do Cristo em nosso insignificante mundo, esse minúsculo átomo, pareceu
incompatível com o augusto espetáculo do universo infinito e de sua imensurável
duração. Mas minha leitura nunca foi exclusivamente científica, de modo que meus
pensamentos sempre foram modificados por outras considerações.
Aprendi algo sobre Descartes, Kant, Fichte, Schelling, Hege) e Spinoza. Qual
foi o efeito de tudo isto em mim, não posso agora analisar ou dizer. Mas que um
homem ponha uma vez claramente em sua cabeça o ensinamento de Kant de que o
tempo e o espaço só existem como o estado de nossa consciência, e a discussão da
imortalidade parecerá irrelevante - ele sentirá a própria base de suas especulações
se esfarelar sob seus pés. Cedo na juventude reconheci dois mestres, para os quais
continuamente me voltava e os quais estudei com interesse e deleite sempre renovados
- Carlyle e Emerson - dois homens amplamente diferentes mas fundamentalmente
parecidos na absoluta honestidade e sinceridade de seu ensinamento, em seu caráter
nobre e heróico e em seu firme e vitalício devotamento ao serviço do supremo. Ambos
rejeitavam a concepção materialista do mundo, que consideravam como espiritual
em sua essência, e cada um acreditava à sua maneira num divino propósito - Emerson,
com jovial e crescente otimismo; Carlyle, com um sentimento hebraico do mistério e
do terror do mal.
Mas nem de Carlyle nem de Emerson colherá um estudante qualquer convicção
firme na questão da imortalidade individual. Carlyle preferiadeixá-la como um
mistério sobre o qual nada pode ser dito decisivamente com real segurança, mas a
respeito do qual muito pode ser esperado. Emerson, fundamentalmente, acreditava
realmente nela, mas pode ser mencionado de ambos os lados da queatffc “AS-peiguntas
que ansiamos por ver respondidas”, declarou ele, “s8o uma oonfissl© de peoado”.
Ele pregava confiança e submissão incondicionais. “Acreditai 00tn teto o vosso
coração e toda a vossa alma que tudo está bem e não façais perguntas. Se for melhor
que devais continuar, assim fareis; se não, não deveis desejá-lo”. E todo 0 assunto,
acreditava ele, pertence a um plano muito mais alto do que aquele em que é usualmente
discutido.
E agora à minha narrativa'. Não vos vou importunar com quaisquer detalhes que
não me pareçam necessários ao meu propósito. E os darei com a brevidade coerente
com a clareza e o colorido certo do quadro que quero apresentar. Sinto no entanto
que devo de partida fazer um esclarecimento. Não quero que julgueis meu caráter
como filho com base em minha devoção à minha mãe em seu leito de morte. Na
verdade nunca fui, no verdadeiro sentido das palavras, “um bom filho”. Tenho
demasiados defeitos graves e fortes idiossincrasias de oposição para isso. E tenho
inúmeras lembranças amargas de rudeza, mau gênio, desejo egoístico de consideração
e simpatia, coisas deixadas por fazer que eu deveria ter feito e coisas feitas que eu
deveria ter deixado por fazer. Elas são agora lembranças do passado e motivos de
expiação e só posso orar e me esforçar por uma natureza melhor no futuro.
Talvez seja praticamente desnecessário que fale de minha mãe. Ela não era sem
defeitos nem fraquezas. Tinha boas qualidades a um grau excepcional, que não preciso
analisar e de que não preciso falar. Mas é necessário, para o meu propósito, que eu
faça referência ao que era sua paixão predominante - um amor profundo, constante,
absorvente e cheio de auto-sacriflcio, pelo seu filho único. Todos sabem alguma
coisa das profundezas sagradas do amor de mãe. Mas bem poucos podem sondar
seus profundos abismos como coube a mim fazer.
Uns dezoito meses antes de ela falecer, disse-me que acreditava que estava
sofrendo de um câncer interno. Por muito tempo eu a havia aconselhado que chamasse
um médico e então insisti nisto.
Durante muito tempo ela não concordou com isto, mas acabou cedendo e o Dr. R.
foi chamado. Ela parecia mais animada e alegre após a visita dele. Disse-me que o
diagnóstico dele fora que não era um câncer, mas os fatos que a levaram a pensar
que era resultaram em seu reumatismo. Foi um feliz alívio para mim e eu descartei
totalmente as idéias terríveis que estavam pesando como chumbo em meu coração.
Na realidade era câncer, e minha mãe logo veio a sabê-lo sem sombra de dúvida.
Mas em sua consideração por mim, que implicava auto-sacrifício, ela escondeu todas
as informações de mim e, nos cansativos, dolorosos e tristes meses que se seguiram,
vivi em absoluta ignorância dos reais fatos do caso. Talvez tenha sido melhor assim.
Creio realmente que, se eu tivesse sabido, esse terrível conhecimento me teria matado.
Tal como aconteceu, fui sustentado por esperanças infundadas. Mesmo assim, a dor
disso tudo e o esforço diário em meu coração e na minha mente foram quase maiores
do que eu podia suportar e seus efeitos persistiram comigo desde então.
Direi o mínimo possível daquela época. Mencionarei apenas sua força declinando
visivelmente, a solidão e os muitos tormentos da sua sina, sua absorvente e infindável
solicitude para comigo, sua total indiferença para consigo mesma e seu constante
espírito de amoroso auto-sacrifício, e um amor no coração de ambos, que se tornou
mais temo e profundo à medida que nos conscientizamos cada vez mais do vindouro
e inevitável fim. As incontáveis preocupações e dores daqueles dias só serviram
para revelar mais claramente a profundeza e a força de um amor que era mais poderoso
do que todas as circunstâncias adversas e até mesmo do que a própria morte.
Na manhã seguinte, quando levei chá para ela, fiquei sabendo de tudo. Durante
a noite ela se arrastara para fora da cama e desmaiara no chão. Voltando a si, conseguira
com doloroso esforço deitar-se novamente na cama. Não queria me perturbar ou
incomodar, sabendo o que sabia, mas por fim sentiu-se compelida a me acordar e
pedir um copo d’água. Imaginem só! Apenas água fresca! e que eu levara a ela com
um resmungo nada compassivo. Nunca me perdoei por minha atitude muito mais
que estúpida e empedernida. Minha mãe, no entanto, em sua doce e serena afeição e
sua amorosa bondade, perdoou-me desde o primeiro momento.
Não entrarei em detalhes quanto à doença que se seguiu. Ela não se levantou
naquele dia, embora estivesse serenamente animada, esperançosa e amorosa. Meu
pai veio para casa à tarde e ela parecia um pouco melhor, mas à noite ficou pior e
ligeiramente delirante. Cedo na manhã seguinte (domingo) eu trouxe o médico e
fiquei sabendo pela primeira vez o que outros sabiam, ou seja, que ela estivera
realmente sofrendo de câncer o tempo todo e que a recuperação era impossível,
embora o inevitável fim pudesse ser evitado por algum tempo. Foi um golpe terrível
para mim. Procurei uma enfermeira e eu mesmo dei assistência a ela até que veio o
fim - nove dias depois.
Vou passar rapidamente para as cenas finais. Mas devo primeiro mencionar os
seguintes aspectos do comportamento de minha mãe: Extremo e total esquecimento
de si mesma, amor e caridade infalíveis para com todos, bom ânimo tranqüilo e
mesmo alegria, sempre se esforçando para me animar, com alegres e amorosos sorrisos
e com palavras consoladoras e de esperança. Isto, naturalmente, somente quando ela
podia. A noite ela sempre ficava delirante, cada vez mais.
Lamento ter de vos dar detalhes dolorosos e só o faço onde é necessário para
meu propósito fundamental. Mas sinto-me compelido a dar alguns detalhes das cenas
finais.
N o dia seguinte ela estava mais calma. O médico disse que era apenas uma
questão de horas. A tarde ela parecia extremamente exausta e por algum tempo
pensamos que estava morrendo. M eu pai, a Sra. D. (a enfermeira) e eu ficamos
olhando, numa momentânea expectativa do fim. Eu estava exausto, no coração e no
corpo, mal-humorado e magoado. Era consoante com toda aquela situação horrível
que ela morresse assim, sem dar qualquer sinal ou fazer qualquer despedida. Mas
não era para ser assim e ela reviveu. Por volta das sete horas, naquela noite, eu
estava a sós com ela. Ela estava inconsciente. Ajoelhei-me ao lado da cama, com o
rosto sobre a cama. Meu cérebro estava em brasa e a coisa toda era um horrível
pesadelo. N ão era mais minha mãe que estava deitada ali e sim um autômato
cadavérico; eu mesmo era um autômato também e ambos éramos movidos numa
vasta máquina mundial, sem remorso, sem cérebro e sem coração, a tudo esmagando.
Mais tarde meu pai, vindo para cima, deve ter ficado alarmado a meu respeito e me
obrigou a dar uma volta, que ele julgou absolutamente necessária. Acho provável
que minha saída por um tempo curto tenha salvo minha razão. Tarde da noite meu
pai tentou me fazer ir para a cama. Recusei-me. Eu não podia ir nem perder qualquer
parcela do precioso tempo que ainda tinha com minha mãe, mas afinal concordei em
ir por duas horas no máximo, se ele me acordasse mais cedo em caso de alguma
mudança. Muito relutantemente fui, mas eu estava esgotado e meu pai deixou eu
dormir profundamente até as seis. Imediatamente corri para o quarto e lá fiquei até o
fim, aproximadamente à uma hora.
Minha mãe era aparentemente a mesma porém mais fraca. Ela me recebeu com
aquele doce sorriso e como sempre retribuiu meus beijos com aqueles seus beijos
amorosos. Estava bem consciente mas muito fraca para falar. A manhã se arrastou
até o meio-dia, quando ouvi o Sr. T. na cozinha, com meu pai. Perguntei a ela se
queria que ele subisse e ela aquiesceu com a cabeça, com uma expressão de agrado.
Ele veio e orou ao lado da cama, minha mãe acompanhando tudo com muito apreço,
com a cabeça apoiada no meu braço, estremecendo com a extrema debilidade da
morte próxima. Ela tentou expressar seu agradecimento e o seguiu com um olhar
cheio de gratidão enquanto ele deixava o quarto. Mais tarde, por volta de uma hora,
meu pai e a enfermeira desceram. A Sra. D. ficou mas eu lhe pedi que também saísse
e me deixasse a sós com minha mãe. Perguntei então se ela gostaria que eu orasse
com ela. Eu nunca tinha feito isto antes, mas imaginei que o quisesse e ela concordou
com evidente satisfação. De pé na extremidade da cama, orei brevemente a Deus,
nosso Pai, para que misericordiosamente libertasse minha mãe de seu sofrimento e a
levasse com Ele e para que me ajudasse no caminho solitário que me estava reservado.
Voltei-me então por um minuto ou dois para a janela. Olhando em volta, vi
instantaneamente que a última mudança havia chegado. Apressei-me em umedecer
seus lábios, mas sua língua estava rígida. Fui até o topo da escada e chamei meu pai.
Ele correu para cima e chegou justo a tempo de assistir à última vã tentativa de
respiração. Num acesso de forte emoção eu gritei, “Graças a D eus, que nos dá a
vitória”, e à minha excitada fantasia pareceu que o espírito de minha mãe anuía.
Pareceu-me no momento que eu estava na própria presença do Amor Infinito e o
senti por todo o meu ser.
Desci e disse à Sra. D. e à enfermeira que tudo estava terminado; elas subiram
para prestar os últimos tristes serviços. Vim para este quarto (o quarto em que este
pronunciamento foi lido) e entreguei-me a uma longa e pesada crise de choro - mas
um choro que não era mais de tristeza e sim de grande alívio, de reconhecimento
pelo grande consolo que viera ao meu coração e de resignada e amorosa despedida.
Após o funeral e durante os dias que se seguiram, senti uma grande calma e paz
mental e de coração, uma paz mental que me arrisco a dizer que não foi outra senão
“a paz de Deus que transcende toda compreensão”. Essa paz passou, mas sua memória
ficou. O pesar e o sentimento de perda irreparável tiveram seu curso natural e passei
muitas semanas de insônia e pranto.
Não tenho esperança de que minhas palavras possam transmitir mais do que
uma pobre fração dos fatos reais. No máximo posso apenas esboçar esses fatos no
mais grosseiro croqui. Mas peço-vos que considerem alguns dos fatos mais importantes
na narrativa que fiz.
SUMÁRIO
f. Embora ele não dê detalhes (talvez não pudesse dar) está claro que
vivenciou alguma coisa muito próxima da visão Cósmica, mesmo que
não tenha sequer visto o próprio Esplendor Bramânico.
Até onde nossos fatos nos levam, dir-se-ia que os casos em que o Sentido
Cósmico se manifesta completamente desenvolvido, de maneira instantânea
e, por assim dizer, num lampejo, são aqueles em que há uma acentuada luz
subjetiva - casos como os de Dante, Yepes, Paulo, Pascal e outros. Quando,
ao contrário, o novo sentido vem mais gradualmente, pode não haver luz
subjetiva, como nos casos de Carpenter e Lloyd. Parece razoavelmente certo
que com a iluminação ocorre um real rearranjo físico, molecular, em algum
ponto dos centros cerebrais e que é esse rearranjo molecular que, quando
considerável e repentino, dá origem ao fenômeno da luz subjetiva.
HORACE TRAUBEL
Se V.S-. pegar meu poema Illumination [e grande parte do verso e da prosa que
H.T. escreveu desde aquele ano] e tentar considerá-lo com espírito estatístico,
verificará que expressei uma série de experiências de profunda significação para
todos aqueles que foram similarmente abençoados. Vejo que meus componentes não
estão mais em guerra entre si. Quando eu era jovem, abri meu caminho para o passado
lendo, avidamente e com simpatia, especialmente a literatura oriental de tipo religioso
- abri a fogo uma senda para o espírito. Depois de 1889 (tendo intervindo um hiato
nessa leitura) vi-me atraído novamente para aquele velho mundo, a fim de revisar
aquelas minhas impressões originais. A nova luz tornara minha viagem mais fácil e
mais ricamente produziu seus frutos. Antes eu achava que as religiões eram todas
religiões de desesperança: agora vi que nenhuma religião leva a desesperança - que
toda religião, antes de se tornar e tão logo cesse de ser uma instituição, reduz-se
essencialmente a luz e imortalidade.
V S-. me disse: “Coloque isto em prosa simples”. Mas como posso fazer isto? Eu
nunca poderia dizê-lo em prosa que fosse entendida por alguém que não tivesse
compartilhado minhas sensações. Nunca poderia dizê-lo em palavras que não o
tornasse - com a sua licença - prosa para aqueles que entram paralelamente nos
canais de sua augusta revelação. Depois de ter perguntado a V.S-., “como posso
fazê-lo”?, acabo de mostrar como poderia.
Algumas coisas que eu disse podem parecer cheirar a egotismo. Mas elas são
simplesmente honestas. Não estou dando a mim mesmo a dimensão de um gênio
nem de um idiota, mas de uma simples terceira pessoa cuja palavra e cuja carreira
têm de ser para ela própria lei absoluta. Escrevi este apontamento para V.S-,
impulsivamente, sem nenhuma tentativa de o adornar, se é que na realidade isto foi
feito até este ponto, e agora o li, sem nenhuma real compreensão daquilo de que
minha pena me incumbiria ou que ela professaria.
O poema que se segue foi escrito por Horace Traubel pouco depois de sua
iluminação e, naturalmente, cabe rigorosamente aqui:
Libertação! Salvação!
Devo falar da porta escancarada, dos portões sem barras?
Elo que não prende - elo que liberta - elo que descobre e outorga.
Remotas eras atrás, remotas eras à frente, os simples poucos anos toco,
Raios do sol central,
Para mais plena fruição do espaço os orbes acelerando.
Se não tivéssemos nenhum outro escrito deste homem, estes versos apenas,
para todos que podem compreendê-los - e eles são claros como o dia do
ponto de vista deste livro - seriam prova de iluminação. Mas temos algo
mais. Uma série de escritos em prosa e em verso, abrangendo os últimos dez
anos, dá-nos mais prova do que é necessário.
E há mais uma coisa a dizer. Horace Traubel (como ele mesmo dá a
entender em suas próprias palavras acima) pertence, juntamente com Blake,
Yepes, Behmen, Swedenborg e outros, à categoria dos que podem ser
chamados de escritores automáticos. Esses homens dão caminho livre à sua
inspiração - soltam as rédeas no pescoço do cavalo e o deixam ir. O que eles
escrevem sob o impulso divino, para aqueles que podem seguir seus
pensamentos é divino, mas para aqueles que não podem é, como diz Paulo a
este respeito, “insensatez”.
Fui trazido para a América aos quatro anos, educado nas escolas públicas de
Albany, N. Y., e mais tarde estudei Direito no Columbia College, de N ew York City,
mas mudei de Direito para Jornalismo aos vinte anos, quando passei a integrar a
equipe do World de N ew York, a serviço do qual permaneci por uns oito anos,
ininterruptamente. Em 1887 fui para a América Central, para me engajar em
mineração de prata, explorações e viagens. Depois de um ano em Honduras, fui à
Costa Rica, onde editei e publiquei um jornal chamado E l Comercio, em inglês e
espanhol, por uns seis meses, voltando depois para N ew York e me integrando
novamente ao trabalho jornalístico, como escritor editorial, na equipe do Press de
N ew York.
“Mas uma coisa ficara na minha mente como necessária para provar à massa dos
homens de hoje a absoluta supremacia do ser humano sobre a morte em todas as suas
formas, como um atributo de sua unidade com Deus, com a Vida Eterna, o Perfeito
Amor, a Perfeita Justiça, a Onisciência e a Onipotência: a aparência visível de um
homem que, vivendo por mais tempo que os anos registrados de qualquer homem
que tenha visto a morte, ainda assim viveu na carne sem sombra de mudança ou
declínio. E eu disse a mim mesmo: por isto valeria a pena esperar, velar e trabalhar
durante mil anos! Mesmo assim desejei que a emancipação maior não estivesse tão
distante. E eis que no alvorecer deste dia eu sei - sei absolutamente como um fato -
uma verdade que nada pode destruir: que o homem que triunfou sobre a morte no
Calvário quase dois mil anos atrás vive - vive na Terra num corpo de carne tomado
perfeito, um homem entre homens, compartilhando nossas lutas e tristezas, nossas
alegrias e aflições, trabalhando conosco coração a coração e ombro a ombro -
inspirando, guiando, sustentando, conforme possível, em todo humano avanço.
“Esta é a verdade transmitida era após era a todos os homens em todas as terras
e persistentemente mal interpretada - a verdade que há de finalmente ser vista por
todos os homens em sua plenitude e pureza. O homem deverá conhecer a si mesmo
e, com pleno comando de suas condições e tempo ilimitado para ação, não deverá
tão-somente voar para níveis de existência não sonhados até agora, mas absolutamente
alcançá-los e trazer razoavelmente em sua realização um céu na terra, em verdadeira
grandeza e felicidade, transcendendo o céu do cristão ortodoxo tanto quanto este céu
transcende o do selvagem.
“Este é o fato que me é dado saber, a prova deverá vir no devido tempo. Minha
missão é testemunhar isso - ser a voz clamando no deserto: Preparai o caminho do
Senhor, endireitai as suas veredas.
Posso acrescentar que, sendo minha mente naturalmente analítica, pude descobrir
como fatores distintos na evolução mental aqui indicada, primeiro (e talvez mais que
tudo) Lohengrin e Parsifal, de Wagner; segundo, A Vênus de Milo; terceiro, Cristo
diante de Pilatos, de Munkacsy, todas estas obras, porém, misturadas, expandidas e
iluminadas pela grande alma de Walt Whitman.
Ao abrir os olhos aos primeiros raios de luz da manhã que iluminavam meu
quarto, pensei vagamente na unidade da Luz e da Vida Eternas, quando minha atenção
foi aparentemente desviada pela imagem da cabeça tonsurada de um monge e pensei
na coroa de espinhos que ela simbolizava. Então toda a sublime tragédia da Paixão
passou vívida e rapidamente ante meus olhos; o açoite, o pelourinho, as bofetadas e
os socos, os escárnios e as ridiculizações, o deboche e a irrisão da coroação com
espinhos; a penosa subida do Gólgota, vaiado pela turba cega e cruel; a tortura e a
ignomínia da pregação à cruz, o grito de agonia dizendo que os últimos restos da taça
haviam sido esgotados; a exclamação de vitória que proclamou: “Está terminado!”
Vi então o golpe de lança; vi o sepultamento, o sublime templo da Divindade assim
rebaixado, e vi - a ressurreição no terceiro dia.
Neste ponto minha mente se abriu para o grande fato, como para uma torrente de
vida. Ele se ergueu dentre os mortos. E nunca mais morreu! Ele vive! O ar em meu
quarto pareceu vibrar com uma luz mais intensa do que jamais fora visto na terra ou
no mar. Meu cérebro e meus nervos, meu sangue e meus músculos, todo o meu ser
vibrou em uníssono harmonioso com essa luz e, em meio à sua glória reluzente,
contemplei o Homem Divino, o Homem Imortal - eu o contemplei face a face e vi
que era ele em carne e ossos verdadeiros, bem como em alma que transcende a
carne; vi que era ele e não outro [187:4],
“Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim tem a vida eterna”
[João 6:47], Nestas palavras Jesus anunciou um princípio científico da maior importân
cia. A crença é essencial à consecução da imortalidade (dentro ou fora do corpo).
Crença em quê? Crença na imortalidade - um estado de consciência do fato da imor
talidade. A crença em Jesus, em qualquer sentido real, é crença na imortalidade do
ser humano. E uma crença naquele que é “o caminho, a verdade e a vida” - em corpo
e alma juntos; e, com a crença, uma conscientização da unidade com ele [187:97-8].
Não faço nenhuma critica à crença específica de Paul Tyner quanto ao
“Cristo Vivo”. E simplesmente uma questão de como as palavras são enten
didas. Cristo (como Paulo chamava o Sentido Cósmico) está naturalmente
vivendo e sempre viverá.
d. O senso de imortalidade.
f. A vida mental anterior do homem era do tipo que tende a levar à ilumi
nação.
Quando cheguei em casa, meu marido e sua irmã notaram uma mudança em meu
rosto. Uma paz e uma alegria infinitas tinham enchido meu coração, ambições e
cuidados mundanos tinham-se desvanecido à luz da verdade gloriosa que me fora
revelada - toda ansiedade e preocupação com o futuro tinham me deixado
completamente e minha vida é agora uma longa canção de amor e paz. Quando
acordo à noite ou quando me levanto da cama de manhã - não, em todas as horas do
dia e da noite - essa canção está sempre comigo: “Glória a Deus nas alturas e paz e
boa vontade aos homens na terra”.
Agora eu podia ler Walt Whitman. Ler! Na verdade parecia mais que ler, pois
minha alma, bebendo avidamente em suas palavras, era assim refrigerada e revigorada.
Os efeitos desta experiência em minha vida diária têm sido muitos; principal
mente, creio eu, depois da alegria e da paz, profundas e subjacentes, veio a fé na
eterna retidão de todas as coisas; veio a cessação da aflição e preocupação com o
problema do mal; veio o desejo de viver o mais possível ao ar livre e veio um deleite
sempre crescente com as belezas da natureza em todos os momentos e todas as estações
do ano; vieram também uma forte tendência para simplicidade na vida e um sentimento
cada vez mais profundo da igualdade e da fraternidade de todos os seres humanos.
a. Deve-se notar que a luz subjetiva foi bem marcada, embora não fortemente,
neste caso.
f. Não somos informados com muitas palavras, mas parece claro que não
poderia haver nenhum senso de pecado no estado mental que acompanhou
e se seguiu à experiência.
g. A mudança foi repentina, instantânea.
j. Este autor não pode falar de qualquer encanto que se tenha acrescentado
à personalidade da Sra. E., mas parece-lhe que devemos depreender do
que nos foi informado que isso tenha ocorrido por ocasião de sua ilumi
nação.
Este é talvez um ponto tão bom quanto qualquer outro para uma citação
de Gibbon que há de lançar alguma luz na história da opinião sobre o assunto
acima e há também de mostrar como um grande estudioso e grande homem
pode falhar totalmente em entender fetos que, embora trazidos imediatamente
à sua atenção, estão em dissonância com seus preconceitos. A respeito do
Imperador Cantacuzene [93:193], diz Gibbon que ele “defendeu a luz divina
do Monte Tabor, uma memorável questão que leva ao auge as tolices religiosas
dos gregos. Os faquires da índia e os monges da igreja oriental estavam
igualmente persuadidos de que, na total abstração das faculdades da mente e
do corpo, o espírito mais puro pode ascender ao gozo e à visão da Divindade.
A opinião e a prática dos mosteiros de Monte Athos serão melhor represen
tados nas palavras de um abade que viveu no século onze. “Quando estiveres
sozinho em tua cela”, diz o mestre ascético, “fecha a porta e senta-te num
canto; eleva tua mente acima de todas as coisas vãs e transitórias; recosta tua
barba e teu queixo em teu peito; volta teus olhos e teus pensamentos para o
meio de teu ventre, na região do umbigo, e procura o lugar de teu coração, a
sede da alma. A princípio tudo será escuro e sem conforto, mas se perseverares
dia e noite sentirás uma alegria inefável e tão logo tenha a alma descoberto
o lugar do coração será envolvida numa luz mística e etérea”. Esta luz,
produto de uma fantasia desregrada, criatura de um estômago vazio e de
uma mente vazia, era adorada pelos quietistas como a essência pura e perfeita
do próprio Deus”.
Casei-me cedo e depois trabalhei em minha música mais arduamente que nunca;
meu marido sentiu que meu coração estava tão ligado ao canto que eu provavelmente
morreria se renunciasse a ele. Mas logo tive um esgotamento total por causa do
excesso de trabalho. Tudo que era possível foi feito por mim, mas sem resultado. Fui
me exaurindo continuamente e sentia dores constantes em conseqüência de uma
queda na infância que lesara minha espinha. Tomei vários remédios para dormir,
mas eles só me trouxeram excitação e delírio. Finalmente fui mandada para um
sanatório, levada para minha cama num quarto escuro, e me recusei a ver qualquer
um de meus amigos. Por algum tempo minha vida não inspirou esperança e eu só
tinha disposição para fazer planos para dar cabo dela quando tivesse oportunidade.
Por fim veio um período em que abandonei toda esperança e achei que não havia
mais nada por que eu vivesse ou que pudesse esperar. Um dia, neste estado, eu
estava deitada tranqüilamente em minha cama quando uma grande calma pareceu
tomar conta de mim; adormeci, mas acordei poucas horas depois, vendo-me então
numa torrente de luz. Fiquei alarmada. Depois me pareceu ouvir as palavras, “# aj,
eítefa tranqüila”, várias vezes. Não posso dizer que era uma voz, mas ouvi as palavras
claramente, distintamente, assim como ouvira a música que saía da velha escrivaninha,
em minha infância. Pus minha cabeça debaixo do travesseiro, para não ouvir aquele
som, mas continuei a ouvi-lo do mesmo jeito. Fiquei deitada naquela posição durante
o que me pareceu um longo tempo, em que pouco a pouco fui ficando novamente no
escuro. Sentei-me na cama. E claro que não compreendi a mim mesma, mas senti
que aquilo significava alguma coisa. Aquela mesma calma me veio várias vezes e
sempre antes da luz.
Depois daquela noite minha recuperação foi firme, sem ajuda de nenhum modo,
de médico ou de remédios. Quando a luz me veio outra vez, algum tempo depois,
perguntei a meu marido se a tinha visto e ele disse que não. Não tenho tentado
cultivá-la, visto que não a compreendo. Só sei que, se antes antes eu era um caco,
hoje estou bem e forte física e mentalmente e, se antes gostava da excitação de uma
vida pública, agora gosto da tranqüilidade de uma vida caseira e com uns poucos
amigos.
Com essa calma veio um poder (como eu o chamo) de curar os outros. Com um
toque ou em alguns casos fixando o olhar, posso muitas vezes induzir sono. Em
outros casos a pessoa pode me dizer: “Por que será que me sinto tão descansado
quando estou perto de você?” Quando amigos me têm pedido para lhes contar minha
experiência, tenho declinado disto com exceção de um ou dois casos. Tudo é tão real
para mim, mas temo que para outros pareça uma tolice; mas um dia estas coisas
serão todas explicadas e espero que logo o sejam.
Na época em que vi a luz pela primeira vez eu tinha vinte e quatro anos. No total
eu a vi três vezes. Agora, quanto às experiências intelectuais e morais que se seguem
imediatamente à luz, é quase impossível descrevê-las, pois as palavras são muito
pobres como meio de expressar quer o sentimento quer a visão que me vieram naquela
ocasião. Creio que o intelecto jamais poderia me dar, com todo o estudo do mundo,
o que me é revelado durante essa experiência e seguindo-se imediatamente à presença
da luz. Para mim, isso transcende a expressão intelectual. Consiste em ver interior
mente e a palavra harmonia poderia talvez expressar uma parte do que é visto.
Meu supremo desejo é ajudar a humanidade, mas quando essa luz me veio fui
tão tomada do desejo de revelar o que vejo à humanidade que parece como se eu não
estivesse fazendo absolutamente nada.
As experiências mentais que se seguem à luz são sempre essencialmente as
mesmas - isto é, um intenso desejo de revelar o ser humano a si mesmo e de ajudar
aqueles que estão tentando encontrar algo por que valha a pena viver naquilo que
chamam de “esta vida”.
Não creio que me tenha feito inteligível, mas repito que pelo menos neste assunto
as palavras oferecem um meio de expressão muito inadequado.
I
Muitos leitores, antes que tenham alcançado esta página, terão ficado
impressionados com o fato de que o nome de nenhuma mulher tenha sido
incluído na lista dos chamados “grandes casos” e de que os nomes de apenas
três mulheres constem na dos “Casos Menores, Imperfeitos e Duvidosos”.
Além dessas três, o autor conhece uma outra mulher, ainda viva, que sem
dúvida é, se não um grande caso, pelo menos um caso genuíno. Mas ela não
permitiu que o editor usasse sua experiência, mesmo sem declarar o seu
nome, e por isto o caso é com relutância completamente omitido. A única
outra mulher conhecida deste autor, no passado ou no presente, que é ou foi
seguramente ou quase seguramente um caso de Consciência Cósmica é
Madame Guyon, que foi ao que lhe parece um caso genuíno e grande, embora,
infelizmente, a prova em seu caso não seja tão positiva como seria desejável.
II
III
Seja qual for a explicação que finalmente se dê e aceite para eles, os fatos
tais como estabelecidos hoje vão quase certamente permanecer válidos. Seria
impossível apresentar aqui os dados nos quais assenta o relato. Esses dados
poderão ser encontrados em outra parte por aqueles que desejem examiná-
los. Tudo o que é necessário aqui e tudo o que pode ser feito é citar por
amostragem bem poucos casos das ocorrências supranormais que, com
extraordinária freqüência e grande variedade, envolveram este homem
durante pelo menos dez anos.
mobília moviam-se de um lado para outro, mesas levitavam, tinas cheias de roupas e
água deslocavam-se de suas bases, sempre na peça da casa onde Mary estava ou na
peça contígua, mas sem serem tocados por Mary nem por qualquer outra pessoa. Os
objetos movidos nunca eram tão grandes e pesados que Mary não tivesse força
suficiente para movê-los da maneira usual. Esses deslocamentos extraordinários não
ocorriam quando Mary estava dormindo. Não era questão de truque. Mary estava
mais angustiada do que qualquer outra pessoa com aquelas ocorrências; além disto,
com freqüência outras pessoas estavam com ela no local e viam cadeiras, pratos,
etc., deslocarem-se sem serem tocados. Parece não haver razão para se associar
‘espíritos” a esses fenômenos. Os movimentos parecem não ter tido qualquer objetivo.
Que havia algo estranho (por outro lado) na própria moça, fica demonstrado pelo
fato de que ela acabou ficando insana e foi mandada para um hospício.
M ovim ento sem contato, dirigido por uma evidente inteligência, percebe-se
nitidamente no seguinte caso: Eu estava visitando um amigo e a conversa caiu nos
fenômenos espíritas. Uma sessão foi proposta e nada ou quase nada aconteceu.
Estávamos totalmente a sós na sala, que era bem iluminada. Afastamo-nos da mesa,
com a intenção de desistir da tentativa. Meu amigo perguntou por que nada ocorrera.
A mesa, sem que a tocássemos, levitou e tocou suavemente minha garganta e meu
peito, três vezes. Eu estava sofrendo de um grave problema nos brônquios e estava
completamente abaixo do normal. Depois disto nenhuma batida e nenhum movimento
puderam ser provocados e nos dispusemos a aceitar como explicação a nossa falta de
sucesso.
Como já foi dito, os fatos acima são citados apenas como amostras de
incidentes inusitados, supranormais, que se diz terem ocorrido - que sem
dúvida ocorreram repetidamente, durante dez anos, na experiência deste
homem. Ora, que relação existe (se é que existe) entre este caso e um caso de
Consciência Cósmica?
VI
Um objetivo principal que o autor deste livro teve em mente foi enfatizar
que já viveram neste mundo certos homens que por conseqüência, não de
um extraordinário desenvolvimento de qualquer uma ou de todas as faculdades
mentais comuns, mas da posse de uma nova faculdade, peculiar a eles próprios
e não existente (ou pelo menos não declarada) nas pessoas comuns, viram,
conheceram e sentiram fatos espirituais e vivenciaram fenômenos psíquicos
que, apesar de serem velados ao mundo em geral, têm no entanto vital
importância para ele; que se um ou dois desses homens são estudados com
exclusão dos demais - como tem sido a prática não somente dos cristãos mas
também dos budistas e dos muçulmanos - o resultado tem de ser inadequado
e insatisfatório em comparação com o estudo de todos eles, porque nenhum
deles pôde dizer muito do que viu, conheceu e sentiu e, lendo-se somente um
ou dois deles, o pouco que eles de fato dizem - justamente por seu caráter
incompleto, fragmentário - com certeza vai ser mal interpretado; ao passo
que se todos eles são lidos e comparados, o testemunho de cada qual esclarece,
suplementa e reforça o de todos os demais; que é da maior importância -
como tem na verdade sido sentido - que esses homens sejam estudados e
assimilados tão profundamente quanto possível, por todo aquele que aspire
à vida espiritual superior, porque o contato da mente do estudante com a
desses homens tem o efeito de produzir na primeira toda a expansão espiritual,
todo o crescimento espiritual de que ela é capaz por sua constituição congênita.
Com a ajuda desses homens, mesmo a própria Consciência Cósmica pode
muitas vezes ser conseguida, ao passo que sem eles ela certamente não
ocorreria; como disse um deles: “Eu outorgo a qualquer homem ou mulher o
acesso a todas as dádivas do universo” [193:216], Ou como diz um outro
grande homem que, embora se acredite que não esteja incluído na categoria
de homens de que se trata aqui, tinha pelo menos a sinceridade deles, se não
sua visão e sua alegria: “Pelo menos é com heróis e homens inspirados por
Deus que eu de minha parte prefiro de longe conversar, em qualquer que
seja o dialeto que falem! Grandiosas, sempre frutíferas, proveitosas como
exortação, como encorajamento, para intrépidos propósitos e obras, são as
palavras daqueles que em seu tempo foram HOMENS” [64:75],
VII
VIII
Que é que determina que certo ser humano vai entrar em Consciência
Cósmica (pois este livro é fisiológico assim como psicológico e sua psicologia
deve corresponder a fatos fisiológicos)? Em outras palavras: Quais são os
fatores que entram na iluminação e finalmente a decidem?
b. A educação (assim chamada) parece não ter nada a ver com isso. Alguns
dos casos mais importantes (Jesus, Maomé, Yepes, Behmen e Whitman)
eram, do ponto de vista de escolaridade, ignorantes - alguns deles totalmen
te, outros quase totalmente. Por outro lado, a formação acadêmica não
parece ter necessariamente qualquer influência prejudicial, visto que alguns
casos (como Dante, Bacon e Carpenter) foram estudantes laureados em
bons colégios. Mas se “educação”, no sentido comum do termo, pouco
tem a ver com esta questão, há um outro sentido em que ela tem muito a
ver com ela. Uma alta autoridade nos diz, por exemplo, que aqueles que
almejam a companhia do Sentido Cósmico “precisam do melhor sangue,
vigor mental, estoicidade”; que “ninguém pode enfrentar a prova até que
traga coragem e saúde”; que “só se podem apresentar aqueles que o façam
com corpo dócil e firme”; que “nenhuma pessoa enferma, nenhum bebedor
de rum ou portador de doença venérea, tem permissão de entrar” [193:125].
IX
É curioso que Symonds, que parece ter realmente passado por uma espécie
de verdadeira Consciência Cósmica naquele momento, tenha instintivamente
escolhido um caso genuíno a que comparar seu próprio estado mental
temporário.
XI
Uma última palavra para concluir. Desde que este livro começou a ser
concebido alguns anos atrás, o autor procurou diligentemente casos de
Consciência Cósmica e toda a sua lista, até aqui, inclusive alguns casos
imperfeitos e duvidosos, totaliza perto de cinqüenta. Alguns são casos
contemporâneos, menores, como os que podem ter ocorrido em número
considerável em qualquer dos últimos séculos e dos quais não restaram
registros. Não obstante o autor encontrou, como foi dito mais de uma vez,
treze casos, todos tão grandiosos que quase inevitavelmente têm de sobreviver.
Como já foi mostrado, cinco desses homens viveram durante os dezoito séculos
que se passaram entre o nascimento de Gautama e o de Dante e, os oito
restantes, nos seiscentos anos entre o nascimento de Dante e o presente. Isto
significaria que os casos de Consciência Cósmica são quase cinco vezes mais
freqüentes agora do que eram, digamos, mil anos atrás. Naturalmente, não
se pretende que estejam se tornando mais freqüentes exatamente nesta
proporção. Nos últimos dois mil e quinhentos anos deve ter ocorrido um
grande número de casos cuja memória tenha sido completamente perdida.
Ninguém poderia dizer positivamente quantos viveram numa dada época.
Mas parece razoavelmente certo que esses homens são mais numerosos no
mundo moderno do que foram no antigo e este fato, considerado relativamente
à teoria geral da evolução psíquica, cabalmente tratada nas páginas
precedentes, é uma forte confirmação da conclusão de que, assim como há
muito tempo a autoconsciência surgiu nos melhores espécimes de nossa raça
ancestral nos primórdios da vida e gradualmente foi se tomando universal e
aparecendo no indivíduo numa idade cada vez mais anterior, até que, como
vemos agora, tomou-se quase universal e aparece em média mais ou menos
aos três anos, assim a Consciência Cósmica há de se tomar cada vez mais
universal e aparecer mais cedo na vida individual, até que a espécie humana
em geral possua esta faculdade. A mesma espécie e não a mesma; pois a
espécie dotada de Consciência Cósmica não será a que existe hoje, assim
como a espécie atual de seres humanos não é a mesma que existia antes da
evolução da autoconsciência. A simples verdade é que têm vivido na Terra,
“aparecendo a intervalos” por milhares de anos entre os homens comuns, os
primeiros exemplos de uma outra espécie; caminhando na Terra e respirando
o mesmo ar que nós, mas ao mesmo tempo vivendo num outro mundo e
respirando um outro ar de que pouco ou nada sabemos mas que é de qualquer
maneira nossa vida espiritual, assim como sua ausência seria nossa morte.
Esta nova espécie está efetivamente nascendo de nós e, no futuro próximo,
há de ocupar e dominar a Terra.
• •
* # * *Mk
A *
CONSCIÊNCIA CÓSMICA
Richard Maurice Bucke, M.D.
*
"... De repente, sem qualquer
p re n ú n cio , se n tiu -se co m o
que envolto numa n u v É n da
#J'v cor de uma chama. Por um
instante pensou em fogo -
I. - . a lg u m s ú b ito in c ê n d io na
•
1# grande cid ade. N o instante
seguinte percebeu que% luz *
estava em seu interior.
"L o g o d e p o is v e io -lh e um
* s e n t im e n to de j ú b ilo , de
im ensa fe licid a d e , acom pa- #
n h a d o o u im e d ia ta m e n te
seguido de um a ilum in ação
intelectual totalm ente im pos-
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sív*l de descrever..."
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