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Hemoterapia

Autores
José Orlando Bordin1
Publicação: Jul-2006

1 - Quem pode doar sangue?

De acordo com as normas técnicas de hemoterapia do Ministério da Saúde do Brasil, podem


doar sangue indivíduos:
• com idade entre 18 e 65 anos,
• com mais de 50 quilos,
• que estejam descansados,
• que não estejam em jejum e que tenham feito uma refeição leve,
• que não tenham ingerido bebida alcoólica nas últimas 6 horas,
• que não estejam grávida ou tenham tido parto ou aborto há menos de 3 meses,
• que não estejam amamentando,
• sem febre, gripe ou resfriado,
• que não tenham recebido transfusão nos últimos 12 meses,
• que não tenham realizado tatuagem ou “piercing” há menos de 1 ano,
• que não tenham comportamento de risco para AIDS e nem sejam usuários de drogas,
• que não tenham antecedentes de hepatite, sífilis ou doença de Chagas.

2 - Com que freqüência um indivíduo pode doar sangue?

Os homens podem doar sangue a cada dois meses, enquanto as mulheres podem doar a cada
três meses. O ideal é que os serviços de hemoterapia consigam doadores que retornem
freqüentemente para doar, porque esses doadores já conhecem o processo, tornando mais
fácil a coleta do sangue. Além disso, é possível selecionar doadores que tenham história
negativa para doenças que possam ser transmitidas por transfusão.

3 - Quais são os parâmetros adequados do doador para que seja realizada a doação de
sangue?

A concentração de hemoglobina não deve ser inferior a 12,5 g/dL e o hematócrito não deve ser
menor que 38% para as mulheres. Para os homens estes limites são de 13,0 g/dL e de 39%,
respectivamente. O pulso deve ser regular e sua freqüência não deve ser menor que 60 nem
maior que 100 batimentos por minuto. A pressão sistólica não deve ser maior que 180 mmHg e
nem inferior a 90 mmHg, enquanto a pressão diastólica não deve ser menor que 60 mmHg,
nem maior que 100 mmHg.

4 - Como são armazenados os hemocomponentes utilizados na hemoterapia clínica?

Uma unidade de sangue total coletada em solução anticoagulante CPDA-1 (citrato, fosfato,
dextrose e adenina) pode ser centrifugada para obtenção dos hemocomponentes. Os
concentrados de hemácias em CPDA-1 são armazenados em geladeiras apropriadas sob
temperatura de 1 a 6oC e podem ser utilizados por até 35 dias. Os concentrados de plaquetas
são estocados à temperatura 22oC por até cinco dias, enquanto que o plasma fresco retirado
por centrifugação do sangue total antes de oito horas após a coleta é armazenado no mínimo a
-20oC por até um ano.

1
Professor Titular da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Federal de São Paulo.

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5 - Quais são os testes realizados no sangue doado para prevenir transmissão de
doenças por transfusão?

Os regulamentos técnicos de hemoterapia do Ministério da Saúde do Brasil recomendam que é


obrigatória a realização de exames de alta sensibilidade em todas as doações de sangue.
Devem ser realizados testes para
• hepatite B,
• hepatite C,
• HIV-1 e HIV-2,
• HTLV-I e HTLV-II,
• sífilis,
• doença de Chagas.

As unidades com qualquer teste positivo devem ser descartadas e o doador convocado para
entrevista e repetição do teste alterado. Caso seja confirmado o resultado positivo do teste, o
doador deve ser encaminhado para acompanhamento por clínica especializada.

6 - Quais são os principais tipos sanguíneos?

Os antígenos eritrocitários são agrupados em sistemas de grupos sanguíneos. Os sistemas


mais importantes na prática médica são os sistemas ABO e Rh. Pelo sistema ABO as pessoas
podem ser classificados como:
• tipo A: possui antígeno A nas hemácias e anti-B no soro,
• tipo B: possui antígeno B nas hemácias e anti-A no soro,
• tipo AB: possui antígenos A e B nas hemácias, mas não possui anticorpo no soro,
• tipo O: não possui antígenos A e B nas hemácias, mas possui anti-AB no soro.
De acordo com a presença ou ausência do antígeno RhD nas hemácias os indivíduos são
denominados:
• Rh positivo (Rh+),
• Rh negativo (Rh-).
Desse modo, os principais tipos sanguíneos são A+, A-, B+, B-, AB+, AB-, O+ e O-.

7 - Como são formados os antígenos do sistema de grupo sanguíneo ABO?

Os glicoesfingolipídeos que carregam os oligossacarídeos A e B são partes integrantes da


membrana de hemácias, células epiteliais, células endoteliais e ainda apresentam-se como
forma solúvel no plasma. Os alelos A, B e O estão localizados no lócus ABO do cromossomo 9.
Os genes A e B codificam glicosiltransferases que produzem os antígenos A e B,
respectivamente. O gene O é amorfo e as hemácias de indivíduos O carregam uma grande
quantidade do antígeno H, que é o material precursor para formação dos antígenos A e B. A N-
acetil-galactosaminil-transferase codificada pelo gene A adiciona N-acetilglucosamina na
substância H, enquanto que a N-acetil-galactosaminil-transferase codificada pelo gene B
adiciona galactose.

8 - Quais são os principais antígenos do sistema de grupo sanguíneo Rh?

O sistema Rh é complexo e possui mais de 40 antígenos. Após os antígenos A e B, o antígeno


D é o antígeno eritrocitário mais importante na prática transfusional. Além do antígeno D, os
outros antígenos importantes do sistema Rh são os antígenos c, C, e E. Os genes que
determinam os antígenos Rh são os genes RHD e RHCE. Hemácias D+ de alguns indivíduos
precisam ser fenotipadas pelo teste de antiglobulina indireto (teste de Coombs indireto) para
que seja demonstrada a presença do chamado D fraco (Du). Os anticorpos dirigidos contra os
principais antígenos do sistema Rh podem causar reação transfusional hemolítica, aguda ou
tardia, e doença hemolítica perinatal.

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9 - Além dos sistemas ABO e Rh, quais são outros sistemas de grupos sanguíneos
clinicamente importantes?

Os outros sistemas de grupos sanguíneos clinicamente importantes são os sistemas Kell, Kidd,
e Duffy. Os antígenos K e k do sistema Kell, bastante imunogênicos, podem induzir a formação
de anti-K ou anti-k, que causam reação transfusional hemolítica e doença hemolítica perinatal.

Os anticorpos anti-Jka e anti-Jkb, do sistema Kidd, podem ocasionar doença hemolítica


perinatal clinicamente mais branda e reação transfusional, especialmente, a reação
transfusional hemolítica tardia.

Os antígenos Fya e Fyb do sistema Duffy são codificados por um par de alelos co-dominantes
localizados no cromossomo 1 e seus anticorpos respectivos anti-Fya e anti-Fyb causam reação
transfusional hemolítica e doença hemolítica perinatal.

10 - As transfusões de hemácias devem obedecer à compatibilidade sanguínea entre


doador e receptor?

O paciente deve ser transfundido com hemácias compatíveis, isto é, que não possuam
antígenos contra os quais ele possua anticorpos no plasma. Assim, os pacientes do grupo A
podem receber hemácias A ou O; os pacientes do grupo B podem ser transfundido com
hemácias B ou O; os pacientes do grupo AB podem receber hemácias de qualquer grupo;
enquanto que indivíduos do grupo O só podem receber hemácias do mesmo grupo. Como o
grupo O não possui antígenos, ele é considerado como doador universal, ao passo que como o
grupo AB não possui anticorpos, ele é considerado o receptor universal. Em relação ao sistema
Rh, os pacientes Rh negativos só podem receber hemácias Rh negativo, já indivíduos Rh
positivo podem ser transfundidos com hemácias Rh positivo ou Rh negativo.

11 - Quando são indicadas transfusões de concentrados de hemácias?

Estudos epidemiológicos revelam que os indivíduos que mais necessitam de transfusões de


hemácias são os portadores de doenças malignas, cardiovasculares, não malignas do trato
gastrintestinal, trauma ou anemias crônicas. Existem controvérsias sobre qual nível de
hemoglobina deve ser utilizado para indicar a necessidade de transfusão de hemácias.
Algumas sociedades médicas adotam 7 g/dl, enquanto outras sugerem 8 g/dl para que seja
prescrita a transfusão. O correto é que além do nível de hemoglobina sejam analisadas as
condições clínicas do paciente quanto à idade, tempo de instalação da anemia, função
cardiopulmonar, atividade hematopoética da medula óssea e volume intravascular.

12 - Quantas unidades de concentrados de hemácias devem ser indicadas a cada


transfusão?

O número de unidades a ser indicado depende do nível de hemoglobina pré-transfusional do


paciente e do nível de hemoglobina que se pretende atingir após a transfusão. Em geral,
considera-se que cada transfusão de concentrado de hemácias realizada em paciente adulto
de 70 quilos, que não esteja com hemorragia, eleva o nível de hemoglobina de 1 g/dL.

13 - O que é transfusão de sangue maciça?

Têm sido propostas diversas definições para conceituar a transfusão maciça:

1. a troca do volume total de sangue do paciente em um período de no máximo 24 horas;

2. a transfusão de mais de 10 unidades de sangue total, ou 20 unidades de concentrados


de hemácias em 24 horas;

3. a reposição de mais de 50% do volume total de sangue circulante em no máximo três


horas.

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14 - Quando são indicadas transfusões de concentrados de plaquetas?

A transfusão de plaquetas é indicada, predominantemente, em pacientes que possuam


insuficiência da medula óssea devido à infiltração medular por doença, uso de drogas ou
irradiação. A transfusão de plaquetas pode ser profilática, isto é, em pacientes sem
sangramentos, ou terapêutica, caso o paciente apresente quadro hemorrágico.

15 - Quando são indicadas transfusões profiláticas de concentrados de plaquetas?

Transfusão profilática é indicada quando o paciente, com insuficiência medular, apresenta


contagem plaquetária menor ou igual a 10.000/mm3. Porém, se o paciente apresenta febre,
infecção ou está em uso de antibióticos, as transfusões profiláticas podem ser indicadas
quando o número de plaquetas é igual ou inferior a 20.000/mm3.

16 - Como devem ser indicadas transfusões profiláticas de concentrados de plaquetas


antes de procedimentos invasivos?

Em geral, a transfusão profilática de plaquetas antes de procedimentos invasivos é indicada


para que o paciente atinja contagem plaquetária > 50.000/mm3. Esses procedimentos incluem
inserção de cateter, endoscopia, broncoscopia ou biópsia hepática. Antes de procedimentos
oculares ou cranianos, deve ser atingida contagem plaquetária > 100.000/mm3.

17 - Existem doenças em que as transfusões de concentrados de plaquetas devem ser


evitadas?

As transfusões de plaquetas são contra-indicadas em pacientes portadores de púrpura


trombótica trombocitopênica ou trombocitopenia induzida por heparina. As transfusões de
plaquetas também devem ser evitadas em pacientes portadores de púrpura trombocitopênica
imunológica (PTI). Entretanto, indivíduos com PTI que apresentam situações de risco de vida,
como hemorragias em sistema nervoso central ou em trato gastrointestinal, podem receber
transfusões de plaquetas, porém em doses superiores às habituais.

18 - Quais são as características do plasma humano?

O plasma possui densidade de 1.055 a 1.063 g/mL, representa cerca de 4% a 5% do peso


corpóreo (1,3 a 1,8 litros/m2, 40 a 50 mL/Kg), contém cerca de 6% a 8% do total da água
corpórea e 15% a 20% da água extracelular. O plasma é 1,4 a 1,8 vezes mais viscoso que a
água e contém mais de 0,3 moL/L de solutos, dos quais as proteínas perfazem cerca de 0,3%
do molar total. Certos fatores como idade, gênero, meio ambiente, etnia, hábitos copóreos,
postura, dieta e ritmo circadiano, afetam significativamente a composição do plasma.

19 - Quais são as principais indicações para transfusão de plasma fresco congelado?

O plasma fresco congelado pode ser indicado em pacientes com hemorragia devido à
deficiência múltipla de fatores de coagulação, coagulação intravascular disseminada,
coagulopatia dilucional após transfusão maciça, toxicidade por drogas anti-vitamina K
(anticoagulantes orais) ou púrpura trombocitopênica trombótica.

20 - A plasmaférese terapêutica é considerada como tratamento padronizado e aceitável


em que condições clínicas?

Segundo a Associação Americana de Bancos de Sangue e a Associação Americana de


Aféreses, existem evidências que a plasmaférese terapêutica pode ser utilizada como
tratamento nas seguintes doenças:

polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica,


• crioglobulinemia,
• síndrome de Goodpasture,
• síndrome de Guillian-Barré,

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• síndrome de hiperviscosidade sangüínea,
• leucemia com hiperleucocitose,
• miastenia gravis,
• púrpura pós-transfusional,
• doença de Refsum,
• púrpura trombótica trombocitopênica.

21 - Existe indicação clínica para uso de transfusão de concentrado de granulócitos?

Os concentrados de granulócitos são preparados pelo método de aférese de um único doador.


Cada unidade contém 1x1010 granulócitos diluídos em 200 a 300 mL de plasma. Para receber
transfusão de granulócitos o paciente deve apresentar infecção ou febre por 24 a 48 horas não
responsiva à antibioticoterapia, hipoplasia mielóide na medula óssea, contagem de neutrófilos
< 500/mm3 no sangue periférico e boa perspectiva de recuperação da hematopoese medular.

22 - Quais são as síndromes clínicas associadas com anticorpos de neutrófilos?

A exposição a aloantígenos de neutrófilos humanos (HNA) através de gravidez ou transfusão


de hemocomponentes pode provocar a formação de aloanticorpos específicos de neutrófilos.
Esses aloanticorpos podem causar reação transfusional febril não hemolítica, neutropenia
aloimune neonatal, neutropenia aloimune relacionada à transfusão e edema pulmonar não
cardiogênico relacionado à transfusão (TRALI).

23 - O uso de hemocomponentes leuco-reduzidos é indicado em que situações clínicas?

A leuco-redução de hemocomponentes realizada por meio de filtros de leucócitos remove


aproximadamente 99,9% dos leucócitos originalmente presentes na bolsa de sangue coletada.
Existem evidências científicas comprovadas que a leuco-redução é benéfica para prevenir o
desencadeamento da reação transfusional febril, reduzir a taxa de aloimunização HLA pós-
transfusional e diminuir o risco de transmissão de CMV por transfusão.

24 - Como são classificadas as reações transfusionais em relação ao tempo de


instalação?

As reações transfusionais podem ser:


• agudas: ocorrem até 24 horas após a transfusão,
• tardias: quando ocorrem após 24 horas da transfusão.

25 - Quais são as principais reações transfusionais agudas?

As reações transfusionais agudas mais importantes e comuns na prática clínica são:


• reação transfusional hemolítica aguda,
• reação transfusional febril não hemolítica,
• reação transfusional alérgica,
• edema pulmonar agudo não-cardiogênico associado à transfusão (TRALI).

26 - O que é reação transfusional febril não hemolítica?

A reação transfusional febril não hemolítica é definida como o aumento de pelo menos 1oC na
temperatura corpórea do paciente até 24 horas após transfusão sem que seja detectada outra
causa clínica para a febre. Essa reação pode ocorrer devido à destruição imune de leucócitos
ou plaquetas, ou por infusão de substâncias biológicas (citocinas) que podem se acumular na
bolsa durante o período de armazenamento do hemocomponente.

27 - Qual é a apresentação clínica da reação transfusional hemolítica aguda?

Clinicamente, essa reação é muito grave e potencialmente fatal. A reação ocorre devido à
destruição de hemácias transfundidas por anticorpos eritrocitários pré-formados presentes no
soro do paciente. Com isso, são ativados os sistemas do complemento e da coagulação, sendo

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liberadas substâncias que promovem hipotensão (bradicinina), coagulação intravascular (fator
tissular), alteração endotelial (TNF-alfa) e lesão renal (NO). O paciente pode entrar em estado
de choque, CIVD, insuficiência renal e necessitar de tratamento em unidade de terapia
intensiva. Em geral, a reação é desencadeada por transfusões incompatíveis para o sistema
ABO.

28 - Como ocorrem as reações transfusionais alérgicas?

O termo reação transfusional alérgica pressupõe uma interação entre um alérgeno e um


anticorpo IgE pré-formado do paciente. Em geral, a reação ocorre em pacientes que recebem
hemocomponentes com plasma. Podem ocorrer alterações cutâneas (prurido, urticária,
angioedema), respiratórias (dispnéia, chiado, cianose, rouquidão, dor subesternal),
cardiovasculares (hipotensão, taquicardia, arritmia, choque), e/ou gastrointestinais (náuseas,
vômitos, diarréia). Clinicamente a reação pode manifestar-se como urticária, quadro
anafilactóide ou reação anafilática grave em pacientes com deficiência de IgA.

29 - O que é edema pulmonar agudo não-cardiogênico associado à transfusão?

O edema pulmonar agudo não-cardiogênico associado à transfusão (TRALI) é uma reação


transfusional aguda, potencialmente letal, que ocorre dentro de seis horas após o início da
transfusão, em geral, de hemocomponente que contém plasma. A reação é causada por
acúmulo de neutrófilos no endotélio de capilares pulmonares, com secreção de citocinas e
extravasamento de líquido dos vasos para os alvéolos. A reação pode ser devido à infusão
passiva de anticorpos anti-HLA ou anti-neutrófilos presentes no hemocomponente, ou por
infusão de lípides acumulados durante o armazenamento do hemocomponente.

30 - Quais são as principais reações transfusionais tardias?

As reações transfusionais tardias ocorrem dias, semanas ou mesmo anos após a transfusão.
As mais importantes compreendem a reação transfusional hemolítica tardia, a hemossiderose,
a doença enxerto contra hospedeiro transfusional, e as doenças potencialmente transmitidas
por transfusão como hepatite B, hepatite C e a infecção pelo HIV.

31 - Como ocorre a hemossiderose transfusional?

Cada unidade de hemácias contém, aproximadamente, 200 mg de ferro. O acúmulo de ferro


nas mitocôndrias de células de pacientes transfundidos cronicamente pode ser perigoso.
Quando o paciente recebe mais de 100 transfusões, o depósito de ferro pode interferir na
função hepática, cardíaca e de glândulas endócrinas. Desse modo, os pacientes que
necessitam de suporte transfusional contínuo, tais como, pacientes com talassemia maior ou
síndrome mielodisplásica, devem receber tratamento preventivo para quelação de ferro.

32 - Qual é a fisiopatologia da doença enxerto contra hospedeiro transfusional?

A doença enxerto contra hospedeiro transfusional é uma complicação rara, que pode acometer
pacientes com deficiência imunológica, tais como, aqueles tratados com quimioterapia e/ou
radioterapia, fetos que recebem transfusão intra-uterina, ou recém-nascidos submetidos à ex-
sanguíneo transfusão para tratamento de doença hemolítica perinatal. A reação ocorre porque
linfócitos T imunocompetentes presentes no hemocomponente reagem contra tecidos
estranhos do receptor da transfusão. A síndrome clínica, potencialmente fatal, inclui febre,
lesões de pele, hepatite, diarréia, supressão medular e infecções.

33 - Os hemocomponentes irradiados devem ser indicados em que situações clínicas?

A irradiação gama inativa os linfócitos T presentes nos hemocomponentes e, desse modo,


impede a proliferação dessas células no organismo de pacientes com deficiência imunológica,
o que causaria a doença enxerto contra hospedeiro transfusional. Assim, o uso de
hemocomponentes irradiados (25 Gy) deve ser indicado para pacientes que possuem risco de
desenvolver doença enxerto contra hospedeiro transfusional, tais como, indivíduos
imunossuprimidos por quimioterapia e/ou radioterapia; portadores de imunodeficiência

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congênita e em transfusões intrauterinas. A irradiação dos hemocomponentes não afeta a
função de hemácias, granulócitos e plaquetas.

34 - Qual é o significado clínico do teste de Coombs direto positivo?

O teste da antiglobulina humana direto (teste de Coombs direto) positivo revela que está
havendo sensibilização das hemácias in vivo. Diante disso, os diagnósticos mais prováveis são:
anemia hemolítica auto-imune, reação transfusional hemolítica aguda ou tardia, ou transfusão
recente de hemácias incompatíveis. Entretanto o teste pode ser falsamente positivo caso
ocorra: agregação espontânea de hemácias, excesso de centrifugação no momento da
realização do teste, condições inapropriadas de estoque da amostra ou sepse.

35 - Qual é a etiologia da anemia hemolítica auto-imune causada por anticorpos


quentes?

O desenvolvimento de auto-anticorpos contra hemácias é o resultado de uma quebra da imuno-


regulação devido à perda da supressão celular da formação de auto-anticorpos, ou devido a
hiper-reatividade de linfócitos B. A anemia hemolítica auto-imune causada por anticorpos
quentes da classe IgG, que reagem a 37oC, pode ser idiopática ou secundária a lúpus
eritematoso sistêmico, linfoma, leucemia linfocítica crônica, tumor de ovário ou outras doenças
auto-imunes ou inflamatórias crônicas.

36 - Qual é a etiologia da anemia hemolítica auto-imune causada por anticorpos frios?

O desenvolvimento de auto-anticorpos eritrocitários é o resultado da quebra da imuno-


regulação devido à perda da supressão celular da formação de auto-anticorpos ou devido à
hiper-reatividade de linfócitos B. A anemia hemolítica auto-imune causada por anticorpos frios
da classe IgM, que reagem a 22oC, pode ser idiopática, secundária a infecções (mononucleose,
M. pneumoniae) ou a síndromes linfoproliferativas.

37 - Como deve ser tratada a anemia hemolítica auto-imune causada por anticorpos
quentes?

O tratamento inicial deve ser com prednisona (1 mg/kg/dia) por 10 a 14 dias. Na maioria dos
pacientes, o uso de corticosteróides leva a estabilização e melhora da hemólise, e a dose de
prednisona pode ser progressivamente reduzida. Cerca de 70% dos pacientes melhoram, mas
apenas 1% a 20% adquirem remissão completa. Muitos pacientes necessitam de 15 a 20
mg/dia de prednisona para controle da doença e 10% dos indivíduos não apresentam resposta
à corticoterapia. A esplenectomia deve ser considerada para pacientes que não respondem à
corticoterapia ou que necessitem de doses superiores a 20 mg de prednisona ao dia para
controle da hemólise. O uso de terapia imunossupressora deve ser considerado para pacientes
que não responderam à corticoterapia e à esplenectomia, ou que apresentem alto risco
cirúrgico. Os agentes citotóxicos mais empregados são a azatioprina (1-2 mg/Kg/dia) e a
ciclofosfamida (0,5-1 g/m2), porém essas drogas podem causar mielossupressão e aumentar o
risco de neoplasia subseqüente.

38 - Quais são os mecanismos de sensibilização de hemácias por drogas?

Certas drogas podem causar teste da antiglobulina direto positivo (teste de Coombs direto
positivo), associado ou não a doença hemolítica. Os possíveis mecanismos de sensibilização
de hemácias por drogas são:
• adsorção da droga: penicilina, cefalosporinas;
• adsorção de imunocomplexos: quinidina, fenacetina;
• modificação da membrana eritrocitária: cefalosporinas;
• indução de auto-imunidade: alfa-metildopa.

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39 - As transfusões alogênicas podem causar imunomodulação?

As transfusões alogênicas têm sido associadas com alterações imunes nos receptores que
incluem a diminuição do número de linfócitos, diminuição de linfócitos CD4+, diminuição de
células NK, alteração da função de macrófagos, diminuição da secreção de interleucina 2 (IL-
2), aumento da liberação de IL-4. O conjunto dessas alterações sugere que, após a transfusão
alogênica, ocorre um desvio do sistema imune para resposta de células Th2. Não existem
evidências confirmadas que essas alterações imunes possam acarretar conseqüências
clínicas, como aumento do risco de infecções bacterianas pós-operatórias ou recidiva precoce
de tumores em pacientes operados. Entretanto, estudos experimentais com animais
demonstram que essas modificações imunes podem ser prevenidas com a leuco-redução dos
hemocomponentes, especialmente se realizada no período pré-armazenamento das unidades
de sangue.

40 - O que é hemaférese?

O termo hemaférese refere-se ao procedimento que remove sangue total de um doador ou


paciente, separa o sangue em componentes, retém o componente desejado e retorna os
elementos restantes ao doador ou paciente. A hemaférese pode ser usada para coletar
determinado componente sanguíneo a ser transfundido, ou para remover um componente
patológico com a intenção de tratar a doença do paciente (hemaférese terapêutica).

As citaféreses que coletam componentes celulares (plaquetaférese, granulocitaférese,


linfocitaférese) necessitam de equipamento separador de células que permita o processamento
de grande volume de sangue total necessário para produzir a quantidade suficiente do
componente desejado. Após troca de uma volemia de plasma pela plasmaférese, a
percentagem de plasma original remanescente é de 36,8%, após troca de duas volemias é de
13,5%, e após três volemias é de 5%.

41 - Quais são os tipos de transfusão autóloga usados na prática transfusional?

O termo transfusão autóloga corresponde à transfusão de qualquer componente sanguíneo


que foi doado pelo receptor da transfusão. São reconhecidas quatro categorias de transfusão
autóloga: (1) pré-operatória – na qual o sangue é coletado antes de uma cirurgia eletiva e
estocado até que seja necessária a transfusão; (2) hemodiluição intra-operatória – nessa
categoria o sangue é coletado no início da cirurgia (em geral cardiopulmonar) e estocado para
infusão após o ato operatório; (3) coleta intra-operatória – nesse tipo o sangue é coletado do
campo operatório e infundido durante ou após o procedimento cirúrgico; (4) coleta pós-
operatória – em que o sangue é coletado após o ato cirúrgico, em geral, de drenos
mediastinais.

42 - Quais são os cuidados que devem ser tomados durante transfusões de


hemocomponentes?

Inicialmente deve ser confirmada a identificação do paciente e da bolsa de hemocomponente


que será transfundida para se evitar erros de compatibilidade. As unidades de hemácias devem
ser transfundidas por no máximo quatro horas, enquanto que os concentrados de plaquetas
devem ser infundidos no máximo em 30 minutos. Nenhuma droga, ou qualquer outra
substância, pode ser infundida na mesma via de acesso em que está sendo transfundido o
hemocomponente, pois poderá ocorrer hemólise ou alteração das plaquetas e das proteínas
plasmáticas. Em geral, os concentrados de hemácias e de plaquetas não precisam ser
aquecidos antes de serem infundidos, porém as unidades de plasma fresco congelado
necessitam aquecimento controlado a 37o C antes da sua infusão. Diante de qualquer sintoma
ou sinal clínico de reação transfusional a transfusão deve ser interrompida e a unidade de
hemocomponente deve ser encaminhada para o serviço de hemoterapia para avaliação imuno-
hematológica.

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43 - Leitura recomendada

Hebert, PC, Wells, G, Blajchman, MA, et al. A multicenter, randomized, controlled clinical trial of
transfusion requirements in critical care. Transfusion Requirements in Critical Care
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Seifried, E, Roth, WK. Optimal blood donation screening annotation. Br J Haematol 2000;
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Jackson, BR, Busch, MP, Stramer, SL, AuBuchon, JP. The cost-effectiveness of NAT for HIV,
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