Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ao Conselheiro Presidente
Rui Moura Ramos
VOLUME I
Direito Constitucional
Direito Constitucional Europeu
Direito Europeu
2016
Tribunal Constitucional
ESTUDOS EM HOMENAGEM
AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
organização:
Maria Lúcia Amaral, com a colaboração de Selma Pedroso Bettencourt
editor
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
Rua Fernandes Tomás, nºs 76-80
3000-167 Coimbra
Tel.: 239 851 904 · Fax: 239 851 901
www.almedina.net · editora@almedina.net
design de capa
FBA.
pré-impressão
EDIÇÕES ALMEDINA, SA
impressão e acabamento
DPS – DIGITAL PRINTING SERVICES, LDA
Julho, 2016
depósito legal
356205/13
__________________________________________________
biblioteca nacional de portugal – catalogação na publicação
PORTUGAL. Tribunal Constitucional
Estudos em homenagem ao Conselheiro
Presidente Rui Moura Ramos
V. 1: p.- ISBN 978-972-40-6578-6
CDU 34
Um tribunal como os outros. Justiça constitucional
e interpretação da constituição
381
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
1
Maurizio Fioravanti, Costituzionalismo. Percorsi della storia e tendenze attuali, Laterza, Bari, 2009,
pp. 47-52.
382
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
2
Gustavo Zagrebelsky/Valeria Marcenò, Giustizia costituzionale, il Mulino, Bologna, 2012, p. 24.
3
Maria Lúcia Amaral, A Forma da República. Uma introdução ao estudo do direito constitucional, 2005,
reimpr., Coimbra, Coimbra Editora, 2012, pp. 44-54.
4
Maurizio Fioravanti, Costituzione, il Mulino, Bologna, 1999, pp. 161-162.
5
A imagem das «três vagas» é frequentemente usada na literatura para abranger a instituição, em
1947 e 1949, dos tribunais constitucionais italiano e alemão; dos tribunais espanhol e português
nos finais de 70 e inícios da década de 80; bem como dos tribunais de todas as ordens democráticas
do leste europeu desde a primeira metade da década de 90. V., quanto a este ponto, entre outros,
Tania Groppi, “Introduzione: alla ricerca di un modello europeo di giustizia costituzionale”, in:
Marco Olivetti/id. (ed.), La giustizia costituzionale in Europa, Giuffrè, Milano, 2003, pp. 1-23.
6
Em cada uma destas «três vagas» estava em causa a transição histórica para a democracia. V. John
Ferejohn/Pasquale Pasquino, “Constitutional Adjudication: Lessons from Europe”, 82 Texas Law
Review (2003-2004), pp. 1671-1704.
383
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
7
Anuscheh Farahat, “Das Bundesverfassungsgericht”, in: von Bogdandy/Grabenwarter/Huber
(ed.), Handbuch Ius Publicum Europaeum, vol. VI, C.F. Müller, Heidelberg, 2016, § 97, pp. 81-158,
p. 101; Donald P. Kommers, Judicial Politics in West Germany: A Study of the Federal Constitutional Court,
Sage Publications, Beverly Hills, California, 1976 e Justin Collings, Democracy’s Guardians. A His
tory of the German Federal Constitutional Court, 1951-2001, Oxford University Press, New York, 2015.
8
Marian Ahumada Ruiz, La jurisdicción constitucional en Europa. Bases teóricas y políticas, Thomson-
-Civitas, Cizur Menor (Navarra), 2005, com outras referências bibliográficas.
9
Ibid., pp. 89 e segs.
384
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
10
Fioravanti (n. 4), pp. 161-162.
385
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
Eduardo García de Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, 1981, 4ª ed.,
11
386
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
capaz de gerar certeza e segurança quer no plano das relações dos indivíduos
com o Estado quer no plano das suas relações entre si e, portanto, a única capaz
de tutelar posições jurídicas.
Assim, o grande tema do constitucionalismo liberal é o da relação entre o
poder legislativo e o poder executivo, repousando a garantia dos direitos, não
na constituição em si mesma considerada, mas quase exclusivamente na razoa
bilidade e moderação dos poderes nela disciplinados. Tal significa que os pode-
res do Estado, embora tivessem que se respeitar reciprocamente numa lógica
de equilíbrio em ordem a preservar a estabilidade política, de modo algum se
encontravam vinculados a uma norma superior, de que derivassem a sua legi-
timidade. Tanto a legitimidade do monarca, titular do poder executivo, como
a legitimidade do parlamento, titular do poder legislativo, eram anteriores à
constituição, não se pondo logicamente o problema da vinculação dos poderes
públicos a esta última.
Foi esta condição do constitucionalismo liberal que, na literatura portu
guesa e em magnífica síntese, Afonso Rodrigues Queiró descreveu: «[o] Estado
europeu moderno, da Glorious Revolution inglesa de 1688 e mais directamente
da Revolução Francesa de 1789, requereu uma constituição, muito mais para conter
o Executivo, tradicionalmente forte, de faculdades ou competência a bem dizer
ilimitadas, do que para conter o Legislativo, que justamente começava então a
afirmar-se e se considerava o melhor e mais directo representante da soberania
nacional. O perigo da ofensa ou desconhecimento dos direitos naturais estava
do lado do Governo, não do lado do Parlamento. A lei seria sempre igual à razão
e ao direito. Contraditória viria a ser, portanto, qualquer fiscalização da consti-
tucionalidade, isto é, da racionalidade da lei. A lei era, de acordo com o artigo 6º
da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1791, «l’expression de
la volonté générale». «Le souverain est toujours égal à lui même», ao elaborar a
Constituição ou ao emanar uma simples lei ordinária. O guarda, fiel da Consti-
tuição é o soberano, o Parlamento»12.
Do que vem de dizer-se decorre que o pensamento constitucional liberal
se centra no direito positivo do Estado. Antes do direito posto, nada existe
que vincule os poderes públicos. Nada é pressuposto. Nada é verdadeiramente
fundamental. A Política é totalmente livre de Direito. É, portanto, na base do
princípio da soberania do Estado, enquanto essência da própria estadualidade,
que é construído todo o direito público moderno na Europa continental. Tendo
atingido o seu apogeu com o constitucionalismo da era liberal que predomina
12
Afonso Rodrigues Queiró, “O controlo da constitucionalidade das leis”, Boletim da Faculdade de
Direito 26 (1950), pp. 207-218, pp. 207-208, coligido em id., Estudos de Direito Público, Vol. II, Tomo
II, Imprensa da Universidade, Coimbra, 2002, pp. 79-90.
387
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
13
Gustavo Zagrebelsky, Il diritto mite, 2ª ed., Einaudi, Torino, 1992, p. 5.
14
Os movimentos «confederativos» do século XIX são ainda expressão de processos de construção
da unidade do Estado (e, portanto, de confirmação da sua soberania) e não, como no século XX viria
a acontecer, de expressão de processos descentralizadores, ou de afirmação crescente de centros
plurais de poderes. Pense-se (quanto ao século XIX) nos processos de construção da República
Helvética, do Reich alemão ou da construção da unidade do Estado italiano.
388
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
1.2. O legicentrismo
Tanto no monopólio do poder político por parte do Estado como no monismo
ideológico do sistema jurídico (a ideologia liberal e burguesa retratada no có-
digo civil oitocentista) a lei parlamentar ocupa um lugar central. É ainda o
princípio da soberania estadual que neutraliza qualquer ideia de equilíbrio ou
15
Por isso mesmo, a expressão «Estado monoclasse» viria a ser adoptada pela ciência italiana de
direito público para designar em geral o Estado-de-legalidade do século XIX, por oposição ao
Estado constitucional do século XX, designado como «Estado pluriclasse». Sobre a forma como
esta designação se instala na linguagem própria da ciência de direito público, libertando-se da
filiação filosófica que a expressão «monoclasse» poderá, originariamente, ter tido, veja-se Sabino
Cassese/Giuseppe Guarino (eds.), Dallo Stato monoclasse alla globalizzazione, Giuffrè, Milano, 2000.
389
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
16
Maurizio Fioravanti, Appunti di storia delle costituzioni moderne. Le libertà fondamentali, 3ª ed.,
Giappichelli, Torino, 2014.
17
Ibid., pp. 31-32.
18
Ibid., pp. 58 e segs..
19
Ibid., p. 32.
390
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
20
António Manuel Hespanha, Cultura Jurídica Europeia – síntese de um milénio, Almedina, Coimbra,
2012, p. 406.
21
Fioravanti (n. 16), pp. 44, 48, 53 e 60 e segs..
22
Ibid., pp. 44 e 56 e segs..
23
Ibid., pp. 50-51 e 102-118.
24
Ibid., p. 64.
25
V., supra, ponto 1.1.1..
391
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
26
Fioravanti (n. 16), p. 110.
27
Ibid..
28
Ibid., p. 126.
29
Sobre as origens e pressupostos constitucionais do movimento codificador v. a obra fundamental
de Bartolomé Clavero, “Codificación y Constitución: paradigmas de un binomio”, 18 Quaderni
fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno (1989), pp. 79-145 e Fioravanti (n. 16), p. 116.
392
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
30
V., infra, ponto 1.2.2.
31
Fioravanti (n. 16), pp. 127 e segs.
32
Fioravanti (n. 16), pp. 86 e segs. e 93 e segs..
33
Maurizio Fioravanti, “Savigny e la scienza di diritto pubblico del diciannovesimo secolo”, 9
Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno (1980), pp. 319-338, p. 323, coligido em
id., La scienza del diritto pubblico. Dottrine dello Stato e della Costituzione tra Otto e Novecento, Tomo I,
Giuffrè Editore, Milano, 2001, pp. 3-21, p. 7.
393
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
34
Ibid.
35
Sobre a Escola Histórica do direito v. Franz Wieacker, Privatrechtsgeschichte der Neuzeit unter
besonderer Berücksichtigung der deutschen Entwicklung, 2ª ed., Vandenhoeck & Ruprecht, Göttingen,
1967, tradução para português de António Manuel Hespanha, História do direito privado moderno,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1980, pp. 397-491.
36
Fioravanti (n. 33); Paolo Grossi, Scienza giuridica italiana. Un profilo storico 1860-1950, Giuffrè
Editore, Milano, 2000, pp. 8-12.
37
Carl Friedrich von Gerber, Über öffentliche Rechte, Laupp, Tübingen, 1852; id., Grundzüge
eines Systems des deutschen Staatsrechts, Verlag von Bernhard Tauchnitz, Leipzig, 1865 (2ª ed., 1869;
3ª ed., 1880). Sobre a obra de von Gerber, v. Mario Nigro, “Il « segreto » di Gerber”, 2 Quaderni
fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno (1973), pp. 293-333 e, mais recentemente, Carsten
Kremer, Die Willensmacht des Staates. Die gemeindeutsche Staatsrechtslehre des Carl Friedrich von Gerber,
Klostermann, Frankfurt am Main, 2008.
38
Paul Laband, Das Staatsrecht des Deutschen Reiches, obra em 3 volumes, Verlag von J. C. B. Mohr
(Paul Siebeck), Tübingen, 1876-82.
39
Georg Jellinek, System der subjektiven öffentlichen Rechte, 1892, 2ª ed., Verlag von J. C. B. Mohr (Paul
Siebeck), Tübingen, 1905; id., Die Erklärung der Menschen- und Bürgerrecht. Ein Beitrag zur modernen
Verfassungsgeschichte, Duncker & Humblot, Leipzig, 1895; id, Allgemeine Staatslehre, 1900, 3ª ed.,
Verlag von O. Häring, Berlin, 1914.
40
Vittorio Emanuele Orlando, I criteri tecnici per la ricostruzione giuridica del diritto pubblico, 1889,
coligido em id., Diritto pubblico generale. Scritti varii (1881-1940) coordinati in sistema, Giuffrè Editore,
394
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
Milano, 1954, pp. 3-23; id., Principii di diritto costituzionale, G. Barbèra, Editore, Firenze, 1989; id.,
Principii di diritto amministrativo, G. Barbèra, Editore, Firenze, 1891; id. (ed.), Primo Trattado completo di
diritto amministrativo italiano, obra em 10 volumes, publicada entre 1897 e 1932 pela Società editrice
libraria di Milano. Para uma visão compreensiva do percurso intelectual do Mestre de Palermo
v., por todos, Maurizio Fioravanti, “Popolo e Stato negli scritti giovanili di Vittorio Emanuele Or-
lando”, coligido em id., La scienza del diritto pubblico. Dottrine dello Stato e della Costituzione tra Otto e
Novecento, Tomo I, Giuffrè Editore, Milano, 2001, pp. 67-180. Um boa síntese do papel de Orlando
enquanto caput scholae em Grossi (n. 36), pp. 28-34 e 67-70 e, com maior desenvolvimento, Aldo
Sandulli, Costruire lo Stato. La scienza del diritto amministrativo in Italia (1800-1945), Giuffrè Editore,
Milano, 2009, pp. 67-96.
41
Maurizio Fioravanti, “Il dibattito sul metodo e la costruzione della teoria giuridica dello Stato”,
in id., La scienza del diritto pubblico. Dottrine dello Stato e della Costituzione tra Otto e Novecento, Tomo
I, Giuffrè Editore, Milano, 2001, pp. 23-63, pp. 57-58.
395
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
396
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
42
Sobre o processo de construção da moderna ciência do direito público v. Maria Lúcia Ama-
ral, Responsabilidade do Estado e dever de indemnizar do legislador, Coimbra Editora, Coimbra, 1998,
pp. 221 e segs.
43
Maria Lúcia Amaral, “O modelo europeu de justiça constitucional. Origens e fundamentos”, in:
Tribunal Constitucional (ed.), Estudos em Memória do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra Editora,
Coimbra, 2014, pp. 1025-1040, pp. 1032. Sobre a querela dos métodos em direito público v. Rudolf
Smend, “Die Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer und der Richtungsstreit”, in Horst
Ehmke et al. (eds.), Festschrift für Ulrich Scheuner zum 70. Geburtstag, Duncker & Humblot, Berlin,
1973, pp. 575-589 e Manfred Friedrich, “Der Methoden- und Richtungsstreit. Zur Grundlagen-
diskussion der Weimarer Staatsrechtslehre”, 102 Archiv des öffentliches Rechts (1977), pp. 161-209.
V. também Michael Stolleis, Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschland, vol. 3, Staats- und Ver-
waltungsrechtswissenschaft in Republik und Diktatur 1914-1945, C.H. Beck, München, 1999,
pp. 153-202. A relevância da querela dos métodos na história do direito público é demonstrada
pelo facto de este último autor, na versão condensada da sua obra de quatro volumes, àquela não
deixar de dar o devido destaque (cfr. id., Öffentliches Recht in Deutschland. Eine Einführung in
seine Geschichte (16.-21. Jahrhundert), C.H. Beck, München, 2014, pp. 90-105). Na literatura recente,
v. Christoph Möllers, “Der Methodenstreit als politischer Generationenkonflikt. Ein Angebot zur
Deutung der Weimarer Staatsrechtslehre”, 43 Der Staat (2004), pp. 399-424.
44
Gustavo Zagrebelsky, La legge e la sua giustizia, il Mulino, Bologna, 2008, p. 328 segs.
397
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
Não cabe aqui revisitar esse debate45, mas apenas assinalar o facto de a jus-
tiça constitucional na Europa ter na sua origem um debate científico. Essa sua
origem tem uma enorme relevância, não apenas no que respeita a aspectos ins-
titucionais do Estado constitucional na Europa – pense-se na existência de tri-
bunais constitucionais – mas na própria ciência do Direito.
A circunstância de a possibilidade de o legislador democraticamente le-
gitimado estar juridicamente vinculado a uma constituição ter sido debatida
cientificamente antes da instituição de tribunais constitucionais permitiu que
a função que a estes últimos cabe no quadro do Estado constitucional esteja,
desde o primeiro momento, teoricamente justificada. Além disso, a realização
desse debate permitiu ainda que o desenho do modelo europeu de justiça cons-
titucional fosse concebido em termos de se ajustar às exigências muito particu-
lares que a interpretação da constituição convoca. Foi por se reconhecer que a
constituição é algo a se, dada, desde logo, a sua posição na hierarquia do sistema
jurídico, mas também considerando a estrutura específica das normas consti-
tucionais, que, ao desenhar o sistema europeu de controlo de constitucionali-
dade, se rejeitou a atribuição de competência para interpretar a constituição
a todo e qualquer tribunal, antes se tendo optado pela instituição de um órgão
jurisdicional próprio46 47. O desenho do sistema pretendeu potenciar o desen-
volvimento de uma hermenêutica própria.
45
Ravi Afonso Pereira, “Interpretação constitucional e Justiça constitucional”, in Tribunal Cons-
titucional (ed.), 35º Aniversário da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2012,
pp. 43-81, pp. 46-61.
46
Id., pp. 60-61.
47
Note-se que, também nos Estados Unidos da América, desde cedo, se teve plena consciência da
especificidade metódica que a interpretação da constituição exige. «We must never forget that
it is a constitution we are expounding» escreveria, logo no início do século XIX, numa das suas
mais célebres opinions, o Chief Justice Marshall (McCulloch v. Maryland, 17 U.S. 316 [1819], p. 407).
As razões por que, nos Estados Unidos da América, o modelo jurisdicional difuso de controlo de
constitucionalidade das leis não impediu o desenvolvimento de uma hermenêutica constitucional
própria foram logo compreendidas pelo inventor do modelo europeu de justiça constitucional
(Hans Kelsen, “Judicial Review of Legislation: A Comparative Study of the Austrian and the Ame-
rican Constitution”, 183 The Journal of Politics 4 [1942]). Os juízes norte-americanos, herdeiros da
tradição de common law e nunca submetidos à formação do método jurídico, tal como o concebeu
e desenvolveu a ciência europeia do direito público, não seriam, como os juízes europeus conti-
nentais, estruturalmente insensíveis às especificidades metódicas exigidas pela interpretação da
constituição. Sendo outra, do lado de lá do Atlântico, a fundação teórica dos direitos e da liber
dade, outra seria o conceito de constituição e do próprio modo de conceber o direito e outra seria
a autocompreensão do papel do juiz no sistema político e jurídico. É, fundamentalmente, isso
que explica que, nos Estados Unidos da América, tenha sido possível que o momento fundador da
justiça constitucional tenha sido, não um debate científico e académico – como, na Europa, viria
a ser necessário – mas um acto jurisdicional.
398
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
48
Francisco Rubio Llorente, “La jurisdicción constitucional como forma de creación de Dere-
cho”, 22 Revista Española de Derecho Constitucional (1988), pp. 9-51, p. 21, coligido em id., La forma
del poder. Estudios sobre la Constitución, 2ª ed., Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1997,
pp. 463-504, p. 475.
49
Fioravanti (n. 16), pp. 102-118.
50
O conceito é de Eric Hobsbawm que na sua interpretação da história europeia opõe o “breve
século XX”, delimitado pelo dealbar da primeira Guerra Mundial (1914) até à implosão da União
Soviética (1991), ao “longo século XIX”, delimitado pela Revolução Francesa (1789) até à primeira
Guerra Mundial (1914), que analisou em três monografias (The Age of Revolution, 1789-1848; The
Age of Capital, 1848-1875 e The Age of Empire, 1875-1914).
399
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
não apenas uma possibilidade mas uma necessidade. Não é possível conceber
essa mudança vendo nela elementos de continuidade com o passado51.
A ideia de que a justiça constitucional na Europa é um produto da cul
tura europeia do século XX deve ser analisada em dois aspectos distintos, inti
mamente relacionados. Desde logo, a justiça constitucional na Europa é um
produto da cultura europeia. Tal significa que não se trata de um pormenor da
história da Europa, mas de algo que assume uma relevância histórico-cultural,
com tudo o que isso implica. O seu surgimento não se dá por acaso, antes vem
responder a anseios dos povos europeus num momento muito particular da sua
história, em que ocorrem significativas transformações estruturais na sociedade
provocadas pelo impacto da industrialização na chamada “questão social” vivida
intensamente no último quartel do século XIX até à primeira grande guerra
e na sequência das quais surgem transformações estruturais na esfera pública
– nada mais nada menos do que o surgimento das primeiras experiências da
democracia parlamentar. Em lugar do modelo dualista de separação entre Es-
tado e sociedade em que a participação no processo de decisão política estava
reservada a uma classe social relativamente homogénea, em que a lei era, por
definição, expressão de um consenso constituído pelos valores de uma classe
social homogénea (e que outros não eram do que os valores da burguesia do
século XIX) e em que, portanto, a unidade da ordem política era pressuposta52,
a esfera pública deixaria de repente de assentar num consenso material de va-
lores; o conflito – e já não a unidade – era agora o pressuposto da nova ordem
política que passaria a ter como protagonistas os partidos políticos represen-
tativos da sociedade plural de massas53. Na construção dessa nova ordem, em
que, rompido o consenso, urge encontrar soluções para garantir o pluralismo
da sociedade sem pôr em causa a unidade política, ao direito – através da cons-
tituição – caberá, ao longo de todo o século XX, um papel fundamental. E aqui
se deixa assinalar o outro aspecto contido na ideia enunciada no início deste
parágrafo. Nesse aspecto, o que merece ser posto em evidência é o adjectivo – a
justiça constitucional na Europa é um produto da cultura europeia. Não se trata
aqui de um fenómeno vivido isoladamente por cada Estado europeu. Trata-se
de um fenómeno – de um idem sentire constitucional54 – vivido intensamente pe-
51
Ahumada Ruiz (n. 8), pp. 35 e segs.
52
Zagrebelsky (n. 13), pp. 33-38.
53
Zagrebelsky (n. 13), pp. 45-47.
54
A expressão é de Gustavo Zagrebelsky, La giustizia costituzionale, 2ª ed., il Mulino, Bologna, 1988,
p. 36, sendo retomada em Zagrebelsky/Marcenò (n. 2), p. 64.
400
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
los povos europeus. Nesse idem sentire reside não apenas a origem mas também a
unidade do modelo europeu de justiça constitucional55.
55
Tem assim inteira justificação que a doutrina assuma a existência de um modelo europeu de
justiça constitucional. V., a título de exemplo, Groppi (n. 5), Pedro Cruz Villalón, La formación del
sistema europeu de control de constitucionalidad (1918-1939), Centro de Estudios Constitucionales,
Madrid, 1987; Ahumada Ruiz (n. 8), pp. 239 e segs. e Víctor Ferreres Comella, Una defensa del modelo
europeo de control de constitucionalidad, Marcial Pons, Madrid, 2011 [tradução para castelhano de id.,
Constitutional Courts and Democratic Values: A European Perspective, Yale University Press, New Haven,
2009]. Na doutrina nacional, v., por todos, Amaral (n. 43), p. 1026 nota 1.
56
Maria Lúcia Amaral/Ravi Afonso Pereira, “Das portugiesische Verfassungsgericht”, in: von
Bogdandy/Grabenwarter/Huber (n. 7), § 104, pp. 519-571, p. 523.
401
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
57
Jorge Miranda, Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade, Coimbra Editora, Coimbra,
1996, p. 107; José Manuel Moreira Cardoso da Costa, “O Tribunal Constitucional português: a
sua origem histórica”, in: Mário Baptista Coelho (coord.), Portugal – o sistema político e constitucional
1974-1987, ICS, Lisboa, 1989, pp. 913-923, 914-915 e Miguel Nogueira de Brito/António de Araújo,
“Para a história da fiscalização da constitucionalidade em Portugal”, Revista Brasileira de Direito
Constitucional 2 (2003), pp. 277-286, p. 280.
58
António Manuel Hespanha, “Direitos, constituição e lei no constitucionalismo monárquico
português”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Themis) 10 (2005),
pp. 7-40, p. 34.
402
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
59
Em As Farpas (1871-1872), Eça de Queirós e Ramalho Ortigão captaram satiricamente essa debi-
lidade. Importa, no entanto, observar que o parlamento oitocentista não deixou de desempenhar
um papel central na monarquia constitucional, como a historiografia mais recente vem assinalando.
V. Maria de Fátima Bonifácio, “O Parlamento português no século XIX”, in id., Estudos de História
Contemporânea de Portugal, Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa, 2007, pp. 151-163 e Paulo Jorge
Fernandes, “O Sistema Político na Monarquia Constitucional (1834-1910)”, in André Freire (org.),
O Sistema Político Português, Séculos XIX-XXI: continuidades e rupturas, Almedina, Coimbra, 2012,
pp. 25-49, pp. 35-39.
60
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Vol. I, Tomo I, 2, 10ª ed., Coimbra Editora, Coim-
bra, 2014, p. 48.
403
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
uma vez mais se pretende sublinhar – que tal discussão, doutrinária e jurispru-
dencial, fosse algo mais do que era próprio da história cultural de oitocentos.
O que estava em causa era ainda o problema que o constitucionalismo mo-
nárquico tinha um pouco por toda a Europa que resolver, e que em Portugal
ostentava dificuldades próprias, decorrentes de um parlamentarismo parti
cularmente débil: como defender o Legislativo contra as «investidas» do Exe-
cutivo. Coisa bem diversa viria a ser, como já sabemos, o problema europeu da
segunda metade do século XX – como defender a «norma» constitucional con-
tra as «investidas» do Legislativo.
61
Representação do Supremo Tribunal de Justiça, sobre o Dec. de 11 de Junho de 1842, in Gazeta
dos Tribunais (1º Ano, N. 124) (1842), p. 495.
62
Representação do Supremo Tribunal de Justiça, sobre o Dec. de 1 de Agosto de 1844, in Gazeta
dos Tribunais (4º Ano, N. 487) (1844), p. 1972.
63
Hespanha (n. 58), p. 35.
64
José Alberto dos Reis, Organização judicial. Lições feitas ao curso do 4º anno juridico de 1908 a 1909,
Imprensa Académica, Coimbra, 1909, p. 47.
404
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
65
Nogueira de Brito/Araújo (n. 57).
66
Francisco António Fernandes da Silva Ferrão, Tractado sobre direitos e encargos da Sereníssima Casa
de Bragança, Imprensa de J. J. Andrade e Silva, Lisboa, 1852, p. 253.
67
João Maria Tello de Magalhães Collaço, Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no direito portu
guês, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1915, pp. 54 e segs.. Segundo André Salgado de Matos,
“Silva Ferrão e o nascimento do princípio da constitucionalidade em Portugal”, in: Marcelo Rebelo
de Sousa et al. (coord.), Estudos de homenagem ao prof. doutor Jorge Miranda, Vol. I, Coimbra Editora,
Coimbra, 2012, pp. 293-322, p. 315, o reconhecimento da competência dos tribunais para recusar
a aplicação de uma lei teria surgido já em obra anterior do mesmo autor, datada de 1850, intitulada
Analyse critica e juridica, demonstrativa da improcedencia dos argumentos, com que, na Camara dos Senhores
Deputados da Nação Portuguesa, foi sustentada a proposta de Lei Regulamentar do § 3º do artigo 145º da
Carta Constitucional da Monarchia, offerecida á Camara dos Dignos Pares do Reino.
68
Hespanha (n. 58), p. 26.
69
Amaral (n. 3), pp. 63-66.
405
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
70
Id., 67-73.
71
É certo que Silva Ferrão afirma que «[não reconhecer a competência do poder judicial para
recusar a aplicação de actos inconstitucionais] importaria o mesmo que subordinar a acção da
justiça ao arbítrio [dos outros Poderes do Estado]; reduzir os Juizes a instrumentos cegos e doceis,
para homologar somente determinações exorbitantes e inconstitucionaes ; tornar em fim o Poder
Judiciario uma cousa muito diversa do que deve ser na realidade, pela firme, constitucional, e justa
manutenção dos direitos dos cidadãos» (Silva Ferrão [n. 66], p. 253 [itálico nosso]). Simplesmente, a
interpretação desse texto e do pensamento do autor não pode ser dissociado daquilo que, na Eu-
ropa, é a fundação teórica dos direitos e da liberdade. Como se explicou, ao analisar o modelo dual
de separação entre Estado e sociedade (supra, ponto 1.1.1.) bem como ao tratar da cultura europeia-
-continental da liberdade (supra, ponto 1.2.1.), na Europa, a constituição não é concebida como
um acto autónomo de fundação dos direitos e das liberdades, podendo, desse modo, a lei estadual
ser encarada como podendo constituir uma ameaça a esses mesmos direitos. Pelo contrário, é no
direito positivo do Estado, maxime no código civil, que encontramos a sede própria para a tutela
dos direitos e da liberdade, sendo antes a constituição a configurar uma ameaça aos direitos e à
liberdade criados e garantidos pelo Estado de direito, pela lei geral e abstracta. É por este motivo
que o Estado burguês e liberal oitocentista é um Gesetzgebungsstaat, e não um Verfassungsstaat, como
viria a ser o Estado da segunda metade do século XX. Contra, defendendo que o pensamento de
Silva Ferrão se sustenta em uma teoria da inconstitucionalidade em termos que corresponderiam
à formulação actual do princípio da constitucionalidade, Salgado de Matos (n. 67), p. 316.
72
Marbury v. Madison, 5 U.S. (1 Cranch) 137, 177 (1803).
406
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
lecer a norma superior sobre a norma inferior73. De acordo com esta doutrina,
desaplicar uma norma a um caso concreto com fundamento na sua inconsti-
tucionalidade nunca seria o mesmo que aferir se estariam ou não preenchidos
os pressupostos de admissibilidade do processo ou a legitimidade das partes.
Seria sempre outra coisa, de natureza diversa e de implicações bem mais fun-
das, que se inscreveria no próprio âmago da função judicial («This is of the very
essence of judicial duty»74), uma vez que decorreria da concepção da constitui-
ção como norma superior no sistema de fontes. Muito longe deste modo de ver
estava a tese que confinava o conceito de constituição ao «quadro político dos
poderes do Estado»; mas era essa, precisamente, aquela que Silva Ferrão subs-
crevia – a única que lhe era possível subscrever –, uma vez que era ainda essa
a tese que correspondia aos quadros dominantes na cultura jurídica europeia
de oitocentos.
Tudo leva a crer, portanto, que o autor do Tractado sobre direitos e encargos da
Sereníssima Casa de Bragança desconhecia, ou que pelo menos não compreendia,
as razões profundas que justificavam a existência, nos Estados Unidos da Amé-
rica, da judicial review of laws. Deve no entanto notar-se que, meio século mais
tarde, no início do século XX, a discussão sobre o tema da justiça constitucional
não era desconhecida da doutrina nacional, uma vez que outros autores desde
cedo manifestaram abertura para atribuir ao poder judicial a competência para
controlar a conformidade de uma lei face à constituição75. O tema era, todavia,
abordado completamente à margem do tratamento da questão relativa ao re-
conhecimento da competência do poder judicial para recusar a aplicação de
73
«It is emphatically the province and duty of the Judicial Department to say what the law is. Those
who apply the rule to particular cases must, of necessity, expound and interpret that rule. If two
laws conflict with each other, the Courts must decide on the operation of each. So, if a law be in
opposition to the Constitution, if both the law and the Constitution apply to a particular case, so
that the Court must either decide that case conformably to the law, disregarding the Constitu-
tion, or conformably to the Constitution, disregarding the law, the Court must determine which
of these conflicting rules governs the case. This is of the very essence of judicial duty. If, then,
the Courts are to regard the Constitution, and the Constitution is superior to any ordinary act of
the Legislature, the Constitution, and not such ordinary act, must govern the case to which they
both apply» (ibid., p. 178).
74
Ibid., p. 178.
75
José Ferreira Marnoco e Souza, Direito político. Poderes do estado. Sua organização segundo a sciencia
politica e o direito constitucional português, 1910, p. 781 ff. e Reis (n. 64), p. 26. Uma interessante análise
em Marcelo Rebelo de Sousa, O valor jurídico do acto inconstitucional, vol. I., Editora Gráfica Portu-
guesa, Lda., Lisboa, 1988, pp. 39 e segs., defendendo que, se na fase inicial do constitucionalismo
liberal monárquico português se verifica a inexistência de uma teoria da inconstitucionalidade, tal
teorização teria surgido, ainda que de forma incipiente, numa segunda fase, ao longo da segunda
metade do século XIX e sobretudo no final do século e no começo do século XX.
407
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
76
Marnoco e Souza (n. 75) trata do tema da fiscalização da constitucionalidade nas pp. 781 e segs.
e da aplicabilidade dos decretos ditatoriais nas págs. 784 e segs.. Ainda mais nítida é a separação
temática em Reis (n. 64), que aborda o tema da fiscalização da constitucionalidade no § 2 (pp.
22 e segs.), dedicado à relação entre o poder judicial e o poder legislativo, ao passo que a aplicabilidade
dos decretos ditatoriais vem tratada no § 3 (pp. 36 e segs.), dedicado à relação entre o poder judicial e
o poder executivo.
77
Hespanha (n. 20), pp. 374-375. É o caso da Lei da Boa Razão, de 18 de Agosto de 1769, que reviu
todo o sistema de fontes do direito no sentido de tornar o direito mais certo, proscrevendo o
direito doutrinal e jurisprudencial (cfr. § 13, em que se bane a autoridade da Glosa de Acúrsio,
da opinião de Bártolo e da communis opinio doctorum) e instituindo uma espécie de référé législatif
(cfr. § 11), bem como dos Estatutos da Universidade, de 1772, que reformou o ensino do direito na
Universidade de Coimbra.
408
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
nido, não voluntaristicamente pela lei do Estado, mas pela ratio iuris, desven
dada pelo jurista, e pela racionalidade prudencial do juiz78.
Tal significa que questionar a autoridade da lei sempre fez parte da cultura jurí
dica do Portugal oitocentista. Nele, a redução do saber jurídico a técnica de apli
cação da lei é tardio, antes prevalecendo o entendimento de que o direito é um
saber prático. É contra esse pano de fundo histórico-cultural que deve ser com-
preendido quer o fenómeno da aprovação pelo executivo de decretos ditatoriais
quer a própria tematização, na doutrina nacional, da «justiça constitucional».
Pode, assim, afirmar-se que os debates doutrinários e jurisprudenciais em
que se discutia a admissibilidade do controlo judicial difuso da constituciona-
lidade, entendido nos termos referidos, «[…] não representava nenhuma inova-
ção em relação aos sistemas de controlo da legitimidade das leis e dos actos de
poder em vigor no Antigo Regime»79. Ao contrário do que sucederia na Europa,
o controlo jurisdicional da constitucionalidade da lei nunca seria, em Portugal,
percebido como uma novidade, muito menos como uma ruptura, seja no plano
histórico-cultural seja no plano juscientífico.
78
Hespanha (n. 20), pp. 426-435. Sobre a influência do jusnaturalismo holando-alemão, o qual por
sua vez sofre a influência da Segunda Escolástica difundida justamente a partir das universida-
des ibéricas, no ensino universitário e na interpretação da Lei da Boa Razão v. Hespanha (n. 58),
pp. 7-16. Confirmando, com base em uma análise de conteúdo, a prevalência no pensamento dos
juristas quer de características doutrinais (mais do que legais) quer de uma crença forte num direito
supralegal de cunho racionalista v. António Manuel Hespanha, “Razões de decidir na doutrina
portuguesa e brasileira do século XIX. Um ensaio de análise de conteúdo”, 39 Quaderni fiorentini
per la storia del pensiero giuridico moderno (2010), pp. 109-151.
79
Hespanha (n. 58), p. 34.
409
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
80
Magalhães Collaço (n. 67), pp. 59 e segs e Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo
I, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pp. 315.
81
Collaço (n. 67), pp. 60-62.
82
Uma análise dos casos em que o poder judicial fez uso dessa sua competência em Domingos
Fezas Vital, “Jurisprudência Crítica”, Boletim da Faculdade de Direito 6 (1920-1921), pp. 552-603.
83
Miranda (n. 57), pp. 113 e segs.
84
Fezas Vital (n. 82), pp. 587 e segs.
85
Crítico quanto a essa interpretação Magalhães Collaço (n. 67), pp. 97 e segs.
86
Essa influência explica-se em parte pela recepção da obra do jurista e político brasileiro Rui
Barbosa, Os Actos Inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal, Companhia
Impressora, Capital Federal – Rio de Janeiro, 1893. V. Margarida Camargo/Wanda Viana Direito/
Cristina V. M. Alexandre, “Rui Barbosa e a Constituição republicana portuguesa de 1911”, Anuário
Português de Direito Constitucional 2 (2002), pp. 141-208.
410
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
leva alguns autores a sustentar que a Constituição de 1911 acolheu, por essa via,
a experiência americana da judicial review of laws87. A controvérsia doutrinária
sobre o âmbito do poder de apreciação dos juízes – se abrangia ou não a incons-
titucionalidade formal – bem como sobre se tal poder estaria ou não depen-
dente de as partes invocarem a inconstitucionalidade da lei permitem pôr em
dúvida que tenha sido essa a origem do artigo 63º da Constituição republicana.
Em todo o caso, e mesmo que o tenha sido, a discussão doutrinária posterior
mostra bem que Portugal não compreendeu, muito menos, assimilou os fun-
damentos teóricos que estão na base da tradição norte-americana da judicial
review88.
Dúvidas não havia que o artigo 63º atribuía ao poder judicial uma compe-
tência para recusar a aplicação de uma lei com efeitos circunscritos ao caso
concreto, valendo a decisão apenas inter partes. Ninguém problematizava sequer
– justamente por tal ser então inconcebível – que uma decisão judicial pudesse
87
Cardoso da Costa (n. 57), p. 914.
88
Além de revelar ignorância relativamente aos seus fundamentos teóricos, a importação do modelo
da judicial review of laws – a ter sido essa, efectivamente, no início do século XX, a inspiração dos
nossos constituintes – seria ainda reveladora de um manifesto desconhecimento da experiência
prática desse modelo. Com efeito, aos olhos da cultura jurídica e política de um europeu, radicada
na tradição revolucionária de transformação, através do poder político estadual, da sociedade na
busca de um futuro melhor, livre e mais justo, dificilmente seria de adoptar como modelo uma
prática institucional que, nessa fase da sua história e até à transformação determinada sob a ameaça
do “court packing plan” do Presidente Franklin D. Roosevelt (1937), tinha servido para invalidar
iniciativas legislativas progressistas e de intervenção social do Estado justamente com o argumento
de que as mesmas estavam em contradição com a constituição (pense-se na decisão Dred Scott [Dred
Scott v. Sandford, 60 U.S. (19 How.) 393 (1857)], em que o Supreme Court norte-americano, na prática,
considerou tolerável a escravatura ou na decisão Lochner [Lochner v. New York, 198 U.S. 45 (1905)],
em que uma lei que visava regular as condições de trabalho, estabelecendo um limite máximo
de 10 horas diárias e de 60 horas semanais de trabalho nas padarias do Estado de Nova Iorque,
foi julgada inconstitucional por violação da liberdade contratual extraída da due process clause da
Fourteenth Amendment). Além de razões de fundo, de ordem científica e histórico-cultural (v., supra,
ponto 1.3.), possivelmente terá sido ainda uma apreciação muito negativa dessa prática, descrita na
obra célebre e muito influente de Lambert como «le gouvernement des juges» (Édouard Lambert,
Le gouvernement des juges et la lutte contre la législation sociale aux États-Unis. L’expérience américaine du
contrôle judiciaire de la constitutionnalité des lois, Giard, Paris, 1921), que, quando, mais tarde, a discus-
são sobre a instauração da justiça constitucional veio a surgir na Europa, levou consensualmente
à rejeição do modelo norte-americano de controlo jurisdicional difuso. Esta última hipótese tem
sido admitida por vários autores (Louis Favoreu, “Modèle américain et modèle européen de justice
constitutionnelle”, Annuaire international de justice constitutionnelle, Vol. IV (1988), pp. 51-66, p. 56;
Alec Stone Sweet, “Why Europe Rejected American Judicial Review: And Why It May Not Matter”,
101 Michigan Law Review (2003), pp. 2744-2780, pp. 2758-2760 e Peter E. Quint, “Der Einfluss
des Supreme Court der Vereinigten Staaten von Amerika auf die Verfassungsgerichtsbarkeit in
Europa”, in: von Bogdandy/Grabenwarter/Huber (n. 7), § 109, pp. 853-908, pp. 863-870).
411
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
89
Nunca será demais recordar que, para o «modelo difuso» de controlo de constitucionalidade das
leis, oriundo dos Estados Unidos, o problema da eficácia inter partes dos juízos de inconstitucio-
nalidade em casos concretos nunca viria a assumir as mesmas proporções que a referida eficácia
teria em qualquer sistema jurídico da Europa continental. A tanto sempre obstariam a força do
princípio do precedente (stare decisis) inerente à tradição da common law.
90
A Lei nº 1963, de 18 de Dezembro de 1937, no seu artigo 3º, substituiu os § 1º e 2º do artigo
já renumerado de 123º por um parágrafo único, nos termos do qual «[a] inconstitucionalidade
orgânica ou formal da regra de direito constante de diplomas promulgados pelo Presidente da
República só poderá ser apreciada pela Assembleia Nacional e por sua iniciativa ou do Governo,
determinando a mesma Assembleia os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa porém das
situações criadas pelos casos julgados».
91
Para uma análise detalhada Miranda (n. 57), pp. 107, 111 e segs.
92
V., no entanto, a posição defendida por Afonso Rodrigues Queiró/António Barbosa de Melo, “A
liberdade de empresa e a Constituição”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XIV – N.os 3-4
(1967), pp. 216-258, pp. 222 e segs..
412
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
93
Recorde-se que era justamente esse o problema que se debatia, tanto no momento fundador da
judicial review of laws norte-americana (n. 47) quanto no momento fundador do modelo europeu
de justiça constitucional (Afonso Pereira [n. 45], pp. 60-61).
94
Fioravanti (n. 16), pp. 43-51.
95
Sobre essa incompatibilidade Fioravanti (n. 16), pp. 50, 96-98 e 128 e segs. Segundo o autor,
tal incompatibilidade deve-se à circunstância de os juízes serem vistos ou como funcionários do
Estado ou, dada a sua proveniência aristocrática, como inimigos dos valores fundamentais da
unidade política da nação e da certeza do direito tal como representados positivamente pelo legis-
lador, devendo, nessa medida, limitar-se a aplicar a lei do Estado e jamais podendo desempenhar
o papel de árbitros independentes nas lutas pelo monopólio do poder. Até que ponto essas duas
percepções, relacionadas tanto com a própria construção da estadualidade como com as origens
sociais dos juízes, são transponíveis para a realidade do Portugal oitocentista é uma questão de cuja
resposta poderá resultar uma melhor compreensão da não-resistência à implantação do modelo do
controlo jurisdicional difuso em Portugal. Seja como for, o que parece seguro é que, na Europa do
Pós-Guerra, quando se desenha o modelo europeu de justiça constitucional, a confiança nos juízes
era limitada, justamente em virtude da cultura estadualista e legalista em que se haviam formado,
caracterizada por uma estrita obediência à lei. Como, num escrito clássico, observa um prestigia-
do estudioso da justiça constitucional «[…] the bulk of Europe’s judiciary seems psychologically
incapable of the value-oriented, quasi-political functions involved in judicial review. Continental
judges are usually “career judges” who enter the judiciary at a very early age and are promoted to
the higher courts largely on the basis of seniority. Their professional training develops skills in
413
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
technical application of statutes rather than in making policy judgments. The exercise of judicial
review, however, is rather different from the usual judicial function of applying the law. Modern
constitutions do not limit themselves to a fixed definition of what the law is, but contain broad
programs for future action. Therefore the task of fulfilling a constitution often demands a higher
sense of discretion than the task of interpreting ordinary statutes; that is certainly one reason
why Kelsen, Calamandrei and others have considered it to be a legislative rather than a purely
judicial activity» (Mauro Cappelletti, “Judical Review in Comparative Perspective”, 58 California
Law Review (1970), pp. 1017-1053, p. 1047).
96
Se bem que fosse pontualmente proposta a concentração de competências nesta matéria, e por
via de recurso, no Supremo Tribunal de Justiça. Veja-se, quanto a esta ideia, e já no início da década
de 70 do século XX, Miguel Galvão Teles, “A concentração da competência para o conhecimento
jurisdicional da inconstitucionalidade das leis”, 103 O Direito, 1971, pp. 173-210.
97
Mauro Cappelletti, La giurisdizione costituzionale delle libertà: primo studio sul ricorso costituzionale
(con particolare riguardo agli ordinamenti tedesco, svizzero e austriaco), Giuffrè, Milano, 1955.
98
Miranda (n. 57), p. 107; Cardoso da Costa (n. 57), pp. 914-915; Nogueira de Brito/Araújo (n. 57),
p. 280 e Maria da Glória Garcia, Da justiça administrativa em Portugal. Sua origem e evolução, Univer-
sidade Católica Editora, Lisboa, 1994, pp. 354 e segs..
414
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
99
Nos termos do disposto em B. 2 da Primeira Plataforma de Acordo Constitucional, assinada em 13 de
Abril de 1975 pelo Presidente da República, em nome do Conselho da Revolução, e representantes
dos partidos políticos , «[o]s termos da presente plataforma deverão integrar a futura Constituição
Política a elaborar e aprovar pela Assembleia Constituinte». Aliás, mesmo antes da celebração do
Pacto ou Plataforma de Acordo Constitucional, «[…] quer ao nível dos diplomas de natureza para-
-constitucional, quer no plano das próprias instituições e realidades a que esses diplomas se repor-
tavam, diversas forças em presença tentaram consumar factos e criar situações irreversíveis, que os
constituintes tivessem de consagrar» (Manuel de Lucena, O Estado da Revolução. A Constituição de
1976, SOJORNAL – Sociedade Jornalística e Editorial, S.A.R.L., Lisboa, 1978, p. 241). O texto da
Plataforma encontra-se publicado em Jorge Miranda, Fontes e Trabalhos Preparatórios da Constituição,
vol. I, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1978, pp. 195-203, estando também disponível
em http://app.parlamento.pt/LivrosOnLine/Vozes_Constituinte/med01100000j.html#conteudo
[última consulta: 2015.11.13].
100
Após os acontecimentos do 28 de Setembro de 1974, o MFA havia-se desdobrado em facções,
com ligações preferenciais a partidos políticos: os «spinolistas», fora do poder e próximos do PPD;
os chamados «moderados», que viriam, no verão de 1975, a exprimir-se através do «grupo dos
nove», com proximidade relativamente ao PS; a «esquerda militar», ligada ao PCP; e os chamados
«militares do Copcon», vinculados a certa extrema esquerda.
101
É certo que, como recorda um dos deputados eleitos à Assembleia Constituinte, esta «foi [...]
um centro primordial de resistência às tentativas de implantação de regimes vanguardistas ou
basistas e de afirmação dos princípios do constitucionalismo democrático de tipo ocidental»,
mas já nos parece dificilmente sustentável o entendimento segundo o qual, a ter havido cons-
trangimentos sobre a Assembleia Constituinte, os mesmos «nunca se projectaram em nada de
fundamental que ela tivesse de decidir e verter em disposição constitucional» (Jorge Miranda,
Da Revolução à Constituição – Memórias da Assembleia Constituinte, Princípia, Cascais, 2015, pp. 119
e 219, respectivamente). Note-se, aliás, que o mesmo autor, em obra anterior, correspondente à
sua dissertação de doutoramento, referindo-se ao Pacto MFA-Partidos, ainda que relativizando o
elemento doutrinário, não deixou de observar, a respeito do elemento organizatório, relativo aos
órgãos de soberania durante o período de transição, «[…] as [graves] limitações estabelecidas quer
no respeitante à Assembleia Constituinte quer no respeitante aos futuros órgãos de soberania. As
primeiras como que poderiam, na prática, colocar sob tutela a Assembleia, as segundas corres-
pondiam a uma pré-Constituição» (Jorge Miranda, A Constituição de 1976 – Formação, Estrutura,
Princípios fundamentais, Livraria Petrony, Lisboa, 1978, p. 21).
415
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
era difícil, dada a sua diversidade ideológica, que os partidos políticos represen-
tados na Assembleia Constituinte chegassem a acordo quanto à ordem funda-
mental da República, o facto de terem que aceitar compromissos com as forças
revolucionárias só tornava tudo ainda mais árduo. É certo que estas forças não
estavam enquanto tal representadas na Assembleia Constituinte; no entanto,
à sua sólida organização acrescia o sustento justificativo que advinha de uma
considerável «legitimidade revolucionária»102.
Tal significa que, longe de resultar de um debate científico aprofundado
sobre a razão de ser da justiça constitucional e de qual o seu papel em demo-
cracia, o desenho do sistema português de fiscalização da constitucionalidade
ficou marcado, nos seus elementos essenciais, por contingências históricas do
período de transição para a democracia. Todos estavam de acordo quanto à ne-
cessidade de rever o sistema de fiscalização da constitucionalidade, que tanto
na Primeira República como sob a vigência da Constituição de 1933, com cujo
regime se tratava de romper, teria mostrado todas as suas debilidades. Simples-
mente, e é esse o ponto que merece ser salientado, a indefinição e a instabili
dade política que caracterizam esse período impediu que então tivesse tido
lugar um debate público alargado sobre qual o modelo de fiscalização da consti-
tucionalidade a adoptar na Terceira República portuguesa.
Assim, o desenho do sistema foi acordado em função dos interesses estraté-
gicos das partes envolvidas na negociação – de um lado os militares, organiza-
dos através do Movimento das Forças Armadas, e, do outro, os partidos políticos
representados na Assembleia Constituinte – na Segunda Plataforma de Acordo
Constitucional103. O desenho do sistema português de fiscalização da consti-
tucionalidade reflecte, portanto, a correlação de forças de que gozava então o
102
Sobre esse conceito Miranda (n. 60), 101 e segs.; Miguel Galvão Teles, “O problema da conti-
nuidade da ordem jurídica e a revolução portuguesa”, Boletim do Ministério da Justiça, nº 345, 1985,
pp. 11-43 e id., “A revolução portuguesa e a teoria das fontes de direito”, in Baptista Coelho (n. 57),
pp. 561-606. À contraposição entre «legitimidade revolucionária» e «legitimidade democrática»
referir-se-iam, por várias vezes, em intervenções em sessões plenárias da Assembleia Constituinte,
os deputados eleitos.
103
Cfr. pontos 3.7 a 3.12 da Segunda Plataforma de Acordo Constitucional, assinada em 26 de Fevereiro
de 1976 pelo Presidente da República, em nome do Conselho da Revolução, e representantes dos
partidos políticos representados na Assembleia Constituinte subscritores da Primeira Plataforma.
O texto final da Plataforma pode ser consultado em Jorge Miranda, Fontes e Trabalhos Preparatórios
da Constituição, vol. I, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1978, pp. 204-212, estando tam-
bém disponível em http://app.parlamento.pt/LivrosOnLine/Vozes_Constituinte/med01120000j.
html#conteudo [última consulta: 2015.11.13]. Para uma contextuação v. Miguel Galvão Teles, “A
segunda plataforma de acordo constitucional entre o movimento das forças armadas e os partidos
políticos”, in Jorge Miranda (org.), Perspectivas Constitucionais: Nos 20 anos da Constituição de 1976,
Vol. III, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pp. 681-702.
416
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
104
No projecto de Constituição apresentado pelo PPD, publicado em Diário da Assembleia Cons
tituinte, suplemento ao nº 14, de 9 de Julho de 1975, pp. 296-(1) e segs., e, com correcções de
inexactidões, de novo, Diário, suplemento ao nº 16, de 24 de Julho de 1975, pp. 358-(69) e segs.,
pretendia-se extrair do sistema de fiscalização pelos tribunais judiciais o máximo de compressão
dos poderes do Conselho da Revolução (art. I das «Disposições finais e transitórias»). No projecto
do CDS, publicado em Diário da Assembleia Constituinte, suplemento ao nº 13, de 7 de Julho de 1975,
pp. 280-(1) e segs., e, com correcções de inexactidões, de novo, Diário, suplemento ao nº 16, de 24
de Julho de 1975, pp. 358-(1) e segs., chegava-se a prever a criação de um Tribunal Constitucional
(artigos 133º e segs.). Para uma análise mais desenvolvida v. António de Araújo, “A construção da
justiça constitucional portuguesa: o nascimento do Tribunal Constitucional”, Análise Social, Vol.
XXX (5º), 1995 (nº 134), pp. 881-946, pp. 897-911.
417
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
105
O texto do documento, intitulado «Contraproposta inicial do Conselho da Revolução para a
negociação da 2ª Plataforma de Acordo Constitucional», pode ser consultado em Jorge Miranda,
Fontes e Trabalhos Preparatórios da Constituição, vol. II, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa,
1978, pp. 1210-1217, estando também disponível em http://app.parlamento.pt/LivrosOnLine/
Vozes_Constituinte/med01130352j.html#conteudo [última consulta: 2015.11.13].
106
As propostas dos partidos políticos de revisão da Plataforma de Acordo Constitucional encon-
tram-se disponíveis em Galvão Teles (n. 103), p. 703-746 e ainda em http://app.parlamento.pt/
LivrosOnLine/Vozes_Constituinte/media/docs/20010604a1.pdf [última consulta: 2015.11.13].
O PPD, além de um comentário geral, apresentou, mais tarde, um documento, subscrito por Antó-
nio Barbosa de Melo, que versava principalmente a matéria da fiscalização da inconstitucionalidade.
Esse documento, intitulado «Documento do PPD sobre fiscalização da inconstitucionalidade e
direito de veto» pode ser consultado em Galvão Teles (n. 103), pp. 747-754 e ainda em http://app.
parlamento.pt/LivrosOnLine/Vozes_Constituinte/media/docs/20010604a2.pdf [última consulta:
2015.11.13].
107
A primeira sugestão de, afastando-se dessa tradição, instituir um mecanismo de incidente, por
via de excepção, suscitado em qualquer tribunal e que subisse, através do mecanismo de reenvio,
a um tribunal constitucional – e, portanto, preconizando a existência, entre nós, de um tribunal
constitucional – deve-se a Jorge Miranda, na qualidade de Deputado à Assembleia Constituinte, em
418
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
419
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
cionalidade e que, nos seus aspectos essenciais, ainda hoje está em vigor112. Mas
essa concessão por parte dos militares aos partidos implicou, por sua vez, a acei-
tação por parte destes de um processo de fiscalização abstracta sucessiva que per-
mitiria ao Conselho da Revolução controlar a constitucionalidade da lei após a
sua entrada em vigor113. Foi assim que nasceu, entre nós, o processo de fiscali-
zação abstracta sucessiva da constitucionalidade114. Por último, no que respeita
ao processo de fiscalização concreta, a solução de tudo concentrar na comissão
constitucional – o modelo europeu de suspensão da instância seguida de reen-
vio – foi abandonada a favor de uma solução de compromisso que dispersasse
o poder de controlo da constitucionalidade por todos os tribunais, sendo que à
comissão seria reservada a decisão final, com efeitos circunscritos ao caso con-
creto, sempre que um tribunal fizesse uso do seu poder de recusar a aplicação
de uma norma com fundamento em inconstitucionalidade115.
Como já se disse, a versão originária da Constituição de 1976 viria a acolher
a solução acordada na Segunda Plataforma de Acordo Constitucional, tendo
havido, aliás, um amplo consenso entre os deputados quanto à matéria da fisca-
lização da constitucionalidade116. O Capítulo I do Título I da Parte IV do texto
originário previa, justamente nos termos acordado nesse documento, a fiscali
zação preventiva da constitucionalidade (artigos 277º-278º.), a inconstitucionalidade
por omissão (artigo 279º), a inconstitucionalidade por acção (artigos 280º e 281º) e,
por último, a fiscalização judicial da constitucionalidade (artigo 282º). O controlo
112
Cfr. artigo 279º, nº 2 da CRP.
113
Cfr. ponto 3.7 alínea c) da Segunda Plataforma de Acordo Constitucional.
114
No «Texto intermédio do Conselho da Revolução» (cfr., supra, n. 108), a previsão de um processo
de fiscalização abstracta sucessiva coexistia ainda com a previsão do veto absoluto em sede de
fiscalização preventiva (cfr. pontos 3.7. alínea c) e 3.8.4. desse documento).
115
Cfr. pontos 3.10.1 e 3.10.2 da Segunda Plataforma de Acordo Constitucional. O principal opositor à
solução inicialmente consagrada na Contraproposta fora o PPD, que, no «Documento do PPD sobre
fiscalização da inconstitucionalidade e direito de veto» (cfr., supra, n. 106, ponto III), justificava
a sua posição em três ordens de razões: «[…] o sistema proposto, ao concentrar nas mãos do C.R.
todas e quaisquer decisões de inconstitucionalidade, forçará esse órgão a imiscuir-se em assuntos
de relevo muito secundário na vida político-jurídica da comunidade […]. Por outro lado, quando se
reserva ao C.R. o poder de julgar os casos concretos em que seja suscitada a inconstitucionalidade,
está-se a roubar aos tribunais atribuições que numa democracia lhes devem ser escrupulosamente
reservadas. Finalmente, o sistema proposto é inaceitável porque estabelece, em favor do C.R. o
monopólio da interpretação da Constituição. Para nós, a garantia da Constituição só pode ser eficaz
se todos os tribunais tiverem, no cumprimento da sua missão específica, o dever de a conhecer e
aplicar diariamente». O PPD não seguiria, assim, quanto à matéria da fiscalização da constitucio-
nalidade, a proposta do Deputado Jorge Miranda (v., supra, nota 107).
116
Diário da Assembleia Constituinte, nº 116, de 10 de Março de 1976, pp. 3827-3840. À excepção do
preceito relativo à Comissão Constitucional, em que houve uma abstenção e um voto contra (ibid.,
p. 3838), todos os preceitos, submetidos a votação, foram aprovados por unanimidade.
420
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
117
José Durão Barroso, “O recurso para a Comissão Constitucional – Conceito e estrutura”, in Jorge
Miranda (coord.), Estudos sobre a Constituição, 3º vol., Livraria Petrony, Lisboa, 1979, pp. 707-722.
118
Além desse aspecto, que é o fundamental, importa ainda observar que a concepção de uma
justiça constitucional cuja função fosse ainda a de tutela de direitos fundamentais, através da
introdução de um meio processual específico, pressupunha o reconhecimento de um regime de
tutela privilegiado em relação aos direitos de liberdade. Embora esse regime privilegiado de tutela
se acabasse por impor, estando estabelecido, entre outros lugares, no artigo 18º da Constituição,
a garantia de direitos de liberdade – e entre estes, de apenas de alguns deles – através de um pro-
cedimento específico à imagem da queixa constitucional alemã (artigo 93º, I, nº 4 da Grundgesetz)
ou do recurso de amparo espanhol (artigos 53º, nº 2 e 161º, nº 1 alínea b) da Constituição espanhola
de 1978) implicava uma opção de ordem valorativa que acentuaria inevitavelmente a componente
liberal-democrática da Constituição.
421
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
119
Tendo, ao longo da sua actividade, a comissão constitucional emitido 213 pareceres, apenas em 13
casos o Conselho da Revolução decidiu em sentido diferente. Para uma análise detalhada v. Miguel
Lobo Antunes, “A fiscalização da constitucionalidade das leis no primeiro período constitucio-
nal: a Comissão Constitucional”, Análise Social, Vol. XX (2º-3º), 1984 (nº 81-82), pp. 309-336, pp.
322 e segs. e Armindo Ribeiro Mendes, “O Conselho da Revolução e a Comissão Constitucional
na fiscalização da constitucionalidade das leis (1976-1983)”, in: Baptista Coelho (n. 57), págs.
925-940, p. 934.
120
Quanto aos projectos de revisão constitucional, apresentados pelos partidos políticos com
representação parlamentar, vejam-se as referências em Miranda (n. 60), p. 371.
422
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
121
Araújo (n. 104), p. 882. A final, os preceitos que determinavam a instituição (artigo 212º, nº 1) e
estabeleciam as competências do Tribunal Constitucional no domínio da fiscalização da consti-
tucionalidade (artigo 213º, nº 1) viriam a ser aprovados por unanimidade (Diário da Assembleia da
República, I Série – Número 124, de 22 de Julho de 1982, pp. 5209 e 5213).
122
O projecto da FRS propunha a substituição dos recursos pelo modelo europeu de controlo con-
creto (questão prejudicial). A proposta, no entanto, foi rapidamente afastada, dada a autoridade
tradicional do controlo difuso, já praticado (Diário da Assembleia da República, II Série – Suplemento
ao número 72, de 27 de Março de 1982, pp. 1330 – (1) e segs.). V. Miranda (n. 60), p. 372.
423
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
123
Note-se, no entanto, que relativamente aos meios de acesso directo dos cidadãos à jurisdição
constitucional – meios esses que normalmente se traduzem na previsão de processos específicos de
tutela de direitos fundamentais («recurso de amparo») – a revisão constitucional de 1982 acres-
centou um novo dado face ao sistema já existente, e fixado em 1976: o recurso para o Tribunal
Constitucional de decisões de tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido
arguida durante o processo (actual artigo 280º, nº 1, alínea b) da Constituição).
124
Foi vencida a corrente que propugnava que os juízes tivessem uma tripla proveniência: designados
em parte pelo Presidente da República, noutra parte pela Assembleia da República e noutra ainda
pelo Conselho Superior da Magistratura. V. Araújo (n. 104), pp. 918 e segs.
125
António Barbosa de Melo e José Manuel Cardoso da Costa. José Manuel Cardoso da Costa,
“A elaboração da Lei do Tribunal Constitucional”, in: Jorge Miranda/Marcelo Rebelo de Sousa
(coord.), A Feitura das Leis, Vol. I, Instituto Nacional de Administração, Oeiras, 1986, pp. 85-95.
424
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
126
V., supra, ponto 1.
127
Afonso Pereira (n. 45), pp. 60-61.
128
V., supra, ponto 2.2.3.
129
McCulloch v. Maryland, 17 U.S. 316 (1819). «A constitution, to contain an accurate detail of all the
subdivisions of which its great powers will admit, and of all the means by which they may be car-
ried into execution, would partake of the prolixity of a legal code, and could scarcely be embraced
425
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
à segunda metade do século XX sem que dos seus elementos essenciais fizesse
parte uma «teoria» da interpretação constitucional. Mas a partir dessa altura – e
graças à novidade que representou então o surgimento das primeiras jurisdições
constitucionais – da condição de inexistência passou-se na Europa à condição da
distinção. Se durante século e meio não houve interpretação no direito consti-
tucional «europeu», quando começa a havê-la (quando os tribunais são chama-
dos a julgar em questões jurídico-constitucionais) compreende-se de imediato
que ela terá que ser distinta da interpretação dos outros ramos do direito, dada
a particular estrutura das normas constitucionais. De teoria nenhuma passou-
-se assim à consciência de uma teoria distinta130; e esta viria a ser efectivamente
obtida, graças às transformações entretanto ocorridas na ciência europeia do
direito público com a «querela dos métodos», do princípio do século XX, e gra-
ças ao labor das jurisdições constitucionais. Mas para que tanto sucedesse não
foi apenas necessário que o pensamento jurídico se renovasse, questionando os
métodos herdados do cientismo positivista próprio do século XIX. Necessário
foi também que as jurisdições constitucionais, entretanto instituídas, fossem
dotadas de um desenho institucional que potenciasse, ou pelo menos não inibisse,
quer a consciência da necessidade de uma hermenêutica própria, quer a cons-
trução dos cânones que a serviriam. Preparar devidamente um tal desenho foi
o intuito de todo o debate europeu do início do século XX do qual resultou a
instituição do «tribunal constitucional».
Uma vez que o nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade das
normas se desenhou à margem de todo este debate, a resolução do problema da
interpretação constitucional não se incluiu naturalmente nas suas finalidades.
O sistema foi modelado como se tal problema não existisse. Esse foi, como já
vimos, o «preço» a pagar por uma justiça constitucional alicerçada, no seu dese
nho institucional, na tese segundo a qual haveria uma continuidade natural
entre práticas herdadas do século XIX e as exigências próprias do Estado cons-
titucional da segunda metade do século XX.
by the human mind. It would probably never be understood by the public. Its nature, therefore,
requires, that only its great outlines should be marked, its important objects designated, and
the minor ingredients which compose those objects be deduced from the nature of the objects
themselves. That this idea was entertained by the framers of the American constitution, is not only
to be inferred from the nature of the instrument, but from the language. Why else were some of
the limitations, found in the ninth section of the 1st article, introduced? It is also, in some degree,
warranted by their having omitted to use any restrictive term which might prevent its receiving
a fair and just interpretation. In considering this question, then, we must never forget that it is a
constitution we are expounding» (ibid., p. 407).
130
Javier Pérez Royo, Curso de Derecho Constitucional, 14ª ed., Marcial Pons, Madrid, 2014, p. 96.
426
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
131
V., supra, ponto 2.3.3.
132
Eduardo García de Enterría, La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional, Cívitas,
Madrid, 1981.
133
Pablo Lucas Verdú, “El derecho constitucional como derecho administrativo – (La «ideología
constitucional» del profesor García de Enterría)”, Revista de Derecho Político, nº 13, 1982, pp. 7-52.
427
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
134
Eduardo García de Enterría, “El derecho constitucional como derecho”, Revista de Derecho
Político, nº 15, 1982, pp. 7-20.
135
Stolleis (n. 43), pp. 153 e segs.
136
V., supra, ponto 1.3.1.
428
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
137
Francisco Lucas Pires, “O Problema da Constituição”, Boletim da Faculdade de Direito, Suplemento
ao Vol. XVII (1970), pp. 329-419. O pensamento do autor, além de deixar transparecer uma cul-
tura jurídica ímpar e de cuidar da recepção, em Portugal, da moderna ciência do direito público,
agora já na fase da sua crise, desenvolve-se sob a influência da crítica antiformalista e antilegalista
empreendida, entre nós, poucos anos antes, no domínio da teoria do direito e do pensamento
jurídico, por António Castanheira Neves em id., Questão-de-facto – Questão-de-direito ou o problema
metodológico da juridicidade (ensaio de uma reposição crítica), Vol. I – A crise, Almedina, Coimbra, 1967.
A monumental obra de Castanheira Neves não logrou, no entanto, gerar uma renovação metódica
na ciência portuguesa do direito público, permanecendo, ainda hoje, largamente confinada ao
domínio da teoria do direito.
138
Para a especificidade da interpretação constitucional já haviam alertado, num relevantíssimo
estudo, Rodrigues Queiró/Barbosa de Melo (n. 92), pp. 223-228.
139
António M. Hespanha, “Discours juridique et changement politique: l’exemple de la révolution
portugaise de 1974”, in Erk Volkmar Heyen (ed.), Historische Soziologie der Rechtswissenschaft, Ius
Commune Sonderheft 26, Vittorio Klostermann, Frankfurt am Main, 1986, pp. 107-131.
140
Collaço (n. 67).
141
V., supra, ponto 2.2.3.
429
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
requerida pela estrutura própria das normas constitucionais – que por sua vez,
está ancorado no debate teórico sobre o conceito de Constituição – que molda
a discussão sobre a necessidade ou não de uma justiça constitucional e também
sobre qual o modelo a adoptar, isto é sobre a opção pela criação de um órgão
jurisdicional próprio142, temos de concluir que a ausência do primeiro debate
em Portugal inviabiliza a possibilidade de enquadrar uma discussão científica
sobre justiça constitucional.
Ora, o estado actual da ciência portuguesa de direito constitucional não é
muito diferente, não sendo de antever uma possibilidade séria de realizar, num
futuro próximo, qualquer discussão científica sobre justiça constitucional.
Em Portugal, se chegou a ter algum eco o impacto causado pela querela dos
métodos143, o seu impacto na ciência portuguesa do direito constitucional não
terá sido profundo144. Se é verdade que, em 1967, dois eminentes juspublicistas
já escreviam que «[a] melhor doutrina e a mais autorizada jurisprudência es-
trangeira afirmam a necessidade de interpretar a Constituição a partir da ideia
de que ela exprime uma decisão global da comunidade jurídica, polarizando
um sistema de valores de que as disposições singulares, de um modo claro ou
difuso, constituem um simples precipitado»145, essa assunção básica está, no en-
tanto, bem longe de poder ser considerada um acquis da ciência portuguesa de
direito constitucional. Antes pelo contrário, nela impera, ainda hoje, em pleno
século XXI, o método jurídico na sua vertente formalista. Tanto assim que um
reputado constitucionalista português afirma, numa obra publicada em 2014,
142
Afonso Pereira (n. 45), pp. 59-61.
143
Sobre as várias orientações metodológicas no ensino do direito no século XX em Portugal
v. António Manuel Hespanha, “L’histoire juridique et les aspects politico-juridiques du droit
(Portugal, 1900-1950)”, 10 Quaderni fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno (1981), pp.
423-447, também disponível em versão portuguesa em id., “Historiografia jurídica e política do
direito (Portugal, 1900-1950)”, Análise Social, Vol. XVIII (3º-4º-5º), 1982 (nº 72-73-74), pp. 795-812.
144
V., ainda assim, ainda na primeira metade do século XX, Afonso Rodrigues Queiró, “Ciência do
direito e filosofia do direito”, Boletim da Faculdade de Direito 18 (1942), pp. 366-384, coligido em id.
(n. 12), pp. 5-23; num momento posterior, Lucas Pires (n. 137) e José Carlos Vieira de Andrade,
Direito Constitucional, policop., Coimbra, 1977, pp. 117-141 e id., Os Direitos Fundamentais na Consti
tuição Portuguesa de 1976, 1ª ed., Almedina, Coimbra, 1983, pp. 115-141; mais recentemente, Maria
Lúcia Amaral, “Carl Schmitt e Portugal – O problema dos métodos em direito constitucional por-
tuguês”, in Jorge Miranda (org.), Perspectivas Constitucionais: Nos 20 anos da Constituição de 1976, Vol. I,
Coimbra Editora, Coimbra, 1996, pp. 167-194. Existe, entre nós, uma dissertação de doutoramento
dedicada ao tema da interpretação constitucional: Cristina Queiroz, Interpretação Constitucional
e Poder Judicial. Sobre a epistemologia da construção constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2000.
V. também id., “Justiça Constitucional e Interpretação da Constituição”, in AA.VV., Nos 25 Anos da
Constituição da República Portuguesa de 1976. Evolução Constitucional e Perspectivas Futuras, AAFDL,
Lisboa, 2001, pp. 561-628.
145
Rodrigues Queiró/Barbosa de Melo (n. 92), p. 225. V., ainda, Lucas Pires (n. 137), p. 388 nota 1.
430
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
146
Carlos Blanco de Morais, Curso de Direito Constitucional, Tomo II, Teoria da Constituição em Tempo
de Crise do Estado Social, Vol. 2, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 436.
147
Amaral (n. 3), pp. 85-87.
148
Cada um dos seis partidos com deputados eleitos apresentou o seu projecto de Constituição, os
quais abriam com um preâmbulo e compreendiam 148 artigos (CDS); 130 artigos (MDP-CDE); 120
artigos (PCP); 153 artigos, mais quatro de disposições finais e transitórias (PPD); 130 artigos (PS);
44 artigos (UDP). O texto final que viria a ser aprovado a 2 de Abril de 1975 seria bem mais longo,
431
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
É certo que esta “indecisão constituinte”, que se vive ao rubro durante parte
do tempo em que duram os trabalhos da Assembleia, acaba, na prática, cedo.
Em 1977 Portugal apresenta o seu pedido de adesão à Comunidade Económica
Europeia. A partir desse momento está praticamente selada a dissensão cons-
titucional. Mas como o “facto” não pôde anular tudo o que se passara antes,
nos trabalhos da Constituinte, permaneceu apesar dele o texto que desses traba-
lhos resultara.
É este texto, assim nascido, que corporiza a CRP, que vigora hoje após ter
sido objecto de sete revisões constitucionais, ocorridas em 1982, 1989, 1992,
1997, 2001, 2004 e 2005. Todas estas revisões foram eliminando os vestígios se-
mânticos do impasse constituinte. Mas a verdade é que não eliminaram a sua
memória, e os ecos que desse impasse ainda perduram na consciência da comu-
nidade social e jurídica.
Neste contexto, é natural que a ciência portuguesa de direito constitucional
não tivesse, logo a seguir à entrada em vigor da Constituição, congraçado esfor-
ços em torno da necessária construção dogmática que o novo direito constitu-
cional viria a exigir.
Como tudo parecia, ainda, precário e indeciso, o primeiro debate do cons-
titucionalismo português diz respeito, precisamente, à possibilidade da existência
(ou à “durabilidade”) de uma constituição como esta, nascida de um tão difícil
compromisso histórico. Durante a década de oitenta formaram-se basicamente,
a este respeito, três orientações: a que vaticinava a possibilidade e a durabili
dade da parte “programática” e “transformativa” da constituição que prevale-
ceria, aliás, sobre a componente liberal-democrática (Gomes Canotilho)149; a
que defendia a possibilidade de convivência harmónica, sem rupturas, das duas
partes do compromisso constituinte (Jorge Miranda)150 e a que, exprimindo a au
contendo 312 artigos. Para uma informação completa quanto ao modus faciendi desse compromisso
constituinte, Miranda (n. 101).
149
José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a
compreensão das normas constitucionais programáticas, 1ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1982.
150
Miranda (n. 101). O autor justifica essa sua posição com base em um argumento de natureza
metódica que se inscreve no pensamento jurídico formalista e legalista (supra, ponto, 3.1.1.). «Ora,
se no plano político pode sempre questionar-se da conciliabilidade ou da durabilidade de princí-
pios derivados de matrizes discrepantes ou opostas, em contrapartida, no plano jurídico, nada a
piori impede que se lhes apliquem os cânones gerais de hermenêutica. […] Certo, os pressupostos
e os fins políticos são irredutíveis e inelimináveis; só que, sem os escamotear e sem ignorar os
elementos específicos da interpretação constitucional, não pode o intérprete da Constituição de
1976 – como o intérprete de qualquer outra Lei Fundamental – estar autorizado senão a procurar
as recíprocas implicações dos preceitos e princípios em que aqueles fins se traduzem, a situá-los e
defini-los na sua interpenetração e na sua interrelacionação e a tentar, assim, chegar a uma idónea
síntese globalizante» (ibid., pp. 276-277). Para a plena compreensão do pensamento do autor, v.
432
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
ainda o ponto conclusivo da obra, intitulado «O enlace entre socialismo e democracia e o primado
do princípio democrático» (ibid., pp. 538-544).
151
Francisco Lucas Pires, Teoria da Constituição de 1976. A Transição Dualista, Coimbra, 1988.
152
V., supra, ponto 2.4.2.
153
Vieira de Andrade (n. 144).
154
Por ocasião da comemoração do décimo aniversário da Constituição de 1976, em Abril de 1986,
a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa promoveu umas Jornadas de Direito Constitucional,
em que Gomes Canotilho apresentou uma comunicação dedicada ao tema da diferença funcional
e metódica dos procedimentos de concretização das normas constitucionais desenvolvidos pelo
legislador e pelo Tribunal Constitucional (José Joaquim Gomes Canotilho, “A concretização da
Constituição pelo legislador e pelo Tribunal Constitucional”, in: Jorge Miranda (org.) Nos dez anos
da Constituição, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1987, pp. 345-372).
155
Tribunal Constitucional (org.), Legitimidade e legitimação da justiça constitucional, Coimbra Editora,
Coimbra, 1995.
433
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
justiça constitucional na Europa. Esse mito, que casa bem com o modo de pen-
sar formalista que perdura na ciência portuguesa de direito constitucional, leva
a que a originalidade do sistema português de fiscalização da constituciona
lidade seja a tal ponto valorizada que as obras que se ocupam do seu tratamento
sistemático sejam predominantemente descritivas, ocupando a justificação
teórica do sistema, onde ela existe, um lugar secundário156. Com efeito, não é
sequer concebível que caiba à ciência portuguesa do direito constitucional ofe-
recer uma justificação teórica para as virtualidades do sistema português face
ao modelo europeu. Em que medida as características do sistema português são
justificadas por prestarem, por comparação com o modelo europeu, um melhor
desempenho em matéria de tutela dos direitos fundamentais ou por poten
ciarem a construção de uma hermenêutica constitucional apta a melhorar a
capacidade integradora da constituição, é uma interrogação que não faz sequer
sentido. E não o faz, porque, numa cultura jurídica incapaz de superar o for-
malismo no modo de pensar juridicamente, tal matéria não é concebida como
algo que deva ser objecto de tratamento por parte da ciência do direito, a qual
deve apenas ocupar-se do direito positivo e da sua sistematização. Uma avalia-
ção do desempenho do sistema, a ser feita, deve caber a outras ciências sociais
e, naturalmente, a impulsos no âmbito do sistema político, dela não se devendo
ocupar os cultores do direito público157. É isso que explica que as posições dou-
trinárias, minoritárias, que têm reservas ou criticam o sistema português de fis-
calização da constitucionalidade158 não logram desencadear um debate científico.
156
Carlos Blanco de Morais, Justiça Constitucional, Tomo II, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra,
2011, pp. 981-1069; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Vol. III, Tomo VI, 4ª ed., 2014,
pp. 281-295.
157
Blanco de Morais, embora reconheça que o debate faz sentido, devendo «[…] numa primeira
fase, [continuar] a processar-se em circuito fechado, na comunidade dos constitucionalistas e dos
operadores judiciários» (ibid., p. 984), é, no entanto, incapaz de oferecer uma justificação teórica
para o sistema português de fiscalização da constitucionalidade, a não ser que – e o argumento
vale o que vale – o mesmo «[…] assenta num paradigma que vigora há mais de um século e que foi
interiorizado na prática judiciária» (ibid., p. 994).
158
Maria Lúcia Amaral, “Justiça constitucional, protecção dos direitos fundamentais e segurança
jurídica: que modelo de justiça constitucional melhor protege os direitos fundamentais”, in Anuário
Português de Direito Constitucional 2 (2002), pp. 11-22; id., “Problemas da judicial review em Portugal”,
in Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Themis), nº 10, 2005, pp. 67-90; Jorge
Reis Novais, “Em defesa do recurso de amparo constitucional (ou uma avaliação crítica do sistema
português de fiscalização concreta da constitucionalidade)”, Revista da Faculdade de Direito da Univer
sidade Nova de Lisboa (Themis), nº 10 (2005), pp. 91-117; id., Direitos fundamentais e justiça constitucional
em Estado de direito democrático, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 237-353 e Paulo Mota Pinto,
“Reflexões sobre jurisdição constitucional e direitos fundamentais nos 30 anos da Constituição da
República Portuguesa”, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (Themis), Edição
Especial (2006), pp. 201-206. V. ainda Amaral/Afonso Pereira (n. 56), pp. 548; 557-560 e 565-567.
434
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
Enquanto não houver, em Portugal, uma reflexão de âmbito mais vasto, e tam-
bém mais profunda, de índole metodológica, que rompa como o pensamento
jurídico formalista e legalista dominante na ciência portuguesa de direito
constitucional, jamais será possível travar uma discussão científica sobre justiça
constitucional. Até lá faltará, pura e simplesmente, o pressuposto teórico para
reconduzir posições doutrinárias críticas do défice hermenêutico da jurispru-
dência constitucional ao domínio da ciência do direito.
Dada a sua raiz culturalmente profunda, não é, no entanto, provável que tal
condição – e que outra não é do que a de reconhecer a especificidade da inter-
pretação constitucional sem que tal implique deixar de conceber o direito consti
tucional como direito159– venha a verificar-se e que, portanto, tal debate científico
alguma vez venha a ocorrer em Portugal.
159
García de Enterría (n. 134).
435
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
160
Cfr. artigos 142º, 145º e 146º da versão originária da CRP.
161
V., no entanto, o que dizemos, infra, ponto 3.2.2., a propósito do processo de fiscalização concreta.
436
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
162
Amaral (n. 158), p. 72.
163
Cfr. artigo 221º da CRP.
164
Serena Baldin, Le “altre” funzioni delle corti costituzionale. Modelli europei e recezioni con particolare
riferimento all’Est europeo, Edizioni Università di Trieste, Trieste, 2000.
165
Ibid., pp. 121 e segs, a quem a amplitude e variedade de competências do Tribunal Constitucional
português não deixa de causar perplexidade.
437
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
doutrinárias que, entre nós, têm sido críticas da amplitude e variedade das com-
petências to Tribunal Constitucional166 não logram gerar qualquer discussão.
166
Fernando Alves Correia, Direito Constitucional – A Justiça Constitucional, Almedina, Coimbra,
2002, p. 66 e Maria Lúcia Amaral, “Competências complementares do Tribunal Constitucional
português”, in: Fernando Alves Correia/Jónatas E.M. Machado/João Carlos Loureiro (org.), Estu
dos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra,
2012, pp. 43-55.
167
Vital Moreira, “A “Fiscalização Concreta” no Quadro do Sistema Misto de Justiça Constitucio-
nal”, Volume Comemorativo do 75º Tomo do Boletim da Faculdade de Direito (BFD) (2000), pp. 815-848,
p. 815. A circunstância de hoje quase todos os ordenamentos jurídicos combinarem caracterís-
ticas de ambos os modelos (nesse sentido, v. Lucio Pegoraro, Giustizia costituzionale comparata.
Dai modelli ai sistemi, Giappichelli, Torino, 2015, p. 83) de modo algum atenua a excentricidade da
«fiscalização concreta».
168
Maria Lúcia Amaral, “Acesso de particulares à jurisdição constitucional”, in: Marcelo Rebelo
de Sousa et al. (coord.), Estudos de homenagem ao prof. doutor Jorge Miranda, Vol. II, Coimbra Editora,
Coimbra, 2012, pp. 699-723, pp. 718-723.
438
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
169
Em 2015, o Tribunal Constitucional proferiu 1510 acórdãos e decisões, 1459 dos quais em sede
de fiscalização da constitucionalidade de normas. A fiscalização concreta representou a actividade
processual com maior expressão quantitativa, tendo dado origem a 635 acórdãos e 810 decisões
sumárias. Tal significa que, em 2015, e considerando apenas a actividade do Tribunal Constitu-
cional em sede de fiscalização da constitucionalidade de normas, mais de 99% são decisões de
fiscalização concreta. Mesmo que consideremos apenas as decisões de mérito (137 acórdãos e
238 decisões sumárias), a percentagem continua a ser elevada (aproximadamente 96%) (fonte:
Tribunal Constitucional, Relatório de Actividades 2015, pp. 9 e segs., disponível em http://www.
tribunalconstitucional.pt/tc/content/files/tc_ebook_relactiv2015/#ebookrelactividades [última
consulta: 2016.03.15]).
170
Reis Novais (n. 158), p. 91; Mota Pinto (n. 158), pp. 210-214.
171
Reis Novais (n. 158), pp. 115 e segs.
172
Amaral (n. 158), p. 72.
439
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
173
V., supra, ponto 2.3.3.
174
A assunção contrária dá-se cedo, tendo já sido verificada no primeiro decénio do Tribunal.
V. Antero Alves Monteiro Dinis, “A fiscalização concreta da constitucionalidade como forma privi-
legiada de dinamização do direito constitucional”, in Tribunal Constitucional (n. 155), pp. 199-209.
175
Existe um único episódio de conflito que ocorreu pouco tempo depois da criação do Tribunal
Constitucional e opôs este último ao Supremo Tribunal de Justiça. Simplesmente, não se tratou aí,
de qualquer conflitualidade no plano jurisprudencial. Alguma crispação terá sido motivada por
questões de hierarquia entre as duas entidades no que respeita à ordem de precedência protocolar.
José António Barreiros, “Representação judiciária ou hierárquica dos tribunais – Contributos para
a polémica entre o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional”, Revista do Ministério
Público, nº 19 (1984), pp. 9-40.
440
UM TRIBUNAL COMO OS OUTROS. JUSTIÇA CONSTITUCIONAL E INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO
176
Amaral/Afonso Pereira (n. 56), pp. 548 e 559.
177
Acórdão do TC nº 201/2014, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 89º vol., 2014, pp. 549-571,
p. 556.
178
Amaral (n. 168), pp. 722-723.
179
É justamente da ideia de que é preferível assumir a dimensão política da justiça constitucional –
em lugar de pretender camuflá-la – que decorre o modo de composição e designação dos membros
que integram um Tribunal Constitucional. V. Afonso Pereira (n. 45), p. 49.
441
ESTUDOS EM HOMENAGEM AO CONSELHEIRO PRESIDENTE RUI MOURA RAMOS
180
Lucas Pires (n. 151), p. 54.
181
García de Enterría (n. 134).
182
V., supra, ponto 3.1.1.
183
Fioravanti (n. 16), pp. 43-51.
184
Sobre essa incompatibilidade v., supra, n. 95.
185
Num belíssimo ensaio sobre o Tribunal Constitucional Federal alemão, um autor inicia-o do
seguinte modo: «Era novo. Não tinha tradição As vestes escarlates dos seus Juízes evocavam a
Florença renascentista. Em Karlsruhe, junto ao Palácio, integrava cinco cubos achatados de betão,
aço e sobretudo vidro. Era um tribunal que não era nem queria ser como, habitualmente, são os
outros tribunais alemães» (Christoph Schönberger, “Anmerkungen zu Karlsruhe”, in Matthias
Jestaedt/Oliver Lepsius/Christoph Möllers/Christoph Schönberger (eds.), Das entgrenzte Gericht: eine
kritische Bilanz nach sechzig Jahren Bundesverfassungsgericht, Suhrkamp Verlag, Berlin, 2011, pp. 9-76,
p. 11 [tradução dos autores; no original: «Es war neu. Es hatte keine Tradition. Die scharlachroten
Roben seiner Richter borgte es beim Florenz der Renaissance aus. Im Karlsruher Schlosspark
bezog es fünf flache Würfel aus Beton, Stahl und vor allem Glas. Es war ein Gericht, das nicht so
war und nicht so sein wollte, wie deutsche Gerichte üblicherweise sind»].
442