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Processual Civil III

Prof. Suzana

Matéria da 2ª prova

Audiência de Instrução e Julgamento

A audiência de instrução e julgamento, como toda audiência, é uma


sessão pública que ocorre, regra geral, nos juízos de primeiro grau de jurisdição,
e que tem por finalidade: (i) tentar a conciliação entre as partes, (ii) produzir
prova oral; (iii) debater a causa; (iv) proferir a decisão.
Essa audiência é o exemplo típico de ato complexo processual: é o ato
processual composto por uma série de outros atos. Não é um só ato, mas uma
sequência preordenada de atos processuais. A lei prefixará essa sequência de
atos processuais que ocorrem na audiência, mas por mais que a lei preveja,
haverá variações dessa ordem seqüencial dependendo de cada caso concreto.
Assim, por exemplo, se o processo envolve prova pericial, haverá a parte da
perícia na audiência; se não envolver, não. Se o direito for indisponível, não
haverá conciliação; se for disponível, haverá.
Como ato judicial, a audiência é, em regra, um ato público, com exceção
do segredo de justiça (intimidade das partes ou segurança nacional), que pode
impedir a participação do público em geral. Apenas os advogados e as partes
participam. Da mesma forma, o juiz pode exercer o poder de polícia para evitar
manifestações na sala de audiência, a fim de manter o bom andamento da
sessão, restringindo e controlando quem entra ou não. Mas, em geral, a
audiência é pública, até mesmo para permitir o controle sobre a atuação judicial.

Obs.: pode-se assistir o caso de sigilo de justiça se o juiz e as partes


concordarem.

Quem participa da audiência de instrução e julgamento?


- o juiz, como representante, órgão estatal, é o presidente da audiência,
coordenando os trabalhos, produzindo a prova oral, tentando a conciliação.
- as partes, embora não seja necessário, por conta da eficácia de dois
pontos da audiência: (i) a tentativa de conciliação, que, em regra, precisa das
partes; (ii) a produção de depoimento pessoal;
- os advogados, que devem comparecer para defender o interesse das
partes
- os auxiliares de justiça: Ministério Público nos casos em que atua;
escrivão ou escrevente (por delegação), que digita o que o juiz dita para ele;
oficial de justiça, que apregoa as partes para a audiência; perito judicial (se tiver
perícia).
Quais os atos?
1) apregoamento: ela começa pela proclamação do juiz e apregoamento
pelo oficial de justiça (chamamento das partes). É a instalação da audiência de
instrução e julgamento. Cada um toma o seu posto na sala;

2) tentativa de conciliação: a primeira pergunta é: já não foi tentada na


audiência preliminar? Não interessa, pois o juiz pode tentar a conciliação
quantas vezes quiser, sempre que vislumbrar a possibilidade, sendo obrigado na
audiência preliminar e na audiência de instrução. Como no primeiro caso
geralmente há apenas o despacho saneador, acaba sendo, na prática, a primeira
tentativa.
Se houver conciliação, o juiz homologa. A sentença é equiparada à
sentença de mérito e o processo é extinto.
Se a parte não comparecer, fica prejudicada a tentativa de conciliação, a
não ser que ela tenha transferido poderes para transigir ao procurador.
Sem a conciliação, passa-se para a terceira atividade.

3) especificação dos pontos controvertidos (art. 451): ele já faz isso na


audiência preliminar. Foi uma alteração posterior na lei, de forma que a doutrina
acomoda essa questão para o caso de haver pontos que sobraram e serão objeto
de prova naquela audiência. Na prática é de difícil observação.
Ex.: parte juntou documentos, entre as duas audiências, que afastaram
pontos controvertidos, de forma que se especificam os que restaram.

4) instrução oral: é o início da fase instrutória da audiência de instrução.


Essa fase oral, no processo civil, desenvolve-se de acordo com o princípio da
mediação, pelo qual os advogados não fazem perguntas diretas, sejam a
testemunhas, peritos, partes etc. São sempre feitas por meio do juiz
(repergunta). Isso porque no nosso sistema, pelo menos no processo civil,
rejeita-se a possibilidade de o advogado induzir, forçar uma resposta.
O juiz filtra: ele pode não fazer a pergunta, porque não será relevante (se
o advogado quiser, ele recorre); ele pode reformular a pergunta (testemunha é
de fato: não se pergunta a opinião, e o juiz pode reformular para atender a isso).
É um sistema mais burocrático, mas garante a observância dos princípios
processuais.
A primeira prova oral que se realiza nessa fase é o esclarecimento de
peritos e assistentes técnicos, se for o caso (houve perícia e a parte requereu
esclarecimentos). Se todo mundo concorda com o laudo, não é necessário.
A segunda prova é o depoimento pessoal das partes. A regra é: primeiro o
autor, depois o réu. Chama-se o autor, e o réu deve sair da sala, restando
apenas os advogados das partes. Isso porque o réu saberá o que o autor falou. A
ideia do depoimento é a tentativa da confissão: réu e autor não são
testemunhas. Às vezes, sabendo o que uma parte falou, pode-se mudar o
discurso e prejudicar a obtenção da confissão da parte.
Somente o advogado da parte contrária pode fazer pergunta para a parte
que está sendo ouvida no depoimento pessoal (depoente). Se já tiver acabado o
depoimento pessoal do autor sem nenhum outro depoimento, ele poderá
permanecer.
Passado o depoimento pessoal, a terceira prova oral é a oitiva das
testemunhas: primeiro as do autor, depois as do réu. Deve-se buscar a
incomunicabilidade das testemunhas: uma não pode escutar o que a outra falou,
justamente para não prejudicar a busca pela verdade. Segue sempre o esquema
da mediação. Se a testemunha é do autor, quem repergunta primeiro é o
advogado do autor; se é do réu, quem repergunta primeiro é o advogado do réu.
Com o término da prova testemunhal, termina o momento das provas
orais.

5) debates orais: são previstos pela lei. Cada parte tem 20 minutos. O CPC
imaginou que cada advogado se direciona para o juiz. Na prática, normalmente
se direciona para o escrevente escrever no termo de audiência, não para o
convencimento do juiz. O art. 454 traz algumas regras de extensão do prazo.
É muito difícil ocorrer debates orais no caso concreto, até mesmo por falta
de tempo. Normalmente há uma possibilidade, prevista pelo art. 454, §3º, de
conversão dos debates orais em memoriais. O juiz abre um prazo para as partes
apresentarem memoriais (não é definido pela lei). A ideia do debate é a
realização de um exercício de persuasão para tentar convencer o juiz. O mesmo
valerá para os memoriais.
O princípio da oralidade, então, é flexibilizado por conta do excesso de
trabalho. A audiência de instrução e julgamento (depois dos debates orais o juiz
daria oralmente a sua decisão ou chamaria os autos à conclusão, prolatando a
sentença em 10 dias), na prática, é apenas uma audiência de instrução.

6) sentença: oralmente na audiência ou em 10 dias. Esse prazo é


impróprio, ou seja, não há sanção para o seu descumprimento.

Todos os atos devem ser documentados. Tudo o que acontece na


audiência de instrução é documento.
No termo de audiência, o escrevente irá escrever tudo o que ocorreu, na
ordem em que aconteceu, inclusive possíveis incidentes. São os detalhes do que
aconteceu na audiência, que devem ser formalizados no termo de audiência.
Atrás do termo vêm os termos de assentada: são os termos dos
depoimentos (depoimento pessoal, esclarecimentos do perito, testemunhos,
perguntas etc.).
Toda audiência tem um termo de audiência, mesmo quando não acontece
(foi adiada, por exemplo). Se houve produção de prova oral haverá o termo de
assentada. Todos devem ser assinados: o de audiência pelo juiz, partes,
escreventes; o de assentada, além de ser assinado por todo mundo, também por
quem realizou o depoimento.

Obs.: quando há estereotipia, há apenas o termo de audiência com a


determinação da juntada do resultado do estereotipista em um certo prazo.
Terminando a audiência, o juiz pode dar a sentença na hora ou dá-la, após
a apresentação de memoriais pela parte, num prazo de 10 dias. Ele poderá achar
que falta algo nesses 10 dias, ou seja, pode exercer o poder instrutório para
esclarecer alguma dúvida que tenha? Ele pode pedi-la. Chama-se “converter o
julgamento em diligência”, a fim de produzir alguma prova extra além daquelas
que já foram produzidas no processo.
É legítimo e não é incomum, isso porque o juiz deveria conhecer o processo
pormenorizado. Ele só o conhecerá, porém, na hora de julgar. Por isso, pode
verificar a falta de um documento essencial apenas na fase decisória,
convertendo em diligência e voltando à instrução.
Em matéria de incidentes que podem surgir no meio do iter da audiência,
pode acontecer de a testemunha ser irmã ou funcionária (relação de hierarquia)
da parte. “Contradita” é contraditar a fidelidade do testemunho de uma
testemunha. Ela não é neutra
Ex.: “pela ordem, gostaria de contraditar o testemunho porque a
testemunha é funcionária da parte”.
Pode acontecer de uma testemunha falar algo diferente da outra
(incomunicabilidade das testemunhas). Nesse caso de contradição, existe o
incidente de acareação. O juiz chama as duas testemunhas e as coloca frente a
frente para saber a verdade, inclusive porque quem mente responde por falso
testemunho. Por outro lado, o juiz pode não achar a contradição relevante (pode
acontecer, porque a testemunha não tem certeza), de forma que ele vai decidir
sobre o requerimento da acareação.
Vários incidentes podem acontecer, e o juiz irá resolvê-los, inclusive
podendo chegar às conclusões de ofício. Cabe recurso de agravo retido à decisão
(art. 523, CPC). É um recurso que fica nos autos, sendo julgado se houver
apelação.
O art. 455 do CPC (cuidado: usar o Código atualizado) estabelece que:

Art. 455. A audiência é una e contínua. Não sendo possível concluir, num só
dia, a instrução, o debate e o julgamento, o juiz marcará o seu
prosseguimento para dia próximo.

A audiência é una no sentido de que deveria haver apenas uma audiência


no processo civil. Originalmente essa era a ideia, mas no processo ordinário
também há, por introdução de alteração legislativa, a Audiência Preliminar. Essa
previsão já quebra o princípio da unidade da audiência, pois já há em lei previsão
de duas audiências.
Quando não seja possível produzir toda a prova naquele dia, por exemplo,
pois uma testemunha faltou, há um desmembramento da audiência: ela deveria
ser una, mas é possível desmembrá-la. O “dia próximo” dependerá da pauta do
juiz, podendo ser 6 meses, 7 meses, enfim, não se verifica na prática.

Ausências. Quais as partes (sujeitos) necessárias e as não necessárias na


audiência, isto é, aquelas sem as quais acontecerá o adiamento da audiência?
- juiz
- perito
- escrevente
- membro do Ministério Público quando obrigatória, inclusive com falta
funcional (não pode se promover, por exemplo)
- testemunha (se a parte não abrir mão da testemunha)
São as pessoas necessárias à audiência. Por exclusão, os não necessários
são:
- partes e advogados das partes: se não vierem, sofrerão conseqüências
pelo ônus da inércia. Se a parte não for, mas o advogado for, não poderá haver
conciliação e ela sofrerá pena de confesso (como se tivesse confessado), caso
tenha sido pedido depoimento pessoal pela parte contrária. Claro que não
haverá esse efeito se não tiver sido pedido o depoimento, da mesma forma que
não se pode pedi-lo na hora.
Se o advogado falta, pelo art. 453, §2º, CPC, de constitucionalidade
questionável, o juiz pode dispensar as provas requeridas pela parte. Além de
audiência ser realizada sem a presença, o juiz poderá determinar que não ouvirá
as testemunhas da parte por ele representada. A parte não tem voz porque não
tem capacidade postulatória. É questionável por conta da ampla defesa: punir a
parte pela desídia o advogado não é proporcional. A lei faz essa previsão por
conta da má-fé do advogado em algumas situações. Por outro lado, se resolver
ouvir a testemunha, apenas o juiz irá fazer perguntas, pois a parte não tem voz.
- assistente técnico das partes: se não vier, está preclusa a oitiva dele.
Chegando atrasado, já houve preclusão e o juiz só ouvirá por conta dos poderes
instrutórios.
Essas ausências referidas são as ausências injustificadas. Se houve motivo,
o juiz deve adiar a audiência. Em caso de sobreposição de audiências, com o
mesmo advogado (audiências no mesmo horário), há um motivo justificante. Mas
no caso de ser um escritório, com vários advogados, o juiz pode medir que
chame outro.
O melhor é pedir o adiamento antes da audiência, quando possível. Se o
motivo era pré-sabido, e a parte deixa para avisar posteriormente, não haverá
causa para anular e refazer a audiência. Isso só ocorrerá se o motivo for urgente
e não se teve tempo para avisar.
O advogado faz isso no início da audiência quando a parte faltou ou o
assistente técnico. Quando ele for faltar, deve peticionar ao juiz.

Art. 453. A audiência poderá ser adiada:


I - por convenção das partes, caso em que só será admissível uma vez;
Il - se não puderem comparecer, por motivo justificado, o perito, as partes, as
testemunhas ou os advogados.
§ 1o Incumbe ao advogado provar o impedimento até a abertura da
audiência; não o fazendo, o juiz procederá à instrução.
§ 2o Pode ser dispensada pelo juiz a produção das provas requeridas pela
parte cujo advogado não compareceu à audiência.
§ 3o Quem der causa ao adiamento responderá pelas despesas acrescidas.

Sentença
Sentença não é mais o ato do juiz que põe fim ao processo
(conceito antigo).
O art. 162, §1º, do CPC dispõe que:

Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e


despachos.
§ 1o Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou
não o mérito da causa.
§ 1o Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos
arts. 267 e 269 desta Lei. (Redação dada pelo Lei nº 11.232, de 2005)

Existem dois conceitos de sentença, um formal e um substancial.


- conceito formal: era o conceito anterior do código. Era um conceito
tautológico, sem definição do conteúdo, mas do conteúdo (sentença é o ato que
põe fim ao processo; o ato que põe fim ao processo é a sentença). Era um
conceito falho, mas funcionava.
- conceito substancial: era o adotado pelo CPC 39, afastado pelo CPC 73.
Criou uma grande confusão. Sentença é a decisão do juiz que vai definir a causa,
seja por uma definição processual ou de mérito. Julga o objeto da demanda,
entendido aqui não só como o pedido, mas como os incidentes também.
Os arts. 267 e 269 tratam, respectivamente, da extinção do processo sem
resolução do mérito e da resolução do mérito. A redação é ruim porque não é a
sentença que implica as situações, mas as situações que implicam a sentença.
No art. 267 há as causas em que algum problema processual impede que o
juiz julgue a causa. Não é a resolução de qualquer questão processual que será
sentença.

Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito:


I - quando o juiz indeferir a petição inicial;
Il - quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das
partes;
III - quando, por não promover os atos e diligências que Ihe competir, o
autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias;
IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de
desenvolvimento válido e regular do processo;
V - quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de
coisa julgada;
Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a
possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;
Vll - pela convenção de arbitragem;
Vlll - quando o autor desistir da ação;
IX - quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal;
X - quando ocorrer confusão entre autor e réu;
XI - nos demais casos prescritos neste Código.
Ex.: designar a audiência: não implica sentença.
Para que a matéria processual implique na sentença, ela deve extinguir o
processo. Se o juiz afirma que não há condição da ação, ele extinguirá o
processo; quando ele designa a audiência, não extingue. As questões
processuais só implicarão na sentença se acabarem com o processo, impedindo
que continue.
A sentença que trata de matéria processual é chamada de sentença
terminativa, pois termina o processo sem dar razão a uma parte ou outra. Como
não decide sobre a pretensão do autor, apenas reconhecendo uma falha do
processo, não produzirá efeitos para fora do processo. Isso significa que não faz
coisa julgada material. O juiz simplesmente afirma que não foi preenchido um
requisito formal. Isso significa que, sanado o vício, pode-se repropor a demanda.
Ex.: extinção pela falta de procuração: juntada a procuração, pode-se
ajuizar a mesma ação, podendo até resultar numa decisão procedente.
O art. 269 dispõe que:

Art. 269. Haverá resolução de mérito:


I - quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor;
II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido;
III - quando as partes transigirem;
IV - quando o juiz pronunciar a decadência ou a prescrição;
V - quando o autor renunciar ao direito sobre que se funda a ação.

Ao contrário do art. 267, com a reforma não usa mais a palavra “extingue-
se”. É uma questão de coerência com o novo conceito de sentença: se houver
remissão a dois artigos que fala da extinção, mantém-se o mesmo conceito. São
as sentenças de mérito (inc. I), aquelas que reconhecem prescrição ou
decadência (inc. IV) e as equiparadas às de mérito (incs. II, III e V).
Todas elas resolvem a pretensão do autor. Como resolve, produzirá efeitos
para fora do processo, alterando a vida das pessoas envolvidas (pagar a dívida,
certidão com o nome do pai etc.). Qualquer um dos casos de sentença de mérito
faz coisa julgada, produzindo efeitos imutáveis para fora do processo.
Os dois grandes problemas dessa alteração do conceito de sentença são:
1) havia um princípio que decorria do sistema, da unidade de julgamento:
as questões de mérito só poderiam ser resolvidas na sentença, em uma decisão
só. Ele não poderia cindir o julgamento, tanto é que o ônus da prova era regra de
julgamento para não haver pré-julgamento. Agora, pelo novo conceito, a
sentença não extingue mais o processo se for de mérito, e não há mais nada no
CPC que diga que ele não possa cindir o julgamento.
Ex.: pedidos cumulados, um prescrito e outro não: anteriormente ele
deveria esperar a sentença de mérito para decidir sobre os dois; hoje, em tese, é
permitido pelo sistema o julgamento parcial, julgando o pedido prescrito na
audiência preliminar e conduzindo o outro na instrução. A decisão que pronuncia
a prescrição é de mérito e não extingue o processo. Antes isso seria impossível
porque deveria haver apenas uma sentença.

2) em relação ao recurso, o conceito anterior resolvia a questão facilmente


(sentença: apelação; decisão interlocutória: agravo). No momento em que se
transforma o conceito de sentença e se permite, em tese, o julgamento parcial,
cindido, tem-se o problema de que no agravo se retiram cópias que sobem para
o tribunal, enquanto na apelação sobe com os autos, pois antes a sentença de
mérito extinguia o processo no juízo a quo. Mais grave é saber que a apelação
tem efeito suspensivo.
Agora, como são permitidos os julgamentos parciais, há doutrinadores que
defendem o recurso de apelação por instrumento, evitando que o juiz espere
para decidir apenas no final ou que a apelação fique retida.
Ex.: se o juiz dá o julgamento parcial, a parte utilizaria a apelação por
instrumento, com a remessa das cópias ao tribunal.
É necessário verificar como a situação irá se assentar, pois há julgamentos
em diversos sentidos e opiniões doutrinárias em sentidos diversos também.

Estrutura da sentença

Toda sentença (lato sensu, i. e., que remete aos arts. 267 e 269) deve ter
os requisitos do art. 458 do CPC:

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:


I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da
resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no
andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe
submeterem.

O relatório é um resumo do processo, de tudo o que aconteceu. A


fundamentação é a motivação, os fundamentos que levam à decisão. O
dispositivo (decisório, conclusão) é a parte da sentença em que o juiz realmente
decide, chegando à conclusão de quem tem razão.
Essa estrutura é essencial apenas para a sentença. Outros atos processuais
também precisam ser fundamentados, mas não precisam seguir essa rigidez. A
sentença precisa, sob pena de nulidade.
Ela é necessária até pela ideia de devido processo legal. Por essa estrutura,
tem-se uma racionalidade na sentença que permite à parte entender como o juiz
chegou a essa conclusão. A parte deve saber o porquê de o juiz decidir de um
certo jeito, seja para recorrer, seja para se convencer.
De qualquer forma há uma variação conforme seja terminativa, de mérito
ou homologatória.

Relatório. É a exposição resumida de tudo o que ocorreu no processo. Um


bom relatório é aquele que traz o que aconteceu no tempo em matéria formal
(ajuizamento da ação, citação, contestação, atos da audiência de instrução,
enfim, toda a marcha processual) e, em matéria material, tudo o que foi alegado
e contra-alegado. É um resumo não só formal, mas também das alegações.
Existe possibilidade de relativização quanto ao nome das partes. Quando há
muitos autores, o juiz pode escrever “fulano de tal e outros”. Pelo menos o nome
de uma das partes deve constar. É permitido também o relatório per relationem,
ou seja, permite-se que uma determinada decisão faça remissão a um relatório
anterior. É incorporado na sentença.
Ex.: acórdão: para fins de estrutura, tem a mesma da sentença, mas o
desembargador pode se reportar ao relatório da sentença de 1º grau. Não
precisa fazer de novo, alterando apenas o que aconteceu depois da sentença e
que for de novo. O mesmo vale para sentença anulada, quando o juiz tiver que
prolatar uma nova sentença.
Nas sentenças meramente homologatórias, o relatório é simplesmente o
acordo. Da mesma forma, se for terminativa, também se foca naquilo que dá
causa à extinção sem julgamento de mérito. É desnecessário, em ambos os
casos, tratar de questões de mérito no relatório.
Na verdade, muitos doutrinadores assemelham a estrutura da sentença a
um silogismo lógico: premissa maior (norma), premissa menor (fatos) e
conclusão. Não deixa de ser a forma como a sentença é estruturada, mas o
raciocínio que o juiz faz no momento do julgamento não passa necessariamente
por isso. O juiz não pensa em qual é a norma aplicável e quais os fatos. Na
medida em que vai lendo, forma o seu convencimento intuitivamente. Depois
que formar o seu convencimento, formará um silogismo para estruturar a
sentença (justificativa do convencimento).

Motivação. Como o próprio nome indica, são os fundamentos da sentença.


É na motivação que o juiz decide sobre as questões de fato e de direito que vão
fundamentar sua decisão. São os pontos controvertidos de fato e de direito cuja
resolução será necessária para a decisão final do juiz.
A decisão sobre as questões não produz efeitos para fora do processo.
Intuitivamente isso pode ser entendido. Quando há uma sentença de mérito que
produz efeitos para fora do processo, o que altera a vida das pessoas não é o
que ele decidiu sobre as questões, mas a parte dispositiva da sentença. O
porquê de o juiz ter julgado procedente ou não são questões do processo. São
importantes, porque a partir da motivação ele chega à decisão, mas os
fundamentos só servem para estruturas a sentença (efeitos intraprocessuais).
Ex.: sentença de mérito que reconhece a paternidade: altera a vida de
alguém fora do processo? Produz efeitos para fora do processo, mudando a vida
das pessoas.
Costuma-se dizer que a decisão das questões na sentença é incidenter
tantum. Isso significa dizer que é interna ao processo. Traz a ideia de incidente,
de algo que não seja principal na sentença. O auge da sentença é o dispositivo.
A fundamentação é importante porque, no modelo da persuasão racional,
há a necessidade de motivação das decisões judiciais. Na fundamentação o juiz
motivará a sua decisão final, ou seja, é nesse momento que estará resguardada
às partes a garantia do contraditório, de recorrer do que o juiz decidiu. A partir
do motivo se pode argumentar.
Jurisprudencialmente, os tribunais não são completamente exigentes com
a necessidade de motivação. É bem firmada a diferença entre sentença não
motivada e sentença mal motivada. Para os tribunais, apenas as sentenças não
motivadas gerariam a nulidade. A diferença é subjetiva: se o juiz rebateu as
principais questões levantadas, não se manifestando sobre questões acessórias,
trata-se de sentença mal motivada (não seria uma sentença nula). O juiz não
precisa rebater todos os argumentos que a parte trouxe, mas apenas os
argumentos principais. Se não rebatê-los, a sentença será nula.
Na prática, 60% das demandas judiciais do Brasil estão no Estado de São
Paulo, com sobrecarga do Judiciário. A interpretação da decisão mal motivada ou
não motivada passa por esse cenário. Anular a sentença para o juiz motivar
melhor significa fazê-lo demorar mais 7 ou 8 anos para ser julgado. O Tribunal,
então, é restritivo: apenas nos casos mais absurdos se anula a sentença. Utiliza-
se o recurso à má motivação para não devolver o processo para que o juiz
decida de novo.
O juiz não está vinculado aos argumentos de direito (direito aplicável: o
juiz sabe o direito), podendo qualificar de modo diferente a situação, mas está
vinculado aos argumentos de fato trazidos ao processo – não pode decidir com
base em fatos que não estejam no processo.
Nas sentenças, que podem ser de mérito (realmente de mérito ou
homologatórias) ou terminativas, a motivação seguirá a mesma regra do
relatório: se for terminativa, o juiz extingue sem apreciação do mérito por falta
de requisito. Ele não precisará analisar as questões de mérito, pois sua decisão é
processual (preliminar ou mesmo de ofício). Se ele for prolatar uma sentença
terminativa, deve fundamentar somente o necessário para reconhecer a falta de
pressuposto processual, não indo além e analisando questões de mérito.
Nas homologatórias, o juiz simplesmente homologa ou não um ato de
disponibilidade do direito das partes. O juiz não analisa questões de fato e de
direito da causa, mas a existência dos pressupostos para a homologação do
acordo, que são os pressupostos de qualquer ato jurídico. Se é isso que analisa,
a fundamentação também não pode ingressar no mérito. A fundamentação se
restringe à apresentação dos requisitos para a homologação.
A sentença que vai efetivamente afastar, discutir, decidir sobre questões
de fato e de direito do mérito da causa é a sentença efetivamente de mérito. Ele
terá que afastar as questões preliminares (questões processuais apresentadas
pelas partes) para posteriormente resolver as questões de mérito do processo,
fazendo o raciocínio para se chegar à conclusão, que estará no dispositivo.

Dispositivo. É a conclusão, o momento em que o juiz realmente profere


um ato de imperatividade. O Estado diz quem tem razão nesse momento,
impondo sua decisão (ato imperativo do juiz). No silogismo, é a conclusão sobre
a procedência ou improcedência da demanda. É a parte mais simples da
sentença, mas é a mais importante também, pois é a parte decisória, produzindo
efeitos para fora do processo (se a fundamentação é endoprocessual, o
dispositivo se projeta).
Nas sentenças terminativas, o dispositivo afirma que o juiz não julgará a
pretensão do autor porque há um vício, com extinção sem julgamento do
processo.
Na sentença homologatória afirma-se se há ou não homologação.
Na sentença de mérito, finalmente, o juiz afirmará quem tem razão na
causa.
O art. 458 traz os elementos essenciais da sentença:

Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:


I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da
resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no
andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes Ihe
submeterem.

A doutrina afirma que o inc. III é tecnicamente incorreto. Na verdade, o


juiz resolve as questões que as partes lhe submeteram no fundamento. O que o
juiz resolve no dispositivo é o pedido. Inclusive, é uma sobreposição sobre o inc.
II.
Difere o julgamento de mérito do julgamento de questões de mérito.
Ex.: ação de cobrança de 100 mil reais: o réu alega que já pagou, que o
contrato é nulo, que a petição é inepta e que houve prescrição. São os pontos
controvertidos do processo. Ao final do processo, o juiz pode:
(i) afirmar que a petição não é inepta, e o fará como preliminar; se afirmar
que é inepta, dará uma sentença terminativa, mas também afirma na
fundamentação. A decisão do juiz é “julgo o processo e extingo sem julgamento
de mérito”;
(ii) afirmar que não está prescrito também na fundamentação. Se afirmar
que está prescrito (fundamentação), chega a uma decisão que “julga
improcedente a ação”
(iii) afirmar que é nulo. “Julga improcedente a ação”
São questões de mérito. O juiz decide todas as questões de mérito para se
chegar ao mérito: com base na análise das questões de mérito, ele chega a uma
decisão de mérito. A decisão de mérito diz respeito ao acolhimento ou não
acolhimento da pretensão do autor. Todo o resto é questão de mérito. Porque ele
julga a questão de mérito de uma certa forma, o mérito será de uma ou de outra
forma (improcedente ou procedente). As decisões sobre questões de mérito não
fazem coisa julgada, enquanto a decisão de mérito faz.
Os requisitos da petição inicial são: (i) qualificação das partes; (ii) fatos;
(iii) fundamentos jurídicos; (iv) requerimentos e pedido do autor.
A sentença, por sua vez, guarda obrigatoriamente um paralelo com a
petição inicial. Pelo princípio da inércia, o juiz só pode decidir uma vez
provocado, não podendo iniciar o processo de ofício. O juiz, então, não pode dar,
na sentença, mais do que o autor pediu – seria uma forma indireta de iniciar um
processo sem o pedido da parte.
Na verdade, o paralelismo é reflexo do princípio da inércia. É o princípio da
correlação (ou da congruência), pelo qual o juiz não pode dar mais do que o
autor pediu, dar algo diferente do que o autor pediu e dar menos do que foi
pedido, no sentido de deixar de apreciar uma pretensão do autor (responde 2 e
esquecer 1). Ele pode até rechaçar, mas deve analisar a pretensão. A sentença
do juiz tem que ser uma sentença que cubra o que foi pedido pelo autor, seja
para acolher, seja para rechaçar.
A sentença será extra petita se der mais do que o autor pediu; ultra petita
se der diferente do que o autor pediu; citra petita se não analisar o que o autor
pediu. As três são sentenças nulas, pois o juiz deve estar adstrito ao que foi
pedido (por isso também é chamado de princípio da adstrição).
Os Tribunais têm reconhecido o vício da extra petita, adequando com a
retirada da parte a mais; a ultra petita é anulada, retornando a sentença para o
juiz; a citra petita, atualmente (analogia com o art. 515, §3º), o juiz reconhece o
vício e, em vez de mandar o processo de volta, prolata a decisão. O que importa
é saber que são nulas e devem ser saneadas.
O princípio também tem relação com os fatos e com o direito. O autor
pode trazer novos fatos para a demanda apenas se for fato superveniente que
não altere a causa de pedir, ou seja, for sobre fatos secundários. Isso decorre da
estabilização da demanda, evitando-se que o processo não tenha fim.
Existe o art. 462 do CPC:

Art. 462. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo,


modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao
juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no
momento de proferir a sentença.

Fatos supervenientes devem ser analisados pelo juiz no momento da


sentença. Como compatibilizá-lo com a estabilização da demanda (não se
trazem fatos novos que mudem a causa de pedir após a estabilização da
demanda)? Se a qualquer momento ele pode analisar fato superveniente,
poderia, em tese, analisar fato superveniente que altera a causa de pedir.
Doutrinariamente é questão complexa. A solução mais simples é a
seguinte: diferenciam-se fatos supervenientes do autor e fatos supervenientes
do réu. Em relação ao autor, se o juiz não considerar o fato superveniente que
altere a parte de pedir, o autor pode ingressar com nova ação, pois há nova
causa de pedir.
Pela perspectiva do réu, ele deve alegar todos os fatos de defesa na
contestação, sob pena de preclusão. Se ocorre fato superveniente e o juiz não
reconhecê-lo, o réu poderá alegar em outro processo? Não pode, porque o
princípio da eventualidade é muito mais rígido para o réu do que para o autor.
Tudo aquilo que poderia ser deduzido no processo e não foi, uma vez transitado
em julgado não poderá sê-lo em relação àquela causa de pedir.
A alegação fica preclusa, de modo que o juiz deve analisar o fato
superveniente, sob pena de prejudicar o réu, que não poderá alegar em outro
momento esse fato. A eventualidade é mais rígida para o réu do que para o
autor, pois o réu está submetido à pretensão. Pela regra, há preclusão.
O fato superveniente, então, em relação ao réu é interpretado de forma
ampliativa. Todo fato apresentado pelo réu, que tenha ocorrido após a resposta
ou, ocorrido antes da resposta, só foi conhecido posteriormente a ela, poderá ser
reconhecido pelo juiz.
Com relação ao autor, o entendimento é restritivo: o autor pode trazer
fatos supervenientes desde que não alterem a causa de pedir. Se não alterar, é
trazido da mesma forma que é trazido o fato superveniente do réu.
Ex.: descobre-se, numa ação, que o autor estava com o nome no SPC,
ensejando danos morais. Deve ajuizar nova ação.
Obs.: citado o réu, antes do saneador, poderá haver fato superveniente
que altera a causa de pedir apenas com a concordância do réu (o que é muito
difícil na prática).

Há um posicionamento doutrinário (prof. Bedaque, Efetividade do


Processo e Técnica Processual) que começa a ter um amparo jurisprudencial por
conta da instrumentalidade do processo, pelo qual o ato precisa garantir a
finalidade do processo, de forma que o vício que não prejudica deve ser
ignorado. O juiz deve ter duas visões no processo, dois métodos de análise dos
vícios no processo: uma visão prospectiva e uma visão retrospectiva. Isso vale
para qualquer vício.

Obs.: essa visão não é própria da audiência preliminar, mas do tratamento


dos vícios em geral.

A questão prospectiva, para um juiz diligente, diz respeito à tentativa de


saneamento de todos os possíveis vícios que o juiz vislumbre logo no início, para
que o processo não se desenvolva com vícios. Ele deve sanear no início do
processo.
Por algum motivo, porém, se o juiz não verificou o vício, ele deverá ter
uma visão retrospectiva do processo, tentando abstrair as formalidades e
aproveitar ao máximo os atos processuais. Se verificar um vício e, apesar dele,
não houver prejuízo para as partes, ele deve aproveitar ao máximo dos atos. É
uma visão retrospectiva utilitária, de aproveitamento dos atos. Não existiria vício
que não pode ser saneado. A forma visa a obtenção de um objetivo: se ele foi
obtido mesmo pela não observância da forma, sem prejuízo, é possível
aproveitá-lo.
Se o fato superveniente altera a causa de pedir, então, majoritariamente o
juiz não pode analisar. Mas para o professor Bedaque, se o autor introduz fato
novo na réplica, o juiz cita o réu para que concorde. Se não concordar, o juiz
afasta com base numa visão prospectiva de evitar nulidades futuras. O autor não
pode mexer na causa de pedir, e o juiz, vendo alteração na causa de pedir no
começo do processo, deve afastá-la.
Se o juiz não viu e o réu não se manifestou, ou se foi depois do
saneamento, mas o fato foi controvertido pelo réu, comprovado em instrução,
com alegação final, o que fazer? Por que o ordenamento jurídico traz a regra de
não se introduzir fatos novos? Dois motivos: (i) o processo deve ter um final; (ii)
deve-se garantir o contraditório e a ampla defesa, de modo que se defina o
objeto do processo para que o réu controverta.
Se o juiz verifica ao final do processo que houve a introdução indevida, ele
pode afirmar que se chegou ao final do processo (objetivo 1) e que o fato novo
foi debatido e foi objeto de prova, de forma que o juiz, numa visão retrospectiva,
poderia aceitar o fato superveniente.
Portanto, se o juiz perceber, ele deve afastar. Mas se não percebeu, só
descobrindo na sentença, ele deve aproveitar, caso tenha havido uma ampla
discussão (garantia do contraditório).
Coisa Julgada

Coisa julgada é imutabilidade. Por que essa imutabilidade é necessária?


O principal valor envolvido é a ideia de segurança jurídica, porque se não
houvesse um momento a partir do qual os efeitos se tornassem imutáveis, o
processo continuaria para sempre. É preciso ter um momento em que o processo
acabe e o que foi decidido não possa mais ser rediscutido, sob pena de uma
grande e grave insegurança jurídica. O principal valor que fundamenta a coisa
julgada, então, é a segurança jurídica.
O grande problema é saber até que ponto a segurança jurídica deve ser
levada. O respeito à coisa julgada é garantido constitucionalmente. Mas o que é
a coisa julgada? Não é definição constitucional, mas infraconstitucional. O grau
de imutabilidade do sistema é dado pela ordem infraconstitucional.
Qual o valor contraposto à coisa julgada? A justiça. A coisa julgada garante
o valor da segurança jurídica, mas muitas vezes se choca contra a justiça, no
sentido de igualdade, no justo mais arcaico que se possa pensar.
Ex.: ação de paternidade na década de 80, julgada improcedente por falta
de prova; 20 anos depois há o exame de DNA que comprova que é o pai.
Se a via ficasse aberta para se rediscutir sempre, a justiça poderia ser
melhor garantida pelo sistema. Seria um sistema de “justiça a qualquer preço”,
abrindo para rediscussão sempre que novos argumentos surgissem. Por outro
lado, haveria grande insegurança jurídica, porque haveria sempre a possibilidade
de se reabrir o processo. Privilegiando-se a segurança jurídica, por outro lado,
compromete-se a justiça do caso concreto.
Os dois tipos de coisa julgada são: (i) coisa julgada formal; (ii) coisa
julgada material.
A coisa julgada formal é a preclusão máxima interna do processo
(endoprocessual). Trata-se do exaurimento das vias de impugnação. Ocorre
quando não é cabível mais nenhum recurso no processo, seja porque se chegou
ao último grau de jurisdição, seja porque houve preclusão (não conseguiu
recurso no prazo). O que foi decidido no processo não pode ser mais mudado,
seja na sentença terminativa, seja na sentença de mérito. Todo processo deve
terminar, e toda sentença faz coisa julgada formal.
Preclusão é a perda da faculdade de uma das partes de praticar
determinado ato processual. Não se pratica mais o ato, seja pela perda do prazo
(preclusão temporal), seja por uma questão lógica de contrariedade entre atos
(preclusão lógica), seja por ter praticado o próprio ato (preclusão consumativa).
Qualquer preclusão leva à perda da faculdade de praticar o ato. O sistema
brasileiro é grandemente preclusivo, pois é a preclusão que determina a marcha
processual. A preclusão máxima será a coisa julgada formal, pois depois dela
nenhum ato processual poderá ser praticado.
Por outro lado, apenas os processo com sentença de mérito fazem coisa
julgada material. Trata-se de imutabilidade dos efeitos da sentença. O que
significa isso? Embora haja entendimento contrário, a coisa julgada material não
é imutabilidade da sentença, não é dizer que não se pode alterar mais a
sentença. É a imutabilidade dos efeitos da sentença, mas em que sentido?
Não é todo dispositivo que produzirá efeitos para fora do processo, mas
apenas o de sentença de mérito, pois só quando o juiz a prolata ele fará uma
resposta ao autor sobre a pretensão apresentada perante o Judiciário.
Ex.: ação de divórcio ajuizada pela sogra: julgada extinta sem julgamento
de mérito por falta de legitimidade. Não muda nada fora do processo, na vida do
casal. O mesmo se aplica com a falta de procuração nos autos. Do processo não
emanou nenhum efeito para fora, apenas interno, o que permite, inclusive, uma
nova ação.
Outra coisa acontece com a sentença de mérito. No exemplo da ação de
divórcio, a sentença desconstitui o vínculo de casamento, tem efeitos em relação
ao nome, em relação aos deveres do casamento, etc. O mesmo acontece com a
procedência numa ação de cobrança.
A coisa julgada não é mais um efeito da sentença, mas sim uma qualidade
da sentença de mérito (Liebmann). Que qualidade seria? É a qualidade que torna
imutáveis os efeitos produzidos pela sentença. Não é a sentença que se torna
imutável (coisa julgada formal), mas seus efeitos produzidos para fora processo.
A coisa julgada material não existe por si, existindo apenas quando se
verificam os efeitos da sentença. Se não há efeitos para fora do processo (ex.:
sentença terminativa), não há o que tornar imutável. Se apenas a sentença de
mérito resolve à crise direito material e responde à pretensão do autor, somente
ela gera efeitos para fora do processo e somente ela terá coisa julgada material.
É distinção importante, pois, por exemplo, em relação a terceiros haverá a
produção de efeitos, mas não coisa julgada material.
Existem algumas sentenças indicadas pela doutrina que, embora de
mérito, não fazem coisa julgada. A primeira delas é a sentença num processo
cautelar. O processo cautelar é uma das espécies de tutela de urgência. São as
decisões judiciais necessárias em caso de urgência. Importante é saber que a
decisão no processo cautelar é prolatada via uma cognição sumária.

Obs.: o conhecimento do juiz da causa (questões de fato e de direito


envolvidas) pode ser dividido em cognição horizontal e vertical. A horizontal
pode ser parcial e total; a vertical pode ser sumária ou exauriente. No processo
civil há técnicas processuais que jogam com cada tipo de cognição.
Será horizontal no sentido de quais matérias o juiz pode analisar (juiz de
1º grau tem apreciação total, apreciando tudo aquilo que foi pedido pelo autor e
alegado pelo réu; a apelação, por outro lado, só vai conhecer o que foi devolvido
– apreciação parcial). É o que o juiz pode conhecer do todo do processo.
Em relação à perspectiva vertical, a profundidade do conhecimento do
juiz, a sumária será a superficial. O juiz não desce a fundo na relação jurídica
material para prolatar a sua decisão. Regra geral, é o caso das decisões de
urgência, pois não há tempo. O juiz pega o que já está no processo, sem produzir
provas, prolatando a sua decisão com base naquilo. Por outro lado, a sentença
ao final do processo é dada por cognição exauriente (houve instrução e toda a
marcha processual para analisar todas as questões de fato e de direito
discutidas no processo).

A grande característica da cognição sumária é a não-imutabilidade da


sentença prolatada, pois se a visão do processo é superficial, por lógica e pela
ameaça ao valor da justiça, não deveria ter seus efeitos tornados imutáveis.
Ademais, a sentença cautelar pode ser alterada a qualquer momento. Portanto,
regra geral, não faz coisa julgada, haja vista o equilíbrio entre justiça e
segurança jurídica.
O processo cautelar é autônomo e culmina numa sentença. Entretanto,
seja liminarmente, seja ao final, a marcha processual se dá inteiramente por
cognição sumária. Por isso, a sentença no processo cautelar não produz coisa
julgada material. Ela produz efeitos para fora do processo, mas esses efeitos não
serão imutáveis, podendo ser alterados inclusive no processo principal.
Há doutrinadores que falam que sentença em processo de jurisdição
voluntária (não há uma lide envolvida) não produz coisa julgada material. Por
correr sem lide, há quem diga que não produz coisa julgada, inclusive por não
ter natureza jurisdicional (crítica: dependerá em muito do caso concreto a falta
ou não de lide). Ex.: inventário, separação consensual, interdição, etc.
Mais importantes são as relações de trato continuado. São aquelas
relações que têm um vencimento para o futuro. Existe uma relação com
prestações periódicas. Ex.: prestação de alimentos: pai deve pagar até os 18
anos; prestação de serviço de fornecimento de luz.
Alguma doutrina fala que tais relações poderiam sempre ser rediscutidas.
A sentença que versasse sobre esse processo não transitaria em julgado, porque
sempre poderiam ser rediscutidas. Uma condenação em alimentos produz uma
série de efeitos para fora do processo, mas serão imutáveis?
Ex.: pai que tinha um filho e trabalhava na empresa, arrumando mais três
filhos e perdendo o emprego, separando-se novamente. Pede a revisional de
alimentos porque paga 30% de pensão para três filhos e deseja pagar 10% para
outro filho. Isso é possível pelo ordenamento.
Para parte da doutrina, como se permite rediscussão, não há coisa
julgada. A doutrina da casa, por outro lado, afirma que, na verdade, não é que
produz coisa julgada material, pois a própria lei afirma que só se pode rediscutir
a sentença de trato continuado se houver alguma alteração da situação fática.
Se a situação fática permanecer a mesma, e o réu tiver continuado trabalhando
na mesma empresa sem nenhum outro filho, não poderá rediscutir a sentença.
A causa de pedir é outra, pois os fatos alegados não são os mesmos da
primeira demanda. Com a alteração das condições, deseja-se alterar os efeitos.
A imutabilidade, então, vale para demandas idênticas: não se pode repropor
uma demanda idêntica (mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo
pedido). Se a demanda é diferente, é sempre possível a repropositura. Não há
coisa julgada.
No caso do pai, se a situação tivesse permanecido a mesma, o pai não
poderia ajuizar nova demanda. Somente a alteração da situação de fato permite
a propositura de outra ação, com nova causa de pedir. Funciona como a cláusula
rebus sic stantibus dos contratos: a coisa julgada material tem embutida em si a
cláusula rebus sic stantibus. Fatos que alterem a causa de pedir permitem a
rediscussão.
Por isso, para a doutrina mais moderna, as relações de trato contínuo
fazem coisa julgada e impedem a rediscussão. A relação, porém, continua, e no
futuro pode ocorrer alguma circunstância que altere a situação de fato. São
dados que se alteraram no futuro, não dados que não foram alegados, e só os
primeiros permitem a rediscussão. Se a relação jurídica pode mudar, ela pode
ser requestionada.
Os efeitos imutáveis não podem ser alterados nem pelo legislador nem
pelo Judiciário. Isso significa que, se houve uma condenação a pagar, uma lei
nova que altere o prazo prescricional da dívida, com a possibilidade de que o
resultado do processo fosse outro, não retroagirá para atingir aquilo que foi
decidido pelo juiz. Já está transitado em julgado. A parte não pode repropor a
demanda porque o Judiciário já decidiu. A exceção é a inconstitucionalidade.
Nada altera a coisa julgada a priori, principalmente no sistema brasileiro,
extremamente preclusivo.

Limites da Coisa Julgada

São dois limites da coisa julgada: os limites objetivos e os subjetivos da


coisa julgada.

Limites Objetivos. A pergunta é: que parte da sentença faz coisa julgada?


O que não pode ser rediscutido em demanda posterior é o dispositivo. A
fundamentação da sentença não faz coisa julgada, pois não projeta efeitos para
fora do processo. Não há coisa julgada se não houver efeitos, e como a
fundamentação não os produz, não os projeta para fora, não fazem coisa
julgada.
Se o autor deseja cobrar o réu, que impugna alegando que o contrato era
nulo por incapacidade, e o juiz entender que o réu tem razão, a parte dispositiva
trará que “a ação é improcedente”. A condenação não se dará porque o contrato
é nulo, mas isso está na fundamentação. O que produz efeitos é apenas a
declaração de que o autor não pode cobrar o réu. A alegação de nulidade do
contrato não gera efeitos para fora: se houver uma outra prestação não
cumprida, com o ajuizamento de uma nova ação, novamente será necessário
alegar a nulidade do contrato. A coisa julgada não impede a nova ação, pois no
primeiro processo ela se referia apenas à improcedência da pretensão do autor.
Para que argumentação conste no dispositivo, é necessária a ação declaratória
incidental, e nesse caso haverá coisa julgada em relação à nulidade do contrato.
Portanto, faz grande diferença constar ou não no dispositivo da decisão.
Só o que está no dispositivo faz coisa julgada, pois é a única parte que produz
efeitos para fora do processo.

Limites Subjetivos. Quem se submete à coisa julgada? As partes principais,


i. e., autores, réus, denunciado, denunciante, chamado, enfim, intervenções de
terceiro que não a assistência. Isso porque elas sofrerão os efeitos e não
poderão questionar no futuro. O contraditório, então, é o principal motivo para
que os efeitos da coisa julgada se limitem às partes. Não seria justo para uma
pessoa que não participou da formação da sentença sofrer os efeitos e não
poder rediscuti-los.
É o art. 472 do CPC:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não
beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de
pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos
os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.
O artigo contém um equívoco: quando a pessoa é citada no processo, para
litisconsórcio necessário, ele deixa de ser terceiro. Para produzir os efeitos da
coisa julgada a pessoa deve ter sido citada, tornando-se parte.
Faz-se necessária uma diferenciação. Pelo conceito de Liebmann, terceiro
é todo aquele que não participa da relação jurídica. Todo aquele que não
participa do processo é terceiro. Ele poderá sofrer os efeitos da sentença? Sim.
Ex.: sublocatário: locador ajuíza ação de despejo contra o locatário. Se a
ação for julgada procedente, o sublocatário sofrerá os efeitos da sentença.
Os efeitos são imutáveis em relação ao terceiro? Ou seja, a coisa julgada
material se aplica ao terceiro sublocatário? Aqui é importante a diferenciação
entre efeitos da sentença e coisa julgada material, i. e., a impossibilidade de se
discutir a sentença, de se opor aos efeitos. O terceiro sofre os efeitos, mas ele
pode se opor porque não foi parte no processo. Os efeitos podem afetar as
relações jurídicas indiretamente, porque elas são complexas.
Ex.: execução de devedor, tornando-o inadimplente perante outros
credores.
Os terceiros podem discutir a sentença, pois não são abrangidos pela
coisa julgada. Pode haver efeitos da sentença sem coisa julgada.
Pode acontecer a incoerência de julgados, por exemplo, o locatário ser
despejado e o sublocatário não ser. Entre a harmonia de julgados e o direito de
contraditório, o sistema privilegia o contraditório. Abre-se mão da incoerência
em prol do contraditório. Como as questões de direito material são entranhadas,
a segunda decisão pode contrariar a primeira, não ficando adstrita à primeira.
Ex.: duas demandas contra dois devedores solidários: o primeiro devedor
não ganha a ação porque alega coação, mas não prova; o segundo devedor
ganha a ação porque prova a coação.
A regra é essa, mas existem exceções: são terceiros que, mesmo que não
tenham participado da demanda, sofrerão os efeitos da sentença e da coisa
julgada.
Ex.: - sucessão processual: o avô tinha uma dívida, sendo condenado ao
juízo ao pagamento da dívida. Ele morre. O pai sucede o avô. Ele não participou
do processo, mas não poderá rediscutir a dívida;
- substituição processual/legitimidade extraordinária: legitimidade é a
pertinência subjetiva da demanda, ou seja, uma relação de correspondência
entre os sujeitos da relação jurídica de direito material e as partes no processo
(ex.: comprador e vendedor como autor e réu). É a legitimidade de agir (ad
causam), chamada de legitimidade ordinária. Por outro lado, será extraordinária
quando um terceiro, que não é titular da relação de direito material, torna-se
parte no lugar do titular da relação, substituindo a parte legítima. É um terceiro
que não tem relação com a norma de direito material (ex.: Ministério Público
como autor de investigação de paternidade como substituto processual do
menor incapaz). Atua em nome próprio no interesse alheio, ou seja, o terceiro é
a parte, mas tutelando interesse de outra pessoa. Isso é possível, mas, em sendo
exceção, somente nos casos expressamente previstos em lei. É previsão do art.
6º do CPC (“Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo
quando autorizado por lei”).
Por outro lado, se a parte for uma pessoa sem capacidade processual, ela
será representada por outra que tenha capacidade processual. É um pressuposto
processual. Assim, por exemplo, a mãe que representa o filho defende em nome
dele interesse dele. É representação, não legitimidade extraordinária; é
pressuposto processual, não condição de ação.
Nos casos de legitimidade extraordinária, haverá efeitos da sentença em
relação a terceiro. Haverá algum grau de coisa julgada para esse terceiro, no
caso, o filho, que não participou do processo porque substituído pelo Ministério
Público.
Essa técnica é utilizada para a defesa dos direitos individuais e difusos,
por exemplo, direito ambiental. A coisa julgada no processo coletivo, porém, é
muito diferente do que foi visto até agora: a coisa julgada só afetará terceiros se
for para beneficiá-los.

Eficácia Preclusiva da Coisa Julgada

É o art. 474 do CPC:

Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas


e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao
acolhimento como à rejeição do pedido.

Eficácia preclusiva da coisa julgada é a preclusão de tudo aquilo que


poderia ter sido alegado tanto pelo autor, como pelo réu, com relação ao objeto
daquela demanda. Não pode haver a renovação de questões que levariam a um
julgamento em sentido contrário. Assim, se o juiz julgou a ação de cobrança
improcedente, com relação aos argumentos da demanda (causa de pedir), o
autor não pode fazer novas alegações, pois o trânsito em julgado gera a
preclusão de tudo aquilo que poderia ser discutido e não foi (novos acórdãos,
novas testemunhas, etc.).
É diferente da afirmação de que a parte possui outra causa de pedir, outro
fato que afeta a demanda. Com uma nova causa de pedir tem-se uma nova
ação, que pode ser ajuizada. O que se impede é uma nova discussão sobre a
mesma causa de pedir, seja com nova matéria de acusação ou de defesa.
Assim, por exemplo, se o tribunal mudou de entendimento, ele não pode
ser trazido para a decisão que transitou em julgado. É a impossibilidade da
mesma discussão.
Ex.: não adianta entrar com uma ação declaratória de nulidade do
contrato porque perdeu numa ação condenatória ao pagamento, ao não alegar a
nulidade. Houve eficácia preclusiva.
Deve haver uma alteração na causa de pedir. Em relação ao réu, nenhuma
matéria de defesa poderá ser alegada (nova qualificação jurídica, novos fatos,
etc.). O sistema é mais favorável ao autor nesse sentido, pois ainda permite a
abertura para uma ação com nova causa de pedir (embora se vá discutir se a
causa de pedir é nova ou se é desdobramento da antiga).
E se houve nulidade no curso do processo que não foi verificada durante o
processo ou na fase recursal? O que acontece com a sentença? Uma vez
transitada em julgada, diz-se que a coisa julgada na ação é a sanatória geral das
nulidades. Todas as nulidades, relativas ou absolutas, que ocorreram no
processo estão sanadas na medida em que a sentença transitou em julgado.
Ex.: incompetência absoluta, impedimento, etc. tudo é sanado pela coisa
julgada.
Existem alguns vícios que são tão graves (como os dois citados como
exemplo) que permitem a propositura de uma demanda num prazo de 2 anos
para desconstituir a coisa julgada. É a ação rescisória. Se no prazo de 2 anos não
for ajuizada, todo e qualquer vício está sanado pela coisa julgada.
Recentemente se sustenta a relatividade da coisa julgada. É um
entendimento doutrinário que se originou de dois problemas:
- o exame de DNA: técnica recente que traz uma certeza sobre a
paternidade. O DNA contrastou com várias demandas que já haviam transitado,
seja para confirmar a paternidade de quem não foi declarado pai, sem obrigação
de alimentos e herança; seja para negar a paternidade de quem foi declarado
pai que não só deve pagar alimentos como tem o suposto filho como herdeiro.
Questiona-se se a coisa julgada deve prevalecer sobre essa questão de
justiça. Trata-se de uma prova nova, o que, pela regra da coisa julgada, já
precludiu. O que fazer?
- desapropriações de áreas na Mata Atlântica, sendo que houve conluio
entre os peritos e os proprietários. Foi na época da inflação, e as áreas foram
muito super-avaliadas. Os juízes não perceberam por conta da desvalorização
causada nos valores. Anos depois, quando se atualizou a dívida em precatórios,
percebeu-se o tamanho do erro e a atuação da quadrilha, que inclusive foi presa.
O valor ia complicar as finanças do Estado. O governo FHC tentou, por exemplo,
alterar as normas processuais, tentando aumentar o prazo de rescisória para
Fazenda Pública (julgado inconstitucional por falta de urgência). O que o Estado
de São Paulo, vítima da fraude, pode fazer?
Sensibilizados com esses casos, alguns autores sustentavam a
relativização da coisa julgada. O raciocínio empregado por, dentre outros, MIN.
DELGADO e DINAMARCO, é o seguinte: o valor da coisa julgada não é absoluto. Há uma
ponderação. O magistrado deve, tendo em vista os valores tutelados no caso
concreto, ponderar, a fim de verificar se deve prevalecer o valor segurança
jurídica ou o valor de justiça. A regra é que prepondere a segurança jurídica, mas
nesses casos a coisa julgada deve perder espaço em nome do valor justiça, pois,
caso contrário, haveria uma grande injustiça. A injustiça teria um limite.
Isso traz uma grande discussão. Independentemente da técnica (coisa
julgada não seria princípio para os constitucionalistas), vários processualistas
questionam esse entendimento (BARBOSA MOREIRA, EDUARDO TALAMINHA), pois confere
um poder grande ao Judiciário, gerando insegurança jurídica para todo o
sistema. Permite-se, ainda que excepcionalmente, a rediscussão, o que quebra a
força do sistema. Além disso, a excepcionalidade da coisa julgada é muito
subjetiva. O prof. Dinamarco, por exemplo, afirma que são casos muito
extremos.
O prof. Humberto Theodoro Jr., em artigo sobre a matéria, afirma que a
coisa julgada é valor constitucional, mas só existe se o que for decidido na
sentença for constitucional. Se o que foi decidido for inconstitucional, a coisa
julgada tornar-se-ia inconstitucional, o que é um erro por si, já que a decisão é
inconstitucional, não a coisa julgada. Além disso, há um grande risco: tudo pode
ser trazido para a Constituição, possibilitando a rediscussão de tudo. Amplia-se
demais a possibilidade de rediscussão da coisa julgada.
Existem decisões que relativizam a coisa julgada. Em geral são os casos
de DNA e foram todos os casos de desapropriação com fraude. A professora acha
mais grave uma insegurança jurídica do que a grave injustiça gerada pelo DNA.
No caso do DNA, por exemplo, continua existindo uma abertura para injustiças
(presunção de paternidade pela recusa ao exame do DNA).

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