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POSIÇAO DO PROBLEMA
Reinterpretações
Estou bastante contente que esse caso do Homem dos Lobos' tenha sido desper-
tado. É preciso reconhecer que todo catálogo feito sobre o Homem dos Lobos é e1.i-
dentemente satírico. Há, de fato, todos esses psicanalistas que se ocuparam dele, todos
esses comentadores, e depois todas as variações desses psicanalistas e comentadores - o
que já nutre uma extensa literatura. No fundo, é uma questão de reinterpretação. Este é
um termo que retorna com muita freqüência nos textos sobre o Homem dos Lobos, em
diferentes níveis. De um lado, esse texto é um polêmico escrito contra as interpretações
da psicanálise feitas por Jung e Adler. Por outro, há no próprio caso a reinterpretação de
uma neurose infantil que se produzira quinze anos antes. E então, novamente, reinter-
pretação. O que conseguimos apreender de verdadeiro nisso quinze anos depois? Será
que esse caso verifica as interpretações hostis que foram feitas a seu respeito. Vocês
sabem que Freud assume posições diferentes sobre a realidade ou sobre o caráter fan-
tasmático da cena primitiva. Dizendo de outro modo, esse traço de reinterpretação está
realmente presente em todos os níveis. Não temos de modo algum o estilo que Freud
emprega em relação ao Homem dos Ratos; o Homem dos Lobos é apreendido pelo que
ele conta sobre o que se passara quinze anos antes. É bastante curioso. É como se não ti-
véssemos O caso no presente, mas o caso apreendido na reinterpretação. Freud condensa
esse caso, destacando certos traços valorizados pelo tratamento analítico2:"a tenacidade
da fixação", sua extraordinária propensão à ambivalência e mesmo à vacilação, e "como
terceiro traço de uma constituição que é preciso nomear como arcaica: a faculdade de
Não podemos retomar o conjunto d o caso por essa base, mas podemos ir ao es-
sencial, qual seja: o problema da castração. Notemos de cara que não parece que Lacan
tenha colocado a questão do Nome-do-Pai no cerne desse caso. Mesmo assim é algo
inassivo. No momento em que ele traz não a forclusão como tal - ele a hwia abordado
dois anos antes - mas a forclusão do Nome-do-Pai: não se trata mais d o Honiem dos
Lohos. Ainda assim é uma indicação que se de\;e levar em conta.
Esse problema da castração que não fica muito claro em Freud, Lacan tenta resol-
ver. São tentativas de solução. Evidentemente, havendo passado certo tempo, as tentati-
vas de solução podem por sua vez tornar-se problemas. Enfim, são tentativas d e soluçào
de uin problema freudiano.
Tomemos a passagem na qiial Lacan se apóia eni sua "Resposta ao comentário de
Jean Hyppolite"'. Freud faz um resumo extremamente claro dessa coexistência d e liga-
çòes libidinais. Em certo sentido, o Homem dos Lobos jamais reconheceu a castração.
Eiii outro sentido, ele a reconheceu. Cito Freud: "Agora conlieceinos a posição inicial de
nosso paciente em relação ao problema da castração. Ele a rejeitou (uerwar-,e se detém
no ponto de vista da relaçào pelo ânus. Quando disse que a rejeitou, a significação iiiais
próxima da expressão é que ele nada quis saber sobre ela, no sentido d o recalcaiiiento.
Deste inodo, falando propriamente, nenhum julgamento incidi~isobre sua existência; foi
como se ela não houvesse. No entanto, esta atitude não pode ter sido definitiva, nem
mesiiio em relação aos anos de sua neurose infantil. Existem provas convincentes d e que
ele reconheceu posteriortiiente a castração como uin fato. Sob esse ponto ele tambéin
se coniportou d o modo que era caracrerístico para seu ser, o que torna extraordinaria-
mente difícil para nós representar sua neurose e compreendê-la a partir d o interior.'"
Temos, então, ein primeiro lugar, a Veriuerfung da castração, e em segundo lugar o seu
reconliecimento. Mas esse reconhecimento reveste duas modalidades: primeiramente ele
1) Verwerfung da castração
/IResistir
2) Reconhecimento da castração
Ceder
Freud especifica: "Por fim, subsistiam nele lado a lado duas correntes opostas das
quais uma aboniinava a castração e a outra estava prestes a aceitá-la e a consolar-se
com a feminilidade como substituto. A terceira, a mais antiga e profunda, aquela que
simplesmente rejeitara a castração e na qual ainda não era questão de julgamento sobre
sua realidade, esta corrente era certamente ainda reativável"
Ein certo sentido, é verdade que o conjunto d o caso d o Homem dos Lobos nos é
apresentado no âmbito da neurose infantil: e mesmo da neurose adulta. Há: entretanto,
nesse livro a niarcação de uma resistência masculina à castração e da adoção de uma
posi~ãofeminina, com, por detrás, uma questão que é sempre capaz de entrar eni ati-
vidade.
O que Freud diz é ainda assim extraordinário. Isto indica que o que pôde se passar
já estava anunciktdo. É tasnbém o que confere importância à famosa cena primitiva, pois
ela é considerada como tendo produzido no paciente a convicção da realidade da castra-
ção. A convicção, Überzeugung, é realmente uina posição subjetiva. O ponto de partida
de Freud é o de que uma neurose infantil precede a neurose ~ilterior.
Nesse contexto: qual é o problema colocado pelo próprio iiiodo como Freud ex-
põe o caso clínico em suas diferentes etapas? A Verwerfiung d a castração, Freud a de-
tecta na teoria anal d o coito. A analidade está iinplicada nela. mas há também analidade
na adoção da posição feminina. Então, a analidade é reencontrada em dois lugares, ao
passo que na verdade ela tem duas relações diferentes sob o ponto d e vista estrutural.
/T Resistir
2) Reconhecimento da castraçáo 4 Analidade(po8ição feminina)
Ceder
Nossa linha condutora da última vez era mostrar que Lacan tenta várias vezes ela-
borar, acerca da posição do Hotiiem dos Lobos em relação à castração, um binarisnio
que não parece situar sempre nos mesmos termos. De todo modo, explicitamente não
são sempre os mesmos terinos que estão em jogo. Pois no momento em que adota re-
almente uma posição radical em favor da Verwerfung, Lacan não fala mais d o Homein
dos Lobos. Eu resumo as coisas deste modo. Em primeiro lugar, temos uma ignorância
da castração, isto é, a concepção oral da relação sexual. Em segundo lugar, temos a
questão colocada sobre a concepção genital da relação sexual. Depois, em relação a essa
concepção genital: temos igualmente duas atitudes do Homem dos Lobos: a Verwefung
e o reconhecimento. Mas, conforme observa Freud, este elemento jamais fora eliminado
e continuou coexistindo. Já citei esta passagem-chave do texto de Freud: "Por fim, suh-
sistiam nele, lado a lado, duas correntes opostas, das quais uina repudiava a castração,
e a outra estava prestes a aceitá-la e a consolar-se com a feminilidade como substituta.
A terceira, mais antiga e profunda, aquela que simplesmente rejeitara a castração e na
qual ainda não era questão de julgamento sobre sua realidade, essa corrente certamente
era ainda reativável."
Eis o mais coinpleto diagnóstico que Freud formula em seu texto sobre o Homem
dos Lobos. 1-Iá essa atitucle ambivalente em relação i castração, e há, por baixo delal
uma atitude de VerwerJiung fundamental. Isto quer dizer que o próprio reconheciinento
se divide: abominar a castração ou aceitá-la, o que faz com que encontremos o erotismo
anal ein dois lugares. Há, então, estas três correntes fundamentais: abominar a castração,
ou aceitá-la, com a terceira corrente sempre reativável.
Se Freud se apressou tanto ein se desvencilhar desse paciente, e se, clesvencilhan-
do-se dele, retornou teoricamente com tanta insistência - este é o diagnóstico de Lacan
-, foi porque não havia subjetivado os problemas que ali estavam em jogo. Como o caso
d o Homem dos Lobos permaneceu um problema não resolvido na conlunidade analítica,
eu me permiti indicar, da última vez: que o diagnóstico de Lacan poderia ser estendido
ao conjunto dessa comunidade analítica.
O ponto preciso d o qual se trata é o que resta fora do significante. Esse ponto
não é de modo alg~imum dado para Lawn no momento em que empreende seu ensi-
no propriamente dito. Com efeito, trata-se para ele de situar uma teoria da psicanálise
Paranóia
Da mesma forma, o que chamamos de paranóia do Hoiiiem dos Lobos parece po-
der situar-se, de [nodo mais simples, como uma reativação dessa corrente mais antiga da
qual emergirá a alucinação, depois na queixa sobre seu nariz. O nariz era efetivamente
um deslocamento d o órgão genital. Uiii enunciado importante do Homem dos Lobos é
muito bem traduzido deste inodo: "sempre tive má sorte com meu pênis". Ele dá um
número importante de exemples dessa persistente má sorte:
"Chamemos as coisas por seu nome: sempre rive má sorte com meu pênis, com meu meni-
bro; mesmo antes da gonorréia. Você conhece esses bichos que chamamos de carrapatos? No
quintal de nossa casa, corríamos atr:iirés dos arvoredos, rolávamos sobre a grama e subíamos
nas árvores. Desde sempre comecei a ter comichões. Eu esfreguei, cocei. Par fim, percebi
"Tive uin tio que vivia ao inodo de Luiz I1 da Baviera. Um caso típico de selvageria que foge
clos contatos humanos.
Por outro lado, no âmbito maternal eu tive um primo, o filho da irmã mais velha de minha
niiie, que era acometido por uma forma ligeira de paranóia. [...I 6 claro que isso [o diagnós-
tico de paranóia1 não me agr;iclava de modo algum. De repente eii tive a vontade de nào
passzir por um paranóico. Fiquei bastante orgulhoso, não é niesmo?, do que Freud escrevera a
meu respeito: 'sua inteligência irrepieensíveP etc. Ele era, como vocês sabem, um adversário
da religião. eu lhe contara que. iá em minha infância tive ddúnidas sobre a contradição que
existe entre um deus de bondade e todo o mal que se encontra no mundo.[...lE eii estava
natiir;ilmente orgulhoso que ele tenha dito que só uma criança podia pensar tão logicamente,
que ele me tratou como um pensador de primeira ordem e o que sei eu ainda. E agora, eu
deveria ser etiquetado de repente como paranóico. Então nessa situação eu reuni todas as
minhas forças para não me olhar mais no espelho; de uin modo oil de outro eu sobrepujei
minhas idéias fixas. Isso durou alguns dias. Ao cabo desse tempo, estava acabado. [..I Então,
mcês vêem que um falso diagnóstico pode às vezes conduzir a esse resultado de que um
paciente reúne todas as siias forças saudáveis para sobrepujar uin certo estado.'
Causalidade diferencial
As três correntes
A pequena grade que extraímos desse texto deixa justamente se desdobrar a niulti-
plicidade de pontuações possíveis. O próprio Freud percebe que muitas pontuações são
possíveis no quadro clínico desse caso. Lembro-lhes, Freud distingue nele três correntes
fundamentais: (1) o Homem dos Lobos nada queria saber da castração, mesmo no sen-
tido d o recalque - foi a partir disso que Lacan conceituou a forclusão, apoiando-se na
palavra Iferwerfung que está presente em Freud; (2) o Homem dos Lobos foi forçado a
reconhecer a castração. Há, portanto, reconhecimento, e este se dá de dois modos: ou
ele aceita a castração; ou a abomina. Então, cada um dos fenômenos pode ser itiiputa-
d o a uma dessas três correntes. É então bastante complicado quando há rejeição: será
rejeição forclusiva ou interna ao reconhecimento? A dificuldade d o caso vem d o duplo
valor desse "não". Em que se condensa esse "reconhece abominando, que é a terceira
corrente desse esquema? Freud eiiiprega o termo "fantasma homossexual", mas se trata
antes d e ser uma mulher. No episódio muito preciso que releiiios, parece-me que temos
antes a posição três, a partir da qual Freud decifra o fenômeno das lavagens intestinais
clarificadoras.
A castração
É preciso admitir que, para esse caso e para a polêmica sobre o diagnóstico, a
questão se centra na castração. É o capítulo central de Freud: "Erotismo anal e castração".
Destaco isto pelo fato de que passaremos ao fragmento de Lacan sobre os dois furos,
fálico e paterno. A questão da hesitação diagnóstica reside então no fato d e saber se liá
ou não significação fálica. Ela se centra no que é obrigatório, a saber: forclusão ou reco-
nhecimento? Seria um reconhecimento na rejeição?
O que não é colocado em questão até então é a relação com o pai no caso d o
Homem dos Lobos. Essa relação, poderíamos, afinal de contas, colocar em questão. Com
(7 de janeiro de 1988)
A duvida e a apofantica
Uma das dificuldades que encontramos com esse caso, eni nossa pesquisa, foi no
fundo porque não estamos tão habituados assim com discussões clínicas. Essas discus-
sões clínicas, fazemo-las frequentemente de modo bastante rápido em IRMA16, Iiaja vista
o próprio forinato do evento. No entanto, eu não gostaria de encontrar agora virtudes
exrremas na discussão, como faz o filósofo Jürgen Habernias - qiie pensa que é na dis-
cussão, eni sua estrutura, que repousaiii o futuro do inundo e o nasciiiiento de Liin novo
universal. Mas, enfim, a virtude da discussão me parece certa. Quando ela se produz
entre nós, é acompanhada de uin sentimento de certa novidade.
Aqui, tomamos por base um caso de Freud. Eventualmente, criticamos Freud seve-
ramente, e ele suporta isso com uma imparcialidade que faz nossa admiração. Ele não
é susceptível, ele não diz: "se é assitii, vou-me etiibora". O próprio Lacan não é nada
nioderado. Ele supõe que Freud não resolveu o caso, uma vez que ele periiianeceu dis-
tante d o que diz respeito à assunção da castração. Vocês sabem muito bem que seria
muito nial visto entre nós que se fizesse esse tipo de imputações. Pois é: e isto foi feito
em relação a Freud que, impávido; continua conosco. Seria preciso ser borgesi;ino para
desenvolver esse tema.
Temos a tendência a desenvolver a teoria psicanalítica sob a forina da certeza por-
que o ato, na prática da psicanálise, se dá em iim elemento de certeza. A interpretação
é criadora de seus efeitos. InterpretaG~oe discussào sâo duas posições coinpletainente
estranlias uma à outra, e isto se refere, quase nat~iralmente,ao estilo teórico. Existe, na
teoria psicanalítica. uma espécie de obrigação de estilo apofântico, quer dizer, cle mostrar
o verdadeiro.
O estilo de Lacan é certainente apofântico. Isto nos conduziu a profi~nclosence-
gueciiiientos na leitura e interpretação de Lacan. Não imaginamos tnais o quanto essa
leitura era atravancada - por causa desse estilo mesmo - pela convicção de que Lacan
dizia mais ou menos a niesma coisa do início ao fim. No ponto em que estamos. todos
vêem a que ponto essa era uma via sem saída para coiiipreender do que se tratava. Pode-
mos lamentar os excessos de cronologização em relação i apresentação teórica cle Lacan,
mas é, me parece, um inconveniente menor do que sua sincronização absoluta coin o
elemento de certeza. Isto realmente prejudicou o tral~alhoque se fazia na EFI'. Não que
Quiséssemos dar 2 dúvida uma função eminente na teoria; inclusi\,e Freud, em relagâo
ao Homem dos Lobos, dedica um parágrafo bastante interessante ao lugar da dúvida
como meio de resistência no tratamento d o obsessivo. Mas, talvez, entre a apofântica,
Os pais
Tornemos encerrar um pouco as coisas no estatuto do pai. Como não temos teinpo
de prosseguir nessa discussão hoje, gostaria simplesmente de lembrar a posição de Freud
a esse respeito.
Indiscutivelmente, a posição de Freud é que o Édipo se constitui no Homein dos Lo-
bos. Essa posição é inequívoca na própria observação. Isto se observa no plano diagnóstico,
o de neurose obsessiva. Freud ordena o caso no momento da neurose obsessiva. Na história
cotnplexa do Homem dos Lobos. há Lim momento que pode ser dito de neurose obsessiva:
aquele eni que ele está em debate com os temas da religião. A esse respeito, Freud conside-
ra "indubitável" - a expressão é dele - que o pai apresenta pard o sujeito. nesse moinento,
uma ameaça de castração. Está na conclusão do capítulo: "Erotismo anal e castração". Será
preciso retornar às ponderações e desvios pelos quais Freud chega a isso, mas esse capítulo
se encerra com a função do pai: "É absolutamente indubitável que para ele nessa época o
pai se tornou essa pessoa assustadora, apresentando uma ameaça de ca~tração."'~
Ali, Freud nos prepara duas posições paternas que podem dar origem a duas
séries. Uma anotação bastante preciosa nos mostra exatamente para onde o ensino
de Lacan pode deslizar. Freud considera que "o garoto tem que cumprir um esquema
Estarenios nós obrigaclos a uma relação de iiiiplicação causal entre I', e O,? Ou será
que Lacan nos autoriza a afrouxar esse laço a fim de que possa haver uiii sem o outro?
Esse texto, que introduz lima complicação quanto à relação entre P, e @,, permite-nos ou
não fazer uma disjunção entre eles? Nào é apenas uma questão de exegese d o parágrafo
de Lacan. Se nos fiamos nele, essa questão condiciona a idéia que se pode ter do caso
d o I-lomem dos Lobos.
Lacan, como Freud, certamente aborda a questão da psicose a partir d o Édipo. A
referência ao Édipo não está, evidentemente, no primeiro plano da análise freudiana d o
caso Schreber, mas alguns anos mais tarde, quando terá afinado a estrutura edipiana,
nomeará o caso Schreber em função da presença d o Édipo. Ele o abordará a partir da
neurose e da conjunção entre o pai e o coniplexo de castração. Deseiiil~araçandoesses
dois elementos, o pai e o conipleso de castração, Lacan sitiia um mecanismo, uina es-
trutlira simples que explica :i relaçào ou a articulação entre esses dois termos, e isto se
servindo do esquema da metáfora - inclusive este não é o primeiro uso que faz dele.
Esse esquema Ilie pareceu articular o pai e o coiiiplexo de castração.
Ao mesmo teiiipo, ele renuncioii a tudo o que provinhii de certo pudor semantófilo
a respeito d o ciiusalismo. Ele trata em termos causalistas a relação entre o pai e o com-
plexo de castração. O tema da causa e do efeito é aqui central. A metáfora - assim como
a nietonímia - é para ele uin esquema de causalidade. Se há causalidade, há, portanto,
uma relação orientada de um termo a outro, assim como uina relação de domin:içio d e
uni sobre o outro. A solução de Lacan - aquela que fez a celebridade de sua iiietáfora
paterna -, foi dizer que o pai como significante é causa e o falo \mo significado é efeito.
O falo como significação acabada é uiii efeito. "1"' tem enrâo como efeito: P 3 @. A partir
disso, obtém-se logo unia doutrina da psicose. Há uma relação de causalidade simples
entre esses dois terinos que são mesmo assim desnivelados: um é causa e o outro é efei-
to, um é sinibólico e o outro imaginário.
Em que momento se introduz a questão que aqui poderia produzir certa disjunção?
Após encontrar as provas e as expressòes d e P, no caso Schreber, tendo riiostrado as dis-
torções que resultam nas funções siml~ólicasque são religadiis ao P - em seu esquema:
I e I r I 2 O -, Lacan se ocupa do que ocorre no registro imaginário. Ele vê no "assassinato
de almasz de Schreber algo que é correlativo ao P,. Isto após haver tratado das questòes
que circundam esse ponto, relacionadas às identificações narcísicas. Depois de tratar
d o P, e da distorção das funções siiiibólicas, Lacan aborda ali a distorção das funçòes
imaginárias. É então que ele se ocupa desse ponto designando coino "assassinato de
alinas". No parágrafo que nos ocupa, o que vai exigir a resolução desse ponto é distinto
das identificações iiiiaginárias, que se desen\-olvem na linha "i - - - m" e que já haviam
sido evocadas por Lacan: gozo transexual, imagem da criatura etc. Uma vez que ele
abordou essas distorções e esses reinanejamentos imaginários, ele passa ao "assassinato
d e almas" como tal.
Esse "assassinato de almas", vocês sabem que é central no caso Schrel~ere que ao
mesmo tempo é coinpletaniente enigmático para nós, uina vez qiie figura no capítulo 111
das il.ienzórius. e que não passou para a publicação. Portanto, eiii relação ao aconteci-
mento dito de "assassinato de aliuas" teinos um ponto de interrogaç5o.
É para dar conta desse "assassinato de almas" como tal que Lacan se pergunta se
hasta colocar em jogo a relação de causalidade negativa entre P, e @:, a sal~er:o que ele
chama d e efeito simples. Mas nesse parágrafo da página 577 ele emprega a expressão:
"num segundo grau". Como representar a relação de causalidade ein um segundo grau?
Poderíanios dizer que isto introduz uma nova causalidade independente. Será que Lacan
diz isso? Parece-me que ele diz outra coisa. Ele diz que há um raciocínio coniplicado ou
de duplo gatilho. Em uin primeiro tempo, P, traduz uma elisão d o falo e, em ~ i i i segundo
i
tempo, essa elisão, para se resolver, produz o efeito dito de "assassinato de almas". O que
aparece conio solução final é o próprio "assassinato d e almas". As identificações imagi-
nárias não estio na posiçâo de resolução. Elas exploram o estádio do espelhi~,mas não
o seu abismo inortífero. O que Lacan chaina aqui de resolução é a resoluçâo da elisão
do falo causada por I',, o que ein Schreher adquire a forma d o "assassinato de almas".
Esse texto complica a relação entre P, e F,, mas não os torna disjuntos. Ele abre
uma certa margeiii: há diferentes modos de resolver essa elisão do falo. A que Schreher
escolheu foi a instância da morte no estádio d o espelho, mas isso permite supor que
talvez liaja outros inodos de resolver a elisão do falo, outros que nâo tomein a dimensão
dita de "assassinato de almas":
Instância da morte no estádio do espelho
Po-@o
Elisão do falo /
Lacan pode nos dizer que é preciso procurar a forclusão do Nonie-do-Pai, inas
ele nào nos diz para procurar ein toda psicose a presença do "assassinato de almas':.
O "assassinato de almas" é a solt~çãoschreheriana da elisão d o falo pela morte. Esse
parágrafo por si só não nos autoriza a fazer uma disjunção entre P, e F,. Ele apenas nos
abre uma margem de resolução da elisão do falo. É deste modo que leio esse trecho e
pelo menos é compatível com o que Lacan diz a respeito. "É outro abismo", diz. Enten-
demos sua questão. É precisamente porque generaliza a forclusâo d o Nome-do-Pai, que
~ 56/57
O p ~ ã oL a c a n i ~ nno 32 Julho 2010
pois a criatura infinitamente em um fantasma no qual há ausência de mediação. Enfim,
no último parágrafo da página 577, ele chega ao que é central: "E, também nesse caso,
a linha gira em torno de um furo, precisamente aquele em que o 'assassinato d'alinas'
instalou a morte." Pode-se dizer aqui que o @, adquire o valor da morte. Em Schreber,
a significação fálica é substituída pela significação da morte, enquanto em outros sujei-
tos psicóticos a forclusão do Nome-do-l'ai se acomoda muito bem a uma significação
vital que perdura mesmo assim. A morte é realmente uma negação muito forte da vida;
é seu inverso. Mas, podemos também imaginar que para certos sujeitos a significação
não é apenas a negação da vida, mas, por exemplo, o véu da vida. Não se trata aí de
uma assunção de funções vitais, iitna identificação a seu ser de vivente, mas de uma
identificação a seu ser de morto-vivo ou de vida deficitária. I'oderíamos então desdobrar
os diferentes alcances d o sentimento da vida que não chegam ao sentimento da morte.
Evidentemente, isto repousa em muitas coisas. E de cara, sobre o modo de enten-
der a expressão "produz em um segundo grau". Poderíamos entender que há P,, e depois
uma causalidade diferente em jogo; mas este não é o caminho que escolhemos seguir.
Parece-me que não é isto que quer dizer "em um segundo grau". Essa frase quer dizer
que a causalidade necessária se prolonga em um ponto; é portanto uma causalidade de
dupla vertente. Isso tambéni pode repousar no modo como interpretamos "o abismo
mortífero d o estádio d o espelho". Para inim, tal como o leio, isto quer dizer que Lacan re-
conduz a elisão ao estádio do espelho que, a esse respeito, particulariza o caso Schreber.
Retorno ao diagnóstico
\roltemos ao Homem dos Lobos. Somos, com esse caso, inuito dependentes da es-
colha d e Freud, pois como o próprio título indica, temos dele apenas um extrato. Freud
adota, portanto, um ponto de vista necessariamente parcial sobre esse caso clínico.
Curiosamente ele se centra em uin momento do caso que na verdade é muito antigo e
que parece clinicamente patente: uma neurose obsessiva desencadeada antes da idade
dos quatro anos e que começa por uma fobia de animais, para se converter em neurose
obsessiva de características religiosas. Freud anuncia as coisas desse modo. Ele recebe
um homem, e faz a escolha, quando nos apresenta o caso, de selecionar na história d o
paciente, para designar sua estrutura clínica, um momento que vai da idade dos quatro
anos até aproximadamente os dez anos. É ainda mais esquisito que ele nos diga que se
o paciente foi procurá-lo, foi porque estava doente na atualidade: ele afundou na doença
com a idade de dezoito anos' por causa de uma gonorréia.
A declaração inicial de Freud a esse respeito é impressionante. Ele nos anuncia
que é impossível ver a conexão entre o adoecimento anterior e o posterior, definitivo. É
Isto justifica o que há de mais singular nesse texto de Freud, a saber, o estilo da
escrita. Como ele escreve esse caso clínico? Não o faz simplesmente de forma crono-
lógica. No começo, vocês têm aparentemente uma forma cronológica; mas, de fato, na
escrita como um todo, de capítulo em capítulo, há um efeito de envolvimento. O gênio
literário de Freud está lá. A concepção do caso no capítulo 2 se transforma no capítulo
3 que, tendo acrescido um novo fato. refaz uma leitura global. Assim, somente ao final
obtemos dados extremamente importantes. Freud diz que isto se deu porque só tomou
conhecimento dos mesmos no final da análise, mas na verdade, ao longo dos capítulos
vemos modificar-se a perspectiva sobre o caso. Portanto, não se trata em hipótese algu-
ma de uma escrita achatada, dita científica ou objetiva, mas uma escrita que nos dá o
sentimento do volume. Com esses textos estamos realmente diante de uma montanha
que escalamos e cujo aspecto se modifica a cada ponto. Dizendo de ourro modo. a
própria leitura do texto nos restitui o efeito de aposteriori presente no caso. O texto se
constitui por movimentos de vaivém e imita o caso. É algo completamente prodigioso.
Se examinamos de modo objetivo, nos perguntamos por que Freud não planificou
tudo isso. Inclusive essa questão retorna várias vezes no próprio texto. Como apresentar
as três dimensões em duas? Por exemplo, na página 205 da edição francesa, há uma
passagem que mostra a volta da escrita de Freud. É uma passagem do capítulo 4, na qual
Freud se ocupa do sonho e de suas conseqüências: "Devemos interromper aqui a dis-
cussão Ido1 desenvolvimento sexual Ido sujeito], até que em estádios posteriores de sua
história uma nova luz recaia sobre esses estádios ante ri ore^"'^. Essa habilidade é ainda
mais impressionante quando Freud deve comentar a fase de maldade do Homem dos
Lobos. Ela aparece inicialmente como "uma época de maldade". Em seguida, no capítulo
3, vem como "época sádica". Depois, no capítulo 6 e seguintes, aparece como "época
anal". O mesmo período recebe, pouco a pouco, no texto, qualificações remanejadas a
cada vez? e a partir das quais a perspectiva muda.
O enigma, então, é que Freud não centra de modo algum o caso no paciente tal
como ele lhe chega, mas no que chama de tempo original da infância. O que lhe parece
exigir uma explicação causal é o tempo da neurose obsessiva, entre quatro e oito anos.
Descontinuidades
Freud, vocês sabem, indica o parentesco d o sonho com o episódio da sedução pela
irmã, pois considera esse sonho como uma segunda sedução, um segundo trauma. Ele
situa esses dois cortes em uma posição totalmente privilegiada. Conforme sua orientação
fundamental, Freud busca a causa da mudança de caráter em um incidente sexual real.
No início, ele apóia os ditos familiares, que remetem à governante inglesa. Em um segun-
d o tempo, ele descobre que foi a irmã quem efetuou essa sedução. E então atribui a esse
incidente uma eficácia marcada sobre a sexualidade d o sujeito, a saber, que essa causa
rem por efeito uma posiçâo sexual passiva: ser tocado nos órgãos genitais. De repente,
ele nos apresenta a maldade, que adquire seu contorno agressivo, como uma reação a
essa passividade fundamental, como sendo quase d e cobertura. A agressividade aparece
como uma cobertura, e Freud defende inicialmente a idéia de que a virilidade d o Ho-
mem dos Lobos é reacional ou de semblante. Quando soubermos disso mais adiante, a
partir do episódio de Groucha, que aconteceu um ano antes, já estaremos preparados
para admitir essa virilidade de semblante.
O que aparece como decisivo é o corte da sedução que aconteceu aos três anos.
Na verdade, descobriremos que, já em torno dos dois anos e meio, um episódio relativo
à escolha heterossexual foi determinante. Essa passividade que constitui o leitmotiv d e
sua abordagem, Freud a situa com relação à irmã d o paciente, depois em relação à Na-
se esconde a causa da neurose infantil. O primeiro vetor, que vai da idade dos três aos
três anos e meio, não basta para conduzir diretamente à neurose infantil. Interpõe-se aí
uma causa que remeteri verdadeiramente ao comeco' a esse sonho de angústia, irne-
diatamente interpretado por Freucl como angústia de castraçio. A ruptura que se instala
aqui é que tudo o que o sujeito vive vai: a partir de então, adquirir uma sigtiificaç5o
genital. A passividade será interpretada a partir de então como homossexiialidade no
sentido genital. Dito de outro modo, o que Freud quer descol~riraqui é certa relação -
não precisemos mais - com o genital. Podemos dizer que é iiiiia certa relaçào com a sig-
nificagão fálica. Há certa relaçào - não digo qual - que reinaneja a posigio fundaiiiental
d o sujeito. ou seja, a passividacle:
Narcisismo e desencadeamento
Na leitura desse sonho: Freud vai partir da angústia de castração e de sua cone-
xão com o pai; essa conexão diz respeito à passividade e, a partir d o moniento em que
adquire a significação de homossexualidade, obriga ao recalcainento. De repente, Freud
nos apresenta retrospectivamente o episódio de sedução portador de castração como
se não tivesse se realizado no sujeito esse sentido genit:il. Em contrapartida, a partir d o
sonho. a lacuna e a contradição manifestam-se entre a passividade interpretada no con-
texto genital e a integridade Física - o que Freud chaina de valor que o sujeito atribui aos
seus órgãos genitais. Antes dessa descontinuidade, a passividade não era contradilória
com a detenção dos órgãos genitais. A conexão não se dá. Para Freud, isto só ocorre
a partir d o sonho. De repente, produz-se o recalcamento da sexualidade inconsciente.
Vemos ali Freud se perguntar, eiii sua investigação clínica, por que o sujeito não se
tornou homossexual. Por que sua passividade não se transformou pura e simplesmente
em homossexualidade? Freiid I~uscaa instância recalcante. Há uma tese precisa sobre
o que é recalcante nesse caso: o valor que o sujeito confere aos órgãos genitais com o
narcisismo que se fixa a ele. O nzodus operaildi d o recalcamento é o que explica que o
sujeito passivo não tenha se tornado hoiiiossexu;il. Há? com esse sonho, algo como a no-
ção de uma barreira a ultrapassar. Essa passividade se envolve aí, deveria tomar o valor
da homossexualidade, mas nesse moniento é passada por baixo. É recalcada na medida
em que há para o sujeito uin conflito entre a passividade interpretada de modo genital
e o narcisismo d o órgão genital.
Estou, ainda, no início d o texto, iniis talvez já pudésseinos fazer utn curto-circuito.
Para Freud, é realmente coni o sonho que o sentido genital é atingido. Podemos mesmo
assim perceber que, quando se trata de clesencadeaiiiento para esse sujeito - sua gonor-
réia aos dezoito anos e o probleina com seu nariz mais tarde -: isto se dá a cada vez que
há um golpe em seu narcisismo. Isto não bastz, estamos no início de nossa investigação?
mas se quiséssemos procurar aí iiina conjuntura de desencadeamento, é evidente que
não a buscaríamos do lado do Um-pai. Eni relação ao encontro com os pais, pudemos
O ~ ã Lacaniana
o no 56/57 39 Julho 2010
demonstrar que isso não coloca nenhum problema para o Homem dos Lobos. Ele ofere-
ce gordas gorjetas ao alfaiate e nunca está contente com o resultado. Mas vendo-o pegar
suas grandes tesouras, o sujeito não sai correndo a dizer que o alfaiate irá cortá-lo. I'or
outro lado, temos uma conjuntura de desencadeamento sobre a qual podemos dizer que
coloca em primeiro plano, não a função d o pai, mas a função fálica. Sem decidir por
ora se se trata d e neurose ou psicose, notemos que teríamos nesse caso um modelo de
conjuntura de desencadeamento mais para o lado fálico do que para o lado paterno. É
esse a viés que podemos chamar de golpe n o narcisismo.
Mas o que significa aqui o narcisismo dos órgãos genitais? Como escrever isso?
Deve ser escrito com o Q, imaginário, pois é narcisado. Trata-se do falo imaginário. Para
o sujeito, o que é ameaçador a cada vez é que um signo "menos" se dirija a esse falo
imaginário, quer dizer, um golpe, uma falha a afetá-lo. Esse falo imaginário aparece
como algo tão precioso para o sujeito que é causa do recalcamento. É como se o falo
imaginário tivesse uma função de Nome-do-Pai. A cada vez que algo vem golpear essa
função, ocorre uma desestabilização do sujeito, ainda que ela não desemboque em um
desencadeamento completo.
Talvez isso nos obrigue a refinar um pouco mais o que chamanios de significação
fálica. O falo da "Questão preliminar..." é obrigatoriamente positivo, não é o falo da cas-
+
tração. Ele está escrito, no esquema de Lacan, com um sem negação e em um sujeito
sem barra. De que modo costumamos nos referir ã significação fálica? Adquirimos o
hábito de nos referir a ela como idêntica à castração. Na metáfora paterna, chamamos de
significação fálica algo que se escreve - +. Talvez aí esteja a indicação de que certamen-
te há no sujeito uma relação com o falo, mas que essa relação, de certo modo, parece
suportar muito mal a negação. Toda aproximação de um "ser menos" aparece como
obrigatoriamente desestabilizante. Não devemos esquecer que a castracão simbólica se
referencia nesses efeitos imaginários. Podemos, portanto, estar sempre hesitantes nesse
ponto. Onde temos menos razão de ser - eu havia anunciado isso - é quando se trata do
pai, pois é o caso de saber se as referências imaginárias da relaqào com o pai convergem
ou não para uma função simbólica.
Para dizê-lo rapidamente e favorecer a leitura do caso por vocês até a próxima
semana, há pelo menos um elemento conceitual que falta a Freud em relação ao ponto
em que o relemos, a saber a distinção entre imaginário e simbólico. A presença agrupada
e massiva de imagens do pai, de relações com o pai, de identificações com o pai etc., é
o que para Freud garantia que a relação entre o pai e o falo estava constituída. Ele fala,
então, de neurose obsessiva. Mas será que nós não temos uma exigência suplementar
em relação a isso? Pai e falo não bastam e devemos dizer como reorganizamos isso, se
posso dizer, na distinção entre simbólico e imaginário. A questão do diagnóstico gira em
torno da questão do pai. Será que o número e a massividade das relações com o pai são
Desordem
O pai e a angústia
Desdobramento
3 anos
*Capítulos 2 e 3
Sedu~ão
(causa da descontinuidade)
Cena Sonho
Groucha Religião
A cronologia é então retomada e isto mesino na sinopse final?em que Freud preci-
sa todas essas descontinuidades pela distinção dos estádios oral, fálico, anal etc.. Aí está
o esquema do envolvimento cronológico que confere a esse texto seu estilo próprio. No
capítulo 2, Freud nos entrega o meio e a história do sujeito, e depois ele traz a granel um
certo número de fatos. É isto que confere a faceta detetivesczi a esse caso: "um dia ele
disse isso, outro dia ele pensou nisso...".Tudo isso nos é trazido na página 179 da edição
francesa, e todos esses elementos trazidos a granel só encontram posteriormente um lu-
gar preciso na estrutura. Eles ser20 inclusive reinterpretados a cada vez que a cronologia
se enriquece e que a construção do sentido do caso se desdobra.
Não somos conduzidos a fazer desse modo, pois é o ponto de vista do significante
que nos organiza. Um significante,uma vez que o nomeamos, isto é feito de uma vez por
todas. Todos esses efeitos de reinanejamento têin seu valor quando nos guiamos pelos
sentidos, quando le\mnos em conta sua dinâmica. Mas, uma vez trazidos o S,, o S, ou o
a, já estamos no plano da estrutura, isto é, no plano da sinopse de Freud. É inclusive ali
que poderíamos valorizar a observação de Guy Clastres. Será que em nossos relatórios
de caso não confundimos Frequentemente o nível da estrutura e o da experiência? Será
que não produzimos com freqüência um curto-circuito entre os dois níveis? Expondo um
caso no plano da estrutura, finalmente o expomos de modo extremamente engessado,
fixo. É como se pudéssemos fazer a experiência direta desses termos e desses significan-
tes que são obrigatoriamente termos de estrurura e que deveriam vir antes manifestando
as linhas de convergência surgidas na experiência.
Isto é possível quando temos, como nessa página 179, o esvaziainento d o bolso.
Ao evocar: "essa fase de mudança de caráter" - aí está a referência freudiana para a des-
continuidade, par ao corre -, Freud nos precisa que ele: "está indissoluuelmente ligado à
lembrança Ido paciente], a outros fenõnienos singulares e doentios que ele não sabe or-
ganizar temporalmente". No fundo, o caso será a ordenação temporal desses fatos. Freud
continua: "Ele coloca em um só espaço temporal tudo o que deve agora ser relatado, que
não pode ter sido simultâneo e que é pleno de contradição interna, e o nomeia como
'ainda na primeira propriedade'. Ele também sabe contar que sofreu de um medo [Angstl
d o qual sua irinà se aproveitava para atorinentá-10. Havia aí um certo livro de imagens no
qual um lobo era representado [...I.Quando tinha essa imagem diante dos olhos começa-
va a gritar [...]. Ele tinha medo também de outros animais, grandes e pequenos. Um dia,
ele perseguia uma grande e bela borl~oleta[...I. De repente foi tomado por um medo ter-
rível d o animal [...]. De coleópteros e lagartas ele também tinha muito medo. Estaríamos
autorizados a admitir [...I que ele tinha sido acometido, nos seus anos de infância, por
uma neurose obsessiva bastante reconhecível [...I. Na época. ele praticava tambéiii um
cerimonial particular. quando via na rua pessoas que lhe causavam piedade, mendigos,
enfermos, velhos. Ele precisava respirar ruidosamente". Teiiios, então, no parêntese da
primeira propriedade, dados brutos que o desdobramento do caso fará significar
Notemos que esse capítulo 2, assim como o 3 e aquele sobre a neurose obsessi-
va -terminam com a questão d o pai. Isso retorna como um leitmotiv ao final de vários
capítulos: como reformular a relação com o pai? Lembro a primeira emergência disso:
"Os anos da adolescência d o paciente foram condicionados por uma relação bastante
desfavorável com seu pai [...I. Nos primeiros anos da infância essa relação fora muito
terna [...I. Seu pai o amava muito e brincava de bom grado com ele. Ainda pequeno.
orgulhava-se de seu pai; e declarava que queria ser um homem como ele. A babá dizia
que sua irmã era filha de sua mãe, inas ele de seu pai, fato com o qual estava bastante
contente. Na saída da infância, uma distância se estabeleceu entre ele e seu pai [...I. Mais
tarde, o medo d o pai foi dominante.'“^
No final desse capítulo ele apresenta um resumo bastante preciso d o modo como
Freud formula as questões relativas ao caso d o Homem dos Lobos: "Estes são, muito
sucintamente esboçados, os enigmas cuja solução fora confiada a análise: d e onde pro-
vinha a brusca mudança de caráter d o menino, que significavam sua fobia e suas per-
versidades, e como chegara ele a sua piedade obsessiva [...I?"
O exame de Freud é, portanto, o exame dessa descontinuidade que é inicialmen-
Podemos dizer que todo esse capítulo sobre a sedução coloca em primeiro plano,
desde o iníciol um termo que se encontra também no final: o de falo. A partir desse ca-
pítulo, a partir d o momento ein que entramos na busca da causa, podemos tentar cernir
o que querem dizer o falo e a castração para Freud nessa data. Ele começa o exame da
etiologia da mudança de caráter por duas meiiiórias de cenas nas quais está a governanta
inglesa: "uma vez, como andava na frente, havia dito aos que a seguiam: 'Olhem, então,
o meu rabinho!' Em outro niomento, durante uma excursão, seu chapéu voou, causando
grande satisfação ao menino e à sua irma2'. Essas duas lembranças que ele traz, Freud
indica que remetem ao complexo de castração. Dizendo de outro modo, esse caso se
desdobra, de início, em torno da questão d o falo e da castração.
Mais tarde, vocês encontrarão uma frase que retoma isso de modo impressionzinte,
pois pode-se dizer que é realmente nesses termos que Lacan evoca o falo em "De uma
questão preliminar...": Freud fala d o "sentimento de si viril do paciente"". Isto é ainda
retomado com insistência na página 186, em termos de "problema da castração".
Como esse problema se estrutura inicialmente para Freud? Eis o que ele diz: "Ele
pôde nessa época observar duas meninas, sua irmã e a amiga, urinando. Sua perspicácia
poderia tê-lo feito entender o estado das coisas pelo simples olhar, entretanto, ele se
comportou a esse respeito como [...I outras crianças d o sexo masculino. Ele descartou a
idéia de que via confirmada a ferida da qual o ameaçara Nania, e se deu a explicação
de que era o "popô da frente" das meninas. O tema da castração náo estava eliminado
por essa decisão; em tudo o que ele ouvia, via ali novas alusões". Podemos dizer que
há aí, em relação às significações? antes um "pleno demais" d o que um "não suficiente".
Com relação às significações fálicas: é realmente algo como "você quer, aí está": Quando
um dia foram distribuídos às crianças bastões coloridos de açúcar; a governanta, que era
inclinada às imaginaçòes [Phantasienl sinistras, explicou que eram pedaços de cobras
desmembradas. A partir de então, que um dia seu pai encontrara uma cobra em cima d o
feltro e a cortou em pedaços com sua bengala".
Freud relaciona também esse episódio ao que é para ele a posição fundamental d o
sujeito que se mantém ao longo d o caso, a saber, a posição passiva. Essa posição passi-
va é realmente a base fundamental do caso. Sob essa base de passividade, vocés terão
inicialmente a fase de maldade e sadismo. Ora, Freud destaca bem que essa fase denota
uin desejo da criança de que batani nela, e que a chave desse sadisiiio é porcanto um
masoquisnio fundamental. Mais tarde, vocês terão exatamente o mesmo esquema em
relação ao sonho. Aí taiiibém: fugindo do que o sonho quer dizer, o sujeito vai negar a
angústia de castração adotando unia "posição viril''29que o próprio Freud nos convida
a colocar entre aspas. Ele a considera como uma virilidade de semblante, essa posição
sendo na verdade correlativa de uma homossexualidade inconsciente.
Esse sonho não é um fato como a sedução, mas há, entre a sedução e o sonho:
uma repetição dos mesmos pensamentos de Freud Vemos inicialmente uma passividade
que é aparente e intrínseca: ele parecia uma menina, ele era dócil etc.. E depois, na sedu-
ção e sob anieaça. O Hoinem dos Lol~ospassa em seguida a uma atitude sádica que é na
verdade masoquista. Há a separaçào entre seu comportamento aparente e sua posição,
não aparente, mas intrínseca. Aí está a sedução. Em seguida, com o sonho, os mesiiios
elementos adquirem um novo valor (virilidade e homossexualidade):
/ "Virilidade"
Passividade / - -
I
Sedugáo
Masoquismo
Sonho
Homossexualidade
A leitura de Freud oscila nesse ponto preciso. Qual é o paradoxo que ele encontra?
De um lado, esse sonho deve efetuar o recalque da posiqâo fácil como homossexual, e
deve produzir també a ereção da virilidade de seiiiblante. Para Freud, a con\~icçãoda
existência da castração está no âmago desse sonho. Não devemos esquecer a funçzo
que Freud confere à cena originária, ao coito dos pais etc.. A imagem deve fundar a con-
vicção da existência da castração. Essa imagem nos é fornecida como devendo prov:ir e
engendrar no sujeito a convicção da castração, que é o motor que explica a noIra divisão
de sua existência. Mas, por outro lado, vocês sabem pela seqüência do texto que será
preciso que essa convicção a existência, que é um motor e uma causa, esteja ao mesmo
tempo situa1 no exterior, pois há uma rejeição simultânea de seu reconhecimento.
Há qiie distinguir aqui o imaginário e o simbólico. Algo se passa no campo da irna-
gem. Temos um conjunto de imagens: lobos com caudas cortadas; bastões de açúcar co-
loridos que são pedaços de cobras desinembradas etc.. I'odemos dizer que elas fundam
a convicção da castração no Homem dos Lol>os.Mas, ao niesmo tempo, há um nível em
que essa convicção não está fundamentada. Há algo que justifica que que distingamos
simbólico e imaginário, é o ponto de articulação que destaco. Por que nós prescindiiiios
dessa cena orininária? Porque não temos a idéia freudiana de que é uma imagem que
deve fundar a existência da castração. Nem as imagens. nem os sonhos, nem as múlti-
plas significações fundam para um sujeito a existência da castração. Se nossos relatórios
sobre os casos são evidentemente menos ricos e floridos, é porque já estão ordenados
pela função simbólica. Não pensamos, portanto, em produzir da mesma forma a imagern
fundadora. Não pensamos que isto se dá no âmbito da irnagem. Isto para para não dizer
que estamos bem adiante de Freud. Pelo contrário, nos seria necessário, nos relatórios
de casos, saber que talvez seja necessário refazer o caminho d o imaginário ao simbólico,
e não nos instalarmos de cara onde os elementos não aparecem mais d o que uina vez.
Retomarei esse ponto da próxima vez. Notemos que essa neurose obsessiva - que
se seguirá ao capítulo 6 -, tem seu enquadre em dois fenômenos de influência. A reli-
gião é de todo modo incutida nesse garoto por sua mãe. É a influência de sua mãe que,
em certo momento, o precipita na religião. Ele se desvencilha disso com uma facilidade
desconcertante quando um preceptor alemão lhe diz, quando tem dez anos, que tudo
isso é mentira. Então, rapidamente, sua convicção se desfaz. Na página 223, Freud diz
o seguinte: "Chegamos a isso sem nos ocupar da sintomatologia posterior da neurose
obsessiva, e é por isso que gostaríamos de falar de sua saída, negligenciando todo o
resto. Quando tinha dez anos, teve um preceptor aleinão que rapidamente adquiriu uma
grande influência sobre ele." Eis algiiém que se inscreve indiscutivelmente nessa série
d e pessoas que não deixarão de influenciar o Homem dos Lobos. "É bastante instrutivo
Eu tive de constatar, ao reler minha fala, que fora bastante claro. Isto me encoraja
a prosseguir através d o nevoeiro desse caso que, me parece, não conseguiremos dissipar
hoje. Podemos, no entanto, avançar um pouco na sua formalização. Retomemos então a
cronologia fundamental do caso, até conhecê-la de cor.
A primeira descontinuidade é marcada pela sedução, a segunda pelo sonho, e a
terceira pela religião, que por sua vez é objeto de sua educação pela parte da mãe, até
o surgimento d o preceptor alemão, que fará desaparecer essa referência. Temos, então,
três descontinuidades totalmente demarcadas e que são lembradas como cais no mesmo
plano apresentado no início d o capítulo quatro. A sedugão é objeto d o capítulo três; a
neurose e a obsessão são objeto d o capítulo seis:
I I I I I
Cena primária Cena Groucha Sedução Sonho Religião
1 ano e meio 2 anos e meio 3 anos e meio 4 anos 4 anos e meio
Retornei várias vezes a esse capítulo da sedução, pois é um capítulo ainda bastan-
te simples e que não tem a complexidade dos seguintes. Eles nos oferece urna espécie
de miniatura cla abordagem freudiana d o caso. Destaquei que nele Freud os apresenta
logo uma localização fundamental e que, na seqüência, terá repercussões, será ampliada
e renovada. Freud atribui à sedução o caráter de evento traumático, uma função com-
pletamente causal no desenvolvimento lihidinal, a saber, que o Homem dos Lobos se
encontra ein uma posição fundamentalmente passiva após a sedução. Quando tivermos.
mais adiante, o conheciinento da cena com Groucha, na qual o sujeito se apresenta, pelo
contrário, como ativo, se produzirá, in entrem&,uma espécie de inversão da perspectiva.
Isto apenas denuncia o papel de causa que Freud atribui à sedução, e isto como
desvio d o desenvolvimento libidinal. Essa sedução tem, portanto, uma função determi-
nante. Ela instala o sujeito eiii uma posição passiva, nias ao mesmo tempo produz - des-
taquei isso da última vez - um efeito inverso em outro nível. Ao mesmo tempo em que
essa sedução causa uma posição passiva, também provoca o surgimento de uma conduta
funclamentalmente inversa. Este é um ponto crucial. Temos, então, uma passividade fun-
damental e; ao mesmo tempo, uma atitude conqiiistadora, viril, sádica e agressiva que é
o inverso da primeira. Em um primeiro tempo, a sedução é a causa da posição passiva.
Ilepois, em um segundo tempo, há a atitude agressiva d o sujeito.
O motor dessa inversão, diz Freud, é: "o sentimento de si viril do paciente" - o
Selbstgejiihl como viril. Para Freud, o tempo da sedução é correlativo de uma ameaça de
castração proveniente da mulher, especialmente da Nania, para a qual o sujeito deslocou
a passividade em relagào a irmã. Isso nos indica que a essa cronologia pura e simples
d o caso podeinos acrescentar uma segunda cronologia, que não tem o mesmo sentido
da primeira. Nesse vetor, o sujeito encontra a ameaça de castração pela Nania, o que
faz com que a passagem da posição passiva a atitude agressiva se relacione ao estádio
sádico-anal:
,K
Estado sádico-anal Ameasa de castração pela Nania
Eu Ihes havia citado a passagem que indica: "a vida sexual, que começava sob a
direção da zona genital, havia sucumbido a uina inibição exterior e fora remetida por
sua influência a uma fase anterior de organização pré-genital". Aí está uma regressão que
Freud nos apresenta. Ela é apresentada duas vezes. Quando se trata da sedução que co-
al
1I
INVERSÃO
Passividade Aqressividade
Teinos um duplo comentário d o processo. Aqui, há uma clivagem entre dois pla-
nos, e é uma primeira apresentação da coisa. Há uma segunda, no plano do desenvol-
vimento. A ameaça de castração produz uina regressão. É o esquema de regressão que
produzi antes daquele da inversão. Ao mesino tempo em que isola uma constante que
é a passividade, Freud isola uma variável que é aquela d o agente da sedução desejado.
Primeiro, o agente da sedução é a irmã. Depois o sujeito desloca esse agente para a Na-
nia. Em seguida vem o pai, que ocupa então a posição de terceira variável e que é, nos
diz Freud, o último destino sexual do Homem dos Lobos.
Estudamos muito cuidadosamente esse estabelecimento feito por Freud, pois se
apresenta em pouquíssiinas páginas e é ali que conseguimos entender esse entrelaça-
mento da inversão com a regressão. No fundo. tudo isso é bastante simples. Nao coloca
eni jogo relações particularmente complexas, mas permite ver - este é um ponto decisivo
-que não há correlação entre o pai e a castração. A castração é trazida pela a ameaça da
mulher, e Freud só evoca o pai na série da passividade. Portanto, há um desejo de ordem
sexual dirigido a três objetos que, para ele, se inscreveiii eni série. Nesse nível, não há
relação entre a castração e o pai. É até bastante singular, pois, em relação ã Nania, há
uma correlação. Releio a passagem: "Tem-se a partir disso a impressão de que a sedução
pela irmã o impulsionou ao papel passivo e lhe conferiu um destino sexual passivo. Sob
a persistente influência dessa experisncia, ele passou a descrever o caminho que foi da
irmã ao pai, passando pela Nania, da atitude passiva em face da mulher à atitude passiva
diante do homem'"'. É aí que se encontra a evocação da relação entre o objeto de iden-
tificação e o objeto sexual, nos termos exatos que Lacan retomará mais tarde.
O que se passa n o tempo seguinte? É necessário o sonho para que o pai e a cas-
tração se conjuguem. O que a operação propriamente d o sonho marca para Freud, é
conjugar o pai e a castração. Retomaremos precisamente a cotnparaçâo entre esses dois
tempos: o da sedução e da ameaça de castração, e o d o sonho. pois são sitiiados por
Freud de modo totalmente simétrico. Veremos como esses dois esquemas, o da inversão
e o da regressão, se modificam em relação ao passo atrás que esse sonho apresent:i.
* K,
anal
Na sedução, Freud nos situa uma castração bastante singular. Nós a destacamos.
Há uiiia ameaça de castração, o interesse d o sujeito pelo fato de que as menininhas não
são como os menininhos, o interesse pelos bastões coloridos de açúcar, pelas cobras
etc.: mas se há o pensaiiiento, Gedanke, nos diz Freud, não há a crença, Glaube. Freud
sitiia isso no registro do complexo de castração, mas ele mesmo nota uma clivageiii entre
Gedailke e Glauhe. Em seguida, a castração K, iriuda o estatuto da castração K,, pois
o sujeito adquire a convicção da realidade da castração. Anteriormente; havia apenas o
pensaniento da possibilidade da castração: "Quando o paciente mergulhava profunda-
mente na situação da cena primária, a coisa essencialiiiente nova que a observação da
relagào entre seus pais Ilie trouxe foi a convicção da realidade da castração cuja possibili-
dade já havia ocupado seus pensamentos anteriorrnente". Há aí uma clivagerii que Freud
tenta formular entre a possibilidade e realidade da castração. K, é possível, e K, é real.
Valorizo essa observação porque pensamos que uiiia das vias de saída para a con-
ceitualização d o caso é a distinção entre os registros ou as ordens. Freud também; há
clivagens ou estratos. Sem forçar as coisas, há pelo menos a castração K, e a castração
K,. Freud diz o seguinte na página 231: "ele compreendera durante o processo d o sonho
que a mulher era castrada! que ela tinha n o lugar d o membro viril uma ferida". Estamos
aqui rentes ao texto d e Freud e 1iá portanto uma modificação no estatuto da castração.
Terceiro ponto: o deslocamento da sedução para o sonho se traduz correlativa-
iiiente por uma transformação da relação com o pai, isto é, por u n a transfortnagâo
da interpretação d o que significa a passividade em relação ao pai. Essa passividade é
inicialmente interpretada segundo o regime do estádio anal. Há inicialmente unia inter-
pretação sádico-anal da relaçâo com o pai. Vocés vêem como funcionam esses estádios.
Os estádios freudianos funcionam coiiio esquemas de interpretação. Há uma passividade
em relação ao pai que ficará. A primeira interpreta620 dessa passividade é sádico-anal,
isto é: ser surrado, ser castigado, ser punido pelo pai. É uma interpretação da relação
Pai
A força motriz é retomada de diversos modos, mas sempre no mesmo sentido, pois
Freud falará eni seguida da virilidade narcísica clo sujeito etc. Temos então, realmente, um
operador constante cumprindo no primeiro tempo uma inversão que, no momento em que
Freud situa uma operasão de recalcamento no sonho, torna-se a libido genital narcísica.
O que se passa, então, correlativaiiiente, no plano do desenvolvimento libidinal?
A castração K, produz uma regressão a uma etapa ainda mais primitiva do desenvolvi-
mento, isto é, ao estádio oral:
o
oral anal
K, K,
oral
fobia
anal
masoquismo
K, -- K* K3
Nesse terceiro corte deveria corresponder uma castração 3 que, por sua vez, deve-
ria alcançar o estádio genital. Ouso apenas situá-la deste modo. Com efeito, isto não é
totalmente coerente, pois não deveria mais ser uma regressão, mas uma adequação. I'ara
simplificar as coisas, podemos apresentar as coisas desce modo:
fobia masoquismo
O n i a n a no 56/57
~ b aO 61 Julho 3010
Teiiios então a religião como apelo na direção da pacificação siinbólica. Mas Freud
reconduz continuaiiiente as marcas pelas quais vemos o sujeito preso à problemática
anterior. É por isso, logicamente, que o capítulo 7 se intitula "Erotismo anal e castração".
Efetivamente, o vetor que eu fazia aparecer como partindo de K, ao genital, não se fun-
da. Em contrapartida, o que aparece como fundado é o vetor que vai de K, ao anal, o
que significa que a referência privilegiada à analidade não foi abandonada. Para dizê-lo
eiii termos de teoria dos conjtintos, temos duas aplicações, K, e K, no mesmo ponto:
fobia masoquismo
Freud aponta, desse modo. que o sujeito protege o antigo pai do novo. É por isto
que, longe de poder desenvol\er o acesso d o sujeito ao estádio genital de modo puro e
convincente, Freud deve tratar duas aplicações que incidem sobre o mesmo ponto. Isso
é construído d e modo muito simples. Há três grandes descontinuidades correspondendo
a três estatutos da castração, e depois há o problema d o capítulo 7, que nos mostra que
não abandonamos a problemática anterior.
Proponho-me agora a toinar esse capítulo 7, no qual Freud vai situar os probleinas
intestinais d o sujeito, e em que nos apresentará sobretudo uma gama extraordinária de
significações diferentes d o ohjeto anal. Compreende-se porque Lacan, em um determi-
nado momento' inscrevia o objeto como significante. O objeto, aqui, se deixa realiiiente
transcrever em termos de clivagem d o significante e d o significado. Há as fezes como
significantes, e vemos que esse mesmo significante pode receber diferentes sentidos em
diversos momentos do desenvol\~imeiitolibidinal.
Evidentemente, isso nào alcança o cerne de nossa tarefa, que é a questão d o cliag-
nóstico. Isto não resolve essa questão, pois a dificuldade de conexão com o estádio oral
-que se situa entre K, e K,- representa na melhor das hipóteses uma neurose obsessiva.
É o que exige que atribuamos ao capítulo 7 toda a sua importância. Esse capítulo, devo
lembrar. é também aquele em que encontramos a VenuerJung situada como diferente da
Verdrangung, assim como a alucinação do dedo cortado.
Se quiseriiios fazer funcionar aqui um esquema de aposteriori, é evidente que há
retorno d o E(, ao K,. Efetivainente. o que foi apresentado de modo enigmático ao Homeni
dos Lobos pela Nania, só foi entendido por ele a partir do sonho, e isto na medida ein
que o próprio sonho é o retorno de algo ainda mais antigo. Portanto, há realmente um
enredarnento. Por ora: ainda não utilizamos o que precede a sedução e o papel logica-
mente exercido pela cena com Grouclia, que é, de todo iiiodo, o que para Freud costura
esse caso. Em certo sentido, essa cena com Groucha abre para Freiid outra perspectiva
sobre o caso.
Regressão
Notas