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NETTO, José Paulo. O que é marxismo? Coleção primeiros passos, 4. ed.

Editora
brasiliense: São Paulo, 1987.

Os pressupostos da teoria social de Marx são os primeiros passos dados por José
Netto em seu livro “O que é marxismo?” da editora brasiliense. Netto faz menção a uma
dupla construção histórica que levou ao surgimento da proposta correta (marxiana),
deixada como legado de Karl Marx. A primeira seria a Revolução Industrial trazida pela
crescente e nascente sociedade burguesa, que investe então a partir da modernidade na
Europa de modos a explorar os recursos naturais para a produção de bens, dando assim
a inauguração de um mundo burguês. (NETTO, 1987).
A segunda encontra-se na estruturação do pensamento burguês, sua articulação
sobre a sociedade com suas características dominantes. Isso gerou dentro da própria
estrutura burguesa, um dualismo na criação de duas correntes de pensamento: o
pensamento restaurador e um protesto romântico.
O pensamento restaurador, de claras conotações católicas e ranços
místicos, lamentava a “anarquia” trazida pela revolução burguesa e a
liquidação, pelo capitalismo, das “sagradas instituições da feudalidade
(...). O protesto romântico, criticando a prosaica realidade burguesa,
escapava dos dilemas sociais do presente mediante a idealização da
Idade Média e, em face das misérias contemporâneas, refugiava-se
num passado idílico. (NETTO, 1987, p. 13-14).

Desta forma, em 1848 se dá a divisão do pensamento burguês internamente.


Enquanto uns diziam-se a favor da revolução (industrial), outros diziam-se contrários a
esta. Surgem assim com estes cortes supracitados a teoria social de Marx e o
pensamento conservador, que se baseava na junção dos parâmetros restauradores e
românticos. (NETTO, 1987).
O que se pretende enfatizar com essas observações é um fenômeno
histórico de extrema significação: a intercorrência, no fim da primeira
metade do século 19, de um específico movimento cultural com um
específico componente sociopolítico – a intercorrência da cultura
produzida pelos melhores intelectuais do Ocidente (dos iluministas a
Smith, Ricardo, Goethe e Hegel) com as demandas socioeconômicas e
políticas dos operários euro-ocidentais. Trata-se do decisivo encontro
do universo da cultura com o universo do trabalho, a cultura como
conhecimento e projeção da sociedade, os representantes do trabalho
como agentes revolucionários.

É assim que podemos de modo singular e eficaz vislumbrar o nascimento da


concepção marxiana. Sim, por que segundo Netto, há uma diferença brutal entre as
designações que se aplicam à ideia de Karl Marx e as das correntes que transformaram
seu pensamento primário em outras modalidades. Marxismos, para ele são “um
conjunto de regras e princípios definidos, aceitos como justos”, o que é “propriedade de
um grupo de pessoas, que se distingue das demais pela sua posse e utilização.”
(NETTO, 1987, p. 74).
Para Netto, o “marxismo” é uma ficção, não é o próprio pensamento de Karl
Marx, sendo ele “uma série de interpretações e acréscimos variados da obra de Marx,
condicionados, cada um deles, por injunções históricas, culturais, políticas etc.”
(NETTO, 1987, p. 75). Entretanto, “o pensamento de Marx foi e é um modo original de
pensar a sociedade burguesa e sua dinâmica, que inclui necessariamente a alternativa da
revolução socialista”. (op. cit. p. 76).
Netto conclui sua obra, dizendo:
Em poucas palavras: a obra de Marx (que chamamos de marxiana)
forneceu a base para inúmeros desenvolvimentos (as correntes
marxistas) que, no seio de um bloco teórico-cultural diferenciado (a
tradição marxista), ofereceram tratamentos complementares,
alternativos e/ou excludentes para os problemas que se foram e vão
colocando no mundo burguês e nas suas ultrapassagens
revolucionárias. (...) O que a denominação marxismo traz consigo,
como um contrabando ideológico, é o abandono da historicidade de
Marx e dos que o sucederam: induzindo à ideia de uma linha contínua
entre o pensamento marxiano e os projetos nele inspirados, obscurece
os condicionamentos históricos, teóricos, culturais e políticos que
respondem pelas várias interpretações, subtrações e adições realizadas
em torno da obra de Marx. (NETTO, 1987, p. 77-78).

Fica claro, desta forma, que para Netto o marxismo tem complicações de nível
constitucional e de veracidade em correlação ao pensamento marxiano e que geralmente
apresentam diferenças latentes ao que na verdade foi a concepção e interesse de Marx.
Esta leitura muito contribui àqueles que pretendem iniciar sua caminhada com
uma ótica marxiana, para não confundir o pensamento de Marx com as diversas
interpretações provenientes deste, que geraram os marxismos que temos hoje na pós-
modernidade.

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