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O FIADOR
A trajetória e as polêmicas do economista Paulo Guedes, o
ultraliberal que se casou por conveniência com Jair
Bolsonaro
MALU GASPAR
Como costuma acontecer com Guedes, o papo foi longo. Durou cinco
horas. Ao final, segundo ele, Bolsonaro fez um pedido: “Se o Luciano
desistir, eu gostaria que continuássemos essa conversa. Você poderia
me ajudar?” O economista respondeu: “Claro, sempre.”
Dias depois que tivemos esse diálogo, procurei Bacha para comentar o
assunto. Ele riu. “Tenho visto ele falar essas coisas por aí, mas acho
surpreendente, porque ele nunca nem sequer tentou o tempo integral.
Até porque, para isso, precisaria publicar artigos, escrever textos para
discussão, e ele não demonstrou disposição. Simplesmente não
participa dos debates. Tenho convidado ele para vir aos eventos na
Casa das Garças [centro de estudos de extração liberal administrado
por Bacha], mas ele nunca vem. Talvez porque queira ser
palestrante.”
O economista ainda vivia das aulas aqui e ali quando, segundo conta,
recebeu no início dos anos 80 uma proposta que considerou
irrecusável: lecionar na Universidade do Chile. O salário de 10 mil
dólares mensais, mais passagens pagas para o Brasil uma vez por ano,
era mais do que ganhava aqui, somando todos os seus empregos. A
ditadura de Augusto Pinochet estava a todo vapor, e a universidade
vivia sob intervenção militar. Economistas de Chicago haviam sido
convidados pelo regime a implementar uma política econômica
liberal, baseada nos fundamentos da economia de mercado defendidos
por Milton Friedman. Chamados de Chicago boys, eles se instalaram
na universidade e se revezaram em cargos no governo. O convite a
Guedes partiu de um deles, Jorge Selume, então diretor da Faculdade
de Economia e Negócios e diretor de Orçamento de Pinochet.
Quando o questionei pela primeira vez a respeito disso, Guedes
rechaçou a associação com a ditadura chilena. “O Bacha dava aulas
aqui na PUC durante a ditadura e ninguém fala nada.” Comentei que
havia uma diferença importante: a Universidade do Chile era dirigida
por um general, e a PUC, não. Ele ficou sem jeito. Mas afirmou: “Eu
sabia zero do regime político. Eu sabia que tinha uma ditadura, mas
para mim isso era irrelevante do ponto de vista intelectual.”
Comentei que sua ida para um eventual governo Bolsonaro seria uma
forma de ele, Guedes, tirar a prova dos nove com a turma da PUC. A
sugestão lhe soou ofensiva e, exaltado, ele quase encerrou a entrevista.
“Não tenho nada que provar, eles é que vieram para onde eu estava!
Eu não estou indo à forra, eles é que estão levantando esse troço!
Esses caras estão acostumados a mandar no Brasil sem contestação.
Fizeram uma reserva de mercado e fecharam a academia para mim.
Agora querem vir me atacar?! Ora, tenham integridade intelectual,
digam onde erraram, onde revisaram suas posições e não encham meu
saco!” Guedes gesticulava, ansioso: “Esse negócio de prova dos nove
não existe! Se eu souber que todos pensam assim, sabe o que eu faço?
Eu ligo o foda-se!”
Arida não foi o único com quem Guedes se indispôs desde que
começou a assessorar Bolsonaro. Em meados de junho, chateou vários
de uma vez só, ao dizer ao jornalista José Fucs, do Estadão, que
procuraria economistas “reconhecidos por respeitar os bons
fundamentos de mercado” para discutir o programa de governo. E
mencionou alguns nomes, entre eles os de Armínio Fraga e Gustavo
Franco, ex-presidentes do BC na era tucana, Fabio Giambiagi, do
BNDES, Samuel Pessôa, do Ibre-FGV, Marcos Lisboa, presidente do
Insper, e Maria Silvia Bastos Marques, presidente do Goldman Sachs
no Brasil e ex-presidente do BNDES. Vários dos citados não gostaram
de ter seus nomes ligados ao ex-capitão. A maioria preferiu não fazer
comentários públicos, mas um deles decidiu falar. Marcos Lisboa
procurou o jornalista e disse que não conversaria com Paulo Guedes.
“Eu converso com todo mundo, desde que a pessoa não ache que a
Venezuela é uma democracia ou defenda fechar museu porque lá
dentro tem peladão”, afirmou Lisboa a Fucs, em tom de troça. Depois
disso, o jornalista informou a Guedes que tiraria o nome de Lisboa da
nota. Guedes se irritou. Daquele momento em diante, passou a mandar
mensagens indignadas para o presidente do Insper por intermédio do
jornalista. “O Lisboa trabalhou para o Lula, que defendeu a ditadura
do Chávez e do Fidel. E trabalha para o Claudio Haddad, que
colaborou diretamente no Banco Central da ditadura”, dizia uma das
mensagens.
Haddad, fundador do Insper e presidente do Conselho Deliberativo
dessa instituição de ensino superior, é outro personagem de quem o
conselheiro de Bolsonaro não guarda boas lembranças. Haddad
também é doutor pela Universidade de Chicago e foi diretor de
política monetária do Banco Central no governo Figueiredo e diretor-
superintendente do Banco Garantia, que no final dos anos 90 foi
vendido para o Credit Suisse, depois de pesadas perdas. Em 1999,
Guedes o procurou para propor que, juntos, comprassem o Ibmec, que
vinha enfrentando dificuldades financeiras. Pagaram 2,9 milhões de
reais pela escola, mas a sociedade só durou quatro anos. Em 2003, os
dois se desentenderam. Guedes queria investir no modelo de faculdade
com cursos de MBA executivo, e Haddad queria uma escola nos
moldes das universidades americanas, com investimento em pesquisa
e doações de instituições e pessoas físicas. Diante do impasse,
recorreram a um dispositivo do acordo societário, segundo o qual, em
caso de divergências, um deveria comprar a parte do outro. Guedes até
tentou comprar a parte de Haddad, com a ajuda de um fundo
estrangeiro. Mas acabou vendendo sua fatia por cerca de 30 milhões
de reais e saiu do Ibmec – que, sob a direção de Haddad, dividiu-se
em dois. As escolas do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte
continuaram com o nome Ibmec, mantiveram os cursos de pós-
graduação e MBA e, em 2015, foram vendidas por 700 milhões de
reais para o grupo americano DeVry. A unidade de São Paulo virou o
Insper, e se transformou em uma instituição sem fins lucrativos.
Dias depois dessa conversa, telefonei para Lisboa. Ele confirmou ter
recusado o convite para conversar sobre o plano de governo de
Bolsonaro, mas preferiu defender o Insper a comentar as mensagens
recebidas no WhatsApp. “O Paulo está falando sem conhecer o que se
passa na escola, o que não me surpreende”, disse. “Nós nos recusamos
a ser entidade filantrópica, que tem várias isenções de impostos.
Nossos funcionários têm carteira assinada, pagamos direitos
trabalhistas. Só não pagamos imposto de renda porque não temos
lucro. Reinvestimos tudo o que ganhamos em ensino, pesquisa e
bolsas de estudos.” Segundo Lisboa, a escola dá bolsas a cerca de 250
alunos de baixa renda, incluindo moradia e ajuda para despesas.
Claudio Haddad não quis dar declarações. “Prefiro não comentar o
que o Paulo diz”, afirmou.
MALU GASPAR
Malu Gaspar, repórter da piauí, é autora do livro Tudo ou Nada: Eike Batista e a
Verdadeira História do Grupo X, da Editora Record