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Conceitos de crime.

O Conceito analítico do crime: evolução e variações

Os principais sistemas da teoria do delito: sistemas causais, finalista, funcionalista

O direito é produto de seu tempo. Assim, os diferentes conceitos e sistemas refletem a natural
mudança de paradigmas na sociedade. O direito penal, por sua vez, não ficou para trás, sendo
indispensável o estudo dos sistemas da teoria do delito e dos conceitos de crime, analisando as
tendências e variações.

Inicialmente, registre-se que o conceito formal determina que crime é todo o fato humano proibido
pela lei penal, ou seja, é o fato ao qual a ordem jurídica associa a pena como legitima consequência.
Roxin complementa que se um preceito pertence ao direito penal não é porque regula
normativamente a infração de mandatos ou proibições, mas porque essa infração é sancionada
mediante penas ou medidas de segurança.

Já o conceito material, como o próprio nome já adianta, determina que crime é todo o fato humano
que lesiona um interesse capaz de comprometer as condições de existência, conservação e de
desenvolvimento da sociedade.

Pacelli defende que o conceito material de crime perdeu seu sentido com o advento do princípio da
reserva legal, segundo o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal, afinal, a partir do paradigma do princípio da legalidade, o desvalor social que é
dado a conduta lesiva não a torna crime, mas, somente a lei.

O conceito analítico ou dogmático desmembra os elementos do crime em tipicidade, ilicitude e


culpabilidade com a finalidade principal de, isolando as partes componentes do delito, aprofundar o
estudo do desenvolvimento interno das normas penais e facilitar a aplicação do direito, com o
consequente enquadramento lógico dos fatos concretos nas respectivas fases de valoração,
conforme ensina Tavares.

Assim, o crime se torna uma conduta típica, ilícita e culpável, podendo variar alguns elementos
contidos no interior de cada conceito, conforme o sistema penal a ser estudado.

Inicialmente, muito embora os autores pertencentes a escola clássica sejam de significativa


importância na humanização do direito penal, não é possível afirmar que tenham elaborado um
sistema penal com conceitos e elementos bem definidos, sendo destacável um princípio da
imputação, que tinha sua vertente exterior (causalidade), interior (elemento subjetivo) e a imputação
legal.

Tavares destaca que tal construção formalista de delito, mascara o verdadeiro substrato das normas
penais, voltado a proteção de bens jurídicos, transformando o direito penal em mero direito
sancionador, independente de qualquer substrato social, o que impede qualquer questionamento
sobre a validade deste “sistema”.

Em relação aos sistemas causais, para apresentar exposição mais fidedigna é necessário dividir em
duas fases, a saber, o sistema naturalista e o neokantiano.

O sistema naturalista é construído sob a influência do positivismo, para o qual ciência é somente o
que se pode apreender através dos sentidos, o mensurável, por esse motivo considera-se que todo o
conhecimento baseado em valores não é científico.
O sistema naturalista, assim, tem caráter classificatório, com uma quantidade de elementos
distribuídos em diferentes categorias do delito de modo objetivo, através de critérios formais, sem
qualquer análise do conteúdo.

O conceito de ação é pré-jurídico e se esgota em um movimento voluntário causador de


modificação no mundo externo. Vale destacar que a voluntariedade presente no conceito de ação é
somente aquela indispensável para se verificar a ausência de coação. Assim, não se confunde com a
dos elementos subjetivos, afinal, neste sistema tudo que é objetivo é posicionado no injusto (tipo e
antijuridicidade) e tudo que é subjetivo vai para a culpabilidade.

Assim, o conceito analítico de crime naturalista tem a seguinte feição: o tipo é a descrição objetiva
de uma modificação no mundo exterior, a antijuridicidade é definida formalmente, como
contrariedade da ação típica a uma norma de direito, que se fundamenta simplesmente na ausência
de causas de justificação. E a culpabilidade é a relação psíquica entre o agente e o fato, onde se
encontra o dolo e a culpa e a análise da imputabilidade que é pressuposto da culpabilidade.

Observe-se que o dolo do sistema causal, tanto na perspectiva naturalista quanto neokantiana, é o
dolus mallus, em que seus elementos são a vontade e a consciência da ilicitude dos fatos, conforme
ensina Tavares.

Por fim, contra o sistema naturalista objetou-se que o conceito pré-jurídico de ação é incompatível
com os modelos de crimes omissivos e tentados, o segundo porque ao prever a modificação no
mundo externo, não dava suporte a uma tipicidade puramente objetiva quando se tratava de delito
tentado, já em relação a omissão, porque ela não causa nenhuma mudança externa, sendo um
conceito puramente normativo, em um modelo naturalista.

Diante dessas objeções, Von Liszt alterou seu modelo naturalista, mas não obteve êxito em resolver
as contradições, sobretudo porque adicionou um elemento valorativo no conceito de ação, para
abarcar os delitos omissivos, o que de certa forma desnatura o modelo naturalista.

Tal situação, além de ser o terreno fértil para o neokantismo, demonstra a veracidade das críticas
realizadas por Luís Greco de que o primeiro do defeito do naturalismo é incorrer naquilo que a
filosofia moral chama de falácia naturalista, partindo do pressuposto de que o ser é capaz de
resolver os problemas do dever ser, bem como que o caráter classificatório e formalista do sistema,
que imagina que todos os problemas estão de antemão resolvidos pela lei, bastando a subsunção
desvalorada e automática para dar-lhes o tratamento mais justo e político-criminalmente correto.

Na sequência, cumpre apresentar o sistema neokantiano.

O sistema neokantiano é fruto da superação do paradigma positivista-naturalista dentro do direito,


ou seja, deixa o ser para adentrar no dever ser. Substitui-se, portanto, a dogmática formalista
classificatória do naturalismo por um sistema teleológico, referido a valores.

No sistema neokantiano busca-se fundamentação material das diferentes categorias sistemáticas,


para que se pudesse, no passo seguinte, proceder à construção teleólogica dos conceitos, de modo a
permitir que eles atendessem à sua finalidade do modo mais perfeito possível.

Quanto ao conceito analítico de crime, destaque-se que Radbruch negou autonomia conceitual à
conduta, o que não foi seguido por Mayer, que entendia a conduta como uma realização da vontade.
Na sequência, a tipo continua ter caráter objetivo, entretanto, começa-se a perceber a presença
inevitável de elementos subjetivos, bem como nos crimes tentados, o dolo era redimensionado para
o tipo, enquanto nos consumados mantinha-se na culpabilidade.

A ilicitude evolveu-se e deixou de ter caráter meramente formal, ganhando concepção


evidentemente material, segundo a qual um fato deve ser considerado antijurídico apenas enquanto
for contrário as concepções éticas, sociais e políticas dominantes.

A relação entre tipo e ilicitude também foi discutida, a concepção de Mayer que o tipo constituiria
função indiciária da antijuridicidade é alterada por Mezger que torna o tipo e a ilicitude um
elemento só (ratio essendi), o que não foi bem recebido por outros autores.

A culpabilidade torna-se normativa, com a inclusão do juízo de reprovação pela prática do fato
típico e ilícito, mas ainda é o lugar do dollus mallus, pelos menos nos crimes consumados.
Finalmente, começa a se desenvolver o conceito de exigibilidade da conduta diversa.

Com efeito, contra o sistema neokantiano, os defensores do finalismo apontaram que ele se isolou
da realidade em um normativismo extremo. O neokantiano parte do pressuposto que o mundo da
realidade e o mundo dos valores formam compartimentos incomunicáveis, não havendo a menor
relação entre eles, logo acaba-se esquecendo que o direito está em constantes relações com a
realidade, e que a realidade também influi sobre o direito.

Diante da insuficiência científica do modelo anterior, Hans Welzel desenvolve o sistema finalista
que tenta superar o dualismo metodológico do neokantismo, negando o axioma sobre o qual entre o
ser e o dever ser existe uma abismo intransponível. Afinal, para o finalista, a realidade traz em si
uma ordem interna, a lógica da coisa, não podendo o direito flutuar entre as nuvens, já que vai
regular a realidade. Deve, portanto, descer ao chão, analisar a realidade, submetê-la a uma análise
fenomenológica e só depois de descobrir suas estruturas internas, passar a para a etapa da valoração
jurídica.

A primeira dessas estruturas é a natureza finalista do agir humano, o homem só age


finalisticamente, assim, se o direito quer proibir ações, só pode proibir ações finais. Assim, Hans
Welzel edifica todo o sistema finalista sob o conceito de que ação é um agir finalisticamente
orientado.

Na sequência, o tipo finalista é uma ação tipificada, descrevendo a ação proibida. Além disso,
devido as suas distintas formas de realizar o tipo, compõe-se tipos diversos para os delitos dolosos,
culposos, bem como comissivos e omissivos.

O tipo penal desdobra-se em duas partes, conforme os componentes da ação, a saber, tipo objetivo e
tipo subjetivo.

Nesta oportunidade, o tipo objetivo tem elementos descritivos e normativos, sendo estes juízos de
valor.

Já o tipo subjetivo compõe-se do dolo e da culpa em sentido estrito. Vale destacar que Welzel
desmembra o conceito de dollus mallus, levando o dolo genérico (consciência e vontade) para o tipo
penal e deixando a consciência da ilicitude na culpabilidade, conforme esclarece Brodt.

Tavares, ressalta que a finalidade do conceito de ação não se confunde com dolo, vez que este é um
conceito jurídico e aquele é sinônimo de sentido.
A ilicitude é constituída pela ausência das causas de justificação, sendo exigível para a configuração
da conduta tipica justificada, não só os elementos objetivos, mas também os subjetivos, o que torna
o sistema finalista coerente, mas pode gerar incoerências sob a ótica político criminal.

A culpabilidade, por sua vez, torna-se juízo de reprovação fundado sobre a estrutura lógico-real do
livre-arbítrio, da exigibilidade de conduta diversa. O homem capaz de comportar-se de acordo com
o direito, é responsável quando não age desta forma.
No sistema finalista, é um pressuposto da culpabilidade a imputabilidade do agente, sendo
elementos, a consciência da ilicitude do fato e a exigibilidade de conduta diversa, o que a doutrina
denominou de concepção normativo pura da culpabilidade.

Por fim, em que pese a atenção que o finalismo direciona as estruturas lógico-reais, não é incomum
que a doutrina o critique por seu dualismo metodológico. Dessa vez, entretanto, ao contrário do
neokantismo, impondo a tônica no ser, incorrendo na falácia naturalista. Além disso, também
critica-se o finalismo pelo seu dedutivismo formalista e classificatório.

Com o finalismo em franca decadência, as atenções se direcionam para os sistemas funcionalistas,


sendo seus principais precursores os alemães Claus Roxin e Gunther Jakobs.

Com efeito, muito embora tenha alguma divergência, Roxin explica que os funcionalistas estão de
acordo que a construção do sistema jurídico penal não deve vincular-se a dados ontológicos, mas
sim orientar-se exclusivamente pelos fins do direito penal. Assim, como não pode passar
despercebido, o sistema funcionalista tem suas raízes no neokantismo, sobretudo se considerar a
construção teleológica dos conceitos e a materialização das categorias do delito.

Claus Roxin defende um funcionalismo teleológico

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