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Resenha da obra FREUD, Sigmund.

Três ensaios sobre a teoria


da sexualidade. Lisboa, Ed. Livros do Brasil, 1982.

Thaiza Silva
Licenciada em Letras - Licenciatura Plena em Língua Inglesa e Portuguesa pela UNIP/Jundiaí
Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Educação - PAIDÉIA/UNICAMP
Professora voluntária no Cursinho Educafro em Várzea Paulista
Assistente da Secretaria Municipal de Governo da Prefeitura de Várzea Paulista/S.P
e-mail: thaizaeducadora@gmail.com

Sigmund Freud (1856-1939) desenvolveu a psíquica e tal premissa permite desenvolver o segundo
Psicanálise, uma original teoria da dinâmica e conceito mais importante da teoria psicanalítica: a
funcionamento da mente humana e um método sexualidade infantil. Estas afirmações tiveram
exploratório de sua estrutura, destinado a tratar os profundas repercussões na sociedade puritana da época
comportamentos considerados compulsivos e muitas pela concepção vigente de infância “inocente”.
doenças de natureza psíquica, supostamente sem A obra Três ensaios sobre a teoria da
motivação orgânica. Ele recolheu de várias fontes os sexualidade faz observações científicas sobre o número
elementos com que compôs sua teoria e o fez de desvios sexuais e a relação destes com a suposta
principalmente a partir das descobertas do médico norma. Nesse livro Freud defende que o objeto sexual
austríaco Josef Breuer, além de considerar como basilar vem da pessoa de quem provém à atração sexual. O
a doutrina platônica e o pensamento filosófico de alvo sexual é a ação para qual a pulsão impele. Aos
Schopenhauer, consolidando, através de longa prática desvios que há com respeito ao objeto sexual dão-se o
clínica, os postulados da teoria que chamou Psicanálise. nome de inversão, ou seja, homens e mulheres que
A Psicanálise é ao mesmo tempo um modo encontram em pessoas de mesmo sexo a representação
particular de tratamento de supostos desequilíbrios da do objeto sexual. Há três maneiras de comportamentos
mente e uma teoria psicológica que se ocupa dos invertidos: invertidos absolutos, que o objeto sexual é
processos mentais inconscientes, uma teoria da estrutura estritamente do mesmo sexo; invertidos anfígenos são
e funcionamento da mente humana e um método de análise hermafroditas sexuais, e o objeto sexual é tanto um sexo
dos motivos do comportamento, uma doutrina filosófica como outro; invertidos ocasionais, que são afetados
e um método terapêutico. com condições externas, ocorrem quando o objeto sexual
Freud afirmou que nada ocorre por acaso e, muito normal se torna inacessível. Tais premissas buscaram
menos, os processos mentais. Há uma causa para cada embasar uma explicação primária dos comportamentos
pensamento, para cada memória revivida, sentimento ou referidos como homossexuais.
ação. Cada evento mental é causado pela intenção Sobre o recurso à bissexualidade há uma série de
consciente ou inconsciente e é determinado pelos fatos idéias que contém uma nova contradição das opiniões
que o precederam. Em suas investigações na prática populares. Admite-se que o ser humano ou é homem ou
clínica, sobre as causas e funcionamento das neuroses, é mulher. Mas a ciência admite que caracteres sexuais
descobriu que a grande maioria de pensamentos e pareçam confusos, ou seja, há combinação de caracteres
desejos reprimidos referia-se a conflitos de ordem sexual, masculinos e femininos, porém, o mais interessante é que
localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos, essa aparente anormalidade auxilia a compreensão da
isto é, na vida infantil estavam as experiências de caráter formação normal, e o resultado desses fatos anatômicos
traumático, reprimidas, que se configuravam como origem são conhecidos de longa data, de uma predisposição
dos sintomas atuais e, confirmava-se, desta forma, que originalmente bissexual, que no curso do
as ocorrências deste período de vida deixam marcas desenvolvimento, vai se transformando em
profundas na estruturação da personalidade. As monossexualidade, com resíduos ínfimos do sexo
descobertas colocam a sexualidade no centro da vida atrofiado. A bissexualidade dota o indivíduo tanto de

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centros cerebrais masculinos e femininos, quanto de com o objeto sexual, quanto há satisfação exclusivamente
órgãos sexuais somáticos. Esses centros desenvolvessem condicionada pela sujeição e maus - tratos a ele infligidos
na puberdade, na maioria das vezes sob a influência das merecem o nome de perversão. O masoquismo se
glândulas sexuais, que independem deles na disposição distância do alvo sexual se transformando em perversão.
originária. Segundo alguns autores essa agressão mesclada à pulsão
Visto que o alvo sexual normal é considerado sexual é um resíduo de desejos canibalescos e, portanto,
como a união dos genitais no ato designado como coito, uma co-participação do aparelho de dominação.
levando a descarga da tensão sexual e a extinção Portanto, as formas ativas e passivas costumam
temporária da pulsão sexual, reconhece-se que há, na encontrarem-se juntas numa mesma pessoa. Quem sente
tipologia freudiana, comportamentos considerados como prazer em provocar dor no outro na relação sexual é
aberrações, descritas como perversão. Reivindicam também capaz de gozar, como prazer, de qualquer dor
considerações como genitais, a mucosa bucal e anal. Essa que possa extrair das relações sexuais. E o sádico é ao
reivindicação se justifica pelo desenvolvimento da pulsão mesmo tempo masoquista. A existência do par de opostos
sexual e que é atendida na sintomatologia de certos sadismo – masoquismo não é dedutível.
estados patológicos. Mas o autor expõe a substituição Entretanto é através da psicanálise, que se obtêm
imprópria do objeto sexual no caso o fetichismo, que informações a respeito da vida sexual dos chamados
sugere o abandono do alvo sexual, substituição do normal psiconeuróticos, aqueles com acumulam neurose em
para a perversão, esta, portanto é uma variação da forças pulsionais de cunho sexual. Para Freud, os
pulsão sexual. Esta variação, nas raias do que Freud sintomas são a atividade sexual dos doentes. A psicanálise
considerava patológico, merece interesse. O através do processo psíquico especial (o recalcamento)
rebaixamento da aspiração ao alvo sexual normal parece elimina os sintomas dos histéricos partindo da premissa
ser pré-requisito. Busca-se o fetichismo para atingir a que tais sintomas são um substituto, uma transição de
satisfação do alvo sexual normal, quando o fetichismo é desejos e aspirações, o processo retem, num estado de
fixado o caso se torna patológico e finalmente termina inconsciência, uma expressão apropriada ao valor afetivo,
numa cristalizada aberração. numa DESCARGA, no caso da histeria, encontram-se
A fonte de prazer e afluxo de excitação renovada mediante o processo de CONVERSÃO em fenômenos
é proporcionada pelas sensações de contato com a pele somáticos, a partir disso acha-se em condições de
do objeto sexual - o tocar e o olhar. O ver deriva do averiguar a natureza e a origem dessas formações
tocar. A impressão visual continua a ser o caminho mais psíquicas antes inconscientes. A análise psicológica sabe
freqüente pelo qual se desperta a excitação libidinosa. desvendar e solucionar o enigma da contradição da
Entretanto, o prazer de ver torna-se perversão quando histeria entre uma necessidade sexual desmedida e uma
é restringido a genitálias, quando se liga a superação do excessiva renúncia ao sexual. A psicanálise explica que
asco, ou quando suplanta o alvo sexual normal. Mas quando há conflito sexual com a pessoa é que surgem
ressaltamos que, em contraponto ao pensamento de processos anímicos de uma execução normal.
Freud, mais mágico e encantador que o prazer é o olhar O segundo ensaio aponta o descaso da sociedade
que tem a vantagem de ser imóvel, o que não é o caso, quanto à sexualidade infantil. Segundo Freud, o indivíduo
por exemplo, de ponto de vista. O olhar é ora abrangente, encontra o prazer no próprio corpo, pois nos primeiros
ora incisivo. O olhar é ora cognitivo e, no limite, definidor, tempos de vida, a função sexual está intimamente ligada
ora é emotivo ou passional. O olho que perscruta e quer à sobrevivência. O corpo é erotizado, isto é, as
saber objetivamente das coisas pode ser também o olho excitações sexuais estão localizadas em partes do corpo
que ri ou que chora, ama ou detesta, admira ou despreza. (zonas erógenas) e há um desenvolvimento progressivo
Quem diz olhar diz, implicitamente, tanto inteligência também ligado às modificações das formas de gratificação
quanto sentimento. (BOSI; 2000: 24). e de relação com o objeto, que levou Freud a chegar às
O olhar na visão de Freud pode ser perverso por fases do desenvolvimento sexual. Salienta a fase do
ser restringido, mas é fonte de prazer. Com relação ao Complexo de Édipo, pois, acredita que é em torno dele
sadismo e masoquismo citados no ensaio primeiro, as que ocorre a estruturação da personalidade do indivíduo.
formas ativa e passiva de sadismo e masoquismo, que No complexo de Édipo, a mãe é o objeto de desejo do
infligem dor ao objeto sexual foram denominadas por menino e o pai é o rival que impede seu acesso ao objeto
Krafft – Ebing, mas Schrenck – Notzing 1899 prefere a desejado. Ele procura então assemelhar-se ao pai para
designação de aglolagnia que destaca o prazer na dor. “ter” a mãe, Posteriormente por medo do pai, “desiste”
O conceito de sadismo, atitude meramente ativa para da mãe, isto é, a mãe é “trocada” pela riqueza do mundo
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social e cultural e o garoto pode, então, participar do a libido do ego, que se converte em libido do sexo,
mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas também chamada de libido narcisista, estado originário
através da identificação com o pai. realizado na primeira infância.
Freud faz uma crítica à hereditariedade, pois alguns Engana-se, entretanto, quem acredita que os tabus
autores ao invés de estudar a infância como princípio a impostos sobre a sexualidade infantil são realmente
vida sexual, se ocupam com teorias da hereditariedade ocultos, pois, os contatos da mãe com seu filho
e citam a sexualidade infantil como depravação precoce. despertam nele as primeiras vivências de prazer, e já
Mas cada um de nós conhece nossos corpos e o prazer citamos isso como o chuchar. Essas experiências, que
das novidades que nele surgem, assim também são as podem ser, por exemplo, de amor e carinho de rejeição
crianças. Não há como sofrer de amnésia infantil, e agressividade, não são essencialmente biológicas, mas
esquecermos dos fatos e das atividades anímicas que se constituem no acervo psíquico do indivíduo, são os
nos fizeram sair da meninice e nos transformar em homens embriões da vida mental do bebê. A sexualidade infantil
e mulheres. Esta é, portanto uma tese que deve ser ainda se desenvolve desde o nascimento e segue se
ampliada. Não sejamos neuróticos renegando nossa manifestando de forma diferente em cada momento da
essência, pois é preciso dar o devido valor ao período infância. É nessa história que o sujeito se forma e cresce
infantil no desenvolvimento da vida sexual. Para tanto, constituindo características que se expressam em suas
reprimir a sexualidade da criança é reprimir seu corpo, fantasias e práticas sexuais. Assim, do mesmo modo que
que se constitui na base real de seu próprio ser, sua a inteligência, a sexualidade é construída a partir das
relação consigo mesma e sua personalidade. Porque possibilidades individuais e de sua interação com o meio
afinal, não existe uma separação entre a sexualidade e a cultura. Não é válido insistir na idéia de que a
infantil e a sexualidade adulta. Existe sim uma ligação sexualidade infantil é perversão precoce, porque não é,
única e uma continuidade entre elas, ou seja, inseparáveis ao contrário, ela deve ser respeitada e estudada, assim
e conseqüentes (NUNES & SILVA; 1997: 52,53). como as crianças. Assim sendo, confiantes nos princípios
Não devemos impor barreiras que restringem o da existência e da importância da sexualidade para o
fluxo de pulsão sexual infantil, para não acarretar na desenvolvimento de crianças e jovens, ensinemos através
criança o asco, a vergonha e a moral. As manifestações de nossos atos e militância, que a sociedade deve
da sexualidade infantil devem ser vivenciadas no chuchar, abandonar o senso comum, a idéia de que as crianças
por exemplo, podemos ver e estudar traços essenciais são “puras”, “inocentes” e assexuadas. A sexualidade
da atividade sexual infantil. Este sugar com deleite alia- infantil existe e deve ser defendida e respeitada, estudada
se a uma absorção completa da atenção e leva ao e assumida como condição essencialmente humana.
adormecimento, ou uma reação motora numa espécie
de orgasmo. Freud definiu preliminarmente as três fases
da masturbação infantil: 1 – lactância; 2-florescência da Recebido em 02 de julho de 2007 e aprovado em
atividade sexual (04 anos); 3 – onanismo da puberdade. 14 de setembro de 2007.
Nessas etapas, a criança deve aprender a ler e assumir
seu próprio corpo, o corpo que é ela própria, constitui
seu ser, que vai vivenciá-lo pelo resto da vida e que deverá
ser um instrumento de trabalho e prazer. A superação
do dualismo corpo-mente deverá ser um novo estágio
da condição humana e sua compreensão epistemológica.
No terceiro ensaio sobre a puberdade,
constatamos que a mesma é cheia de transformações,
passa de auto-erótica para a consideração de um objeto
sexual externo a si, de pulsões e zonas erógenas distintas
para alvo sexual. É atingida a última fase quando o objeto
de erotização ou de desejo não está mais no próprio
corpo, mas em um objeto externo ao indivíduo - o outro.
Neste momento meninos e meninas estão conscientes
de suas identidades sexuais distintas e começam a buscar
formas de satisfazer suas necessidades eróticas e
interpessoais. Para investir nos objetos sexuais é criada
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