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3.

RELAÇÃO ESTADO DE DEFORMAÇÃO − ESTADO DE TENSÃO

3.1. INTRODUÇÃO

Nos capítulos precedentes consideraram-se, separadamente, os tensores estado de


tensão e estado de deformação, tendo ficado evidente a similitude, do ponto de vista da
estrutura matemática, das duas grandezas físicas. Também é sabido que um corpo sujeito a um
estado de tensão tende a deformar-se. Importa, pois, relacionar os dois tensores. Do ponto de
vista da Geologia Estrutural, é da máxima importância saber como as rochas se comportam,
quando sujeitas a um estado de tensão e, em particular, compreender o desenvolvimento de
estruturas nas rochas naturalmente deformadas. Tais estudos da deformação e fluxo dos
materiais constituem uma ciência particular, a Reologia (do grego rhéos, corrente).
Esse estudo compreende duas possíveis abordagens.
Uma abordagem macrofísica, na qual se inclui a Reologia clássica, em que se
estabelece a teoria da elasticidade, se estuda a fractura dos materiais, se determina a sua
viscosidade e a plasticidade. Para os diversos materiais, obtêm-se experimentalmente, por
exemplo, curvas de tensão-deformação e de deformação-tempo (análise da fluência ou creep) e
determinam-se parâmetros físicos (módulos de Young, coeficientes de viscosidade, etc.) que
caracterizam o comportamento mecânico dos corpos sob tensão, definem-se critérios de rotura
desses materiais e estabelecem-se modelos de fluxo dos mesmos. Tem uma feição,
essencialmente, empírica.
Uma outra abordagem é a de índole microfísica, em que os mecanismos de deformação
e fluxo são analisados à escala atómica, basicamente, através dos princípios termodinâmicos
que governam a concentração e a mobilidade dos defeitos das estruturas cristalinas. Um dos
resultados finais destes estudos é a definição de mapas de mecanismos de deformação
(habitualmente designados por mapas de deformação, apenas), onde, para um dado mineral, se
especificam os mecanismos de deformação intracristalina), actuantes em função de diferentes
condições físicas (tensão diferencial, temperatura, pressão confinante, diâmetro granular) e as
correspondentes velocidades de deformação. É, como se vê, um instrumento muito poderoso de
análise, em particular, por permitir extrapolar resultados experimentais (obtidos em condições
muito limitadas de temperatura, pressão e velocidade de deformação) para os materiais e para
as condições vigentes nos níveis mais profundos da crusta terrestre e, até, do manto.
As considerações microfísicas, ao chegarem à determinação de velocidades de
deformação, em termos da concentração e mobilidade dos defeitos cristalinos, permitem
estabelecer a ponte (através de uma equação constitutiva microfísica, como a de Orowán) com
os dados da macrofísica.

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Dada a índole deste curso, limitar-nos-emos à abordagem macrofísica.
O comportamento dos materiais reais (e, em particular das rochas) é, habitualmente,
muito complexo. Essa complexidade resulta de dois factores intrínsecos: a heterogeneidade e a
anisotropia mecânica das rochas. Além disso, quando pretende relacionar a deformação natural
de uma rocha com o estado de tensão ocasionador, o geólogo não pode esquecer o carácter
progressivo da deformação e a certeza da variação do estado de tensão, no espaço e no tempo.

Em rigor, toda a rocha é um corpo heterogéneo, isto é, constituído por partes


dissemelhantes: cada um dos seus minerais (ou no caso de ser monominerálica, cada um dos
seus grãos) tem características próprias. Mas, em aproximação, muitas rochas poderão ser
consideradas como globalmente homogéneas e determinar-se-ão as suas características
mecânicas médias, globais.

O problema da anisotropia mecânica (isto é, da variação das propriedades mecânicas


com a direcção, em cada ponto do corpo) ressalta, desde logo, a nível da deformação de um
cristal.
Ao relacionar os dois tensores 3x3 (tensão e deformação), cada componente do estado
de tensão é expressa em termos das 9 componentes do estado de deformação (e vice-versa),
definindo-se um sistema de nove equações.
No caso geral de um cristal triclínico, a relação entre esses tensores implicaria 9x9
parâmetros definidores, os quais se reduzem a 36, pois, dada a simetria dos referidos tensores,
a cada uma deles correspondem, apenas, 6 coeficientes independentes. Mas, porque idêntica
simetria também ocorre na correlação tensão-deformação final, o número total de constantes
independentes reduz-se a 21. O comportamento elástico de um cristal triclínico exige a
especificação de 21 coeficientes independentes!
No caso de o cristal ser cúbico, 3 coeficientes (“módulos” elásticos) serão suficientes:

εx = s11 σx + s12 σy + s12 σz


εy = s12 σx + s11 σy + s12 σz
εz = s12 σx + s12 σy + s11 σz
γxy = s44 τxy
γxz = s44 τxz
γyz = s44 τyz (3.1)

No caso de uma rocha, mesmo que se admita que tenha sido originalmente homogénea
(distribuição estatisticamente uniforme dos diversos minerais, de pequeno diâmetro granular) e
isotrópica (grãos cristalinos aleatoriamente orientados), com o decorrer da deformação ela
tenderá a adquirir uma anisotropia de “fábrica”, resultante da deformação dos grãos cristalinos e

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da sua reorientação segundo direcções preferenciais, relacionadas com o estado de tensão
actuante. As relações entre o estado de tensão e o estado de deformação são, pois, muito
complexas e variáveis durante a história da deformação da rocha. Por essa razão, para a

Fig. 3.1- a)Trajectórias de tensão (traços perpendiculares a σ1) e b) de deformação (traços paralelos a λ1) , numa
dobra
e no meio circundante, obtidas por simulação em computador (Dieterich, Am.Jour.Sci. , 267(2), 1969)

determinação de estados de tensão passados, recorre-se a estruturas de formação simples e,


praticamente, instantânea, como é o caso das análises das geminações mecânicas em minerais
(plagióclase e calcite, por exemplo) e da fracturação, quer a nível microscópico, em minerais,
quer à escala meso e megascópica (análise cinemática de falhas).

No entanto, a maioria dos princípios teóricos da macrofísica foram avançados no


pressuposto de que os materiais que se deformam são permanentemente homogéneos e
isotrópicos. Nessas circunstâncias, as direcções principais da deformação incremental
(infinitesimal, ou, em termos práticos, digamos inferior a 3%) coincidem com as direcções das
tensões principais, assumindo-se que existe uma relação linear entre as componentes dos dois
tensores. Os resultados obtidos, se não podem ser aplicados ao comportamento extremamente
complexo das rochas, provavelmente, constituem uma primeira aproximação, reveladora de
aspectos relevantes para a interpretação das estruturas geológicas.

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Além dos factores intrínsecos referidos, muitos factores ambientais afectam o
comportamento reológico (macrofísico) das rochas. Entre esses factores extrínsecos, têm-se
salientado os seguintes:
i. a temperatura;
ii. a pressão confinante;
iii. a velocidade de deformação;
iv. a presença de água e o ambiente químico em geral.

Aos dois primeiros factores associa-se a noção clássica (a rever criticamente) de nível
estrutural. Segundo essa noção geral, o comportamento reológico das rochas depende da
profundidade a que elas se encontrem. Assim, a partir de profundidades relativamente
moderadas da crusta, as rochas tenderão a fluir e a sofrer intensa deformação permanente,
enquanto que nos níveis superiores da crusta elas dobram e fracturam, ou só fracturam.

Os factores acima referidos indicam, ainda, que os fenómenos de metamorfismo se


compaginam com os da deformação. As próprias reacções metamórficas podem influenciar (por
exemplo, pela formação de novos minerais ou em consequência da libertação de água
constituinte dos minerais) o comportamento reológico das rochas.

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3.2. COMPORTAMENTO REOLÓGICO DAS ROCHAS

A maioria dos dados sobre o comportamento reológico das rochas tem sido obtida
recorrendo a aparelhos em que, além da aplicação de uma compressão ou de uma tracção axial,
o provete de ensaio (tipicamente, uma amostra cilíndrica do material, de comprimento duas a
três vezes maior que o diâmetro da base) é submetido a uma pressão lateral, controlada
externamente, através da injecção de um líquido que preenche a câmara, onde aquele provete
está colocado. O seu ambiente químico e a temperatura ambiente são, portanto, também
controláveis. A fim de evitar a penetração do líquido na amostra, esta é revestida por uma
membrana flexível de cobre ou de borracha. Além disso, é possível estabelecer uma pressão
intersticial, ou seja, uma pressão exercida, no interior da amostra, por um líquido que preencha
os seus poros (v. Fig. 3.2.).

σ1

manómetro

câmara
S3
amostra

σ3

Fig. 3.2. - Representação esquemática de um dispositivo de compressão triaxial

Note-se que, nestes ensaios triaxiais, duas das tensões principais são sempre iguais:
constituem a chamada pressão confinante (S3, tensão imposta externamente; σ3, a tensão a que,
realmente, a amostra fica submetida).
Com estes aparelhos torna-se fácil registar a variação da deformação com a tensão,
tendo-se verificado que as curvas obtidas para as rochas tinham uma forma análoga às
encontradas nos ensaios com metais.

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3.2.1. COMPORTAMENTOS REOLÓGICOS IDEAIS
3.2.1.1. Comportamento elástico

Verifica-se que, na generalidade dos ensaios, quando a pressão confinante é


relativamente baixa, as rochas fracturam durante um regime elástico, ou seja, a deformação (que
é muito pequena no momento da rotura) foi instantaneamente criada, mal a amostra foi
submetida a um estado de tensão e ela seria completa e instantaneamente eliminada, se, a
qualquer momento durante o ensaio, se tivesse anulado essa tensão. O material diz-se ter um
comportamento frágil (brittle). Em grande número de casos a relação σ−ε é, como a Fig.3.3
ilustra, linear: o sólido diz-se ser linearmente elástico ou hookeano (uma vez que obedece à lei
de Hooke, estabelecida em 1660). É num comportamento hookeano dos materiais que se baseia
a teoria da elasticidade.

σz
σz
ε
εz εx =εy

0
t0 t1 0 ε
Tempo
a) b)

Fig. 3.3 - Comportamento elástico


a) Estabelecimento instantâneo da deformação em to (aplicação de uma tensão constante) e anulação
instantânea da deformação em t1 (anulação da tensão), para um corpo elástico.
b) Variação praticamente linear das extensões (longitudinal e lateral) com a tensão até à rotura em F

A caracterização mecânica de um sólido hookeano carece, apenas, de 2 parâmetros


independentes: o módulo de Young (E) e o coeficiente de Poisson (ν), por exemplo. O primeiro
exprime a razão constante entre tensão uniaxial aplicada a um provete não constrangido
lateralmente e a deformação longitudinal obtida:
σ
E= (3.2)
εz

O coeficiente de Poisson descreve a relação entre deformação longitudinal e deformação lateral


εx
ν= (3.3)
εz

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Frequentemente, usa-se o recíproco de ν, ou seja, o número de Poisson (m):

εz
m= (3.4)
εx

À semelhança do módulo de Young, pode-se, na maioria dos casos, considerar que o


coeficiente de Poisson é uma constante do material, ou seja, que é independente da tensão
aplicada. Regista-se, também, uma relação (praticamente) linear entre as extensões laterais e a
extensão longitudinal.

Um outro parâmetro utilizável (frequentemente, em vez do coeficiente de Poisson) é o


módulo de rigidez (G), que se define como sendo a razão entre a tensão de corte e o parâmetro
de cisalhamento resultante (γ), num ensaio de corte:1
τ
G= (3.5)
γ

τ
tg–1 G
γ = tg ψ
γ ψ

Fig. 3.4- Representação da relação τ−γ num sólido hookeano: definição do módulo de rigidez (v. texto)

No Quadro 3.1, indicam-se alguns valores destas constantes, para diversos materiais.

1
Do que ficou dito, depreende-se que G se pode determinar em função de E e de ν: G = Ε / 2 (1+ ν).

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Quadro 3.1- Módulo de Young (E), número de Poisson (m) e rigidez (G) para alguns
materiais

MATERIAL E (MPa) m G (MPa) Fonte


4 4
Granito 4,6 .10 4,8 1,9 . 10 J.C.Jaeger, 1969

Granito 2,8.104 3-6 N.J.Price, 1966


4
Basalto 5,5-8,3 . 10 3-6 N.J.Price, 1966
4 4
Calcário 5,8 .10 3,8 2,3 10 J.C.Jaeger, 1969
4 4
Arenito 5,7 .10 10 2,6 10 J.C.Jaeger, 1969
4
Arenito 4,1-7,6 . 10 4-10 N.J.Price, 1966
4
Dolomito 4,8-6,9 . 10 3-6 N.J.Price, 1966
4 4
Aço 20,9 .10 3,4 8,1 .10
4 4
Chumbo 1,6 .10 2,3 0,56 .10

Alguns materiais (incluindo rochas), embora recuperem totalmente a deformação


adquirida, quando a tensão se anula, não o fazem instantaneamente (Fig. 3.5). Tal
comportamento diz-se anelástico. A sua consideração é muito importante do ponto de vista
geotécnico.

εΕ
εΑ

εΕ

to t1 TEMPO

Fig. 3.5.- Anelasticidade (“elasticidade dependente do tempo”). t0 : momento da aplicação da tensão;

t1 momento da remoção da tensão; εE e εA, deformações elástica e anelástica, respectivamente.

O fenómeno da anelasticidade ocorre, ainda, quando se faz exercer muito rapidamente a


carga sobre a amostra: a sua deformação não é instantânea; ela vai-se aproximando,
exponencialmente, do seu valor final.

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3.2.1.2. Comportamento plástico

É o tipo de comportamento em que o corpo sólido permanece deformado, após a


anulação da tensão que o deformou. Naturalmente, esse é o comportamento que mais
interessa ao geólogo estruturalista, pois as estruturas que ele observa são, maioritariamente, a
expressão de uma deformação permanente, resultante da actuação de forças tectónicas,
entretanto, mais ou menos completamente, dissipadas. Estruturas como grandes e apertadas
dobras são a manifestação evidente de que as rochas são, em certas condições, susceptíveis
de suportarem intensa deformação, sem sofrerem fractura nem perda de continuidade.
Idealmente, um sólido plástico não sofre qualquer deformação, enquanto a tensão
exercida não atingir um certo valor mínimo (σ0, na Fig. 3.6-a), a partir do qual ele se deformará
contínua e permanentemente até à sua rotura. Idealmente, trata-se de um sólido incapaz de
sustentar uma tensão superior a um dado valor.

σ σ σ

σ0

ε ε ε
a) b) c)

Fig. 3.6.- Representação esquemática de comportamentos plásticos: a) sólido idealmente plástico (rígido, plástico);
b) sólido elástico-plástico; c) sólido elástico-plástico, com enrijecimento de deformação

Essa tensão σ0, a que o material passa a deformar-se continuamente (até que se dê a
rotura) designa-se por ponto ou tensão de cedência. Esta tensão não depende do estado de
tensão hidrostático, mas depende de vários factores ambientais. Nomeadamente, ele baixa
quando a temperatura sobe, ou quando a pressão confinante diminui, ou quando a velocidade
de deformação diminui (Fig. 3.7.)
Um comportamento plástico, em que, atingido o ponto de cedência, a recta σ(ε) tem
um declive nulo, ocorre em rochas a elevada temperatura. A temperaturas moderadas, aquele
sector adquire um declive positivo, ou seja, o prosseguimento da deformação exige um
constante aumento da tensão aplicada: é o fenómeno do enrijecimento da deformação (strain
ou work hardening).

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Observações experimentais indicam que, embora a deformação atingida em regime
plástico possa ser muito elevada, ela ocorre, praticamente, a volume constante.

Fig.3.7- Curvas de tensão-deformação obtidas em testes triaxiais.


a) Mármore de Carrara para diversos valores da pressão confinante, expressos em MPa pelos números
dados junto às curvas.
b) e c) Mármore de Yule em extensão, a diversas temperaturas, a uma pressão confinante constante de 500
-2 -3 -1
MPa, às velocidades de deformação de, respectivamente, 3.10 e 2.10 s .

3.2.1.3. Líquidos viscosos

São substâncias de rigidez nula, ou seja, que não oferecem qualquer resistência às
tensões de corte e, portanto, ao menor estado de tensão deviatórico. Se o estado de tensão for
hidrostático, um líquido não fluirá: apenas será algo comprimido.
Tal como num sólido plástico, um líquido viscoso é capaz de suportar extensa deformação
permanente sem perda de continuidade. Sujeito a um estado de tensão deviatórico, um fluido
fluirá com uma velocidade proporcional à intensidade da tensão de corte.
Em muitos líquidos (v. líquido I, Fig. 3.8), essa relação é linear:

τ = η (3.6)
γ

em que η é uma constante material. Um tal líquido dir-se-á newtoniano (ou linearmente
viscoso).

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A constante η, dada pelo declive da curva tensão de corte - velocidade de deformação
de corte, é o coeficiente de viscosidade linear ou newtoniana (ou, simplesmente, viscosidade).

τ I II

γ
Fig. 3.8- Relação tensão de corte-velocidade de deformação de cisalhamento para um fluido newtoniano (I) e
para um fluido não-newtoniano (II). (Cf. Fig.3.4)

A viscosidade traduz a resistência que um fluido oferece à deformação permanente


(i.e., ao fluxo).2 Tem as dimensões de F T L -2
e as suas unidades são o poise (1 P = 1dine s
cm ), no sistema CGS, e o pascal-segundo (1 Pa s = 1 N s m-2; donde, 1 Pa s = 10 P), no
-2

sistema SI. Em geral, num fluido newtoniano, a viscosidade diminui quando a temperatura
aumenta.
Um outro tipo de fluidos é aquele em que a viscosidade varia com a velocidade de
deformação, ou seja, em que não é linear a relação τ ( γ ). Tais líquidos (como II na Fig. 3.9.)
dizem-se não-newtonianos. Repare-se que, do ponto de vista reológico, o conceito de sólido é
diferente do de sólido, na acepção estrutural ou cristalográfica. Um sólido pode ser plástico e
distinguir-se-á de um líquido por apenas fluir quando a tensão ultrapassa um valor crítico.

τ I
II

III

γ
Fig.3.9- Distinção entre diferentes comportamentos reológicos ideais: I, sólido plástico; II, fluido não newtoniano;
III, fluido newtoniano

É de notar a analogia físico-matemática entre a viscosidade (η) e a rigidez (G), definida para os sólidos elásticos.
2

87
3.2.2. COMPORTAMENTO DAS ROCHAS - RESULTADOS EXPERIMENTAIS

Habitualmente, no estudo do comportamento mecânico das rochas, fazem-se dois


tipos de ensaios: de curta duração e de longa duração.
Nos ensaios de curta duração, estudam-se o comportamento frágil e o comportamento
plástico das rochas. No último caso, os ensaios decorrem, frequentemente, a uma velocidade
de deformação constante, isto é, faz-se variar a carga exercida sobre a amostra de tal forma
que se produza a tensão necessária para manter constante aquela velocidade.
Nos ensaios de longa duração (ensaios de fluência), pelo contrário, mantém-se
constante a tensão, observando-se a variação da velocidade de deformação que decorre
dessa situação. Estes ensaios são da maior importância para a compreensão dos processos
geológicos, onde o factor tempo é crucial.

3.2.2.1. Ensaios de curta duração

Nestes ensaios, ressaltam dois tipos distintos de comportamento das rochas: frágil e
dúctil.
O comportamento frágil ocorre quando o material tem um comportamento elástico até
ao momento em que se dá a rotura. Recorde-se que isso significa que a deformação, no
momento da rotura, é muito pequena e teria sido totalmente recuperada, se a tensão fosse
removida, antes de atingir o ponto de rotura do material. A este tipo de comportamento
correspondem curvas σ−ε como as ilustradas na Fig.3.10 : a relação σ−ε (nas rochas, tal como
nos metais) é linear ou quase linear.

A tensão a que se dá a ruína do material (rotura frágil) designa-se por resistência frágil
desse material. Verifica-se que, em geral, a resistência em tracção uniaxial é ca. de duas vezes
menor que a resistência em compressão uniaxial.

Em certas condições, porém, muitas rochas sofrem deformação permanente, antes de


a tensão aplicada ocasionar a sua rotura: diz-se, então, que têm um comportamento dúctil. A
curva σ−ε é, então, do tipo da de um sólido elástico-plástico, definindo-se um ponto de
cedência, ou seja, a tensão a partir da qual a rocha perde a capacidade de recuperar
totalmente a deformação sofrida, quando se anula a tensão exercida (Fig. 3.11).

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Fig.3.10- Curvas para um quartzito sob diferentes condições de pressão confinante (σ3) (In J.C. Jaeger &
N.G.W. Cook, 1969)

Nestes ensaios, a rotura da rocha dá-se, geralmente, ao fim de alguma deformação


plástica do provete de ensaio. O ponto de rotura constitui a resistência última do material.
Frequentemente, tal ponto é antecedido de um marcado endurecimento da deformação, mas,
em alguns casos, a rocha comporta-se como perfeitamente plástica (declive praticamente nulo
do sector plástico da curva σ−ε ) ou, até, manifesta um amaciamento da deformação (strain
softening, marcado por um declive negativo daquela curva).

σο

ο
ε
Fig.3.11- Comportamento elástico-plástico de uma rocha

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O comportamento, frágil ou dúctil, de uma dada rocha depende das condições
ambientais. Assim, consoante essas condições, uma rocha pode comportar-se como um
material frágil, semifrágil (ou semidúctil ou frágil-dúctil), ou dúctil. Como se compreende, é da
máxima importância definir, para cada tipo litológico, as condições em que prevalecem os
diferentes regimes. Em particular, define-se a transição frágil-dúctil, isto é, a passagem de um
comportamento frágil a um comportamento dúctil. Evidentemente, a distinção, em geral, não é
clara.

Em tracção e em regime frágil, a rotura dá lugar a uma superfície de fractura plana,


normal à direcção da menor tensão principal (σ3). Mas, aqui, interessa-nos, principalmente,
situações de estados, essencialmente, compressivos. Assim, consideremos, apenas, ensaios
compressivos, onde a forma de rotura do material tem aspectos característicos, distintivos, do
seu comportamento frágil ou dúctil (Fig.3.12).

Fig.3.12- Fracturação experimental de rochas calcárias secas ((Heard e Paterson)


a) Rotura frágil em mármore, a 25°, 3,5 MPa, e=1%.
b) Rotura frágil-dúctil em mármore, a 25°, 28 MPa, e=20%.
c) Rotura quase dúctil em calcário de Solenhofen, a 25°, 100 MPa, e=11,2%)

90
A rotura dá-se por corte e ocorre um deslocamento relativo entre os blocos separados
pela superfície de rotura, mais ou menos plana e bem definida.
No regime frágil, a rotura dá-se segundo uma superfície única e praticamente plana,
que contém a direcção de σ2 e inclina ca. de 30°, relativamente a σ1. Na transição frágil-dúctil,
as superfícies de rotura tendem a ser mais numerosas, desenvolvendo-se em dois conjuntos
simetricamente inclinados relativamente a σ1 e contendo σ2. Com a acentuação do carácter
dúctil, tornam-se ainda mais numerosas, até que definem linhas que sulcam um provete
claramente deformado.

As falhas (em regime frágil) e as zonas de cisalhamento (em regime frágil-dúctil ou em


regime dúctil), que observamos na natureza, são dinamicamente equivalentes a essas
estruturas laboratorialmente produzidas. Num regime dúctil natural, ocorre a formação de
zonas de cisalhamento dúcteis, em que uma intensa deformação (por fluxo do material, sem
rotura, conseguido por mecanismos de deformação, à escala atómica, intracristalina e
intergranular) se localiza ao longo de uma zona relativamente estreita.

Os factores de que, durante os ensaios laboratoriais, se faz depender o


comportamento frágil a dúctil das rochas são a temperatura, a pressão confinante e a
velocidade de deformação. Em geral, nos ensaios, para estudo da ductilidade destas rochas
considera-se, à partida, uma pressão confinante suficientemente elevada para que esse
comportamento ocorra. Como se verifica pelas curvas ilustradas nas Figs.3.13-3.15, a
ductilidade tende a aumentar (mas com um aumento do ponto de cedência), à medida que
aumenta a tensão confinante; ela tende, também, a aumentar (mas, com um abaixamento do
ponto de cedência) à medida que aumenta a temperatura e à medida que baixa a velocidade
de deformação. Destes dois factores depende, ainda, a forma da curva, ou seja, a incidência
de enrijecimento.

Na Fig.3.13, mostram-se os resultados obtidos com mármore de Carrara. Para


pressões confinantes até cerca de 50 MPa ocorre fracturação frágil. Mas, já para curva
correspondente a 68,5 MPa, o comportamento é totalmente diferente: o mármore torna-se
dúctil, pois suporta deformações acima de 7%, sem perda de resistência. A curva
correspondente à tensão confinante de 23,5 MPa traduz um comportamento intermédio entre o
tipicamente frágil e o inteiramente dúctil: corresponde à transição frágil-dúctil.

91
Fig.3.13- Curvas de tensão-deformação para o mármore de Carrara (segundo T. von Karman)
Valores, junto das curvas, são as pressões confinantes, em MPa

A Fig.3.14 mostra a influência da temperatura nas curvas de tensão diferencial (σ1-σ3)


− deformação (e) para o granito e para o piroxenito, à pressão confinante de 500 MPa, e para
um arenito, às pressões confinantes de 100 e 200 MPa.

Fig.3.14- Influência da temperatura sobre a fluência de granito e piroxenito (seg. Griggs, Turner and Heard) e sobre a
de
um arenito seco (J. Handin e R.V. Hager, Jr., 1958), para ensaios a pressão confinante constante.

92
Uma elevação da temperatura faz baixar o ponto de cedência e a pressão confinante
correspondente à transição frágil-dúctil.
A influência da velocidade de deformação, sobre a generalidade das rochas, está
patente na Fig.3.15.

a. b.
Fig.3.15- a) Curvas tensão-deformação obtidas com mármore de Yule, em tracção. (segundo Heard)
b) Registo e extrapolação dos dados experimentais: as rectas a grosso correspondem ao
ajustamento
dos dados à eq. de Dorn e os seus prolongamentos, a extrapolações para menores velocidades
de
deformação (H.C. Heard & C.B. Raleigh).

Nestes ensaios, a menor velocidade de deformação conseguida (3.10-8s-1) é muito


superior à considerada como tipicamente geológica (3.10-14 s-1). Verifica-se (H.C. Heard, 1963;
H.C. Heard e C.B. Raleigh, 1972) que os dados experimentais concordam com a equação de
fluxo de Dorn, aplicável à maioria dos materiais deformados a uma temperatura acima de 1/3
a 1/2 do seu ponto de fusão,

ε = A e−H/RT σn

em que A, H (entalpia de activação do mecanismo de deformação, ou seja, da difusão atómica)


e n são constantes do material (a determinar empiricamente), R é a constante dos gases
perfeitos e T, a temperatura absoluta.3

3
Se rochas finamente granulares (digamos, de diâmetro granular da ordem da milésima do milímetro, no caso de
quartzitos) têm um comportamento newtoniano (n=1), na maioria dos casos, as rochas têm um comportamento não-
newtoniano (onde, frequentemente, 1<n<5).

93
Tal observação permitiu àqueles autores extrapolar os dados experimentais para as
velocidades de deformação tipicamente geológicas. Concluíram que o mármore de Yule, para
tensões acima do ponto de cedência, fluiria a velocidade constante com uma viscosidade
variável desde 1023 P, a 25°C, até 1016 P, a 500°C.

O termo ductilidade e a expressão contraste de ductilidade são muito usados nas


descrições geológicas. Eles exprimem a capacidade (relativa) de acomodação de deformação,
por parte de uma rocha, sem que fracture (ou seja, antes de evidenciar comportamento
cataclástico). Uma rocha diz-se ser mais dúctil do que outra se for capaz de suportar uma
maior deformação, antes da ocorrência de rotura. Os termos são, pois, independentes da
resistência (relativa) das rochas.
Na literatura geológica, usa-se, com frequência, a noção (mal definida) de
competência. Esta traduz uma diferença de resistência de rochas contactantes: competente é a
rocha resistente, capaz de (competente para) transmitir uma pressão nela exercida. O termo,
no entanto, confunde-se com a noção ductilidade.
Assim, falando de dobras, E.H.T. Whitten afirma: “membros [numa sequência de
estratos] que tendem a conservar a sua espessura estratigráfica e a desenvolver dobras de
grande amplitude dizem-se competentes; aqueles membros que variam marcadamente de
espessura, acomodando-se aos espaços entre as unidades competentes, são
incompetentes.”. Esta observação é comum em dobras de estratos de quartzito ou veios de
quartzo, no seio de rochas xistosas: tipicamente, o quartzito deforma-se segundo dobras
(paralelas) afectadas por abundante fracturação, enquanto que o xisto se deforma
intensamente, fluindo e preenchendo os espaços entre as dobras do quartzito (Fig.3.16).
B.E. Hobbs et al. (1976) afirmam: “presumivelmente, o uso [dos dois termos,
competente e incompetente] tem em vista implicar que o material competente é capaz de
sustentar um nível de tensão deviatórica mais elevado que um material incompetente”.
No entanto, J. C. Jaeger (1969) escreve: em geologia estrutural, usa-se o termo
competência num sentido qualitativo, para descrever o grau de ductilidade. Assim, camadas
competentes deformam-se com relativa dificuldade, enquanto que camadas incompetentes se
deformam facilmente.
Também, em J.G. Ramsay (1967) pode ler-se: “Se algumas camadas da rocha fluem
menos facilmente que outros - uma propriedade conhecida por diferença de competência -
então elas comportar-se-ão de modo diferente, relativamente ao material mais dúctil,
envolvente.”

94
a. b.

Fig. 3.16- Dobra de um estrato competente no seio de material mais dúctil.


a) Deformação experimental (J.G Ramsay, 1967). b) Dobra de veio de quartzo em metapelitos.

Note-se que o comportamento de uma rocha depende muito das suas características
particulares (composição mineralógica, textura e estrutura, estado de pureza ou de alteração).
Habitualmente, uma rocha sedimentar é menos resistente que uma rocha magmática que não
seja finamente granular.
Em termos gerais, poderá esperar-se que nas rochas, deformadas a temperatura e
pressões litostáticas baixas (o que se poderá ler como “rocha nos níveis superiores da crosta”)
e a elevada velocidade de deformação, predominam os mecanismos de deformação
cataclástica, em que os seus grãos são fragmentados. Produtos resultantes típicos são os
cataclasitos (como, por exemplo, brechas de falha e outras brechas tectónicas). A este regime
de deformação correspondem estruturas naturais, como diaclases e falhas.
Pelo contrário, temperaturas e pressões litostáticas elevadas e velocidades de
deformação baixas concorrem para um comportamento dúctil. Operam, então, mecanismos de
deformação intracristalina, termicamente activados (nomeadamente, difusão no estado sólido,
fluxo plástico mediante sistemas de escorregamento ou geminações, subgranulação,
escorregamentos intergranulares, recristalização). Produtos típicos serão os milonitos e
estruturas típicas serão as já referidas zonas de cisalhamento dúcteis. Crê-se que estas
prolongarão, em profundidade, as falhas observadas nos níveis superiores da crosta. A
transição das falhas a essas zonas de cisalhamento far-se-ia, a níveis intermédios, através de
zonas de cisalhamento frágeis-dúcteis.

95
QUADRO 2.2- Quadro-resumo ilustrando a gama de comportamentos desde o perfeitamente frágil ao
perfeitamente dúctil, em ensaios de compressão e de tracção (seg. D. Griggs e J. Handin)

F R Á G I L

F R Á G I L - DÚCTIL

D Ú C T I L

O ambiente químico também se pode tornar reologicamente importante. Por exemplo,


a presença de água no quartzo, ao fragilizar as ligações Si-O-Si, aumenta a ductilidade
daquele mineral. Seria, então, de esperar que, numa rocha quartzítica, a ductilidade
aumentasse com a presença de água. Além disso, a água tenderá a aumentar a ductilidade
das rochas, ao afectar a tensão de superfície associada aos contactos granulares (efeito de
Rehbinder) e ao facilitar a difusão atómica, especialmente, ao longo das junções granulares
(difusão de Coble e outros mecanismos difusivos, incluindo a migração de materiais solúveis,
cujos efeitos são, genérica e indiferenciadamente, designados por fenómenos de dissolução
por pressão). Porém, não é isso que habitualmente acontece em ensaios de curta duração,
pois, para além dos efeitos químico-estruturais, a água presente nos poros de uma rocha
exerce uma acção mecânica que actua em sentido oposto, isto é, tende a aumentar o seu
carácter frágil.

96
O efeito mecânico da água traduz-se em dois aspectos (v. Fig. 3.17):

i. Reduz a resistência da rocha (ou seja a sua capacidade de suportar uma tensão
diferencial;

ii. Quando a pressão exercida pela água que preenche os poros de uma rocha
(pressão intersticial) tem um valor próximo do da pressão confinante, a rocha (que, a essa
pressão confinante, se comportaria de forma dúctil, quando seca) passa a comportar-se como
frágil.

A presença de água tem, portanto, um efeito marcado sobre a definição da transição


frágil-dúctil, como a Fig.3.18 ilustra. A pressão intersticial é, habitualmente, expressa pelo
parâmetro
p
λe = (3.7)
σ3
em que p é o valor da pressão intersticial e σ3 corresponde à pressão confinante.

Fig. 3.17. Efeito da pressão intersticial sobre o Fig. 3.18.- Transição frágil-dúctil para o calcário de
comportamento mecânico de uma rocha Solnhofen (E. Rutter)

97
Este efeito mecânico tem-se verificado não só em ensaios laboratoriais (como a
Fig.3.17 exemplifica), mas também em trabalhos experimentais que envolvem reacções de
desidratação (Fig.3.19). Tais ensaios traduzirão situações naturais, por exemplo, em certo
ambientes de metamorfismo, demonstrando a importância das alterações químico-
mineralógicas no comportamento reológico das rochas.

Fig. 3.19- Modificação do comportamento mecânico de um serpentinito, quando se atinge a


a temperatura de desidratação (ca. 600ºC) (In K.E. Brodie & E.M. Rutter, 1985)

A influência mecânica da pressão intersticial é interpretada em termos da noção de


tensão efectiva. O efeito daquela pressão consistirá em modificar as tensões principais (σ1, σ2,
σ3) para novos valores designados por tensões principais efectivas:
σ1’ = σ1 − p
σ2’ = σ2 − p (3.8)
σ3’ = σ3 − p

Este conceito de tensões efectivas, aplicado em conjugação com um critério de rotura,


num diagrama de Mohr, explica o referido efeito mecânico da pressão intersticial. Para melhor
compreensão, esclareça-se, sumariamente, o que se entende por critério de rotura.

98
Admite-se que, ao dar-se a rotura frágil de uma rocha, existe uma relação entre as
tensões actuantes no momento da rotura. Essa relação constitui um critério de rotura. A
maioria dos critérios de rotura, que têm sido avançados, são empíricos. Um deles, muito usado
em Mecânica das Rochas por ser adequado à rotura em compressão, é o critério de
Coulomb-Navier. Segundo ele, a rotura dá-se independentemente do valor de σ2, quando
| τ | = Co + µ σ (3.9)

em que Co (coesão) e µ (coeficiente de atrito interno) são constantes do material; τ é a tensão


de corte e σ é a tensão normal, simultaneamente exercidas na superfície de rotura.

Num diagrama τ−σ, este critério é descrito por duas rectas de declive φ = ± tg−1µ e que
intersectam o eixo das ordenadas em ±Co . Este critério, usado em conjugação com um
diagrama de Mohr, permite prever a eventualidade de rotura e a orientação dos dois possíveis
planos de fractura (Fig. 3.20).

σ1
S S’

τ S
II σ3
Co φ I
θ

σ3 σ1
σ
-Co

S’

Fig. 3.20- Aplicação do critério de rotura de Coulomb-Navier: o estado de tensão descrito pela circunferência I não dá
lugar a rotura; o descrito pela II, dá lugar a rotura segundo S ou S’, que se intersectam segundo σ2 .

Admite-se que, existindo uma pressão intersticial p, as tensões a considerar são as


tensões efectivas acima definidas (lei das tensões efectivas). A aplicação da lei das tensões
efectivas num diagrama de Mohr permite visualizar, como a Fig.3.21 mostra, a referida acção
mecânica da água: aquela lei traduz-se por uma translação da circunferência σ1-σ3, cujo centro
se desloca para a esquerda, sobre o eixo das tensões normais, de uma distância igual à
correspondente à pressão intersticial, p.

99
τ

σ1’ = σ1 – p
S σ3’ = σ3 – p
II
I

Co

0
σ3 ’ σ3 σ1 ’ σ1 σ
Fig. 3.21- Influência mecânica da água (lei das tensões efectivas). Para o estado de tensão efectivo
(representado pelo circunferência II) ocorre rotura, ao contrário do que se previria, se se considerasse o estado
de tensão externamente aplicado (descrito por I).

3.2.2.2. Ensaios de longa duração (fluência ou creep)

Nestes ensaios, deixa-se o material fluir à velocidade necessária para que se


mantenha constante a tensão aplicada. Surpreendentemente, a forma de variação da
deformação com o tempo é muito semelhante para uma larga gama de materiais, incluindo as
rochas (Fig. 3.22).

FL. PRIMÁRIA σ, constante


ε FL. SECUNDÁRIA
FL. SECUNDÁRIA
(fl. estacionária)
ROTURA

DEFORMAÇÃO PERMANENTE

T3
To T1 T2 TEMPO

Fig. 3.22- Variação ideal da deformação com o tempo num ensaio de fluência (σ constante). Linhas a fino ilustram o
comportamento do material (recuperação da deformação, total ou parcial), quando se anula a tensão exercida.

100
Quando, em To se aplica a tensão, o material sofre, instantaneamente, uma
deformação elástica. Segue-se, depois, um período (entre To e T1) em que a velocidade de
deformação decresce com o tempo: fluência primária ou deformação elástica retardada ou de
fluxo elástico, pois, removida a tensão (tal como em T1) há uma recuperação instantânea,
parcial, da deformação, seguida por uma fase de uma total recuperação, mas desacelerada.
Àquela fase segue-se, entre T1 e T3 , um estádio em que a velocidade da deformação
se mantém constante ( ε ): fluência secundária ou estacionária (steady-state creep); a rocha
deforma-se plasticamente e, se se remover a tensão, começa por recuperar instantaneamente
alguma deformação, depois desaceleradamente mais um pouco, subsistindo, no entanto, uma
deformação permanente.
A partir deT3, ocorre uma aceleração da velocidade de deformação (fluência terciária
ou acelerada), até que, finalmente, se dá a rotura do material.

Dos resultados obtidos, conclui-se que os materiais (e as rochas) têm um


comportamento reológico complexo. Admite-se que as rochas, durante a sua história
deformacional, passam por um longo estádio de fluência estacionária, resultante do equilíbrio
entre mecanismos que contribuem para o enrijecimento da deformação (aumento da densidade
dos defeitos estruturais, nomeadamente, das deslocações) e dos mecanismos que contribuem
para um amaciamento do material (por exemplo, difusão atómica, subgranulação).

Se, durante a fluência estacionária, a relação velocidade de deformação-tensão for


linear e ocorrer deformação ao mínimo valor da tensão (a recta ε−σ passa pela origem), o
material comporta-se como um líquido viscoso. Se não (i.e., aquela recta intersecta o eixo das
tensões num valor finito, correspondente a um ponto de cedência a longo prazo), o seu
comportamento reológico é o de um sólido (Fig. 3.23).

L Í Q U I D O S S Ó L I D O S

ε N-N ε
N

σ σ
a) b)
Fig. 3.23- Comportamento de: a) um líquido newtoniano (N) e de um líquido complexo (não-newtoniano, N-N) ;
b) sólido complexo com aspectos de comportamento viscoso

101
O estádio de fluência estacionária é tido como o mais importante, na história
deformacional de uma rocha.
Os estudos de microfísica têm proposto vários possíveis mecanismos de fluência dos
materiais cristalinos e seus agregados. A maioria deles prevê uma relação não-linear (power-
law creep ) entre tensão e velocidade de deformação, ou seja, uma relação da forma:
ε = K σn (3.10)

em que os valores do expoente n, teoricamente calculados, variam entre 1 e 6 (mas, mais


frequentemente, entre 2 e 4).

Note-se que, como a Fig.3.24 ilustra, valores relativamente elevados de n


correspondem a um comportamento semelhante ao dos sólidos (pseudo-plástico).
Os valores do expoente n, na relação 3.10, têm também sido calculados
empiricamente em minerais e rochas. Os valores encontrados são, por vezes, muito superiores
aos acima referidos. Admite-se que as rochas tenham um comportamento de líquido
newtoniano (n=1), apenas sob condições de elevadas temperaturas e pressões, como as que
prevalecem durante o metamorfismo do mais alto grau. Sob condições de grau de
metamorfismo médio, n será significativamente superior à unidade (digamos, variará entre 4 e
10). Nos níveis superiores da crusta (onde ocorrem as condições conducentes a um
metamorfismo de baixo grau), ele será bastante superior a 10; aí, as rochas terão um
comportamento semelhante ao de certos sólidos plásticos.

n
Fig.3.24- Representação da relação ε = K σ para vários valores de n.
n=1, fluido newtoniano (ou linear);
n>1, fluido não-linear, que apresenta características de sólido (líquido pseudo-plástico), quando
n≥10.
Linha horizontal, a tracejado: corpo perfeitamente plástico.

102
3.3. MODELOS REOLÓGICOS
O comportamento reológico real das rochas, mesmo o obtido em condições
experimentais controladas, é mais complexo que o de qualquer dos comportamentos atrás
referidos: linearmente elástico (sólido hookeano), rígido-plástico (sólido de St. Venant) e
linearmente viscoso (líquido newtoniano). O seu comportamento, numa aproximação mais
perfeita com a realidade, pode ser idealizado através da combinação daquelas três formas
“puras” de comportamento.

Uma forma de o fazer, visualmente, é através de uma combinação de elementos que


representam aqueles três comportamentos. Assim, um sólido hookeano é representado por
uma mola; um sólido rígido plástico é representado por um bloco rígido e o comportamento de
líquido newtoniano, por um êmbolo (Fig.3.25). Combinando, em paralelo ou em série, esses
ícones, obtêm-se representações de comportamentos reológicos mais ou menos complexos,
comparáveis aos observados nos materiais reais.

MOLA
σo

ELEMENTO de atrito η
AMORTECEDOR

Fig.3.25- Modelos analógicos dos três tipos básicos de comportamento reológico ideal

Diferentes modelos de comportamento têm sido descritos para descrever o


comportamento das rochas. Na Fig.3.26, descrevem-se alguns deles e as correspondentes
curvas de deformação (ε) vs. tempo (t).
Por serem frequentemente referidos na literatura geológica, são de destacar os modelos
correspondentes ao chamado “material de Bingham” (Fig.3.26-b), ao “sólido linear padrão”
(Fig.3.26-d) e ao “material de Burger” (Fig.3.26-e).

103
MODELO DE MAXWELL

η E

ε
x x
tg−1 σ/η
σ σ/E

TEMPO
a.

MATERIAL DE BINGHAM

ε
σ < σο

σ/E

η E
σο TEMPO

ε
σ > σο

tg−1 σ/η
σ/E

b. TEMPO

Fig.3.26- Exemplos de diagramas analógicos que descrevem diversos possíveis comportamentos reológicos das
rochas.
a) Comportamento elástico-viscoso (modelo de Maxwell): diagrama analógico, variação da deformação (ε ) com o
tempo, após aplicação de uma tensão constante (σ ) e representação gráfica dessa variação.
b) Plástico geral (material de Bingham) que, aproximadamente, corresponderá ao comportamento de rochas sob
condições de baixo grau de metamorfismo.

104
MODELO DE KELVIN-VOIGT

ε
σ/
η E

0
E t1 TEMPO
c.

SÓLIDO LINEAR PADRÃO


ε
σ/E1
E2
η

σ/(E1+ E2)
E1 0
t1
d. TEMPO

MATERIAL DE BURGER
ε
tg−1 σ/η1
(σ/E1)+ (σ/E2)
σ/E1

η2 σ/E1
σ/E2
E1
η1
0
E2 t1 TEMPO

e.

Fig.3.26- (cont.)
c) Comportamento visco-elástico (modelo de Kelvin-Voigt): a curva ε(t) tende assimptoticamente para σ/E, mantendo-
se
constante a tensão exercida (σ ); se em t1, se anular a tensão exercida, a deformação decresce exponencialmente
com o tempo, até à sua anulação (curva a ponteado).
d) Sólido linear padrão (standard linear solid): diagrama analógico e curva ε(t) , para σ constante.
e) Material de Burger (Burger’s body ou M-V body), muito usado em Mecânica das Rochas: a curva a ponteado em ε(t)
descreve o que acontece quando a tensão exercida é anulada em t1 .

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