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© Associação Profissional de Arqueólogos

UM SISTEMA DE INFORMAÇÃO
GEOGRÁFICA APLICADO NA ARQUEOLOGIA
NO MUNICÍPIO DO SABUGAL [*]

MARCOS OSÓRIO | TELMO SALGADO


Município do Sabugal
arkmarcos@hotmail.com | salgado@cm-sabugal.pt

Resumo: O inventário e a cartografia das estações arqueológicas efectuado nos últimos anos pelo Gabinete de
Arqueologia do Município do Sabugal, no âmbito da carta arqueológica, sofreu um incremento metodológico, com
a criação do Gabinete Municipal de SIG. O trabalho desenvolvido por este serviço, na criação e gestão de informação
geográfica, proporcionou um novo contributo para o registo e inventariação, bem como para a própria gestão,
análise e cruzamento dos dados. Numa primeira fase, procedeu-se à localização e à cartografia dos sítios com recurso
a GPS, guardando a sua descrição numa base de dados, sob a forma de fichas individualizadas, possibilitando, numa
fase posterior, o confronto dos diversos campos no decurso de estudos e análises geoarqueológicas. Pretende-se
apresentar uma metodologia de trabalho que mostre como o cruzamento da actividade desenvolvida pelo Gabinete
de Arqueologia e o Gabinete de SIG pode ser frutífera, ao nível da gestão e partilha de informação dentro do
município e no alargamento do conhecimento proporcionado pelos estudos territoriais.

Palavras-chave: Arqueologia municipal; Carta Arqueológica; SIG; Análise territorial.

1. Introdução 2. Dilemas da actividade de registo arqueológico

Pretende-se, nestas linhas, abordar um exemplo O Gabinete de Arqueologia Municipal do Sabugal


prático, desenvolvido num município do interior tem, entre os objectivos primordiais da sua actuação,
do país, onde o intercâmbio entre o Gabinete de a elaboração e actualização da carta arqueológica mu-
nicipal. Não se pretende um inventário meramente
Arqueologia e o Gabinete SIG tem permitido solu-
reduzido aos principais sítios conhecidos, para a au-
cionar alguns problemas decorrentes da sua activida-
tarquia publicar num edição especial. Estas compila-
de diária. Iremos, deste modo, partilhar os resultados, ções são uma abordagem preliminar, com interesse,
que, embora não constituam uma novidade e estão a sobretudo para obter uma rápida panorâmica das
ser desenvolvidos por outros municípios e institui- estações arqueológicas existentes no concelho, mas
ções públicas, serão, mesmo assim, proveitosos para são insuficientes para a gestão municipal dos valores
esta temática. arqueológicos.

praxis ARCHAEOLOGICA 2, 2007, p. 9-22


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Só com um registo exaustivo se poderá zelar pela maioria dos casos, esta acção apenas pode ser
salvaguarda desse património municipal, efectuando feita com trabalho de campo e nunca defini-
uma descrição profunda do território que se estuda e da de imediato no gabinete.
obtendo um instrumento legal para legitimar, junto
dos técnicos e dos políticos, a protecção desses sítios 3. Problemas e soluções preliminares adoptadas
arqueológicos, no decurso dos diversos projectos pú-
blicos e privados. O Gabinete de Arqueologia do Município do
No entanto, apesar da sua importância, esta acti- Sabugal tem recolhido ao longo dos últimos dez
vidade acarreta algumas dificuldades, que sentimos anos, antes da parceria com o Gabinete SIG, vasta
no decurso da nossa actividade, nomeadamente no informação arqueológica e tem desempenhado esta
registo, no cruzamento e na partilha dos dados reco- tarefa primordial da seguinte forma:
lhidos. Entre elas enumeramos os seguintes dilemas. 3.1. O meio principal de armazenamento e con-
2.1. O formato de registo das estações identifica- sulta posterior de toda esta informação tem
das nas prospecções ou nos acompanhamen- sido as Fichas de Inventário do Património
tos de obra, seja numa ficha de um processa- Arqueológico, elaboradas no processador de
dor de texto, numa folha de cálculo ou numa texto Microsoft® Word®, que contêm toda
base de dados. a informação relativa aos locais de interesse
2.2. O modo de apresentação desse catálogo aos arqueológico, bem como a informação rela-
restantes técnicos municipais, para consulta tiva aos artefactos aí encontrados, separadas
rápida e perceptível, recorrendo à reprodu- por períodos cronológicos e ordenadas por
ção de várias cópias do conjunto das fichas freguesias. Isto provocava que, sempre que se
ou da própria base de dados impressa, ou introduzia um novo sítio no inventário, era
colocando esses ficheiros na rede informática necessário reenumerar todas as restantes fi-
interna. chas, manualmente, pela ordem alfabética de
2.3. A forma de efectuar pesquisas rápidas nos freguesia.
conteúdos e de cruzar essas mesmas infor- 3.2. A Carta Arqueológica seria publicada em ca-
mações, no decurso de qualquer investigação dernos impressos em folhas A4, com argolas,
ou análise territorial. As opções resumem-se fornecendo três cópias para o Departamento
à busca manual nas fichas impressas ou por de Planeamento e Urbanismo, e duas cópias
meio informático no documento do proces- para a Vereação, restringindo quaisquer futu-
sador de texto/base de dados, com a lingua- ras consultas apenas ao formato escrito. Dada
gem SQL, que permite maior rapidez. a necessidade de partilhar, de uma forma fá-
2.4. A apresentação cartográfica dos sítios e a de- cil e interactiva, os conteúdos arqueológicos
terminação da sua exacta localização, a qual- com os outros serviços camarários e permitir
quer escala. É um problema complicado, o cruzamento com outra informação muni-
porque em qualquer das formas de registo e cipal, a consulta do ficheiro da Microsoft®
arquivo escolhidas (seja em formato digital Word® não era uma solução satisfatória.
ou em papel), tem que se proceder, obrigato- 3.3. Qualquer pesquisa que se pretendesse efec-
riamente, a uma localização manual das esta- tuar no catálogo tinha que ser realizada por
ções arqueológicas em qualquer das cartas ou meio de Find no ficheiro Microsoft® Word®
mapas que se pretenda. ou de forma manual no caderno impresso.
2.5. O confronto das plantas e dos levantamentos Por exemplo, se pretendessemos verificar
topográficos dos projectos, com a nossa car- quantos sítios se situam a mais de 800 metros
tografia arqueológica, visando determinar a de altitude ou quantas estações romanas pro-
existência de eventuais impactos directos ou porcionaram sigillata, teríamos que recorrer
indirectos sobre as áreas arqueológicas. Na a um destes rudimentares processos. Assim, a

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análise e o cruzamento dos dados seria extre- as informações sobre a hidrografia, altimetria, decli-
mamente difícil e limitada, resumindo-se na ves, geologia, exposição solar e temperatura, poten-
prática a uma mera consulta documental. cializando a rapidez das análises territoriais. Abria-se
3.4. Os sítios eram assinalados nas cartas milita- um novo campo de trabalho e investigação para os
res de 1:25.000 e nos mapas de 1:50.000, de futuros levantamentos, análises territoriais e estudos
forma manual e não automática, colocando de povoamento.
pontos ou círculos e indicando as áreas de
dispersão, de forma pouco rigorosa e difícil 5. Os SIG e a Arqueologia
de transpor para escalas diferentes.
3.5. Perante a impossibilidade de determinação Antes de descrever algumas metodologias apli-
imediata do grau de impacto dos empreen- cadas na actividade arqueológica no Município do
dimentos nas áreas com vestígios assinalados, Sabugal, gostaríamos de nos debruçar um pouco so-
recorria-se exclusivamente à avaliação no ter- bre os Sistemas de Informação Geográfica (SIG).
reno. Existem inúmeras definições, algumas acentuan-
Numa apreciação superficial dos processos meto- do o facto de se tratar de uma base de dados com
dológicos adoptados pelo Gabinete de Arqueologia, informação espacial, outras realçando a importância
destacam-se dois problemas fundamentais: as infor- da análise espacial como elemento definidor de um
mações não estavam guardadas numa base de dados, SIG. Cowen (1988, p. 1551) enunciou-o de forma
nem sequer numa folha de cálculo, e não estavam ge- mais sucinta, mas elucidativa, realçando o facto dos
orreferenciadas, o que impossibilitava o cruzamento SIG constituírem processos de apoio à decisão: “É
eficaz com outra informação relevante. um sistema (...) que envolve a integração de dados
Julgamos que grande parte dos arqueólogos dos georeferenciados, num ambiente orientado para a
gabinetes municipais, à falta de melhores meios (ape- resolução de problemas”. Os SIG são, muitas vezes,
sar de não termos um conhecimento amplo das con- sistemas de informação e, simultâneamente, de su-
dições de trabalho das restantes autarquias), procede porte da decisão, permitindo a construção e análise
da mesma forma. de cenários alternativos, através da modelação de um
determinado fenómeno.
4. Os primeiros contactos com o Gabinete SIG De entre as inúmeras áreas onde os SIG são já
bastante utilizados, salientamos a geografia, o plane-
O estabelecimento de um intercâmbio com o amento e a gestão urbana, a estruturação de redes de
Gabinete SIG do Município do Sabugal, que é mais infraestruturas, os recursos naturais e o geomarke-
recente na autarquia (2002), deu-se, primeiramen- ting. A sua aplicação na arqueologia ainda está no co-
te, no âmbito dos trabalhos de execução dos mapas meço, embora seja uma disciplina que utiliza muita
para a exposição arqueológica do Museu Municipal. informação espacial, em comparação com os outros
E, posteriormente, por necessidade de obtenção de âmbitos atrás focados. Ao nível dos municípios, cer-
material gráfico de suporte a comunicações científi- ca de 80% da informação que circula no seio destes
cas, onde se pretendia apresentar alguma cartografia serviços é geográfica, ou seja, tem representatividade
auxiliar, assinalando os sítios em cartas de altimetria, espacial e essa figuração é importante no suporte às
mapas de relevo 3D e ortofotomapas, disponibiliza- decisões políticas ou técnicas que se tomem.
das por este gabinete. A arqueologia é uma ciência que necessita de in-
No decurso deste primeiro trabalho conjunto com formação espacial para diversos estudos e escalas de
o Gabinete SIG, desenvolveram-se novas soluções aplicação. Basta pensar, por exemplo, no estudo do
que possibilitaram a localização mais rigorosa dos sí- povoamento de determinada região e nos critérios
tios, a sua observação em qualquer escala ou base car- ambientais que condicionaram essa ocupação.
tográfica (ortofotos, cartas militares e geográficas ou A análise e compreensão dos padrões de distribui-
modelos digitais de terreno) e o seu cruzamento com ção dos sítios arqueológicos, a organização interna

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dos povoados antigos e a influência da paisagem na As experiências realizadas, posteriormente, com


vida do homem, foram desde sempre áreas de grande recurso ao GPS têm mostrado um maior rigor e po-
interesse para a Arqueologia, que na realidade partilha tencial, obrigando agora a voltar a dezenas de sítios
metodologias e até temas de estudo com a Geografia, já inventariados.
só que noutra dimensão temporal. Toda a informação alfanumérica ou gráfica reco-
Kenneth Kvamme (1992, p. 23) enumerou seis lhida será armazenada numa base de dados relacional
âmbitos de actuação dos SIG dentro da Arqueologia: Microsoft® Access®, que é um formato quase univer-
a gestão do património, os estudos geoestatísticos, a sal, não exige investimentos adicionais por parte do
álgebra de mapas, os modelos digitais de terreno, os município e responde às necessidades de organização,
modelos espaciais predictivos e os modelos de simu- pesquisa e análise da informação, sendo utilizado di-
lação dinâmicos. rectamente pelo software SIG ArcGis®, empregue no
Município do Sabugal.
6. Recolha e tratamento da informação Para se estruturarem correctamente os dados é
necessário, primeiramente, definir alguns conceitos
A primeira questão a melhorar na actividade ar- importantes, como as entidades espaciais, os atri-
queológica do gabinete, era a recolha, o registo e o butos e os relacionamentos. As entidades espaciais
tratamento dos dados. Existe uma grande variedade são conjuntos de objectos ou elementos gráficos com
de informação, tanto alfanumérica como geográfica, características similares, sendo, por isso, entidades
a reunir e incorporar no sistema em desenvolvimen- comuns referenciadas espacialmente. Por exemplo,
to. A primeira consta, na quase totalidade, das fichas nos municípios é a rede viária e de infra-estruturas
de sítio, enquanto que a informação geográfica, ou ou os edifícios. Os atributos são as características
já existe em formato vectorial, ou existe em formato dessas entidades, sendo também denominados por
analógico, ou está por recolher. Esta última situação dados alfanuméricos. A associação entre várias tabe-
é a mais comum. las numa base de dados, sejam elas de entidades ou
A recolha de informação geográfica, seja de ele- atributos, designa-se como relacionamentos. Estes só
mentos pontuais, lineares ou poligonais, deve ser fei- são possíveis se existirem campos nas tabelas, cujas
características, e especialmente o conteúdo, sejam se-
ta com recurso ao GPS. Este processo permite uma
melhantes. Esses campos denominam-se “chaves” e
georreferenciação relativamente rigorosa dos sítios ou
estas podem ser “primárias” ou “externas”. De acordo
achados arqueológicos, apresentando um erro de po-
com as características dos dados existentes e os ob-
sicionamento entre 1,5 e 3 metros, depois de feita a
jectivos do projecto, neste caso a Carta Arqueológica
correcção diferencial. É um processo rápido e eficaz,
Municipal, descreveram-se as entidades espaciais, os
que não carece de grandes conhecimentos técnicos,
atributos e os relacionamentos.
pelo que será o indicado para a reunião da informa-
Começou-se por definir três entidades espaciais, to-
ção arqueológica. das elas representando sítios arqueológicos: “Achados
Anteriormente, o Gabinete de Arqueologia pro- isolados”, “Sítios” e “Sítios_todos”. A primeira refere-
cedia à localização e marcação exacta da área de ves- se aos sítios que têm representação apenas pontual,
tígios de dezenas de sítios arqueológicos (como nos como por exemplo um machado ou uma epígrafe
trabalhos de prospecção para o estudo do povoamen- encontrada num terreno. A segunda engloba os sítios
to romano do Alto Côa (Silva, 2000), assinalando, que correspondem a áreas, e cuja representação pon-
no decurso do trabalho de campo, as manchas de dis- tual seria redutora e incorrecta, como por exemplo
persão e concentração dos materiais nas cartas milita- os habitats, os povoados e outros assentamentos hu-
res (com escalas de pouca definição) e nas fotografias manos detectados. Optou-se por incluir uma terceira
aéreas. Foi a partir destas notações que se calcularam entidade que englobasse, conjuntamente, os sitios e
as áreas que permitiram classificar a natureza dos sí- os achados isolados, por duas razões: Primeiro, para
tios. representar todos os sítios e para que as pesquisas e

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as análises à listagem sejam simples e tenham uma *.pmf, exportados com a extensão ArcPublisher®, que
boa representação gráfica. E depois, porque essa enti- são uma espécie de *.pdf interactivo, que guardam
dade, ao englobar todos os sítios e representando-os o caminho onde está guardada a informação e man-
pontualmente, permite que estes sejam simbolizados, tém, ao contrário do ArcExplorer®, as características
recorrendo a ficheiros de imagem ou a símbolos de gráficas do layout feito em ArcGis®, o que lhe confere
tipo “fonte”, designados como Character marker sym- uma grande qualidade de impressão. Este visualizador
bols. Este tipo de representação gráfica é ideal para as tem ainda a particularidade de conseguir ler informa-
saídas cartográficas que a Carta Arqueológica terá. ção armazenada em Microsoft® Access® e de executar
Estas três entidades têm uma chave externa que hyperlinks, ou seja, ligações dinâmicas a fotografias ou
lhes vai permitir ligarem-se à tabela alfanumérica, outros documentos.
onde estão todas as características dos sítios, e que Após o levantamento com GPS e efectuada a
foram retiradas das “fichas de sítio” que existiam. A correcção diferencial, a informação é exportada para
definição dos campos correspondentes aos atribu- shapefile e copiada para a base de dados. De segui-
tos dos sítios teve como base as normas do Instituto da, o arqueólogo responsável preenche os campos
Português de Arqueologia. Tentou-se, sempre que previamente definidos e estruturados em diferentes
possível, a utilização de campos fechados, de forma tabelas, relacionadas entre si. Nesta fase, é imediata-
a permitir uma posterior classificação e análise esta- mente possível ver a informação actualizada, através
tística. do ArcReader®.
No entanto, este visualizador não permite a exe-
7. Funcionamento do sistema cução de pesquisas ou queries à informação, que são
extremamente úteis. Assim, o Gabinete SIG deve
As soluções técnicas que permitem o funciona- exportar, periodicamente, a informação da base de
mento de um projecto SIG, como este, são muito dados para o formato shapefile, para que, com a uti-
variadas, especialmente a nível do software a adop- lização do ArcExplorer®, se possam executar queries
tar. No nosso caso, tentou-se aproveitar ao máximo e classificações temáticas da informação. A Carta
o software que estava disponível no município, para Arqueológica como documento pronto a ser impres-
que, com o mínimo investimento possível, se consiga so, estará guardada no formato *.pmf, para que a ac-
operacionalizar convenientemente o processo. Assim, tualização da informação se reflicta imediatamente
criou-se um sistema com uma arquitectura simples, na apresentação do documento.
onde se tenta aproveitar o facto dos serviços envolvi- A produção dos subsequentes estudos, nomeada-
dos estarem ligados a um servidor central. mente os que envolvam análise espacial, será feita no
A solução utilizada passa pelo uso do Personal Gabinete SIG, com recurso ao software ArcGis®, com
Geodatabase da Microsoft®, lido e editado directa- o acompanhamento muito próximo do Gabinete de
mente a partir do ArcGis®. O problema reside no Arqueologia, que terá a responsabilidade científica
facto do visualizador e explorador de informação dessa investigação.
geográfica ArcExplorer®, também da ESRI®, não ler
ficheiros da Microsoft® Access®. Por isso, é necessária 8. O SIG empregue na análise espacial em
a utilização de shapefiles, em paralelo à utilização da Arqueologia
Personal Geodatabase, assim como o recurso a outro
visualizador, o ArcReader®. Para além da estruturação, interactividade e ca-
Estes dois visualizadores completam-se um ao pacidade de análise da informação gráfica e alfanu-
outro. Com efeito, o ArcExplorer® tem a vantagem, mérica, os SIG apresentam uma grande mais-valia: o
ao contrário do ArcPublisher®, de permitir a busca potencial de análise espacial, definido como um “am-
de informação no servidor, ou em outras fontes, e plo conjunto de procedimentos de estudo de dados
de permitir a execução de querys à informação. O geográficos, considerando de alguma forma as suas
ArcReader® tem características diferentes: lê ficheiros características espaciais” (Unwin, 1981, p. 212).

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Na análise espacial podemos recorrer a uma vasta Uma das análises espaciais já iniciada, com suces-
série de operações, conforme os objectivos da inves- so, foi as áreas de influência dos povoados castrejos
tigação: pesquisas a atributos, intersecções, áreas de da parte ocidental do concelho e o cálculo das suas
influência (buffers), cortes, bacias de visão e distân- bacias de visão.
cias-custo, entre outras. Mas, em arqueologia as aná- No primeiro caso, pretendeu-se saber qual a pro-
lises espaciais são realizadas essencialmente em três vável área de exploração de um conjunto de povoa-
grandes domínios: modelação da probabilidade de dos fortificados, tendo em conta o seguinte pressu-
existência de património arqueológico, modelação posto: o território de cada povoado define-se por um
do território e simulação dinâmica de teorias. raio equivalente a 1 hora de caminhada, que equiva-
Abordaremos, agora, somente algumas potencia- le a 5 km de distância (Davidson e Bailey, 1984, p.
lidades da modelação do território, por onde iniciá- 30). Estes valores aplicam-se facilmente no terreno,
mos as análises territoriais no concelho do Sabugal. quando estamos na presença de áreas planas e sem
Aplicámos estas metodologias no estudo do povo- quaisquer obstáculos que dificultem a marcha, o que
amento do I milénio a.C. deste território, que está não acontece na maior parte das vezes, tal como nesta
bem conhecido pelos trabalhos de prospecção. Como região do Sabugal.
não dispomos de informação detalhada, por exem- O processamento em ambiente SIG destes cálcu-
plo, ao nível do uso do solo ou das redes viárias, não é los territoriais, recorreu a dois modelos distintos para
possível uma simulação rigorosa das teorias que exis- determinar essas áreas de influência, confrontá-las e
tem, para outros períodos e temáticas menos apro- avaliar o seu rigor. O primeiro consistiu na adapta-
fundadas. ção da metodologia proposta por Davidson e Bailey

Fig. 1. Área de influência do castro de S. Cornélio (modelo de Christopherson).

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Fig. 2. Área de influência do castro de S. Cornélio (modelo de Davidson e Bailey).

(Figuras 1 e 3) e o segundo modelo é da autoria de Intentou-se estender esta metodologia a outros


Gary Christopherson (Christopherson, Barabe e povoados recentemente descobertos (Osório, 2005,
Johnson, 1996) (Figuras 2 e 4). p. 51), mas nunca houve disponibilidade suficiente.
Antes do intercâmbio com o Gabinete SIG, tí- Através do SIG pôde-se retomar estas análises territo-
nhamos já esboçado os territórios de marcha de riais, de forma mais rápida e fiável.
alguns povoados da Idade do Ferro da área poente A adaptação desta metodologia ao processamen-
desta região, efectuando o cálculo das suas áreas de to informático em SIG fez-se recorrendo ao Model
influência, segundo o modelo teórico de Davidson e Builder do software ArcGis® 9, construindo-se o res-
pectivo modelo (Figura 1). Com recurso a esta mo-
Bailey, com os meios tradicionais: régua, carta mili-
delação, constatou-se que a velocidade de cálculo das
tar, papel vegetal e lápis. Este método pretende tradu-
áreas de influência, em oposição ao cálculo manual,
zir a presença de obstáculos, especialmente o declive
aumentava drasticamente: o processamento manual
e as linhas de água, em termos de distância-tempo, de cada área de influência demora aproximadamen-
de forma a definir a extensão máxima de terreno te 4 horas, enquanto que computacionalmente, com
percorrido numa hora de marcha, desde o povoado. a informação preparada, demora alguns segundos,
No entanto, apresenta alguns problemas, sobretudo dependendo obviamente da velocidade de processa-
a enorme morosidade do procedimento e o facto de mento do computador. Por outro lado, a sua criação
se trabalhar sobre uma escala de referência reduzida no Model Builder permite a posterior utilização por
(1:50.000 cm) que pode induzir a uma generalização outro utilizador e em outra máquina, evitando todo
excessiva. o trabalho de conceptualização do problema e de

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cálculos intermédios. De referir ainda que o modelo terreno. Depois de calibrado, ele é facilmente aplica-
pode ser modificado, alterando-se a informação ou as do em outras áreas ou usado com outra informação.
funções que o constituem, sendo portanto bastante Outra operação bastante útil na arqueologia e em
flexível. outros domínios similares é a elaboração de bacias
Por oposição a este modelo, Gary Christopherson de visão. Estas bacias são superfícies raster que reflec-
definiu outras classes de valores para os obstáculos à tem o grau de visibilidade, em função do número
caminhada (os declives e os cursos de água), de forma de observadores que conseguem avistar cada célula
a criar uma “superfície de custo” de tipo raster, onde (Figuras 5 e 6). A localização, altitude, alcance e ân-
cada célula tem um índice de resistência à marcha gulo de visão dos postos de observação podem ser
(Figura 2). Essa estimativa resulta da soma dos valo- definidos pelo próprio utilizador. Têm como base um
res atribuídos a cada classe de declives e a cada tipo modelo digital de terreno (MDT), cujo rigor influen-
de curso de água. cia decisivamente a precisão final da bacia de visão.
Empregando os dois modelos, podem-se obter re- São análises muito interessantes em Arqueologia, es-
sultados muito diversificados (Figuras 3 e 4). Mas, o pecialmente naqueles assentamentos cuja importân-
interessante é precisamente o facto do sistema testar, cia advinha de uma boa posição defensiva e controlo
muito facilmente, diferentes modelos, representati- do território imediato.
vos de metodologias diversas, expondo as potenciali- Antes da aplicação deste sistema informático na
dades e as deficiências de cada um. Torna-se também definição da intervisibilidade dos povoados e das
extremamente fácil e rápido conferir e calibrar os áreas de controlo visual estratégico, o Gabinete de
modelos, neste caso com eventual comprovação no Arqueologia recorria apenas à observação atenta da

Fig. 3. Área de influência dos castros (modelo de Christopherson).

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Fig. 4. Área de influência dos castros (modelo de Davidson e Bailey).

carta militar, intentando confrontar as altimetrias, ou Mais uma vez, através da ajuda do SIG, pudemos
subia a todos os relevos elevados e assinalava na carta efectuar uma análise complexa, de uma forma muito
os campos de visão obtidos a partir do topo, o que mais rápida, flexível e interactiva, superando clara-
levava imenso tempo e era pouco rigoroso. mente os problemas de uma abordagem tradicional
Com o SIG, o processo iniciou-se pela constru- ao problema.
ção de um modelo digital de terreno, baseado nas
curvas de nível e nos pontos de cota da carta militar 9. Conclusão
1:25000, do IGeoE. Os pontos de observação foram
colocados nos locais mais elevados dos relevos onde Os SIG têm-se assumido como sistemas impor-
de localizam os povoados (Figuras 5 e 6). Depois de tantes em várias áreas do conhecimento, sendo o seu
potencial contributo tanto maior, quanto mais im-
preparar a informação, preenchendo os campos atrás
portante for a componente espacial presente em cada
referidos, é relativamente simples calcular a bacia de
disciplina. As questões relacionadas com a localiza-
visão ou viewshed, que é uma função presente na ex-
ção, como as acessibilidades ou as áreas de influência,
tensão Spatial Analyst do ArcGis®. O exemplo utili- não são de forma alguma preocupações exclusivas da
zado, onde consta a informação necessária e as opera- Geografia, embora assumam nesta disciplina o seu
ções a efectuar, é muito mais simples que o utilizado expoente máximo, em termos de importância e teori-
no cálculo das áreas de influência. Aplicando este zação. Certos estudos arqueológicos e históricos têm
modelo, obtém-se uma superfície raster, cujos valores uma componente territorial tão forte que apresentam
das células correspondem ao número de observadores problemas e metodologias idênticas aos estudos geo-
que conseguem vislumbrar esse território (Figura 6). gráficos, só que adaptados às condições do passado.

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Fig. 5. Bacia de visão (ponto de observação no castro de S. Cornélio).

O SIG veio também melhorar a actividade arque- Com o SIG, em que os dados estão armazenados
ológica no gabinete municipal do Sabugal. As dificul- num servidor central, é possível uma efectiva partilha
dades decorrentes do processo de registo e estudo dos da informação arqueológica com outros serviços mu-
dados recolhidos na Carta Arqueológica Municipal, nicipais que dela careçam, bastando para isso instalar
devidamente descritas no 2º capítulo, foram supera- os visualizadores nos respectivos serviços. A relação
das através da aplicação do SIG, colmatando as lacu-
entre esses conteúdos e os outros dados presentes no
nas registadas.
servidor poderá se feita através da sua localização,
A utilização de um SIG, possibilitando a ligação
recorrendo às ferramentas de análise espacial típicas
entre elementos alfanuméricos e gráficos, através de
uma base de dados (Personal Geodatabase), permite dos SIG, ou então, recorrendo ao campo com o códi-
uma acessibilidade muito maior à informação, já que go de Freguesia, presente em toda a informação.
consente a execução de pesquisas ou querys, envol- Por outra parte, é possível a integração dos dados
vendo uma ou várias características das diversas enti- em várias escalas no sistema, desde os levantamentos
dades analisadas. topográficos pormenorizados até à Carta Geológica.
Por outro lado, o facto de estar georreferenciada,
De referir ainda que os dados serão introduzidos e
podendo ser visualizada juntamente com outros su-
portes temáticos, incluindo cartas militares ou orto- mantidos no Gabinete de Arqueologia, recorrendo a
fotos, torna fácil e intuitiva a sua localização, através formulários previamente elaborados, para que a in-
do seu posicionamento relativo em relação a outros formação esteja sempre actualizada e devidamente
objectos. validada.

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Fig. 6. Bacia de visão (ponto de observação em todos os castros).

A importância do SIG não se esgota na gestão rigorosa for a informação que o suporta. Com este
da informação, ela prende-se também com outros sistema, conseguiu-se tornar a elaboração de alguns
dois aspectos fundamentais: a elaboração de estudos estudos, como por exemplo as áreas de influência e as
com recurso à análise espacial e a produção de saídas bacias de visão, muito mais rápida e flexível, e a sua
gráficas. Como vimos atrás neste trabalho, o SIG é apresentação muito mais rica e intuitiva, contribuin-
uma ferramenta preciosa na elaboração de estudos do para a descoberta, estudo e análise do património
espaciais e até na validação de teorias e metodolo- arqueológico municipal.
gias existentes, sendo tanto mais preciso, quanto mais

Notas

[*] Comunicação apresentada ao Workshop APA “Documentação e Sistemas de Informação de Registos Arqueológicos”,
realizado em Lisboa nos dias 11 e 12 de Novembro de 2005.

Bibliografia

ARONOFF, S. (1989) - Geographic Information Systems: a management perspective. Ottawa: WDL Publications.
BARCELÓ, J. A.; PALLARES, M. (1996) - A critique of GIS in Archaeology. From Visual Seduction to Spatial Analisys.
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20 MARCOS OSÓRIO E TELMO SALGADO

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Resumen: El inventario y la cartografía de yacimientos arqueológicos realizado en los últimos años por la Oficina
de Arqueología del Municipio de Sabugal, en el ámbito de los trabajos de carta arqueológica, conllevó un desarrollo
metodológico con la creación de la Oficina Municipal de SIG. Las tareas llevadas a cabo por este servicio en la
creación y gestión de la información geográfica, supuso una nueva contribución al registro e inventario, al igual
que a la gestión, análisis y cruce de datos. En una primera fase, se procedió a la localización y a la cartografía de
los sitios con recurso a GPS, guardándose su descripción en una base de datos bajo la forma de fichas individuales,
posibilitando, en una fase posterior, la comparación de los distintos campos en el transcurso de estudios y análisis
geoarqueológicas. Se pretende presentar una metodología de trabajo que enseñe cómo el cruce de la actividad
desarrollada por la Oficina de Arqueología y la Oficina de SIG puede volverse fructuosa al nivel de la gestión
y distribución de la información dentro de las instituciones municipales y en la ampliación del conocimiento
proporcionado por los estudios territoriales.

Palabras-clave: Arqueología municipal; Carta Arqueológica; SIG; Análisis territorial.

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983
UM SISTEMA DE INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA APLICADO NA ARQUEOLOGIA NO MUNICÍPIO DO SABUGAL 21

Abstract: Tasks related to the inventory and cartography of archaeological sites due in last few years by the
Municipality of Sabugal’s Bureau of Archaeology, integrated on the project of municipal archaeological mapping,
has suffered a methodological advance with the creation of the GIS Municipal Bureau. The tasks carried on by this
unit creating and managing the geographic information has become a new contribution to the record and inventory
of archaeological sites, as well to the management, analysis and data-cross. In a first phase, the sites were localized
and mapped with GPS and their description was kept in a database as individual files, which made possible, in a
second phase, the comparison of the several fields during a geoarchaeological research. It is presented in this paper
a methodology showing that cross-information between the Bureaus of Archaeology and GIS could be fructuous
for the management and distribution of information among the municipal services and to extend the knowledge
provided by territorial investigations.

Keywords: Municipal archaeology; Archaeological mapping; GIS; Territorial analysis.

praxis ARCHAEOLOGICA
ISSN 1646-1983

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