Etnomapeamento da Paisagem Marinha na Plataforma Continental Interior do
Litoral Semiárido Brasileiro
Neste estudo, foi realizado um levantamento com uma comunidade de
pescadores artesanais da comunidade de Tremembé no Ceará, para integrar seu conhecimento na elaboração de mapas das paisagens marinhas. Os pescadores discutiram em grupos centrais sobre as paisagens marinhas e sua importância para a pesca. Com base em seu conhecimento tradicional, eles identificaram sedimentos e características geográficas relevantes. Os dados coletados foram comparados com informações científicas existentes e resultaram na criação de um mapa das paisagens marinhas. Isso destacou a importância da participação das comunidades locais na conservação e gestão das áreas costeiras. A comunidade de Tremembé depende da coleta de caranguejos nos manguezais, da agricultura e da pesca no mar como meios de subsistência. A pesca artesanal ocorre principalmente na plataforma interna e é uma atividade essencial para a subsistência local. A região de estudo possui uma plataforma continental com três zonas batimétricas distintas, com o clima tropical quente e semiárido, com temperaturas variando de 25°C a 32°C e precipitação anual concentrada entre fevereiro e abril. A região enfrenta ventos fortes e constantes, essa condição sendo típica da costa favorece atividades como o kitesurf e a instalação de parques eólicos. O estudo abrangeu a coleta de dados por meio de grupos de foco, observação e análise de informações geológicas e oceanográficas, sendo a participação dos pescadores na elaboração dos mapas das paisagens marinhas foi fundamental para a integração do conhecimento local na gestão e conservação costeira. Na discussão, foi observado que a plataforma rasa na área de estudo possui dois padrões morfológicos distintos, sendo um na direção NW-SE, com declives mais acentuados, e outro na direção E-W. Os pescadores locais utilizam a Praia de Almofala como referência para essa divisão geomorfológica. Entre a linha costeira e a isóbata de 20 m, predomina um relevo de baixo declive com ocorrência ocasional de topos de cristas planas associados a fundos rochosos. Nessa região, são encontrados bancos de gramíneas marinhas, principalmente entre o estuário-lagoa de Guajirú e a isóbata de 5 m, o que está em concordância com o conhecimento dos pescadores locais. Também foram mapeadas áreas de "areias escuras" associadas a algas calcárias e foraminíferos. Além disso, foram observados padrões morfológicos como ripples e pequenas dunas. A presença de afloramentos rochosos, chamados de "pedras" e "unha do velho" em Almofala, corresponde aos topos de cristas planas encontrados no mapa da estrutura bentônica. A sedimentação na praia é caracterizada como mista, com percentuais equilibrados entre areias siliciclásticas e bioclásticas. Em áreas rasas próximas à foz do rio Acaraú, foram identificadas areias lito-bioclásticas e bancos de rodolitos. Também foram observados depósitos de lodo carbonatado e algas foliáceas em áreas correspondentes à isóbata de 20 metros. A região entre as profundidades de 10 e 20 m apresenta um relevo mais acidentado, com a presença de dunas, afloramentos rochosos, escarpas, terraços e depressões no lcal. Embora os pescadores mencionam uma importância dos fundos rochosos, chamados também de "buracos" e "canais", para a captura de diversas espécies, esses atributos não foram representados na participação do mapeamento. A diversidade de substratos a partir da isóbata de 10 metros está relacionada ao aumento da diversidade de número de espécies de peixes, principalmente em fundos de cascalho com a presença de algas carbonatadas. Entretanto, algumas espécies, como a lagosta espinhosa (Panulirus argus), podem ser encontradas tanto em áreas próximas à costa quanto em paisagens marinhas mais profundas associadas a fundos carbonatados. A comparação das preferências de habitat das espécies listadas no mapeamento participativo revelou que a maioria delas está associada a fundos rochosos, seguidos por fundos de cascalho e rocha, e ambientes mistos de areia, lama e cascalho. A diversidade de habitats e substratos presentes na área de estudo é fundamental para a segurança alimentar das populações tradicionais. O mapeamento participativo permitiu uma maior integração do conhecimento local com os dados científicos, proporcionando uma calibração necessária para a compreensão da distribuição dos habitats marinhos. Certos habitats marinhos têm uma relação estreita com a presença e a abundância de espécies. Por exemplo, quando há uma grande quantidade de gramíneas marinhas e algas, é comum encontrar cefalópodes, peixes bentônicos e crustáceos. Reconhecemos agora a importância dos habitats complexos, como florestas marinhas e gramíneas marinhas, que desempenham um papel fundamental como provedores de serviços ecossistêmicos. No nosso estudo, utilizamos um protocolo científico padronizado e contamos com o conhecimento local para mapear não apenas os habitats, mas também as espécies associadas a eles. Essa abordagem nos forneceu ferramentas para a gestão dos recursos marinhos e a elaboração de planos de conservação. Um exemplo prático disso é o apoio que nosso trabalho oferece para a criação de uma Área Marinha Protegida, com o objetivo de garantir a segurança alimentar dos pescadores da comunidade Tremembé, em Almofala e Tapera. Essa abordagem baseada no conhecimento local permite uma gestão mais eficaz dos recursos marinhos. Além disso, a aplicação dessas abordagens de mapeamento que valorizam o conhecimento local nos permite realizar mapeamentos mais abrangentes em áreas onde os métodos científicos convencionais podem ser limitados. Isso nos ajuda a validar as relações entre a presença de espécies e habitats específicos, facilitando a proteção de espécies e habitats vulneráveis. A participação ativa das comunidades locais nos processos de conservação e gestão é fundamental para uma abordagem efetiva e inclusiva. Em resumo, nosso estudo ressalta a importância dos habitats marinhos complexos e a relevância do conhecimento local na conservação e gestão dos recursos marinhos. A integração do conhecimento científico com o conhecimento local nos permite tomar decisões mais informadas e fortalecer a conexão entre as comunidades locais e as autoridades responsáveis pela gestão dos recursos marinhos.