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Omar Schneider1
Mestrando em Educação: História, Política, Sociedade
Pesquisador no Projeto Americanismo e Educação: a fabricação
do homem novo, coordenado pela Professora Doutora Mirian Jorge Warde
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Resumo: o estudo debruça-se sobre a revista Educação Physica e caracteriza-se por projetar
a formação do professor de Educação Física ocorrendo não só por meio das instituições
formadoras, mas também pelo consumo de literaturas de destinação pedagógica. Busca
estudar como o periódico é utilizado pelos seus diretores para se apresentarem como a voz
autorizada da Educação Física brasileira, ao mesmo tempo em que procuram fazer circular um
modelo de professor e os saberes necessários à sua formação.
Apresentação
A revista Educação Physica é o primeiro periódico comercial sobre Educação Física
lançado no Brasil. Foi produzida no Rio de Janeiro, por iniciativa de dois professores de
Educação Física, Paulo Lotufo e Oswaldo M. Resende, os quais foram seus primeiros
diretores. Posteriormente a esses dois, soma-se outro, Roland de Souza, que, após exercer a
função de tesoureiro em 1936, é incorporado à direção do projeto.
Nos treze anos em que o periódico circulou, foram lançadas 88 revistas. Dessas, dois
exemplares foram publicados em edições conjugadas em um mesmo volume, a de número
28/29 e a de número 79/80. Por meio de um o banco de dados produzido no Microsoft Access
sobre a revista, foi possível catalogar 3.5092 matérias, das quais 1.566 foram assinadas por
805 autores.
No primeiro editorial da revista Educação Physica, seus organizadores escrevem
sobre os objetivos do periódico. Para eles, a revista funcionaria como um meio para o
desenvolvimento esportivo no Brasil, “...cuidando, mui especialmente, do seu apuro technico
e refinamento educacional” (Educação Physica, 1932, n. 1, p. 3). A revista tinha ainda o
objetivo de ser
...uma força nova nos domínios da educação physica [e esperava] reunir todos os
elementos mais representativos e de maior autoridade e competencia, no justo
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Membro pesquisador do PROTEORIA, Instituto de Educação e Educação Física (http://www.proteoria.net).
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Nesse total, estão incluídas todas as matérias que foram publicadas, não sendo discriminadas: as seções, os
editoriais e as notas.
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Considerações iniciais
O estudo debruça-se sobre a revista Educação Physica tomando-a como objeto e
fonte. Busca, por meio do exame, compreender as prescrições em relação aos saberes
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Autores e prescrições
Nos treze anos em que a revista Educação Physica circulou, algumas seções estão
presentes em quase todo o seu ciclo de vida. Uma delas, designada Lição de Educação Física,
foi veiculada do número 35 (1938) ao 62 (1942). A seção Lição de Educação Física
organizava-se como um receituário, local em que os professores tinham prescritas todas as
atividades que deveriam ser realizadas na condução de sua aula. Essas seções abarcavam
todos os graus de ensino e forneciam aos professores um itinerário de como deveriam ser
estruturadas as aulas de Educação Física. Essas prescrições sobre como desenvolver uma aula
considerada exemplar são veiculadas no periódico como uma tentativa de produzir a unidade
de doutrina, uma organização que passava pela preparação do professor. Tal estratégia foi
implementada de acordo com os princípios veiculados no periódico. Desse modo, a seção,
constituía-se em um receituário prescritivo que abarcava nos mínimos detalhes os passos do
professor, indicando a idade em que o indivíduo poderia ser submetida àquele tipo de
exercitação, o tempo a ser dedicado a cada sessão, os gestos que deveriam ser realizados,
formas de combinações possíveis entre cada gesto. Enfim, um modo de organização que
colocava em cena modelos a serem imitados que, na visão dos diretores, efetivamente
serviriam de ferramenta para a intervenção.
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Se produzir as lições que deveriam ser empregadas nas escolas não dava conta de
determinar quais características o professor deveria desenvolver, a revista faz veicular
representações sobre as qualidades que ele deveria cultivar para ser considerado um bom
professor. Entre os textos publicados, encontram-se o produzido por Fernando de Azevedo
(Educação Physica, 1936, n. 8, p. 15-17), intitulado: O papel do professor moderno de
Educação Physica, e o escrito por Hollanda Loyola (Educação Física, 1940, n. 42, p. 9), com
o título de O professor de Educação Física. Esses artigos marcam por serem prescritivos, no
sentido de especificar um perfil desejável para o professor. Como exemplo da discussão que é
conduzida na revista sobre a formação do professor de Educação Física, Hollanda Loyola faz
o seguinte comentário:
...no conceito atual da verdadeira educação – a educação integral – êle [o professor]
já não é mais o simples “mestre de ginástica”, o homem dos músculos hipertrofiados
e das acrobacias sensacionais, o gigante da fôrça bruta, uma espécie de domador que
as crianças temiam, e os rapazes respeitavam mais pelo mêdo do que pela
consideração que se deve dispensar ao professor (Educação Física, 1940, n. 42, p. 9).
Para Hollanda Loyola (Educação Física, 1940, n. 42, p. 9), essa “...deve ser a
mentalidade do moderno professor de educação física, o princípio que deve nortear a
realização dos seus objetivos, as normas de sua conduta na escola e sociedade”. Desse modo,
ele será “...por excelência o educador [...] [que] a mocidade seguirá, entusiasta e bela, forte e
sobranceira, elevando a Pátria” (Educação Física, 1940, n. 42, p. 9).
Percebe-se nas palavras de Hollanda Loyola o embate entre duas formas de se
representar o professor de Educação Física. De um lado, aquela que desacredita no seu papel
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educativo dentro da escola. De acordo com Lhote (1945), os professores dessa disciplina eram
“...olhados como ginástas, profissionais de exibicionismo [...] [e a Educação Física como]
imoral e corruptora de costumes” (Educação Física, 1945, n. 86, p. 86). Do outro lado, passa a
ser veiculado pela revista um modelo de comportamento que apresenta o professor dessa
disciplina como um educador, um homem preparado para formar física, intelectual e
moralmente a mocidade brasileira.
Relacionados com os saberes considerados prioritários para a formação do professor
de Educação Física, os diretores fazem circular, por meio da revista, conhecimento sobre as
regras, sobre o domínio técnico dos esportes, sobre as modalidades de ginástica, da dança e
das estratégias dos jogos. Nesse rol de conhecimentos, encontram-se também aqueles que
buscam fundamentar os professores para discutir a Educação Física em outros domínios.
Entre estes estão: os conhecimentos relacionados com a Fisiologia Humana, a Higiene e
Puericultura, a Pedagogia e a História da Educação Física e dos Esportes. Também fazem
saber aos leitores quais foram as grandes personalidades da Educação Física, os grandes
propagadores dessa disciplina no Brasil e em outros países, os fatos que marcaram sua história
e a relação dos clássicos do pensamento filosófico/educacional com a Educação Física.
Na tentativa que é realizada para tornar o periódico a voz autorizada da Educação
Física brasileira, investe-se em discussões que tornem essa disciplina matéria obrigatória nas
escolas. Nesse sentido os dirigentes incitam os professores a discutirem o lugar da Educação
Física em uma reforma educacional. O tema é encaminhado deste modo:
Mudam-se e remudam-se os programas e os processos de ensino. Agora, está em
elaboração, mais uma reforma do ensino. Cumpre que a educação physica seja
devidamente considerada, que a sua pratica se torne obrigatoria. É inadmissivel que
se pense em desenvolver apenas o cerebro, em detrimento do restante do organismo,
deixando atrophiar-se, ademais disso, não seria possível ministrar, com effciencia,
amplos ensinamentos intellectuaes, a indivíduos doentes, torturados por soffrimentos
physicos (Educação Physica, Rio de Janeiro, 1937, n. 10, p. 6).
Outro debate que a revista instiga diz respeito à aposentadoria do professor. Para os
diretores era inconcebível que a aposentadoria do professor de Educação Física fosse regida
pelas mesmas leis dos outros profissionais da educação. Para o professor de Educação Física
reclamam um tempo menor para se aposentar. Acreditam que:
...o limite de sessenta anos fixado para a aposentadoria do professor de letras, em
geral, é perfeitamente razoável, o mesmo, no entretanto, não se dá com o professor de
Educação Física. com essa idade dificilmente [...] poderá exercer esse magistério
especializado, que requer flexibilidade e dextreza, força e resistência, saúde e
vitalidade, predicados físicos esses que, só excepcionalmente, se encontram na
velhice. [Desse modo] [...] a lei da aposentadoria requer uma exceção para o
professor de Educação Física. Sua aposentadoria não pode exceder dos cinqüenta
anos (Educação Física, 1942, n. 69, p. 11).
Ao mesmo tempo em que os diretores apresentam um modelo que deve ser seguido
pelo professor, no qual devem estar presentes qualidades como: vitalidade, virilidade e
resistência física, não deixam de indicar que essas são insuficientes, pois, nesse novo modelo,
deve estar presente a desenvoltura intelectual e o conhecimento de humanidades. Mas essas
capacidades, de acordo com os diretores, não deveriam desenvolver-se sem linguagem
apurada, conduta exemplar, atitude dignificante, força de vontade, senso de justiça, noção do
dever, amor à Pátria, personalidade, idealismo, renuncia, convicção, disciplina e bondade.O
que de acordo com os diretores, faria com que a Educação Física fosse reconhecida como
atividade necessária ao bom desenvolvimento da sociedade brasileira, do mesmo modo,
garantindo-lhe legitimidade como disciplina escolar.
Para concretizar esses objetivos, muitos autores se mobilizam ou são mobilizados,
autores que escrevem para a revista, produzindo ou traduzindo e se empenhando em
congregar para a causa da Educação Física intelectuais e autoridades do meio social, vivos ou
falecidos, nacionais e estrangeiros.
Em uma seção chamada Educação, veiculada a partir do número 24 (1938), a
estratégia de mobilizar autores que, de alguma maneira, contribuíssem para o discurso da
Educação Física como prática educacional começa a ser realizada. Nessa seção, utilizam-se
obras de autores de renome, vivos ou falecidos, do pensamento educacional. Expõe-se aos
leitores o que grandes educadores/estadistas nacionais e internacionais disseram ou dizem
sobre a Educação Física. Desse modo, recorrem ao pensamento de Manoel Bomfim, Everaldo
Backheuver, Gustavo Capanema, Émile Durkheim, Jean Jacques Rousseau, Pestalozzi, John
Dewey, Édouard Claparède, Maria Montessori, Priedrich Froebel entre outros, enfatizando
suas prescrições sobre a necessidade de incorporar a Educação Física em um plano
educacional.
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Em nota na revista, os diretores informam que o educador que quisesse ser considerado um bom professor,
deviria “...estar sempre em dia com os múltiplos aspectos do seu magistério [...] para isso é necessário comprar
todos os livros que forem publicados nos mais variados idiomas [...], [e fazer] assinatura de revistas” (Educação
Physica, 1943, n. 72, p. 6). Mas como nem todos os professores tinham essas condições, propõem que todos
assinem a revista Educação Physica, pois essa se apresenta como uma “...síntese e uma seleção de tudo que há
de mais moderno sobre educação física e depostos no Brasil e no mundo. É, pois, um dever de cultura e de
honestidade profissional para o professor de educação assinar e ler ‘Educação Physica’” (Educação Physica,
1943, n. 72, p. 6).
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Conclusões
Deslocar o foco dos grandes recortes temáticos e centrar atenção na especificidade de
um objeto é uma das proposições da História Cultural. Tomar o impresso como objeto, não
apenas como fonte, é um dos caminhos possíveis para se produzir uma História da Educação e
da Educação Física preocupada com a materialidade das práticas culturais.
A revista Educação Physica no período em que foi produzida, tornou-se responsável
pela veiculação de variados temas ligados à Educação Física. Com o mapeamento da revista,
percebe-se um grande número de artigos que intencionavam prescrever aos professores modos
de agir não só no clube, mas também na escola. A revista funcionava como um verdadeiro
repertório de saberes, estratégias que buscavam aproximar a Educação Física de vários
campos do conhecimento, como a Antropologia, e sua relação com a área, do mesmo modo
procedendo com a Sociologia, a Filosofia, a Fisiologia e a Psicologia.
Tratar a revista Educação Physica como estratégia de conformação de práticas e
dispositivo de produção de sentidos permite algumas conclusões. Uma delas diz respeito à
tendência de creditar ao Estado o posto de grande agente das modificações que se
processaram a respeito da Educação e Educação Física no Brasil.
Visualizar as literaturas de destinação pedagógica como estratégia, permite que elas
sejam observadas como dispositivos doutrinários, de produção e conformação do campo
pedagógico e a mobilização, organização do professorado em torno de objetivos comuns.
O estudo da revista Educação Physica revela as representações que se produziram a
respeito do professor dessa disciplina e mesmo sobre os saberes e as práticas necessárias à sua
atuação na escola e em outros setores da sociedade, indicando quais estratégias foram
organizadas pelos diretores da revista para interferir nas reformas educacionais ou para
requisitar que reformas fossem realizadas. Percebe-se que essas visavam a produzir um
conjunto de vozes autorizadas, consideradas capazes de definir quais saberes deveriam ser
mobilizados pelo professor na condução das aulas e também expressavam a tentativa de se
educar não só os professores de Educação Física, mas também o Estado a respeito de um
modelo exemplar de professor, ou seja, um investimento na produção cultural, objetivando
finalidades políticas.
Referências
AZEVEDO, Fernando. O papel do professor moderno de educação physica. Educação
Physica, Rio de Janeiro, n. 8, p. 15-17, fev. 1936.
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CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Pedagogia e usos escolares do impresso: uma
incursão nos domínios da história cultural,1998. (mimeogra.).
LHOTE. Um ano mais. Educação Physica, Rio de Janeiro, n. 86, p. 9, maio/jun. 1945.
________. Aposentadoria na educação física. Educação Physica, Rio de Janeiro, n. 69, p. 11,
out. 1942.
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