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Quem ler isso vai achar que se trata de algum mimimi sem causa, uma destas

leseiras que acometem o ser humano, um rabo com um cachorro dando voltas
sem nunca conseguir pegá-lo. Mas não tem nada de brincadeira nesse lance,
cara, eu sou uma desafortunada que só espera para si o leito eterno onde
poderá repousar uma cabeça que só não pesa mais porque ponho nela doses
homeopáticas de cannabis. O maior erro da minha vida foi ter conhecido uma
certa pessoa, tenho claustrofobia só de pensar no nome desse desgraçado que
com ele levou quem eu era, embrião ainda de gente. Esse maldito que me
arrancou de uma disputa sangrenta e me jogou no buraco negro das
complicações. Esse imbecil armado de mentiras, falsa preocupação e pérfida
elegância no trato, quer me enganar até quando? Esse filho bestial do homem
do nosso tempo, canalha real assumindo feições charmosas, cuspindo fogo e
trabalhando como um condenando pra destruição total da natureza humanista
que me era íntima. Hoje eu só quero mesmo é que todo mundo se exploda,
que não sobre nada, a não ser cacos de miséria. Quero que o mundo sinta
essa miséria humana, capaz de maltratar por prazer, de prejudicar por
capricho, ou orgulho, ou esperteza.

Esse cara terminou comigo há pouco mais de sete meses, costumávamos


namorar, ou sei lá o que era aquilo, mas costumávamos dizer palavras de
amor, e muitas dessas bobagens que só desprovidos de cérebro, zumbis
mesmo, errantes por toda uma vida, se apegam. Por isso os zumbis são tão
molengas, qualquer murrinho derruba os desgraçados. E é por isso que eles
têm tanta fixação por cérebro, é o que afinal falta.

Eu só sei é que ele terminou comigo, quero nem lembrar dos motivos, mas lá
vai: por motivos biológicos de eu não sou reprodutora, por causa da crise
econômica, porque ele tava perdendo os eventos culturais da cidade, porque
não queria ficar com ninguém, porque tem uma mãe (oi?), que eu saiba todo
mundo tem mãe porque não nasceu de chocadeira. Mas esses motivos todos,
cá pra nós, só uma sem cérebro pra legitimar essa mentirada toda e foi o que
eu fiz. Uma semana sem se falar, aquele típico fim de relacionamento.
Encontra nos lugares, não fala. Até que não sei como voltamos a nos falar. E a
convivência voltou à quase normalidade estúpida de antes. Com o detalhe de
que não estamos mais namorando. Por causa da biologia, da economia, das
culturais, e essa porra toda. Aceitei né? Aceitei essa merda de “amizade” mas
minhas intenções sempre estiveram muito claras. Eu queria voltar.

Então meu chapa, foi uma história meio maluca, mas não menos repugnante
do que a cara daquele monstro, mas passamos a nos encontrar todo maldito
dia, como uma espécie de irmandade, que mais tarde foi direcionada para uma
relação profissional. E sim, foi a desculpa perfeita desse cafajeste, pra nossa
estada diária juntos. Me colocar pra trabalhar com ele. Jogada de mestre,
tenho que reconhecer. Ter que me reconhecer ali somente como a funcionária
desse calhorda me gerou um desconforto indisfarçável. Aceitei essa merda por
que?

Aí é um vai e vem de humores, esse bosta me tratando como rainha longe dos
olhos de todos. Na frente dos outros, praticamente nem existo. Passo por
demais despercebida, a ponto de ser deixada pra trás, de ser esquecida na
roda, de não ser mencionada ou nada. Eu sou um grandissíssimo nada que
depois serve pra fazer dar risada.

Aí, quando dá na telha, me pega como se fosse meu dono, me joga na porra
do colchão, e eu num posso nem pedir misericórdia porque gosto da safadeza.
Mas gosto porque gosto dele. Lembra? Minha intenção era voltar? Mexe mas
não movimenta, não beija, não age. Sinto como se fosse de plástico, e
enjoada, inflo. É só do que ele precisa. Orifícios, lubrificantes, uma boca
calada, e depois risada, como se fôssemos companheiros.

Enquanto isso o amo, me descabelo, largo minha vida, apenas um embrião,


pra segui-lo por onde quer que vá, porque além de precisar da companhia dele
tenho que evitar que se acompanhe de outras, porque isso me destruiria.

Mas sempre charmoso, sempre o cara do bem que só quer fazer o bem, que
não quer me fazer chorar, que não quer me magoar. Mas na frente dos outros
não existo, nas costas dos outros sou irmã, e algumas vezes sou jogada na
cama com ele me pegando como se fosse meu dono, a mão nojenta passando
pelas minhas partes, sem permissão, como se toda essa merda desse livre
acesso, e eu sendo jogada feito vadia que não se emenda, que se deixa usar
e depois fica calada, a verdadeira boneca inflável, inflada de tristezas e
humilhações. Mas agora não, neguinho, agora eu vou ser a boneca inflamável.
Boneca., eu vou tocar fogo nessa sua brincadeirinha.

Sai dessa vida miga, cê tá louca. Você me diria. Eu sou realmente uma
fracassada no quesito identificação dos humanos. Queria ter uma máquina tipo
a de blade runner pra identificar os replicantes. O mundo tá cheio deles. Na
verdade, parece mesmo é que nunca fomos humanos. Mas como explicamos
os grandes humanistas universais, esses caras que me excitam e me fazem
querer casar com eles mesmo depois de mortos? São heróis, acreditar nessa
bárbarie que quiseram chamar humanidade. Tá por fora.

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