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EIXO BIOLÓGICO

Unidade 6
Transcrição e regulação da expressão gênica

Autor: Elisângela de Paula Silveira Lacerda

I. Introdução

II. Do DNA ao RNA

III. Mecanismos de transcrição

IV. Particularidades da RNAP I e RNAP II

V. Processamento de RNA

VI. Processamento de rRNA

VII. Processamento de tRNA

VIII. A regulação da expressão gênica

IX. Referências
#M3U6 I. Introdução

N
o início dos anos 1950, após a descoberta da estrutura do DNA, pôde-se enten-
der como a informação hereditária nas células é codificada em seqüências de
nucleotídeos de DNA. Cinqüenta anos depois, a ciência já dispõe de seqüências
completas de genomas de muitos organismos, inclusive humanos, ou seja, conhecemos
a quantidade máxima de informação necessária para produzir um organismo complexo
como nós mesmos.
Nesta unidade, você verá como as células decodificam e usam a informação de seus
genomas por meio de quatro diferentes nucleotídeos do DNA. Ainda temos muito a des-
cobrir sobre como a informação armazenada no genoma de um organismo produz desde
o mais simples organismo unicelular bacteriano, contendo 500 genes, até o desenvolvi-
mento de um ser humano com aproximadamente 30 mil genes. Uma enorme quantidade
de informações ignoradas persiste; portanto, muitos desafios fascinantes aguardam as
próximas gerações de biólogos.

258 Módulo III — Processos de manutenção da vida


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#M3U6 II. Do DNA ao RNA

O DNA não direciona a síntese protéica diretamente, mas utiliza o RNA como
uma molécula intermediária. No início do processo de transcrição, a seqüência de nu-
cleotídeos da porção apropriada de uma longa molécula de DNA em um cromossomo é
primeiramente copiada sob forma de RNA. São essas cópias de RNA de segmentos de
DNA que são usadas diretamente como moldes para direcionar a síntese da proteína
(processo denominado de tradução), que será estudado em um próximo módulo. O
fluxo de informação genética nas células é, portanto, de DNA para RNA para proteína
(Figura 1). Todas as células, desde a bactéria até os seres humanos, expressam sua in-
Saiba mais formação genética dessa maneira – um princípio tão fundamental que é denominado o
ADN é a abreviatura Dogma Central da Biologia Molecular.
em português
para ácido
desoxirribonucleico
(em inglês, DNA:
deoxyribonucleic
acid).
RNA é a abreviatura
em inglês ribonucleic
acid (que em
português seria ARN:
ácido ribonucléico).

Figura 1: do DNA à proteína. A informação genética é lida e processada em duas etapas. Primeiro,
na transcrição, os segmentos de uma seqüência de DNA são usados para guiar a síntese de
moléculas de RNA. Depois, na tradução, as moléculas de RNA são usadas para guiar a síntese de
moléculas de proteínas.

Nessa etapa, começaremos com o primeiro passo da decodificação de um genoma:


o processo de transcrição pelo qual uma molécula de RNA é produzida, a partir do DNA
de um gene. Em uma próxima oportunidade, seguiremos então o destino dessa molécula
Saiba mais
de RNA, através da célula, finalizando quando a molécula protéica corretamente dobra-
Base é uma da tiver sido formada.
substância que
pode aceitar A transcrição começa com a abertura e a desespiralização de uma pequena porção
um próton da dupla hélice de DNA, para expor as bases em cada fita de DNA. Uma das duas fitas
em solução.
da dupla hélice de DNA age, então, como um molde para a síntese de uma molécula de
As purinas e
pirimidinas do RNA. Assim, como na replicação de DNA, a seqüência de nucleotídeos da cadeia de RNA
DNA e RNA são é determinada pela complementaridade do pareamento de bases entre os nucleotídeos a
bases orgânicas
nitrogenadas e serem incorporados e o DNA-molde. Para que tudo isso ocorra, ocorre a ação de algumas
freqüentemente enzimas, denominadas RNA polimerases. Assim como a DNA polimerase catalisa a re-
são referidas
plicação do DNA, as RNAs polimerases catalisam a formação de pontes fosfodiéster, que
simplesmente
como bases. ligam os nucleotídeos entre si para formar uma cadeia linear (Figura 2).

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 259


#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

Figura 2: a estrutura química do RNA. (A) O RNA contém o açúcar ribose, o qual difere da
desoxirribose, o açúcar utilizado no DNA pela presença de um agrupamento –OH adicional. (B)
O RNA contém a base uracila, a qual difere da timina, a base equivalente no DNA, pela ausência
de um grupo – CH3. (C) Um pequeno fragmento de RNA. A ligação química fosfodiéster entre
nucleotídeos no RNA é a mesma que ocorre no DNA.

A Transcrição é o processo pelo qual uma molécula de RNA é sintetizada a partir


de um molde de DNA. Através da transcrição, são sintetizados todos os tipos de
RNAs da célula, ou seja, o RNA mensageiro (mRNA), o RNA ribossômico (rRNA),
o RNA transportador (tRNA) e outros RNAs menores. Todos os RNAs estão en-
volvidos ativamente na síntese protéica. O mRNA será usado para transferir a
informação genética do DNA às proteínas, mas os demais RNAs sintetizados têm,
por si, funções finais na célula, tanto estruturais como catalíticas (Tabela 1).

260 Módulo III — Processos de manutenção da vida


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Tabela 1: principais tipos de RNAs produzidos nas células.

Tipo de RNA Função

mRNAs RNAs mensageiros - codificam


proteínas

rRNAs RNAs ribossomais, - formam a


estrutura básica do ribossomo e
catalisam a síntese protéica.

tRNAs RNAs transportadores – elementos


essenciais para a síntese protéica,
funcionando como adaptadores
entre o mRNA e os aminoácidos.

snRNAs Pequenos RNAs nucleares – atuam


em uma série de processos
nucleares, incluindo o splicing do
pré-mRNA.

snoRNAs Pequenos RNAs nucleolares –


utilizados para processar e
modificar quimicamente os rRNAs.

Outros RNAs não codificantes Atuam em diversos processos


celulares, incluindo a síntese de
telômeros, a inativação do
cromossomo X e o transporte de
proteínas para o retículo
endoplasmático (ER).

É principalmente durante a transcrição que a célula exerce o controle da expres-


são gênica. Os genes não são transcritos indiscriminadamente, pois esse processo
é regulado por proteínas. Na maioria dos casos, o principal ponto de regulação da
atividade de um gene é no local onde se inicia ou não a sua transcrição.

Existem muitas semelhanças entre a síntese de DNA e a de RNA. Entretanto, a


função biológica de cada um desses processos é bastante diferente. A síntese de DNA
é bastante precisa e uniforme. Esses conceitos se referem ao fato de que, como o DNA
contém a informação genética para a síntese do ser vivo, caso a nova cópia de DNA não
fosse uma réplica bastante precisa da original, o novo ser formado provavelmente não
existiria. É importante que você perceba que, apesar de todos os mecanismos de reparo

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 261


#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

que você verá a seguir, a cópia nunca é exata. Sempre ocorrem erros ocasionais, embora
em freqüência muito baixa. E são esses erros que, conhecidos como mutações, permitem
a evolução da vida.
Em contradição, a transcrição espelha o estado fisiológico da célula. Ela é extrema-
mente variável, transcrevendo somente um gene ou grupo de genes em particular em um
dado instante fisiológico. Por outro lado, dependendo da situação metabólica da célula, o
mesmo gene pode ser transcrito incontáveis vezes até que a demanda seja suprida.
Além da característica temporal da transcrição, esse é um processo extremamente
seletivo. Essa seletividade acontece em dois níveis:

somente partes do DNA são transcritas para produzir RNA. Por exemplo, nas
células da maioria dos mamíferos, somente 1% de toda a seqüência do DNA é
copiada para formar seqüências de RNA funcional, e algumas partes do DNA
podem nunca ser transcritas;

somente uma porção ainda menor da seqüência de nucleotídeos do RNA sobre-


vive aos passos de processamento, pelos quais o RNA recém-transcrito passa,
para se tornar maduro e funcional. Para resumir, a célula restringe a expressão
de informação genética para a formação de produtos gênicos que terão utilidade
naquele momento especificamente.
Saiba mais

Duas seqüências
de ácidos
nucléicos são ditas
complementares
se elas podem
#M3U6 III. Mecanismos de transcrição formar uma
dupla hélice
com as bases
perfeitamente
A transcrição ocorre a partir da informação contida na seqüência de nucleotídeos pareadas.
Antiparalelismo
de uma molécula de DNA fita dupla, sendo sempre no sentido 5’ → 3’. Apenas uma das
é a característica
fitas do DNA, chamada de fita molde, é utilizada durante a síntese, que segue as mesmas que descreve a
orientação relativa
regras de complementaridade e antiparalelismo, exceto pelo pareamento de uracil (U),
das duas fitas
ao invés de timina (T), com adenina (A). O RNA recém-sintetizado (5’ → 3’) é, portanto, em uma dupla
hélice de DNA; a
complementar à fita de DNA, que serviu de molde (3’ → 5’), e idêntico (salvo o apareci-
polaridade de uma
mento ocasional de uma mutação, como anteriormente explicado) à outra fita de DNA do fita é orientada
na direção oposta
duplex (5’ → 3’). Por convenção, entretanto, a seqüência de nucleotídeos de um gene é
da polaridade da
sempre representada na orientação 5’ → 3’, ou seja, a fita que não serve de molde. outra.

Atividade complementar 1
Para que você possa entender melhor o termo “sentido 5’ → 3’, faça uma revisão do
Módulo I, em Estrutura e Função dos ácidos nucléicos. Esse termo está relacionado
com a posição dos novos nucleotídeos inseridos na nova molécula a ser formada,
por meio da ligação fosfodiéster (Figura 3).

Em 1960, foi descoberta uma enzima capaz de, na presença de DNA fita dupla e dos
ribonucleotídeos trifosfatados (ATP, CTP, GTP e UTP), sintetizar RNA. Essa enzima foi
denominada RNA-polimerase (RNAP). A reação catalisada pelas RNAPs é mecanistica-
mente idêntica à reação catalisada pelas DNA-polimerases (Figura 3).

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Figura 3: o DNA é transcrito pela enzima RNA polimerase. A RNA polimerase (azul claro) move-se
paulatinamente ao longo do DNA, desespiralando, em seu sítio ativo, a hélice de DNA. Conforme
avança, a polimerase adiciona nucleotídeos (aqui, pequenos objetos na forma de “T”), um a um,
à cadeia de RNA, no sítio de polimerização, usando uma fita de DNA exposta como molde. O RNA
transcrito é, conseqüentemente, uma cópia complementar, fita simples, de uma das duas fitas do
DNA. A polimerase tem uma projeção que desloca o RNA recém-formado, permitindo que as duas
fitas de DNA atrás da polimerase voltem a se espiralizar. Uma região curta de hélice DNA/RNA (de
aproximadamente nove nucleotídeos) é, portanto, formada temporariamente, e uma “janela”da
hélice DNA/RNA move-se ao longo do DNA, com a polimerase. Os nucleotídeos a serem incorporados
estão na forma de ribonucleotídeos trifosfatos (ATP, UTP, CTP E GTP), e a energia estocada em vias
ligações fosfato-fosfato fornece a força necessária para a reação de polimerização.

As RNAPs desempenham todas as atividades necessárias para a transcrição, pois


reconhecem e se ligam a seqüências específicas de DNA. Elas:
desnaturam o DNA, expondo a seqüência de nucleotídeos a ser copiada;
mantêm as fitas de DNA separadas na região de síntese;
mantêm estável o duplex DNA:RNA na região de síntese;
restauram o DNA na região imediatamente posterior à da síntese;
sozinhas, ou com auxílio de proteínas específicas, terminam a síntese do RNA.

Existem, pelo menos, cinco RNAPs diferentes que estão envolvidas na síntese de
RNAs específicos: RNAP I, RNAP II, RNAP III, RNAP mitocondrial (mtRNAP) e RNAP
de cloroplastos. As RNAPs nucleares são abordadas a seguir:

RNAP I, que sintetiza os rRNAs


Essa polimerase catalisa a síntese de apenas um tipo de RNA, precursor dos rRNAs
18S, 5,8S e 28S. Entretanto, esse é o RNA mais abundante na célula. Esses pré-RNAs são
bastante longos, variando de 6.000 a 15.000 nucleotídeos. Para responder a essa demanda,
a célula possui de 100 a 5.000 cópias dos genes para rRNA, uma ao lado da outra, e sua
síntese ocorre em um ponto especializado no núcleo, o nucléolo.

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#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

RNA polimerase II, que sintetiza mRNA


Todos os pré-mRNAs das células são sintetizados pela RNAP II que, portanto, trans-
creve a maior parte dos RNA heterogêneos nucleares (hnRNA) precursores dos mRNAs.

RNAP III, que sintetiza os tRNA, rRNA 5S e outros RNAs


Essas polimerases catalisam a síntese de cerca de 10% do RNA da célula, do rRNA
5S, dos tRNAs e de outros pequenos RNAs.
Embora consigam sintetizar RNA a partir de nucleotídeos livres, as RNA polime-
rases sempre trabalham em conjunto com proteínas acessórias, chamadas de fatores de
transcrição, que auxiliam o início da transcrição. São esses fatores que identificam ao lon-
go de um gene as seqüências específicas no DNA, que indicam o local de início da trans-
crição, ou seja, a partir de qual base o gene deve ser copiado em RNA.
Como a célula “sabe” que está na hora de transcrever seu material genético?
Os promotores para transcrição no DNA são inicialmente reconhecidos por fatores
de transcrição que, ligados ao DNA, interagem com outros fatores, formando um com-
plexo, a qual as RNAPs se associam. Os promotores são, em geral, seqüências de 100 a
200 pb. Eles sempre estão próximos ao sítio de início da transcrição e possuem seqüências
consenso, comuns a todos os promotores, reconhecidas pelos fatores de transcrição. Eles
são responsáveis por uma transcrição em nível basal – muito baixo.
Os enhancers são seqüências pequenas de DNA, que podem ocorrer na região 5’ do
gene, antes do promotor ou após o terminador, e ativam a expressão. Podem estar muito dis-
tantes do promotor (até milhares de pb) e ainda assim serem ativados. Alguns desses elemen-
tos de regulação dão a especificidade à transcrição, tanto temporal quanto tecido-específico.
O processo pode ser dividido em três partes: iniciação, alongamento e terminação. Essas
etapas serão detalhadas para os genes transcritos pela RNAP II, genes que codificam proteínas.

Iniciação
O primeiro passo da transcrição requer regiões reguladoras, acoplamento de fato-
res de transcrição e fatores de RNAP II. Embora a organização das regiões reguladoras
da transcrição por RNAP II varie para os diferentes genes e nos diferentes organismos,
existem alguns componentes básicos:

elementos que constituem o promotor:


Saiba mais
1) sítio de início da transcrição representado pela primeira base a ser transcrita;
TATA Box é
2) uma região que inclui uma seqüência conservada TATA Box localizada na re-
a seqüência
gião –25, anterior, portanto, ao sítio de início da síntese. Esse elemento determina onde a de consenso na
síntese deve ser iniciada e, normalmente, não afeta os níveis de expressão. É aqui que ocor- região promotora
de vários genes
re o reconhecimento inicial do gene a ser transcrito por parte dos fatores de transcrição; eucarióticos,
que se ligam a
3) uma região regulatória upstream denominada CAAT Box (consenso GGNCAA- fatores gerais
TCT), situada na região –60 a –80. de transcrição
e, portanto,
4) outras seqüências upstream. Aqui e no CAAT Box, ligam-se fatores que aumen- especificam a
tam a eficiência de reconhecimento do promotor. posição do início
da transcrição.

enhancers:

Esses elementos aumentam a expressão do gene, independentemente da sua


orientação, localização (a 5’ do promotor ou após o sinal de término da transcrição) e dis-
tância do promotor .

264 Módulo III — Processos de manutenção da vida


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O início da transcrição, em genes que utilizam RNAP II, é complexo e envolve uma
cascata, na qual vários fatores de transcrição vão se ligando ao DNA. Primeiramente, há
ligação de um fator ao TATA Box.

Saiba mais
Proteína ativadora
Todos esses
detalhes da
formação da TATA
cascata para Ativador box Início da
iniciação da (sítio de ligação
transcrição
transcrição pela para a proteína
RNA polimerase ativadora) Ligação dos fatores gerais de transcrição,
II em célula RNA polimerase, mediador, complexos
eucariótica, você remodeladores de cromatina
encontrará em e acetilases de histonas.
nossa bibliografia
indicada. A figura
4 dará uma idéia
de toda essa
complexidade.

Mediador Complexo
remodelador
de cromatina

INÍCIO DA TRANSCRIÇÃO Acetilase de histona

Figura 4: iniciação da transcrição pela RNA polimerase II em uma célula eucariótica. O início da
transcrição in vivo necessita da presença de proteínas ativadoras transcricionais. Essas proteínas se
ligam a pequenas seqüências específicas no DNA. Embora somente uma seja apresentada aqui, um
gene eucariótico típico tem muitas proteínas ativadoras que, juntas, determinam sua taxa de seu
padrão de transcrição. Às vezes agindo a uma distância de vários milhares de pares de nucleotídeos
(indicado pela molécula de DNA segmentada), essas proteínas reguladoras de genes auxiliam a RNA
polimerase, os fatores gerais e o mediador a se associarem no promotor. Além disso, os ativadores
atraem complexos remodeladores de cromatina dependentes de ATP e acetilases de histonas.

Essa ligação sinaliza para que outros fatores se liguem entre si e a outros elementos do
promotor. Quando todos os fatores já estiverem em seus devidos locais, o complexo estará
pronto para receber a RNAP II e formar o chamado complexo de iniciação da transcrição.

A RNAP II é responsável por abrir as fitas de DNA e colocar a primeira base. Essa
abertura das cadeias forma a “bolha de transcrição”, estrutura que é característica
do processo. Para ativar a transcrição, outros fatores ligam-se ao enhancer e intera-
gem com o complexo de iniciação da transcrição.

Alongamento
É o aumento da cadeia de RNA envolvendo outros fatores acessórios que são ne-
cessários. Os fatores utilizados no complexo de iniciação da transcrição são liberados, e a
RNAP II sofre alterações na sua conformação. A “bolha de transcrição” move-se sobre o

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#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

molde de DNA, abrindo o DNA à frente e fechando atrás de si. Um duplex híbrido DNA-
RNA forma-se dentro da bolha à medida que o RNA é sintetizado. Os erros na seqüência
da cadeia produzidos nessa etapa são cuidadosamente corrigidos pela RNA polimerase.

Uma peculiaridade irônica e não freqüente descrita sobre a meticulosidade dessa


correção é que a RNA polimerase, ao demorar tanto tempo corrigindo seus erros,
pode até “esquecer” de continuar a transcrição.

Terminação
Muito pouco se conhece sobre o término da transcrição. Sabe-se que todas as três
RNAPs terminam a síntese em regiões consenso do DNA ricas em T. Essas regiões são “si-
nais” codificados pelo DNA, que indicam onde deve ser a extremidade 3’. Esses sinais são
reconhecidos por enzimas que se ligam ao RNA, clivando-o para formar a extremidade 3’, ou
seja, o sítio de clivagem precede essa região consenso. Após a clivagem, esses nucleotídeos
que compunham a região consenso sinalizadora para a clivagem são degradados no núcleo.
A figura 5, abaixo, dará uma visão geral dos passos que levam do gene à proteína
em eucariotos e em bactérias.

Figura 5: resumo dos passos que levam do gene à proteína em eucariotos e em bactérias. O nível
final de uma proteína em uma célula depende da eficiência de cada passo e das taxas de degradação
das moléculas de RNA e de proteína. (A) Nas células eucarióticas, a molécula de RNA produzida por
transcrição (às vezes referida como o transcrito primário) pode conter tanto seqüências codificantes
(éxon) como não codificantes (íntron). Antes de esse ser traduzido em proteína, as duas extremidades
do RNA são modificadas, os íntrons são removidos por uma reação de RNA splicing catalisada
enzimaticamente, e o mRNA resultante é transportado do núcleo para o citoplasma. Embora esses
passos estejam ilustrados como se ocorressem um a um, em uma seqüência, na verdade, eles são
articulados, e diferentes passos podem ocorrer simultaneamente. Por exemplo, a capa de RNA é
adicionada, e o splicing caracteristicamente inicia antes que a transcrição tenha sido completada.
Devido a essa associação, o transcrito primário de RNA completo não existe caracteristicamente na
célula. (B) Nos procariotos, a produção de moléculas de mRNA é muito mais simples. A extremidade
de 5’de uma molécula de mRNA é produzida por meio da iniciação da transcrição pela RNA polimerase,
e a extremidade 3’ é produzida pela terminação da transcrição. Como as células procarióticas não
possuem núcleo, a transcrição e a tradução ocorrem em um compartimento comum. De fato, a
tradução de um mRNA bacteriano freqüentemente inicia antes de sua síntese ter sido completada.

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#M3U6 IV. Particularidades da RNAP I e RNAP II


Tanto a RNAP I quanto a RNAP II possuem mecanismos de transcrição semelhan-
tes ao já descrito para RNAP III. Conhece-se, porém, algumas propriedades particulares
dessas duas enzimas.
Os promotores para RNAP I são geralmente compostos por 2 domínios de ativida-
de: um, localizado entre –45 e +20 (domínio central ou core), e o outro, localizado entre –107
e –186 (domínio upstream). Essa organização é similar em todos os organismos, embora as
seqüências específicas desses promotores sejam variadas. A transcrição necessita de, pelo
menos, 3 proteínas ou complexos protéicos além da RNAP I. Já os promotores, para RNAP
III, são bastante diferenciados daqueles até aqui descritos. Existe um tipo de promotor
localizado a 5’ de +1 que é mais parecido com os envolvidos com a RNAP II. Além desse
promotor, existem outros 2 elementos que se localizam internamente, após o sítio de início
de transcrição e dentro da região codificadora, sendo denominados regiões controladoras
internas (ICRs). Os dois tipos de ICRs são promotores de tRNA e de genes RNA 5S.

www. Assista esta animação do processo de transcrição para melhor entendimento:


http://jon.visick.faculty.noctrl.edu/images/tnx.mov>

#M3U6 V. Processamento de RNA


Os diferentes RNAs sintetizados, no processo de transcrição, são chamados de trans-
critos primários, RNA precursor ou pré-RNA. Na maioria das vezes, esses transcritos pri-
mários não representam uma molécula de RNA madura, ou seja, aquela cuja seqüência e
estrutura correspondem à forma final do RNA funcional. Nesses casos, esses transcritos
primários sofrem modificações, as quais chamamos de processamento de RNA.

O processamento de RNA inclui alterações do tipo adição, deleção ou modificação


de nucleotídeos, ou mesmo de regiões maiores do transcrito primário.

Processamento de mRNA
A molécula de mRNA recém-sintetizada no núcleo sofre várias alterações bioquí-
micas. Assim, transforma-se no que é chamado de mRNA maduro ou mRNA processa-
do, para, só então, ser transportado ao citoplasma e lá ser traduzido. Esses precursores
de mRNA são chamados de RNA nuclear heterogêneo (hnRNA – heterogeneous nuclear
RNA). O processamento desses hnRNAs envolve modificações de nucleotídeos que aca-
bam por aumentar a estabilidade do mRNA e convertê-lo em RNA maduro.
Adição do cap – a primeira modificação do hnRNA ocorre em sua extremidade 5’,
logo após o início do processo de transcrição. Um resíduo de guanina é ligado cova-
lentemente ao primeiro nucleotídeo do hnRNA através de uma ligação fosfato 5’-5’,
com o resíduo de guanina, estando na posição inversa a dos demais nucleotídeos.
Essa estrutura é chamada de cap. O cap sofre, então, uma metilação na posição 7 da
guanina, resultando no nucleotídeo 7-metilguanilato (m7G). Todas essas reações são

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#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

catalisadas por enzimas específicas de cada reação. O cap protege a extremidade 5’


do transcrito da ação de exonucleases. Essas enzimas têm a propriedade de cortar ou
clivar ácidos nucléicos, conseqüentemente, moléculas de mRNA sem cap são rapi-
damente degradadas. O cap também facilita o splicing do RNA e seu transporte do
núcleo para o citoplasma. O cap tem também papel importante na síntese protéica.

Adição da cauda de poli A (poliadenilação) – a maioria dos mRNAs possui uma


seqüência de aproximadamente 200 resíduos de adenina na sua extremidade 3’,
que é chamada de cauda poli A. Essa cauda poli A não está codificada no DNA
e não existe nos rRNAs e tRNAs. Ela é adicionada aos hnRNAs pela enzima poli
A-polimerase. Um aspecto comum a todos pré-RNAs mensageiros é a presença da
seqüência consenso AAUAAA, localizada entre 11-30 nucleotídeos antes do sítio de
poliadenilação (local onde deve ser adicionado a cauda poli A). Essa seqüência, cha-
mada de seqüência sinal para poliadenilação, é reconhecida por um fator específico
que “marca” o local e permite que ocorra a clivagem por uma endonuclease. A adi-
ção da cauda poli A é feita na extremidade 3’ OH gerada pela clivagem. Depois que
o mRNA poliadenilado chega ao citoplasma, a cauda poli A vai diminuindo, com
o decorrer do tempo, provavelmente devido à ação de nucleases. A cauda poli A é
uma parte importante do processamento, pois facilita o transporte do mRNA para o
citoplasma e, ao ser lentamente degradada, estabiliza a molécula no citoplasma.

Para que você possa visualizar toda essa descrição, acompanhe o esquema das
figuras 6 e 7.

Figura 6: uma comparação das estruturas de moléculas de mRNA procariótico e eucariótico. (A) As
extremidades 5’e 3’de um mRNA bacteriano são as extremidades não modificadas da cadeia sintetizada
pela RNA polimerase, a qual inicia e termina a transcrição naqueles pontos, respectivamente. As
extremidades correspondentes de um mRNA eucariótico são formadas pela adição de uma capa na
extremidade 5’e pela clivagem do transcrito pré-mRNA e adição de uma cauda poli-A, respectivamente.
A figura também ilustra outra diferença entre os mRNAs procarióticos e eucarióticos: os mRNAs
bacterianos podem conter as instruções para várias proteínas diferentes, enquanto que os mRNAs
eucarióticos praticamente contêm sempre a informação para uma única proteína. (B) A estrutura da
capa na extremidade 5’de moléculas de mRNA eucariótico. Observe a ligação incomum 5’- a 5’ do 7
metil G ao restante do RNA. Muitos mRNAs eucarióticos apresentam uma modificação adicional: um
grupamento 2’- hidroxil do segundo açúcar ribose no mRNA, o qual é metilado (não ilustrado).

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Figura 7: as reações que capeiam a extremidade 5’ de cada molécula de RNA sintetizada pela RNA
polimerase II. A capa final contém uma nova ligação 5’- a 5’entre o resíduo 7 metil G positivamente
carregado e a extremidade 5’do transcrito de RNA. A letra N representa qualquer um dos quatro
ribonucleotídeos, embora o nucleotídeo que comece uma cadeia de eRNA seja geralmente uma
purina (um A ou um G).

Existe também a possibilidade da cauda poli A estar relacionada com o reconheci-


mento da molécula de mRNA pelo complexo que posteriormente realizará a tradução. Há
um grupo de mRNAs que é transportado ao citoplasma e que não possui cauda de poli
A. São os mRNAs de histonas, as proteínas que participam do empacotamento do DNA.
Mesmo sem poli A, a extremidade 3’ do hnRNA é clivada como descrito anteriormente.
Em geral, a clivagem e a poliadenilação precedem a excisão de íntrons do hnRNA.
Metilação – muitos mRNAs possuem o nitrogênio 6 dos resíduos de adenina me-
tilado. Essa metilação ocorre apenas nos éxons, antes da retirada dos íntrons do hnRNA.
Provavelmente, o radical metil serve para proteger as porções do transcrito primário que
precisam ser preservadas.
Excisão de íntrons (splicing) – a maioria dos transcritos primários de mRNA apre-
senta dois tipos de seqüências: os éxons, porção codificadora do transcrito primário que
estão presentes no RNA maduro, e os íntrons, seqüências que não estão presentes no RNA
maduro, portanto, não codificam nenhum aminoácido da proteína a ser sintetizada. Os
íntrons, ao serem retirados, dão origem a um mRNA funcional (ou tradutível). Assim,
após a adição do cap, da cauda poli A, e, às vezes, a metilação de adeninas, o hnRNA sofre
o processo de excisão dos íntrons e junção dos éxons. Esse mecanismo é conhecido como
splicing do RNA. Para que o splicing ocorra corretamente, existem seqüências consenso
sempre presentes localizadas nos íntrons dos mRNAs. Essas seqüências sinalizam o local

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M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

onde deverá ser efetuado o splicing (chamado de sítio de splice), ou auxiliar na sua localiza-
ção, e têm características importantes:
os primeiros e os últimos dois nucleotídeos da extremidade 5’ e 3’ dos íntrons são
GU e AG, respectivamente;
há uma adenina aproximadamente 18-20 nucleotídeos upstream da extremidade 3’
do íntron. Ambas têm um papel importante no processo de splicing. Além dessas
seqüências consenso, há uma freqüência maior de algumas bases que estão próxi-
mas do sítio de splicing, tanto no éxon como no íntron, e há, também, uma tendên-
cia da região próxima à extremidade 3’ do íntron ser rica em pirimidinas (U e C).
Sem essas seqüências consenso, ocorrem alterações no processo de splicing.

Como ocorre o processo de splicing na célula?


O processo de splicing envolve a retirada de cada íntron da molécula de hnRNA e a
união dos éxons, liberando o íntron. A remoção de íntrons envolve a quebra de uma liga-
ção fosfodiéster, na junção éxon com íntron, e a formação de outra, entre as extremidades
dos éxons. Esse processo pode ocorrer de duas maneiras: mediado por “spliceossomos” e
auto-splicing. A figura 8 mostra a reação de splicing de RNA.

Figura 8: a reação de splicing de RNA. (A) No primeiro passo, um nucleotídeo adenina específico
na seqüência do íntron (indicado em vermelho) ataca a região 5’de splicing e corta a estrutura de
açúcar-fosfato do RNA neste ponto. A extremidade 5’ cortada do íntron torna-se covalentemente
ligada ao nucleotídeo de adenina, como mostrado no detalhe em (B), criando, assim, uma alça na
molécula de RNA. A extremidade 3’-OH livre e liberada da seqüência do éxon reage com o início da
seqüência do éxon seguinte, unindo os dois éxons e liberando a seqüência do íntron na forma de
um laço ou de uma alça. Conseqüentemente, as seqüências dos dois éxons se unem, formando uma
seqüência codificante contínua. A seqüência do íntron liberado é degradada no momento adequado.

270 Módulo III — Processos de manutenção da vida


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Atividade complementar 2
Agora chegou o momento de pesquisa e estudo!
Consulte os livros da nossa bibliografia indicada e veja como ocorre o processo me-
diado por “spliceossomos” e auto-splicing.

www. Após o estudo teórico, vemos a necessidade de uma interação melhor com
multimídias disponíveis na internet.
<http://www.nature.com/nrn/journal/v2/n1/animation/nrn0101_043a_swf_MEDIA1.html>

E quanto aos processamentos do rRNA e o tRNA, como isso ocorre?

#M3U6 VI. Processamento de rRNA


Sabemos, atualmente, que o nucléolo é a região onde acontece o processamento de
rRNAs e a sua montagem sob a forma de ribossomos. Diferentemente de outras organelas
na célula, o nucléolo não se encontra delimitado por uma membrana, como foi visto em
outro módulo; em vez disso, é um grande agregado de macromoléculas, incluindo-se os
próprios genes rRNA, rRNAs precursores, rRNAs maduros, enzimas processadoras de
rRNAs, snoRNPs, subunidades protéicas ribossomais e ribossomos parcialmente monta-
dos. A íntima associação de todos esses componentes, presumivelmente, permite que a
montagem dos ribossomos ocorra rapidamente e sem erros.
O processo de maturação ocorre em várias etapas de clivagem em uma ordem pre-
ferencial, mas não obrigatória, sendo a primeira delas a remoção dos espaçadores trans-
critos externos. Depois, há outras duas clivagens que liberam o RNA 18S maduro. As três
próximas clivagens liberam o RNA 5,8S e, na maioria dos casos, o 28S maduro, as quais
já permanecem ligados por pontes de hidrogênio devido à complementaridade de bases
entre esses rRNAs.
O quarto tipo de rRNA, 5S, é transcrito separadamente. Os genes para RNA 5S
estão localizados separados dos outros três e são transcritos pela RNA-polimerase III.
Também se encontram em cópias múltiplas e separadas por espaçadores. A transcrição
desses genes não é coordenada com a dos outros RNAs e não se sabe por que eles estão
localizados separadamente.
Após o processamento, os rRNAs participam na formação das subunidades do ri-
bossomo e, só então, deixam o núcleo. O RNA ribossômico sofre, ainda, algumas modifi-
cações pós-transcricionais, entre elas: as metilações. Muitas dessas metilações são extre-
mamente conservadas e algumas delas têm uma função importante no início da síntese de
proteínas. A modificação da base U para Ø (psi) também é comum.

#M3U6 VII. Processamento de tRNA


Os genes de tRNA são encontrados em cópias múltiplas. Os transcritos primários
precisam ser processados para originar o tRNA maduro. Isso envolve a ação de ribonucle-
ases para gerar as extremidades 5’ e 3’ da molécula madura e a retirada do único íntron. O

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 271


#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

mecanismo de retirada do íntron de p-trRNA ocorre em duas etapas. Na primeira, ocorre


clivagem endonucleásica nas extremidades 5’ e 3’ do íntron, liberando-o e dividindo o
tRNA em duas metades (éxons). As duas metades são mantidas juntas devido ao parea-
mento de bases do tRNA em regiões complementares, apesar de não estarem ainda liga-
das covalentemente. Na segunda etapa, ocorre a ligação dos dois éxons para a formação
do tRNA maduro. A ligação dos dois éxons é feita por uma RNA-ligase. Aparentemente
não há seqüências consenso no íntron, essenciais ao processo de splicing. As seqüências
do éxon e a conseqüente estrutura tridimensional do pré-tRNA são os elementos impor-
tantes para o reconhecimento e para a correta clivagem pelas endonucleases. As molécu-
las de tRNA maduras contêm um grande número de nucleotídeos raros, originados pela
modificação pós-transcricional das bases comuns (A,U,C,G). A maioria das modificações
envolve metilação e/ou tiolação e dependem de cisteína, metionina e treonina, que são as
fontes dos grupos utilizados na alteração das bases. Outro processamento importante é a
adição da seqüência CCA na extremidade 3’ por uma enzima específica. Todos os tRNA
têm essa seqüência.

#M3U6 VIII. A regulação da expressão gênica


Você já parou para pensar como os organismos procarióticos e eucarióticos conse-
guem ligar e desligar genes, que comandarão a síntese de mRNAs, e, assim, dar origem,
por fim, às proteínas necessárias?
A esse processo chamamos controle da expressão gênica.
Existem vários diferentes mecanismos de controle da expressão gênica, mesmo se
considerarmos apenas a bactéria E. coli. Dessa forma, iremos centrar nossos esforços na
análise de um deles, no controle da expressão gênica em procariotos, que tem muita apli-
cação em engenharia genética
Na década de 1950, as primeiras evidências para a existência de proteínas de regu-
lação gênica, que ligam ou desligam conjuntos específicos de genes, foram por meio das
análises genéticas em bactérias.

Saiba mais

Em 1965, os franceses François Jacob e Jacques Monod, juntamente com Andre Lwoff,
descreveram esse mecanismo, recebendo por isso o Prêmio Nobel em Medicina. Eles estudaram
os genes que codificam as enzimas responsáveis pela degradação da lactose em E. coli. Este
modelo se encontra em vários livros, textos, e introduziremos de forma didática um mecanismo
que é comum a muitos outros microrganismos, observado na regulação de muitos genes.

Francois Jacob Jaques Monod Andre Lwoff

272 Módulo III — Processos de manutenção da vida


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Você já ouviu falar no operon lac?


Através de experimentos em genética clássica (empregando mutantes e plasmí-
deos que transportavam genes e sítios reguladores para a bactéria hospedeira, criando
assim diplóides parciais), Jacob e Monod criaram um modelo no qual o sítio “promotor”,
associado a um outro sítio chamado “operador”, controlava a expressão de todos os genes
imediatamente “abaixo”, isto é, 3’, do promotor. Todo esse conjunto de genes foi chamado
de operon lac, pois os genes que estudavam eram os responsáveis pela síntese das proteí-
nas que degradavam lactose. A figura 9 abaixo representa o operon lac esquematizado.

Figura 9: distribuição dos genes e módulos de controle do operon lac. O gene i, para o repressor
lac, expresso constitutivamente, está situado próximo ao conjunto dos genes induzíveis lacZ, lacY e
lacA, responsáveis pela síntese das proteínas b-galactosidase, permease e transacetilase. O promotor
plac é controlado pelo operador olac, onde se ligam duas moléculas do repressor.

Saiba mais

Os plasmídeos são moléculas circulares de DNA que estão separadas do DNA


cromossômico. Geralmente ocorrem em bactérias e as vezes em organismos eucarióticos.

Saiba mais

Agora é um momento importante de estudar como tudo isso


ocorre. Para que você possa compreender melhor todo esse
fenômeno, busque algumas referências para leitura e interagir
melhor com o assunto: Capítulo 14 do livro: Regulação da
Transcrição Gênica.

Genética Moderna
Autores: J.F Antohony Griffiths,
Jeffrey H. Miller,
Richard C. Lewontin,

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 273


#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

Lembre-se que:
O sítio operador é uma região do DNA logo abaixo do sítio promotor. Na verdade,
os dois sítios estão parcialmente imbricados, pois o promotor se estende da base -45 até a
base +5, enquanto o sítio operador vai da base -8 até a +12. Dessa forma, se tivermos uma
proteína ligada ao sítio operador, ela vai impedir que esse seja ligado pela RNApol.
O repressor lac, por sua vez, é o produto de um gene que está próximo ao óperon,
porém não faz parte integral dele (na verdade, esse gene poderia estar muito distante no
genoma de E. coli). Na ausência de lactose, as poucas moléculas de repressor presentes no
citosol da bactéria (menos de 10 por célula!) são suficientes para silenciar a expressão do
óperon, ligando-se ao sítio operador. Na presença de lactose, contudo, o repressor é inati-
vado pela ligação de um produto do metabolismo da lactose: a alolactose. Inicia-se, então,
a transcrição dos genes lacZ, lacY e lacA, formando-se um mRNA policistrônico.
Bom! O que você acha? Será que nesse momento o mRNA já foi traduzido?
Esse mRNA é imediatamente traduzido para formar três enzimas da via de degra-
dação da lactose: a b-galactosidase (b-gal), a permease e a transacetilase. A b-gal degrada
a lactose, até galactose e glicose, e a permease aumenta muitas vezes a permeabilidade da
célula à lactose. Com isso, a lactose do meio de cultura é rapidamente assimilada e utili-
zada pela célula. Quando a concentração de lactose reduz-se muito, até as moléculas que
estão ligadas ao repressor acabarão sendo clivadas pela b-gal. A conseqüência disso é a
ligação dos repressores, agora ativos, ao sítio operador, provocando a parada da transcri-
ção dos genes lacZ, lacY e lacA (Figura 10).

Figura 10: esquema representativo do controle da transcrição dos genes para as enzimas
responsáveis pelo uso da lactose em E. coli. O repressor, produto do gene i, liga-se ao operador
(em verdade, duas moléculas), impedindo a ligação da RNApol ao sítio promotor Plac e bloqueando a
transcrição. A lactose no citosol bacteriano liga-se ao repressor, inativando-o e liberando o promotor
para ser ligado pela RNApol. O processo de transcrição estará liberado até que a concentração
citosólica de lactose seja insuficiente para garantir a inativação das moléculas do repressor.

274 Módulo III — Processos de manutenção da vida


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Esse é o exemplo clássico de um óperon que funciona por repressão.


Há muitos outros semelhantes, que controlam em geral a síntese de enzimas respon-
sáveis pela degradação de um determinado produto nem sempre disponível no ambiente.
Há também genes óperons que estão sempre “ligados” e que devem ser silenciados em
determinadas situações. São, em geral, os genes para biossíntese de algum produto que a
bactéria pode obter do ambiente. Somente quando falta esse produto no meio de cultura
é que a bactéria ativa a transcrição dos genes que irão produzir as enzimas necessárias à
biossíntese do produto em falta.
Além desses dois sistemas, há ainda outros bastante mais complexos, que modu-
lam de forma fina a expressão de genes nos procariotos. Há mesmo óperons que são con-
trolados por repressão e ativação simultaneamente. Vale ressaltar que o próprio óperon
lac tem uma particularidade (descoberta muitos anos depois de sua elucidação por Jacob e
Monod): o controle da sua expressão exercido por uma proteína chamada CAP (catabolite
gene activator protein), uma proteína dimérica como o repressor lac, com aprox. 45.000 Da.

Detalhes sobre essa proteína você encontra na literatura indicada.

Esse curioso mecanismo de controle positivo do óperon lac também foi observado
em diversos outros óperons bacterianos. Qual seu objetivo, afinal?
A explicação é simples: quando a bactéria não tem glicose para degradar, ela pas-
sa por um processo de “fome” celular, com conseqüente aumento dos níveis de cAMP
celulares. Esse cAMP se liga à proteína CAP, permitindo uma expressão aumentada de
todos os óperons que são responsáveis pela degradação de açúcares e outros produtos
energéticos. A figura a seguir ilustra os dois controles (pelo repressor e pelo complexo
CAP-cAMP) do óperon lac (Figura 11).

Figura 11: controle do óperon lac pela proteína CAP e pelo repressor lac.

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 275


#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

Diante de tantos detalhes, vem a pergunta! Que importância tem o óperon lac na
genética molecular?
Muitos dos vetores de expressão, sejam eles fagos ou plasmídeos, empregados em
engenharia genética, têm o gene clonado sob o controle de um promotor/operador lac.
Esse sistema propicia o controle da expressão do gene clonado através da adição de um
análogo da lactose: o IPTG (isopropiltiogalactosídeo). Este produto é muitas vezes mais
efetivo que a lactose na indução da expressão do óperon lac, além de não ser degradado.
Veremos, mais adiante, como podemos tirar vantagem dessas construções artificiais de
genes para a produção de proteínas recombinantes.

Leia mais sobre todo o processo do óperon triptofano (óperon tryp). Lembre-se www.
que será necessário correlacionar com os módulos vistos anteriormente, como a
biossíntese de aminoácidos, no site
<http://paginas.terra.com.br/educacao/biolmol/aula4_controle.htm>

Após as leituras complementares, pode-se observar que o mesmo mecanismo des-


crito para o triptofano é empregado em outras vias biossíntéticas de aminoácidos. A razão
parece ser o alto custo energético dessas vias.
Esse sistema permite à Natureza discriminar entre “pouco” e “insuficiente”, contornando
a forma rudimentar com que o sistema repressor/operador controla a expressão gênica (lembre-
se de que o repressor se desliga ocasionalmente do operador, dando origem ao vazamento, que é
importante para a expressão gênica, particularmente ao disparo de certos óperons, como o lac).
É possível que se um sistema de repressão simples, como o das bactérias, fosse
“regulado” para não ser aberto ou fechado, senão em circunstâncias extremas, ele jamais
funcionaria, ficando sempre fechado ou sempre aberto, conforme o caso.
Até o momento, o estudo se concentrou no processo de regulação da expressão gê-
nica em bactérias. E quanto às células eucariotas? Você já imaginou como isso ocorre?
A expressão gênica pode ser regulada em muitas das etapas na via que vai do DNA
para o RNA até a proteína. Se as diferenças entre os vários tipos celulares dependem de genes
particulares que a célula expressa, em qual nível o controle da expressão gênica é exercido?

De modo geral, os passos pelos quais a expressão gênica eucariótica pode ser con-
trolada estão descritos abaixo.

Como vimos, existem muitos passos no caminho que leva do DNA à proteína, e to-
dos podem, inicialmente, ser regulados. Portanto, uma célula pode controlar as proteínas
que podem, em princípio, ser reguladas. Portanto, uma célula pode controlar as proteínas
que produz das seguintes formas (Figura 12):
pelo controle de quando e como um determinado gene é transcrito (controle
transcricional);
pelo controle de como um transcrito de RNA é submetido a splicing ou processa-
do de alguma outra maneira (controle do processamento de RNA);
pela seleção de quais mRNAs completos no núcleo celular são exportados para
o citoplasma e quais determinam a sua localização no citoplasma (transporte de
RNA e controle da localização);
pela seleção de quais mRNAs no citoplasma são traduzidos pelos ribossomos
(controle traducional);
pela desestabilização seletiva de certas moléculas de mRNA no citoplasma (con-
trole da degradação do mRNA);
pela ativação, desativação, degradação ou compartimentalização seletiva de molé-
culas de proteína específicas após a sua produção (controle da atividade protéica).

276 Módulo III — Processos de manutenção da vida


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Figura 12: seis passos pelos quais a expressão gênica eucariótica pode ser controlada. Os
controles que operam nos passos de 1 a 5 são discutidos neste módulo. O passo 6, a regulação da
atividade protéica, inclui a ativação e a inativação reversível pela fosforilação das proteínas, assim
como a inativação irreversível por degradação proteolítica.

A lógica da regulação gênica segue por aí. No entanto, em eucariotos, a regulação


envolve fatores muito mais complexos, como a integração celular (Tabela 2).

Tabela 2: algumas Proteínas de regulação gênica e as seqüências de DNA que elas reconhecem.

Organismo Nome Recombinação da sequencia de DNA*

Bactéria lac repressor 5? AATTGTGAGCGGATAACAATT


3? TTAACACTCGCCTATTGTTAA
CAP TGTGAGTTAGCTCACT
ACACTCAATCGAGTGA
Fungo lambda repressor TATCACCGCCAGAGGTA
ATAGTGGCGGTCTCCAT
Gal4 CGGAGGACTGTCCTCCG
GCCTCCTGACAGGAGGC
Mat?2 CATGTAATT
GTACATTAA
Gcn4 ATGACTCAT
TACTGAGTA
Drosophila Kruppel AACGGGTTAA
TTGCCCAATT
Bicoid GGGATTAGA
CCCTAATCT
Mamíferos Sp1 GGGCGG
CCCGCC
Oct-1 Pou domain ATGCAAAT
ATGCAAAT
GATA-1 TGATAG
ACTATC
MyoD CAAATG
GTTTAC
p53 GGGCAAGTCT
CCCGTTCAGA

* Cada proteína na tabela pode reconhecer um conjunto de seqüências de DNA estreitamente


relacionadas; por conveniência, somente uma seqüência de reconhecimento, e não de uma
seqüência consenso, é mostrada para cada proteína.

Consórcio Setentrional de Ensino a Distância 277


#
M3U6 Transcrição e regulação da expressão gênica

O genoma de uma célula contém na sua seqüência de DNA a informação para fazer
milhares de diferentes moléculas de proteína e de RNA. Uma célula expressa, tipicamen-
te, somente uma fração de seus genes, e surgem diferentes tipos de células nos organis-
mos multicelulares, porque diferentes conjuntos de genes são expressos. Além disso, as
células podem alterar o padrão de genes que elas expressam em resposta às mudanças
no seu ambiente, tais como sinais de outras células.
Embora todas as etapas envolvidas na expressão de um gene possam, em princí-
pio, ser reguladas, para a maioria dos genes, o início da transcrição do RNA é o ponto de
controle mais importante. Dessa forma, é de grande valia a compreensão do sentido dessa
regulação e sua importância na manutenção da vida.

#M3U6 IX. Referências


NUSSBAUM, R. L.; MCINNES, R. R.: WILLARD, HUNTINGTON F. Genética Médica.
6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.

STRACHAN, T.; READ, A. P. Genética Molecular Humana. 2 ed. Porto Alegre: ARTMED
Editora, 2002.

SNUSTAD, P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos de Genética. 2. ed. Rio de Janeiro: Guana-


bara Koogan, 2001.

BROWN, T. A. Genética: Um enfoque molecular. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo-


gan, 1993.

GRIFFITHS, A. J.F.; MILLER, J. H.; LEWONTIN, R. C.; GELBART, W. G. Genética Mo-


derna. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.

278 Módulo III — Processos de manutenção da vida


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