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RESUMO
O gastrópode Neritina virginea (Linnaeus, 1758) é abundante no litoral nordestino e apesar da sua
grande incidência, são poucos os estudos sobre aspectos relacionados à sua ecologia populacional.
Neste contexto, verificou-se os padrões de distribuição, densidade e estrutura etária de N. virginea,
relacionando-os com a salinidade e temperatura da água, granulometria do sedimento e biomassa
vegetal de Ruppia maritima. Mensalmente, durante 13 meses (maio/2007 a maio/2008), foram
realizadas coletas de moluscos, biomassa vegetal e sedimento em um transcecto de 180 m,
perpendicular a linha da praia, na região estuarina do Rio Apodi/Mossoró. Foram obtidos os
valores de temperatura e salinidade da água, além dos dados de pluviosidade. Neritina virginea
apresentou um padrão agregado de distribuição espacial e densidade elevada quando comparada
com a de outras espécies que habitam a região, como o bivalve Anomalocardia brasiliana. A maior
densidade média de N. virginea foi de 7.310 indivíduos m-², em maio/2008, e a menor, em
dezembro/2007, com média de 765 indivíduos m-². Os valores de densidade de N. virginea e
salinidade apresentaram correlação negativa. No entanto, não foram constatadas correlações com a
temperatura e a granulometria do sedimento. A densidade de N. virginea apresentou correlação
positiva com a biomassa R. marítima, sendo mais abundante em locais com a presença deste vegetal.
Nos meses de fevereiro a junho os indivíduos menores foram mais frequentes, podendo ser
considerada a principal época de recrutamento desta espécie na região.
Palavras chave: Estuário; molusco; densidade; Rio Apodi/Mossoró; semiárido
gustavo@ufersa.edu.br
Endereço/Address: Universidade Federal Rural do Semi-Árido. BR 47, km 110 - Bairro Presidente Costa e Silva – CEP:
59.625-900 – Mossoró – RN – Brasil
* Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e ONG World Fisheries Trust –
Canadá.
Estuário do Rio
Apodi-Mossoró
Transcecto
Figura 1. Local de coleta de Neritina virginea na praia de Barra, na região estuarina do rio Apodi-Mossoró –
RN (Fonte: Google Earth; adaptado).
1 cm
Figura 2. Exemplares de Neritina virginea (a) e materiais utilizados durante a coleta do sedimento (b) e de
indivíduos do gastrópodo e da biomassa de Ruppia maritima (c) na praia de Barra durante o período de
maio/2007 a maio/2008 (Fotos: Gustavo Gonzaga Henry-Silva).
No local de coleta foram obtidos os valores de refratômetro óptico manual. Os dados mensais de
temperatura e salinidade da água (uma leitura de precipitação pluviométrica da região foram
cada variável por coleta). A temperatura da água obtidos junto à Agência Nacional das Águas
foi verificada com um medidor de variáveis (ANA, 2011), utilizando a média aritmética de oito
limnológicas, modelo U-10 marca Horiba e a estações climatológicas distribuídas na bacia
salinidade da água foi obtida por meio de um hidrográfica do rio Apodi/Mossoró.
Vi = Intervalo de classes;
A = Amplitude da variável (Lt) (Max –Min);
K = número de classes calculado pela equação:
I = índice de Morisita
1 + 3,32 log n,
N = número de unidades amostrais;
onde “n” é o número total de indivíduos (VIEIRA, Σx = somatório dos indivíduos presentes nas
2012). unidades.
A biomassa vegetal fresca de R. marítima foi A significância estatística foi verificada pelo
colocada em estufa à temperatura de 105 ºC para teste F (LUDWIG e REYNOLDS, 1988), sendo que,
secagem até atingir massa constante, sendo que quando I = 1, a distribuição é aleatória; quando
os valores foram expressos em gramas de massa I>1, a distribuição é agregada e quando I<1, a
seca por metro quadrado (g m-2). As amostras de distribuição é uniforme.
sedimento foram secas em estufa a 50 ºC para
posterior análise granulométrica utilizando
RESULTADOS
técnicas de peneiramento (SUGUIO, 1973). Os
pesos dos sedimentos foram obtidos em cada uma Variáveis abióticas
das peneiras (2,0; 1,0; 0,5; 0,25; 0,125 e 0,053 mm)
A temperatura média (13 meses) nos locais de
e classificados em: (i) cascalho, (ii) areia grossa e
coleta foi 32,7 °C (± 1,8 °C) com mínima de 28,4 ºC
muito grossa, (iii) areia média, (iv) areia fina, (v)
em setembro/2007 e máxima de 35,2 °C em
areia muito fina e silte + argila (SHEPARD,
dezembro/2007. A salinidade média foi 39 (± 9,8),
1954).
sendo que o maior valor (49) foi observado em
O teste não paramétrico de Kruskall-Wallis foi dezembro/2007 e o menor (10) em maio/2008
empregado para verificar a existência de (Figura 3). No ano de 2007, a precipitação
diferenças significativas da densidade e do pluviométrica foi baixa, com valor máximo de
tamanho de N. virginea no tempo (13 meses) e 54,0 mm em maio/2007. No ano de 2008, houve
também da biomassa de R. marítima nos diferentes um aumento das chuvas, com destaque para o
períodos de coleta. Identificadas diferenças mês de março (337,1 mm), sendo que o
significativas, foi aplicado o teste a posteriori de acumulado para os 13 meses do estudo foi de
Student-Newman-Keuls. Foi aplicado o Teste ”U” 893,5 mm. No período de março a maio de 2008
de Wilcoxon-Mann-Whitney (teste não este valor foi de 651,4 mm (Figura 4).
Figura 3. Valores médios de temperatura (°C) e salinidade nos locais de coleta no período de maio/2007 a
maio/2008.
Figura 4. Valores médios mensais de precipitação (mm) das oito estações pluviométricas da Bacia
Hidrográfica do rio Apodi/Mossoró no período de maio/2007 a maio/2008 (Fonte: Agência Nacional de
Águas).
100
90
80
Classe Textural (%)
70
60
50
40
30
20
10
0 Cascalho
jul/07
mai/07
jun/07
set/07
out/07
jan/08
fev/08
mai/08
nov/07
dez/07
mar/08
abr/08
ago/07
Figura 5. Proporções médias (%) de granulometria do sedimento nos locais de amostragem de Neritina
virginea, durante o período de maio de 2007 a maio de 2008.
Figura 6. Densidade de Neritina virginea (ind m-2) nos pontos de amostragem do transcecto (180 m) no
período de maio a dezembro/2007. I= Índice de Morisita. (A) = Padrão de distribuição agregado.
Figura 7. Densidade de Neritina virginea (ind m-2) nos pontos de amostragem do transcecto (180 m) no
período de maio a dezembro/2007. I= Índice de Morisita. (A) = Padrão de distribuição agregado.
Figura 8. Valores médios e desvios padrão de abundância de Neritina virginea na praia de Barra no período
de maio/2007 a maio/2008. Letras distintas indicam diferenças significativas pelo teste de Student-Newman-Keuls
(P<0,05).
Figura 9. Frequências de comprimento (cm) de Neritina virginea na Praia de Barra no período de maio a
dezembro/2007. N = número de indivíduos m-².
Figura 10. Frequências de comprimento (cm) de Neritina virginea na Praia de Barra no período de janeiro a
maio/2008. N = número de indivíduos m-².
1.1
Comprimento da concha
1.0
0.9
0.8
(cm)
0.7
0.6
0.5
0.4
0.3
abril
novembro
dezembro
setembro
junho
agosto
janeiro
fevereiro
março
maio08
outubro
maio
julho
Figura 11. Valores médios e desvios padrão do comprimento da concha (cm) de Neritina virginea na praia de
Barra durante o período de maio/2007 a maio/2008.
Foi constatada uma correlação positiva entre temperatura de 4 a 33 ºC, enquanto que ARON
a densidade de N. virginea e a biomassa de (1989), em estudos sobre os aspectos ecológicos e
R. marítima, com um valor relativamente baixo comportamentais de N. virginea na região de
(r² = 0,1505; P<0,001). Entretanto, a densidade de Iguape-Cananéia-SP, encontrou populações
N. virginea foi significativamente superior em ocorrendo sob um intervalo de 24 a 30 °C. No
locais com a presença de R. marítima se presente trabalho esta espécie tolerou uma
comparada com a densidade obtida em locais variação sazonal entre 27 a 35 ºC, demonstrando
onde este vegetal estava ausente (Figura 12). Não sua capacidade de ocorrer em ambientes com
foram constatadas diferenças significativas nos temperaturas relativamente elevadas. Os valores
valores de biomassa de R. marítima entre os 13 de densidade de N. virginea e temperatura não
meses de coleta (Figura 13). apresentaram correlação, demonstrando que esta
variável abiótica não exerceu influencia sobre sua
população. No estuário do rio Apodi/Mossoró a
reduzida amplitude de variação da temperatura e
os valores elevados durante o ano provavelmente
estiveram relacionados com a característica
climática de semiaridez da região.
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