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c.

Clínica das estruturas clínicas ou clínica do objeto a

Para poder responder a essas perguntas, é necessário resolver outro problema de


grande importância teórica, que envolve lidar com a lógica da seguinte ideia: existe
um primeiro Lacan, um segundo Lacan, um terceiro Lacan, etc. (dependendo da
sofisticação do comentarista, quantos Lacan ele é capaz de distinguir). Dentro
dessa diacronia, encontramos uma resposta para a pergunta: é o primeiro Lacan
quem sustenta a clínica das estruturas clínicas, mas o último a substitui pela clínica
do objeto a. Analisar primeiro a validade dessa resposta permitirá voltar ao
problema anterior com melhores ferramentas.

A transformação das noções dentro do ensino de Lacan é surpreendente e pode-se


dizer até mesmo vertiginosa. As mudanças às vezes são violentas. No entanto, é
um erro teórico grave tentar entender a transformação vertiginosa das noções no
ensino de Lacan e, por que não dizer, na psicanálise em geral, com a lógica
evolutiva que implica que o segundo é mais evoluído, perfeito, correto, preciso do
que o primeiro, e assim por diante.

Por quê? Porque isso implica um erro grave na concepção do tempo utilizado e,
além disso, porque se baseia na noção de evolução. A noção de tempo na
psicanálise requer as noções de antecipação e retroação, é o tempo do futuro
anterior, sem o qual nenhum dos fenômenos subjetivos pode ser corretamente
interpretado. Não avançamos do passado para o futuro. Lacan aborda isso com
notável clareza em seu primeiro seminário:

"Precisamente, o passado e o porvir correspondem. Não em qualquer sentido, não


no sentido que vocês poderiam acreditar que a análise indica, isto é, do passado
para o porvir. Pelo contrário, exatamente na análise,... seguimos a boa ordem: do
porvir ao passado. Então, como explicar o retorno do recalcado? Por mais paradoxal
que seja, há apenas uma maneira de fazê-lo: ele não vem do passado, mas do
porvir.”

Além de operar com uma noção equivocada, mas muito intuitiva, do tempo, ao
trabalhar com a noção de evolução, introduz-se um ideal. Sempre se evolui em
direção ao melhor. A evolução das espécies não se trata apenas de sua mudança
ao longo do tempo, mas sim de sua melhoria adaptativa. A posição que será
mantida, seguindo Freud e Lacan, é que o sujeito com o qual a psicanálise opera
não evolui.

Isso pode parecer um pouco pessimista. Talvez não seja tão ruim que seja assim.
No entanto, o sujeito com o qual o psicanalista trabalha não evolui. Basta lembrar o
sacrifício de milhões de vítimas humanas nos fornos crematórios, cometido neste
século por um povo que era considerado o ápice da cultura, arte e ciência do
Ocidente, para atacar a ilusão da evolução em direção a um ideal de sociedade
humana. O mesmo pode ser demonstrado com uma única noção, a noção de ato
em nível individual. O ato não produz a evolução do sujeito. O efeito de um
verdadeiro ato é um sujeito novo, diferente do anterior ao ato. Esse sujeito não é a
evolução daquele que existia antes, mas sim Outro, no sentido de uma profunda
alteridade. Nesse mesmo sentido, pode-se afirmar que o analisante também não
evolui. O analisante não evolui durante o curso da análise. No máximo, ele
reencontra ou resgata o caminho de seu desejo e, consequentemente, consegue
delimitar seu gozo, mas a ideia de resgatar ou recuperar implica que não se trata de
evolução.

Da mesma forma, a teoria não evolui. A teoria psicanalítica não evolui. O único
argumento que será considerado é a posição na qual Lacan desenvolveu a
novidade de seu ensino, o "retorno a Freud". Se o ensino de Lacan está impregnado
da ideia de um retorno a Freud, é muito evidente que o progresso do ensino de
Lacan não significa uma evolução. Parece, ao contrário, que foram os
pós-freudianos que evoluíram. A ideia dos pós-freudianos era fazer a psicanálise
evoluir. Diante disso, Lacan propõe um retorno ao filo subversivo das descobertas
originais de Freud.

Como se vê, trata-se da concepção do tempo. Afirma-se em todos os lugares que o


tempo na psicanálise é lógico e não cronológico. Isso é afirmado como um credo.
No entanto, opera-se com um "primeiro Lacan", um "segundo Lacan" e um "terceiro
Lacan", o que implica uma concepção cronológica do tempo, o que acarreta uma
verdadeira contradição interna.

Aqueles que sustentam a teoria de um primeiro Lacan, um segundo Lacan, um


terceiro Lacan, etc., são questionados: acaso em Lacan não há antecipações
geniais e retroações notáveis? Antecipação e retroação, que estruturam a dimensão
do tempo na psicanálise, não podem ser pensadas em conjunto com "primeiro
Lacan", "segundo Lacan" e "terceiro Lacan". Além disso, não se encontram claras
marcas do que está por vir quando se lê o ensino de Lacan, mesmo quando isso
ainda não está presente? Por fim, na prática analítica e na experiência do
analisante, acaso o novo, o absolutamente novo, não está sempre intimamente
relacionado ao que sempre esteve lá? O novo a ser encontrado no fim, o novo a ser
encontrado no fim da análise, não está de alguma forma articulado às marcas
daquilo (Id, Isso, Ça) que estava lá mesmo antes do início?

Deve-se trabalhar com uma noção de tempo que tenha a estrutura de um loop, pois,
caso contrário, nada da experiência analítica nem da concepção do sujeito pode ser
aplicado sem cair em profundas contradições lógicas. Ao tempo com o qual a
psicanálise opera, não pode ser atribuída uma estrutura linear, o que é chamado de
"a seta do tempo", mas sim uma estrutura em que o tempo avança em um loop ou
um oito interno.
Será levantada a questão se a clínica lacaniana do objeto a é ou não mais evoluída
do que a freudiana das estruturas clínicas, ou se pertence ao primeiro Lacan ou ao
último, substituindo-a por como se articula com as estruturas clínicas.

A clínica do objeto a não é uma clínica que abandona a histeria, a obsessão, a


perversão e a psicose. Ela implica uma mudança: o abandono da suposição de que
a clínica é ordenada pela função paterna. Em que reside a diferença? A ideia de que
a clínica é ordenada pela função paterna não é apenas um erro teórico, mas
também uma fantasia neurótica. Para o neurótico, sua neurose, seu sofrimento
neurótico, é explicado pela função do pai. A adesão do neurótico a essa versão da
função do pai é de extrema importância teórica, pois tem uma grande valência
subjetiva, trata-se do amor ao pai, do "amor supremo ao pai", como expresso por
Lacan, seguindo Freud.

Portanto, será elaborado como abandonar essa função de causa atribuída ao pai, a
fim de passar para a clínica do objeto a, que opera com as estruturas clínicas
freudianas.

d. S (Ⱥ)

O pai, em sua função mais específica, é elaborado por Lacan como Nome-do-Pai.
Como o significante do Nome-do-Pai se articula com o objeto a? Na psicanálise,
desde Lacan, afirma-se que o pai é um significante, enquanto o objeto a, obscuro
mas obviamente, é um objeto. Há outro significante que deve ser concebido para
operar a passagem da clínica ordenada pelo pai, a clínica do Édipo, para uma
clínica além do pai, além do Édipo, que é a clínica do objeto a. Não se trata de
substituir um significante por um objeto. Outro significante deve vir ocupar o lugar
que neuroticamente é atribuído ao significante do Nome-do-Pai. Esse significante é
o significante de uma falta no Outro, S(Ⱥ).

A função que o neurótico atribui ao significante do Nome-do-Pai, Lacan propõe que


corresponde ao significante de uma falta no Outro, S(Ⱥ).

Para entender o que o significante S(Ⱥ) implica na teoria, é necessário recorrer a


algumas noções extras. A noção que permite compreender o que Lacan propõe ao
postular em seu ensino que é preciso deslocar o significante do Nome-do-Pai é a
raiz quadrada de -1, √-1. O que vai funcionar como suporte conceitual é a lógica
envolvida em √-1. Não é que √-1 seja mais fácil de entender do que S(Ⱥ), na
verdade, ambos são difíceis de entender, mas trata-se de uma ferramenta
conceitual necessária para operar com S(Ⱥ).

√-1 é uma conquista do pensamento matemático difícil de conceber, mas não


devemos esquecer que a dificuldade vem do fato de tentarmos compreendê-lo
através do senso comum. E como o senso comum moderno é aristotélico e
medieval, ou seja, de forma alguma moderno, nunca conseguimos compreender as
noções da ciência dos últimos séculos através do seu uso, elas escapam ao senso
comum. O sujeito da ciência sofre os efeitos de sua presença, mas, a menos que
faça um esforço extra, não conhece seus argumentos nem suas leis.

O que é √-1? É o que corresponde como resposta quando tentamos resolver a


incógnita em uma equação como:

x2 + 1 = 0

Não há nenhuma anomalia nesta fórmula, é uma fórmula perfeitamente ajustada às


leis matemáticas. Exceto pelo fato de que, para que o resultado seja correto,
devemos estabelecer que:

x2 = -1

pois apenas:

-1 + 1 = 0

O problema é que nenhum número elevado ao quadrado pode resultar em -1. Aí


reside toda a questão.

Do livro "Matemática e Imaginação", de Kasner e Newman, são citados os


parágrafos onde se desenvolve a lógica desse problema.
"Assim como p, o número e é transcendental e, como p, é o que P. W. Bridgman
chama de 'programa de procedimento', em vez de um número, já que nunca pode
ser expresso completamente..."

O resultado da operação indicada por: "√-1 =", não é um número, pois não existe
nenhum número que possa ser a resposta para essa equação. Trata-se, antes, de
um "programa de procedimento", uma pura operação racional.

A citação continua assim:

"... já que nunca pode ser expresso completamente... (1) com um número finito de
dígitos... (2) como a raiz de uma equação algebraica com coeficientes inteiros... (3)
como um decimal periódico. Somente pode ser expresso com precisão como o
limite de uma série infinita convergente ou uma fração contínua. A √-1 é o
imaginário mais conhecido. Euler o representou com o símbolo 'i', que ainda é
usado. É inútil se ocupar com a pergunta 'que número multiplicado por si mesmo é
igual a -1?' Assim como todos os outros números, i é um símbolo que representa
uma ideia abstrata, porém muito precisa. Ele obedece a todas as regras da
aritmética... Sua obediência a essas regras e suas múltiplas utilidades e aplicações
justificam sua existência, ignorando o fato de que possa ser uma anomalia."

Então, √-1 obedece a regras abstratas e precisas e tem aplicações específicas em


seu campo, portanto sua existência está justificada. Isso significa que, embora seja
algo diferente do que é comumente conhecido como número, uma anomalia em
relação a eles, é utilizável pelo matemático. De fato, é exatamente isso que
acontece com o significante de uma falta no Outro, S(Ⱥ), pois não há nenhum
significante que ocupe esse lugar, ele é diferente de todos os outros significantes.
Se alguém tentasse estabelecer o valor de "S(Ⱥ)" para um analisante em particular,
nada poderia ser considerado como solução. Mantém-se a ideia abstrata de uma
operação cujo cálculo é simbolicamente preciso, embora não haja nenhum elemento
significante que possa ser considerado seu equivalente. Apesar disso, para todo
analisante, para todo sujeito analisável, corresponde a esse cálculo exato. Portanto,
não se trata do inefável no sentido do puramente indizível. Não é que não se possa
dizer nada sobre isso: pelo contrário. Para cada sujeito, a psicanálise pode fornecer
um cálculo preciso da falta no Outro, em forma algébrica: S(Ⱥ), embora não possa
ser dito ou expresso por meio de um significante.

Assim como acontece na matemática com √-1, à função de S(Ⱥ) corresponde uma
operação precisa e comunicável; não é necessário ser analisado nem ser analista
para compreendê-la. É uma ideia abstrata, formalizada e, portanto, precisamente
comunicável. Isso não significa que, para um determinado sujeito, se tenha o
significante que ocupa essa função.

Com S(Ⱥ) postula-se: a) que há uma falta no Outro, ou seja, que o Outro não é um
todo completo, b) que essa falta é inscrita por meio de um significante; a falta no
Outro é de um significante e é inscrita por meio de um significante, e c) o
significante S(Ⱥ) não é um significante como qualquer outro. Assim como o número
imaginário √-1 é diferente de todo número natural, S(Ⱥ) é diferente de todo
significante do Outro e, por esse motivo, ele mesmo não preenche a falta que
inscreve.

Para conceber racionalmente as estruturas clínicas, deve-se abordar o tema do


objeto a e do intervalo. Por meio da utilização dos conceitos de objeto a e intervalo,
é possível articular uma clínica, aquela que é chamada de "além do pai". A clínica
além do pai requer a operação de S barrado, S(Ⱥ), ou seja, uma função equivalente
a √-1.

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