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Sobre Bruxaria Contemporânea

Certa vez soube por terceiros que souberam por um profissional notório no ramo
algo que poderia se chamar revelação. “Uma legião de espíritos o acompanha. Não sei se
são bons ou ruins, mas são muitos e muito fortes. Não vou mexer com ele.” Interessante,
não? Tenho uma falange só pra mim ou exército de obsessores, ou então uma procissão
de almas particular. Mas, se quiser saber o que eu acho, o que eu devo ter é a antipatia
desse médium.
“Consegue ler a sorte?” o perguntei uma vez. “Sim, eu que tenho quiromancia
consigo embaralhar o tarot na minha mente e tirar a sorte.” “Mas, quiromancia é divinação
através da leitura de mão.” Recuou um pouco sua postura, mas tentou manter a mesma
expressão facial. “Também serve pra tirar cartas.” “Como é o baralho na sua mente?” “É
o baralho dos meus ancestrais, ganhei ele de um médium superior. Parece um baralho de
jogar normal.” Fiquei curioso sobre como é o processo de dar e receber baralhos etéreos
que pertenciam a ancestrais, mas decidi prosseguir por outro caminho. “Os arcanos
maiores não fazem falta para esse método?” “Não, os 29 arcanos da umbanda sempre
estão comigo.” “Achava que eram apenas 22 arcanos.” “Na umbanda tem 6 a mais.”
Provavelmente foi a partir deste dialogo que ele notou o enxame de desencarnados
ao meu redor e que, portanto, seria melhor me evitar pelo bem de sua alma e de seus
poderes sobrenaturais. Poderes muito uteis e versáteis, se me perguntar, além de rentáveis.
Ele conta orgulhoso como juntou casais com amarração, matou homens ricos com
maldiçoes e curou doentes com bênçãos, tudo mediante gordas pagas. “A única pessoa
que deixou de me pagar voltou 7 anos depois e me pagou em dobro espontaneamente,
depois me pediu mais um trabalho, que eu cobrei 5 vezes mais.”
Não sei como um ser com tais poderes, quiçá mais fantásticos que o do bruxo
Rasputin, do mago John Dee ou do astrólogo Olavo de Carvalho, não está aconselhando
governante como estes eminentes homens fizeram. Talvez sua elevação espiritual o tenha
feito perder o interesse em assuntos tão mundanos como a política e o status que ela traz,
considerando mais nobre atender os cidadãos aflitos da região em troca de módicas
contribuições que, segundo ele, variam de poucas centenas de reais a até algumas dezenas
de milhar.
Sem os profissionais do sobrenatural a quem a população recorreria para elucidar
as grandes questões? “Por que Fulaninho não me quer?” “Por que mesmo eu tendo feito
faculdade tenho de ser motorista de Uber?” “Justo eu tinha de ficar doente?” Todas essas
perguntas, acha que um cientista conseguiria responder? Eu te digo: Com certeza, mas a
maioria de vocês não gostaria das respostas.
Neste mundo caótico aquém de qualquer coesão narrativa e proposito a cada
despertar nos confrontamos com O Absurdo. Existem três maneiras de se lidar com ele,
buscar o sobrenatural para dar um sentido ao mundo é uma delas e me parece a mais
comum hoje e sempre.
A poucos dias encontrei a sala de aula em grande comoção quando voltei do
intervalo. Uma moça bela e aplicada nos estudos explicava a técnica que usou para
conseguir determinado objetivo que ela não poderia revelar. No principio achei que ela
tinha aderido ao Caoísmo, mas não era nada tão refinado. Ela contava, sem se abalar pela
sabatina um tanto cética dos colegas, a técnica chamada 55x5 que aprendeu no YouTube.
Se quiserem testar funciona da seguinte maneira: Por cinco dias escreva cinquenta e cinco
vezes o seu desejo numa folha de papel, escreva no presente do indicativo e mentalizando
o desejo. No quinto dia ele terá se realizado ou estará próximo disso, ou terá encontrado
o meio para fazê-lo se realizar, se não você não deve ter feito do jeito certo. Se fizerem
me contem, pois não vou me prestar a este trabalho.
A explicação teórica para como esse sortilégio e vários outros funcionam é muito
simples. Envolve uma energia estranha e impossível de se medir, alguma coisa
envolvendo vibrações, doses homeopáticas de física quântica e a crença de que o
Universo (ou Deus dependendo da versão) vai atender seus desejos se você pedir com
jeitinho. Não acha reconfortante saber que algo de proporções infinitas está determinado
a atender suas vontades, mesmo que isso interfira na vontade de outra pessoa? Meu ego
acha magnifico.
Uma vez ouvi um mago dizer: “A magia é o recurso dos destituídos.” Uma
afirmação bastante lucida. Quem se arriscaria a barganhar com o sobrenatural para
conseguir algo quando por meios mundanos é mais garantido? Bem, se a pessoa é uma
destituída ela não deve ter muito a perder. Mas, uma vez um profeta disse: “Ao que quase
não tem, até o pouco que tem lhe será tirado.”

Para, és belo.

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