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29ª Bienal de São Paulo

Há sempre um copo de mar para um homem navegar

Curadores: Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias


Curadores convidados: Rina Carvajal, Sarat Maharaj e Chus Martinez

Notas curatoriais

A mostra e a instituição

A 29ª Bienal de São Paulo é parte integrante e indissociável de um projeto, maior e já em curso, de
confirmação da relevância institucional da Fundação Bienal de São Paulo. Relevância que, amparada
em uma história de quase 60 anos, se estende a espaços geográficos dos mais próximos aos mais
distantes, e do círculo restrito da produção artística aos domínios mais amplos da cultura e da
política. Caberá à 29ª Bienal de São Paulo afirmar o papel que uma mostra de arte, nos seus moldes
e de seu porte, tem hoje a desempenhar simultaneamente no contexto brasileiro e no âmbito
internacional. Tal comprometimento com a realidade que a circunda não implicará, entretanto,
subordinação da exposição a motivações ou estratégias estranhas à criação artística. Ao contrário,
será a insistência na natureza irredutível da arte a outras instâncias da vida que guiará essa edição da
Bienal de São Paulo, posto que é somente essa natureza ímpar que lhe concede, em potência, o
poder de mudar a ordem das coisas no mundo e lhe confere, assim, uma dimensão verdadeiramente
pública. [qual é a “natureza ímpar da arte, irredutível a outras instâncias da vida”?]

Um conceito

A 29ª Bienal de São Paulo não será organizada em torno de um tema, mas a partir de uma
plataforma discursiva que, sem constranger os diversos significados que cada trabalho selecionado
abriga, afirme um ponto de vista curatorial preciso. E o aspecto central dessa plataforma será o
reconhecimento do caráter ambíguo que a arte exibe desde que se viu liberta de sua função de
meramente representar o mundo: Por um lado, a arte é aquilo que, de uma maneira que lhe é
própria, interrompe as coordenadas usuais da experiência sensorial do mundo. Por outro lado,
contudo, e justamente por possuir essa potência de desconcerto, a arte é capaz de reconfigurar os
temas e as atitudes passíveis de serem inscritas nos espaços comuns de existência . Nesse sentido, é
mesmo impossível separar a estética da política. É o imbricamento dessas duas dimensões que
assegura, simultaneamente, o lugar único da arte na organização simbólica da vida e sua capacidade
de esclarecer e de refazer as formas em que o mundo se estrutura.

A eleição da tensa relação entre estética e política como princípio organizador da mostra se justifica
por duas principais razões. Em primeiro lugar, por estar-se vivendo hoje um mundo de conflitos
diversos onde paradigmas de sociabilidade são o tempo inteiro questionados e onde a arte, com
frequência crescente, emerge como meio de apreensão e de simultânea reinvenção da realidade.
Refletir (sobre) essa situação tem sido tarefa das principais instituições de arte do mundo, e a Bienal
de São Paulo não deve se furtar a fazê-lo desde a sua rica história e desde o singular território
simbólico que ocupa. Em segundo lugar, se justifica por esse movimento de aproximação entre
estética e política ter sido tão extenso nas duas últimas décadas que se faz necessário novamente
destacar a singularidade da arte em relação ao campo da cultura, por vezes confundidos ao ponto da
indistinção. Não há aqui, entretanto – deixe-se absolutamente claro –, qualquer rasgo de nostalgia
pela idéia de uma arte supostamente apartada do mundo ordinário. Ao contrário, essa motivação de
fato reflete a convicção de que é somente por meio da afirmação de sua natureza ímpar que a arte
faz diferença efetiva na vida comum.

É essa ambiguidade constitutiva da arte que informa o título dado à exposição: “Há sempre um copo
de mar para um homem navegar”. Esse verso do poeta Jorge de Lima, tomado emprestado de sua
obra maior, Invenção de Orfeu (1952), sintetiza o buscado com a 29ª Bienal de São Paulo: afirmar que
a dimensão utópica da arte está contida nela mesma, e não no que está fora ou além dela. É nesse
“copo de mar”, ou nesse infinito próximo que os artistas teimam em produzir, que de fato está a
potência de seguir adiante a despeito de tudo o mais; a potência de seguir adiante, como diz o
poeta, “mesmo sem naus e sem rumos / mesmo sem vagas e areias”. Por ser um espaço de
reverberação desse compromisso em muitas de suas formas, a mostra vai pôr seus visitantes em
contato com maneiras de pensar e habitar o mundo para além dos consensos que o organizam e que
o tornam ainda lugar pequeno, onde nem tudo ou todos cabem. Vai pôr seus visitantes em contato
com a política da arte.

A 29ª Bienal de São Paulo pretende ser, assim, simultaneamente uma celebração do fazer artístico e
uma afirmação de sua responsabilidade perante a vida; ser momento de desmantelo dos sentidos e
ao mesmo tempo de geração de conhecimento que não se encontra em mais parte alguma.
Pretende, por tudo isso, envolver o público na experiência sensível que a trama das obras expostas
promove e também na consequente capacidade destas de refletir criticamente o mundo em que
estão inscritas. Pretende, enfim, oferecer exemplos de como a arte tece, nela mesma, uma política.
Um tempo

A 29ª Bienal de São Paulo deve esquivar-se de dois modelos dominantes na apresentação da arte
contemporânea. Em primeiro lugar, do modelo vinculado somente às demandas apressadas do
mercado e do espetáculo, marcado pela ansiedade da busca do que é supostamente inédito. Em
segundo lugar, do modelo museológico estrito que inscreve a produção artística em uma narrativa
histórica legitimada e sem fissuras. Se o primeiro modelo recalca na arte feita no presente
articulações cruciais com a produção que a precede, o segundo apazigua as incertezas e os riscos que
nutrem e que marcam a criação contemporânea.

Em lugar de privilegiar somente o que é recente ou, alternativamente, apenas o que é estabelecido,
a mostra vai afirmar, por meio da articulação de trabalhos feitos em diferentes momentos, vínculos
temporais que evidenciem, desde a plataforma conceitual definida, continuidades e fraturas na
criação artística das últimas décadas. O fundamental é que, seja inédita ou antiga, a produção
reunida tenha potência simbólica para abrir frestas, de duração e de tamanho diversos, nos
consensos em que se funda o entendimento das coisas do mundo.

Nesse sentido, a temporalidade relevante para o projeto curatorial da 29ª Bienal de São Paulo é
aquela do experimento, a qual aparta a produção artística do tempo morto do que é já sabido,
conferindo-lhe urgência. O projeto assume, assim, a necessidade de retomar, no contexto de um
mundo permeado por dúvidas quanto ao seu imediato devir, a idéia de que a arte, para além de suas
formas particulares de existência, é “exercício experimental da liberdade”, expressão usada pelo
crítico Mario Pedrosa para referir-se à produção brasileira na década de 1960.

Um território

A 29ª Bienal de São Paulo manterá a tradição de internacionalização estabelecida desde as suas
primeiras edições, convidando cerca de 120 artistas de diversas partes do mundo. Isso não implica,
porém, pactuar com a obsessão, presente em tantas outras mostras, de expor extensivamente o
outro e o distante, tarefa fadada à insuficiência e ao fracasso mesmo em eventos de sua extensão.
Partindo do reconhecimento desse inevitável limite, evitará a tentação de tomar a origem territorial
de artistas como valor absoluto de seleção. Sua estratégia será a de enfatizar mais o lugar simbólico
desde onde se enuncia o discurso curatorial – a Bienal de São Paulo e o Brasil – do que mesmo a
quantidade de vozes diversas chamadas a engrossá-lo.
Isso fará com que a exposição tenha inflexões diferentes de outras mostras que sejam
eventualmente organizadas a partir de princípio semelhante, mas desde uma posição de mundo
distinta. Nesse sentido, a arte brasileira das últimas décadas terá uma presença importante na 29ª
Bienal de São Paulo. Não estará, contudo, segregada da produção feita em outros países, mas
integrada organicamente a ela em toda a extensão da mostra, afirmando seu protagonismo na
discussão da produção contemporânea.

Resultado não menos importante dessa estratégia, ainda que não seja esse seu principal foco, será
permitir rever a arte contemporânea brasileira sob um prisma distinto do discurso crítico
hegemônico no país, que usualmente concede um caráter político à produção feita no Brasil nas
décadas de 1960 e 1970 e aponta um caráter supostamente descarnado da realidade na produção
das décadas seguintes. Evitando tal apreensão dicotômica, a dimensão política da arte
contemporânea brasileira será realçada sem por isso contrapô-la à sua reconhecida complexidade
formal.

Projeto educativo

Aa ações educativas terão papel de destaque na 29ª Bienal de São Paulo, sendo indissociáveis de seu
projeto curatorial e integrando atividades formadoras e processuais à estrutura necessariamente
mais estável do restante da exposição. Tendo como moldura a plataforma conceitual adotada e como
foco a experiência direta com a produção exposta, elas atenderão a públicos diversos através de
oficinas, cursos, seminários e mais outras atividades que os contemplem em acordo com suas
especificidades.

As atividades voltadas prioritariamente aos professores e alunos das redes de ensino do Município e
do Estado de São Paulo não estarão restritas apenas ao espaço e ao tempo da exposição, embora
seja aí que elas se tornem mais evidentes e demonstrem sua potência. Estão igualmente previstas
para acontecer em parceria com diversas outras instituições (museológicas, de ensino, comunitárias)
da cidade de São Paulo e programadas para iniciar desde muito antes do começo da mostra.

Ao público geral e espontâneo da exposição está prevista uma programação de palestras, debates e
performances, a qual ocorrerá em espaços de convívio situados ao longo do percurso da mostra e
especialmente preparados para tais atividades. Já a artistas que residam ou se encontrem em São
Paulo no período da exposição será oferecida uma série de workshops.
Por fim, ao público especializado (críticos, historiadores, curadores, educadores, pesquisadores,
professores) serão destinados três ciclos de conferências: um deles dedicado especificamente à
questão da relação entre educação e arte e os outros dois em torno do exame da relação entre arte e
política.

Projeto editorial

O projeto editorial da 29ª Bienal de São Paulo incluirá a publicação de um Guia e de um Catálogo
Geral, ambos disponíveis ao público na abertura da mostra. Também será publicado um Jornal,
gratuito e de periodicidade quinzenal, que trará a programação de atividades de cada par de
semanas (palestras, debates, performances, projeções de filmes, workshops, etc), um mapa de
localização das obras no espaço expositivo e informações sobre outras instituições artísticas da
cidade e suas programações naquele período. Por fim, os três ciclos de conferência programados
serão acompanhados da publicação de Livros que reunirão os textos inéditos apresentados em cada
um deles e uma seleção de outros textos relevantes aos temas que, embora já publicados, sejam
indisponíveis em português ou estejam a muito esgotados no Brasil.

Além dessas publicações impressas, a 29ª Bienal de São Paulo lançará um hotsite que integrará a
nova home page da Fundação Bienal de São Paulo, a ser lançada ainda antes do início da exposição.
Esse hotsite não somente trará as informações relevantes sobre a mostra e sobre suas atividades
correlatas, mas, por seu caráter dinâmico, permitirá que o público interaja ativamente com tais
informações, sendo um locus a mais de afirmação das ações educativas do presente projeto.

Programação de filmes

Além das obras que se utilizam do suporte fílmico eventualmente presentes no espaço expositivo, a
29ª Bienal de São Paulo programará a exibição, em sala de cinema cuja localização está ainda a ser
definida, de uma série de filmes que vão integrar a mostra mas que necessitam do abrigo de uma
sala de projeção para serem adequadamente fruídos.

Projeto arquitetônico

O projeto arquitetônico buscará a continuidade no percurso expositivo em relação ao discurso


curatorial apresentado ao longo de toda a mostra, evitando-se a constituição de blocos
disconectados uns dos demais. A despeito da dimensão da mostra, é importante apresentá-la,
principalmente ao público leigo que não dispõe de informações prévias sobre a proposta da
exposição, como conjunto inteligível e íntegro, ainda que não destituído de paradoxos. Como
corolário dessa característica, não haverá privilégio de um piso sobre os outros em termos da
importância das obras neles alocadas.

O estabelecimento de um ‘ritmo’ expositivo, contudo, será importante para a manutenção da


atenção do visitante e para a afirmação, sem didatismos, da plataforma conceitual sobre a qual a
mostra será organizada. A obtenção dessa cadência resultará de três estratégias distintas e
articuladas.

A primeira, e talvez a mais evidente, será a constituição de Núcleos expositivos que, somados,
constituam os ‘nós’ estruturais da ampla rede de obras que permeará o espaço da mostra. Tais
Núcleos serão organizados em torno de trabalhos que afirmem temas e modos particulares em que o
conceito central da exposição se manifesta na produção contemporânea. O número desses Núcleos
será grande o suficiente para que se afirmem como elementos integradores da mostra, embora
pequeno o bastante para que sejam percebidos como elos de um conjunto mais disperso e amplo.

A segunda estratégia a ser adotada para estabelecer o ritmo expositivo aludido acima implica a
colocação, ao longo do percurso da mostra, de obras de indisputada importância que, isoladas e em
destaque (em salas fechadas ou não), sirvam de Âncoras para o delineamento do sentido geral da
exposição. Tais obras permitirão ainda atenuar as passagens entre os diversos Núcleos, tornando o
percurso mais fluido e reforçando a contingência dos sentidos atribuídos aos trabalhos alocados
naqueles espaços.

A terceira estratégia relacionada à cadência da mostra será a criação de Praças de atividade e


convívio, espaços projetados por artistas onde os visitantes vão não somente pausar para descansar
e refletir sobre o já visto antes de seguir adiante no percurso, mas ter acesso a uma série de
atividades educativas, a uma programação regular de palestras sobre obras situadas em sua
vizinhança, de debates sobre temas diversos, de performances, ou mesmo, nas praças preparadas
para tanto, de projeção de vídeos.

Como teias sobrepostas em camadas, os conjuntos de Núcleos, Âncoras e Praças propostos criarão
um território denso e variado, capaz de fazer reverberar de vários modos a política que a arte
promove.

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