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Resenha: O que a esquerda deve propor (Mangabeira Unger)

Na obra O que a esquerda deve propor, Mangabeira Unger traça as diretrizes


para o novo modelo de sociedade a que a sua teoria social construtiva se propõe: um
projeto reformista radical da sociedade, que enseja até mesmo rearranjos institucionais
de alcance profundo na organização do estado nacional, na educação, na economia, na
organização do trabalho e no direito privado.
Ele começa por denunciar o conformismo da esquerda em acomodar-se à velha
receita da socialdemocracia, como as políticas sociais compensatórias, a redistribuição
de renda, o estatismo, taxações redistributivas e gastos públicos. É nesse sentido que
Unger diagnostica uma síndrome de racionalização, humanização e escapismo nas
ciências sociais e jurídicas por sua incapacidade de criar um projeto político e social
realmente transformador, por sua timidez e acomodação, satisfazendo-se em
simplesmente “adocicar o mundo” dentro da perspectiva da socialdemocracia – a
“humanização da sociedade”. Isso se dá porque, segundo a sua concepção, a esquerda
em vão aguarda um momento de crise para agir, mas este não se anuncia.
Nesse sentido Unger sugere um projeto de democracia radical a ser posto em
andamento pelas esquerdas. Para ele, o que a esquerda deve buscar não é a implantação
nem a manutenção de políticas sociais compensatórias nem redistributivas, mas sim a
ampliação cada vez maior das oportunidades de homens e mulheres comuns na
reorganização do estado e da sociedade. Isso seria alcançado efetivamente a partir de
mudança nas diretrizes educacionais visando o fortalecimento do indivíduo nas
instituições da vida social, modificações no direito de propriedade e nas relações
institucionais entre estado, a indústria e o mundo do trabalho.
Unger observa que a esquerda tradicionalmente elegeu o proletariado industrial
como seu eleitorado e agente de mudanças, contudo ele percebe que este grupo está
longe de ser portador dos interesses universais da sociedade, em virtude de estar mais
associado ao egoísmo de classes e a interesses setoriais. Segundo Unger, o novo agente
de mudanças a ser cooptado pela esquerda deve ser a pequena burguesia, ao antes,
aquela parcela do proletariado e da pequena classe média que aspira ao ideal de vida
pequeno-burguês; estes sim seriam os portadores dos interesses universais da sociedade.
Para Unger, o que a esquerda deve buscar não é a implantação nem a manutenção
de políticas sociais compensatórias mas sim a ampliação cada vez maior das
oportunidades de homens e mulheres comuns na reorganização do estado e da sociedade
- a “divinização da humanidade”.
Uma das principais premissas da teoria social de Unger consiste no abando do
dirigismo estatal (exceto na educação), o que demandaria descentralização do estado e
autonomia local no campo da economia, política e relações de trabalho, dando lugar a
práticas alternativas e experimentais no mercado. Isso permitiria liberdade para renovar
e recombinar os arranjos que compõe os conjuntos institucionais de produção e troca,
permitindo que regimes alternativos de propriedade e contrato coexistam
experimentalmente dentro de uma mesma economia; isso seria feito com o objetivo de
democratizar a economia de mercado no sentido da organização prática da solidariedade
social, ou seja, ao invés de meras transferências de dinheiro para os indivíduos mais
carentes praticar-se-ia a democratização do mercado.
No que concerne à cobrança de impostos individuais, o autor defende uma forma de
tributação proporcional ao poder econômico, progressiva sobre o consumo individual,
proporcional à hierarquia dos padrões das moradias; ela deve pesar mais sobre a
transmissão de heranças, as doações familiares e a acumulação de riquezas.
Com relação à educação, Unger opina que no novo modelo de escola ela deva
ser voltada para o desenvolvimento de capacidades conceituais e genéricas do que para
técnicas de trabalho específicas. O objetivo principal da educação seria aprofundar o
sentimento de solidariedade social nos indivíduos, por isso o autor propõe uma
educação continuada ao longo da vida e a expensas do estado; para ele a escola tem que
resgatar a criança de sua família, de sua classe, de sua cultura e de seu período histórico.
Em consequência, disso ele defende que a escola não pode ser o instrumento passivo da
comunidade local, nem da burocracia governamental.
Ainda no que tange à educação, o autor defende que deve-se combater o sistema
de meritocracia e assegurar oportunidade especial aos jovens talentosos provenientes da
classe menos favorecida, tendo em vista que compete os que têm vantagens, de modo a
formar uma contra-elite. Isso se fará por meio de um impulso experimentalista na
sociedade e na cultura. O autor aposta numa forma particular de educação, ministrada na
juventude e disponível por toda a vida do trabalhador. Para ele os traços distintivos desta
forma de educação devem ser mais analíticos e problematizadores do que informacionais,
ou seja, devem dar ênfase ao aprofundamento seletivo e não ao saber enciclopédico.
O autor desenvolve os conceitos de herança social e herança familiar. A herança
social consistiria num fundo com recursos financeiros que seria utilizado pelos
indivíduos em determinadas ocasiões ao longo da vida. Uma renda mínima para os
menos favorecidos. Além dessas transferências monetárias a solidariedade social seria
reforçada pela ideia de que os indivíduos teriam responsabilidade universal pelos
outros. Assim, todo indivíduos física e mentalmente saudável, além de suas
responsabilidades familiares, obrigados a zelar pelo próximo. Com relação à herança
familiar, Unger é contra, haja vista que ela perpetua o privilégio de classe. Nesse
sentido, podemos compreender em seu projeto de democracia radical não há lugar para
o direito de herança.
O autor concebe o conceito de política democrática de alta energia, que consiste
na mobilização constante dos indivíduos na vida política da sociedade. Esse
engajamento civil teria como objetivo a resolução rápida dos dilemas que paralisam as
decisões governamentais por meio de uma democracia direta. A sua concepção de
democracia sinaliza para o autogoverno popular e o resgate dos direitos individuais. O
estabelecimento de instituições de alta energia garantem um continuo alto nível de
engajamento popular organizado na política, através do acesso facilitado dos partidos e
movimentos de massa aos meios de comunicação, especialmente o rádio e a televisão.
Em decorrência dessas práticas, o estado deixa de ser o protagonista da história, e os
indivíduos passam a sê-lo, coerentemente com a proposta da teoria social construtiva, que
concebe a sociedade como um artefato.
Com relação ao conceito de nacionalismo, Unge lhe reserva um papel meramente
cultural, ao mesmo tempo em que não se opõe à globalização, uma vez que ela propicia
uma maior liberdade individual para cruzar fronteiras nacionais e trabalhar no exterior,
como também pode servir como um poderoso equalizador de circunstancia entre nações.
Por fim o autor observa que uma mudança de paradigma de tal envergadura, uma
verdadeira revolução a nível mundial, deve ser implantada aos poucos e, “geralmente”
de forma pacífica. Segundo ele, essa implantação lenta, mas progressiva e pacífica, seria
uma alternativa para a eterna espera de uma crise por parte das esquerdas.
Em vista do que foi exposto, pode-se constatar que a obra analisada de Unger, O que
a esquerda deve propor, traça as diretrizes para a implantação do seu projeto de uma
democracia radical. Ele apresenta uma proposta bastante revolucionária, embora pareça
utópica, pelas mesmas razões que levaram à superação do pensamento socialista clássico,
supor a aquiescência e concordância da maioria dos indivíduos; todavia, esboços dessa
proposta já se fizeram aparecer em recentes governos progressistas.

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