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Licenciatura em Filosofia

Filosofia das Ciência II

O Progresso e os seus problemas: Articulação entre


racionalidade científica e o progresso científico
Ano letivo 2018/2019

Diogo Costa
201706357
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Abstract

De forma a dar continuidade ao trabalho realizado no primeiro semestre da


unidade curricular da Filosofia das Ciências I, cujo tema tratado foi a “Estrutura das
Revoluções Científicas: Paradigma, ciência normal, ciência extraordinária, revoluções
científicas e incomensurabilidade segundo Thomas Kuhn” , venho desta forma abordar
a obra O Progresso e os seus Problemas, de Larry Laudan, que foi escrita no contexto
das discussões acerca da racionalidade e objetividade da ciência geradas pela publicação
da obra “A Estrutura das Revoluções Científicas” de Thomas Kuhn, esta contribuiu para
avançar no debate na filosofia da ciência sobre os critérios de escolhas entre teorias
rivais e sobre a noção de progresso científico e, por isso a posição de Laudan
caracteriza-se por uma redefinição dos conceitos usados tradicionalmente na
epistemologia, no tratamento da questão acerca das relações entre racionalidade e
progresso.

O Progresso e os seus problemas: Articulação entre racionalidade científica e o


progresso científico
Na primeira parte da obra, Laudan desenvolve a sua própria teoria da ciência,
pressupondo muitas ideias já propostas anteriormente por filósofos como Lakatos e
Kuhn, mas também oferecendo, dentro de outras novidades, o seu próprio critério de
avaliação objetiva das teorias científicas e um novo critério de progresso. Já, a segunda
parte, pretende esboçar algumas aplicações das ideias apresentadas anteriormente e trata
de temas como a relação entre filosofia e história da ciência, e o papel da história na
avaliação das teorias.

O problema que foi retomado por Laudan foi, precisamente, a recusa da ideia de
que é racional adotar um programa de pesquisa degenerativo pelas razões de Lakatos,
tentando justificar a ideia de que os cientistas podem racionalmente trabalhar em mais
de uma tradição de pesquisa, desde que distingam entre a aceitação e a procura de uma
tradição. Para o autor, a ciência é essencialmente uma atividade de solução de
problemas e com essa ideia, o autor pretende dar ênfase a um aspeto que outros
negligenciaram, ou do qual não extraíram as devidas consequências, implicando
conceber a ciência não como uma atividade de procura da verdade, ou de descrição e
explicação da realidade, mas como motivada primariamente por uma dinâmica interna
própria. Porém, ao contrário do que o autor dá a entender, é questionável que haja aí
grande novidade, pois a descrição da atividade científica como uma atividade de

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resolução de problemas já estava claramente presente em Kuhn. No entanto, Laudan
acredita que Kuhn não a levou suficientemente a sério, e que por isso teria acabado em
dificuldades com a racionalidade da ciência, e para evitar essas dificuldades, o autor
propõe que se trate a racionalidade como uma noção derivada da noção de progresso, e
não como uma noção primitiva. Ou seja, Laudan pretende explicar a racionalidade da
ciência em termos do progresso na eficácia de solução de problemas e não em termos da
aproximação à verdade, ou aumento da capacidade explicativa ou previsível das teorias.

Assim, seguindo uma linha parecida à de Lakatos, o filósofo prefere falar não
em “paradigmas”, mas em “tradições de pesquisa”, em que a principal diferença entre a
relação à noção lakatosiana de “programa de pesquisa” está no facto de que uma
“tradição de pesquisa” pode alterar-se substancialmente no decorrer do tempo, inclusive
nas suas doutrinas mais centrais. Não há um núcleo irredutível e inalterável. Desta
forma, a noção de tradição de pesquisa é bem mais vaga e de delimitação mais difícil
que as noções de “paradigma” e “programa de pesquisa”, e pode dar margem a dúvidas,
uma vez que pode não ser claro quando uma tradição de pesquisa terminou e outra
começou.

Para Laudan o que define um problema científico contextualmente é algo que é


um problema num contexto histórico, não podendo sê-lo em outro. Do mesmo modo, as
soluções aceites em determinado contexto podem ser inadequadas noutro. Ou seja, a
caracterização contextual dos problemas acaba tornando inexequível o critério de
progresso proposto por Laudan, pois para calcular o progresso de uma tradição de
pesquisa precisa-se de um critério anterior que permita identificar um problema, e como
não se tem senão critérios contextuais de identificação de problemas, a contagem
comparativa de problemas em tradições diferentes fica prejudicada.

Porém, independente disso, Laudan distingue dois tipos de problemas: empíricos


e conceituais. Segundo Laudan, o que define um problema como empírico é o facto de
esse ser tratado dentro de determinada ciência, por conseguinte dentro dos seus
pressupostos teóricos, como um problema acerca dos objetos de estudo do domínio em
questão. Ou seja, aqui não importa se tais problemas correspondem a reais estados de
coisa, visto que basta que eles sejam pensados como reais e tratados como tal. Deste
modo, o que faz com que um problema banal se torne um problema empírico é o facto
de alguém, em determinada época, decidir que tal facto merece ser explicado.

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Assim, dentro dos problemas empíricos, Laudan distingue três tipos: problemas
não-resolvidos, problemas resolvidos e anomalias. Os problemas não-resolvidos são
aqueles que ainda não foram resolvidos adequadamente por nenhuma teoria; os
problemas resolvidos são aqueles que foram satisfatoriamente resolvidos por alguma
teoria e as anomalias são problemas que uma determinada teoria não resolveu e que, no
entanto, já foram resolvidos por uma teoria rival. Deste modo, para o autor, umas das
características distintivas do progresso científico é a transformação de problemas
anômalos e não resolvidos em problemas resolvidos. Devemos perguntar, portanto, no
caso de todas e cada umas das teorias, quantos problemas resolveram e quantas
anomalias enfrentam. Esta pergunta converte-se numa das ferramentas fundamentais
para a avaliação comparativa das teorias científicas. Portanto, quanto ao status dos
problemas não resolvidos, Laudan, destaca que esses mesmos problemas só apenas
contam como problemas genuínos e só têm importância quando são resolvidos pois, até
então, eles são problemas para as teorias. Por isso, até que seja solucionado
adequadamente por alguma teoria T, não se pode dizer que um problema não-resolvido
P deve ser resolvido por uma teoria da química, da física ou da biologia, pois não se
podendo determinar a priori de quem é a responsabilidade de resolvê-lo. Todavia,
podemos afirmar que um problema empírico está resolvido quando os cientistas não o
encaram mais como uma questão não respondida.

Relativamente aos problemas resolvidos, Laudan assinala que para determinar se


uma teoria resolve um problema, é irrelevante se a teoria é verdadeira ou falsa. E,
segundo o mesmo, os problemas resolvidos têm ainda três importantes características.
Primeiramente, as soluções para os problemas são sempre aproximativas, variando o
grau de aproximação de ciência para ciência. Em segundo lugar, é irrelevante se as
soluções para os problemas são verdadeiras ou falsas, visto que basta uma teoria T ser
vista como uma solução adequada para um problema P se de T possamos inferir P como
conclusão. E, por último, as soluções serão sempre impermanentes. Ou seja, o que conta
hoje como uma resposta adequada ao problema P pode no futuro ser considerada
inadequada.

Já, no que diz respeito aos problemas anômalos, Laudan assinala que as
anomalias têm sido vistas como motivos sérios para o abandono das teorias que as
exibem. Uma teoria é composta por outras das quais se derivam dedutivamente
predições e, se as predições se revelam falsas, não é possível determinar qual das teorias

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componentes é a culpada. Por outro lado, os próprios dados experimentais que refutam a
teoria em teste são, eles mesmos, frutos de teorias. Assim, a sua confiabilidade não é
total, pois se a teoria é refutada pelos dados experimentais, o problema pode estar nos
dados e não na teoria. Diante disso, Laudan propõe que a existência de anomalias numa
teoria faz nascerem dúvidas sobre ela, mas não obrigam o abandono da mesma.
Todavia, a inconsistência lógica entre teoria e observação está longe de ser a única
forma de anomalia. Deste modo, uma das mais importantes espécies de anomalia são
aquelas em que uma teoria, embora consistente com resultados observacionais, não é
capaz de resolver um problema já solucionado por uma teoria rival no mesmo domínio.
Portanto, qualquer problema empírico resolvido por uma teoria se tornará uma anomalia
para qualquer teoria do mesmo domínio que não o consiga solucionar. Assim, o peso de
resolver uma anomalia será grande na avaliação crítica de uma teoria, uma vez que se
um problema for uma anomalia para uma teoria, a resolução do mesmo torna-se uma
tarefa importante para a teoria e, uma vez solucionado, o problema entra para a lista de
sucessos da teoria.
Posto isto, como a tarefa das teorias e da ciência por extensão, é resolver problemas
cognitivamente importantes, Laudan pretende dar alguns critérios, sugestivos e não
exaustivos, para essa avaliação. Desta forma, a importância de um problema pode
crescer justamente porque ele foi resolvido, por isso o status do problema só se torna
evidente quando ele é adequadamente solucionado, pois até lá não se poderia dizer qual
teoria deveria resolvê-lo, podendo-se dizer, inclusive, que é só após a sua solução que o
reconhecemos como um problema. Assim, um problema pode crescer de importância
quando é uma anomalia muito resistente e que é finalmente resolvida, quando são
arquetípicos, ou seja, se mostram como instâncias particulares dos problemas
considerados básicos em um domínio e, quando um problema é considerado mais geral
que os outros. No entanto, o mesmo, pode, também, decrescer em importância quando
as crenças sobre o que há no mundo mudam e, com elas, os problemas que lhes são
próprios, quando um problema passa de um domínio para outro e quando o tipo de
problemas considerados básicos muda num domínio. E neste mesmo embate, Laudan
fornece alguns critérios para a avaliação da importância cognitiva das anomalias: varia
segundo o grau de discrepância entre as predições e os dados experimentais, segundo o
tempo de resistência da anomalia frente às tentativas teóricas de resolução, e segundo a
situação comparativa das teorias rivais dentro de um determinado domínio.

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Distanciando-se dos filósofos empiristas, Laudan propõe uma nova categoria de
problemas, os chamados problemas conceituais e, segundo o autor, a importância desses
mesmos problemas foi, geralmente, ignorada por epistemólogos e historiadores da
ciência. Porém, o papel desempenhado por tais problemas é, no mínimo, tão importante
quanto aquele dos problemas empíricos, pois enquanto estes se caracterizam como
questões sobre as entidades substanciais constituintes de um determinado domínio, os
problemas conceituais caracterizam-se como problemas de primeira ordem concernentes
aos fundamentos das estruturas conceituais (as teorias). Desta forma, os problemas
conceituais podem ser internos ou externos. Assim, os problemas internos caracterizam-
se ou por ocorrência de incoerência ou contradição numa teoria, ou por ambiguidades e
circularidades conceituais internas. A maneira de lidar com a ocorrência de problemas
de incoerência ou contradição é não aceitar a teoria até que estas sejam removidas, mas
isso não implica um abandono da teoria, pois a recusa em aceitar uma teoria incoerente
não exige que se deixe de trabalhar nela, isso porque para o cientista é melhor ter uma
teoria incoerente do que nenhuma teoria. Ou seja, não se trata de uma opção absoluta,
mas relativa às opções disponíveis. Já os problemas de ambiguidade e circularidade
conceitual de teorias são mais de grau do que de tipo, e Laudan admite que há certo grau
de ambiguidade que não pode ser eliminado de teoria alguma, mas quando a
ambiguidade ou circularidade é crônica, pode tornar-se desvantajosa para a teoria em
questão.
Todavia, os problemas externos ocorrem quando uma teoria entra em conflito com outra
teoria que se crê estar bem fundamentada. Os mesmos que considerados mais graves
têm tipicamente uma das seguintes características: 1) uma incompatibilidade entre
suposições teóricas, 2) implausibilidade, no sentido de que ao aceitar uma das teorias a
aceitação da outra torna-se menos plausível, ou 3) incoerência, isto é, a aceitação de
uma teoria implica a negação de pelo menos parte da outra.

Posto isto, Laudan afirma que os problemas conceituais, em geral, são mais
sérios que os problemas empíricos e, isto deve-se ao facto de que os problemas
empíricos são mais fáceis de solucionar do que os problemas conceituais, sendo que a
importância desses problemas varia de acordo com a confiabilidade que se tenha em
cada uma das teorias em conflito, com o estado comparativo das teorias no momento e
com a idade do problema conceitual.

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Assim, dada essa caracterização dos problemas e tipos de problemas, Laudan
define um critério para medir o progresso de uma tradição de pesquisa relativamente à
outra. O seu critério leva em consideração não apenas a solução de problemas empíricos
significativos, mas também os problemas conceituais e anomalias importantes que as
teorias geram. É um critério quantitativo, no sentido de que se deve calcular o número
de problemas importantes resolvidos por determinada tradição e diminuir dele o número
de anomalias e problemas conceituais importantes que são gerados. Esse seria então um
critério objetivo de progresso: uma tradição é mais progressiva que outra se resolve uma
quantidade maior de problemas significativos e gera uma quantidade menor de
anomalias e problemas conceituais. Desse critério poder-se-ia então derivar um critério
de racionalidade: as escolhas mais progressivas são as mais racionais.

Segundo o filósofo, as tradições de pesquisa não são diretamente testáveis, nem


mesmo são explicativas ou previsíveis, mas fornecem os instrumentos necessários para
a solução de problemas empíricos e conceituais. Dessa maneira, estão ligadas
diretamente à solução de problemas e podem ser avaliadas objetivamente. Uma tradição
é mais bem-sucedida que outra se consegue, por meio das teorias que a compõem, ter
um nível maior de solução de problemas empíricos e conceituais. Isso pode ser avaliado
independente de sabermos se as teorias que a compõem são verdadeiras ou falsas. O que
está em jogo é a eficácia na solução de problemas que uma tradição proporciona. Assim,
se uma tradição for rejeitada, isso apenas significa que está sendo deixada de lado
naquele momento porque se mostra menos eficaz em solucionar problemas do que uma
tradição alternativa.

Conclusão

Apesar de Laudan dar indicações sobre o que considera um problema, não fornece um
critério claro que permita individuar problemas e, assim, contá-los. O mesmo, também
não fornece critérios externos às tradições de pesquisa que permitam a ponderação de
problemas com pesos diferentes, ou critérios claros para se saber quando um problema
foi resolvido, mas ainda assim, o autor, consegue fazer uma distinção permitiu algum
avanço nos debates relativamente ao estado em que haviam alcançado com Kuhn e
Lakatos. Trata-se, então, da distinção entre o que ele denominou contexto de aceitação e
contexto de procura de tradições de pesquisa. A avaliação da racionalidade de uma
escolha científica deve levar em consideração esses dois contextos. No primeiro, o
critério proposto por Laudan diz que é racional aceitar (ou tratar como verdadeira) uma
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tradição de pesquisa que tenha em termos gerais maior eficácia na solução de
problemas, isto é, que tenha resolvido mais problemas importantes que as tradições
concorrentes. Esse tipo de escolha é racional à medida que visa o progresso científico,
ou seja, sempre aumentar o domínio de problemas resolvidos. Todavia, no contexto de
procura, a ideia básica é que é racional para um cientista trabalhar também numa
tradição de pesquisa alternativa, que mostre uma taxa atual crescente de solução de
problemas. Segundo Laudan, as atitudes de aceitação e a procura não precisam de
coincidir, pois pode-se aceitar como verdadeira uma tradição já bem estabelecida no
passado enquanto se procura outra que se mostra presentemente promissora.

Bibliografia

Laudan, L.: 1977. O Progresso e seus Problemas: Rumo a uma Teoria do Crescimento
Científico. Trad. R. L. Ferreira. São Paulo: Editora Unesp, 2011.

Kuhn, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas, Lisboa: Editora Guerra &
Paz, 2009.

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