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Biblioteca dedicada ao tema da Ciência da Cultura, não organizada em áreas de conhecimento e na
ordem alfabética de autores, mas em conceitos. No último andar se encontrava os livros relacionados a
Filosofia da História. Por exemplo, caso manuseássemos um exemplar de um autor desse andar dedicado
a um tema específico do conceito relacionado, nos livros dispostos ao lado acharíamos mais detalhes, em
outros autores, sobre o estudo específico que na hora fizéssemos.
2
BURUCÚA, José Emílio. História, arte, cultura:de Aby Warburg a Carlo Ginzburg. Buenos Aires:
Fondo de Cultura Económica, 2007.
O papel do comitente na produção artística é o elo que liga a obra imortal, quase
imaterial por seus reflexos no imaginário dos povos, aos mais cotidianos desafios
enfrentados pelo artista enquanto criador, enquanto produtor do novo. Essa é a
indicação de Burckhardt que Warburg segue ao paroxismo, encontrando tantos detalhes
no meio circulante dos mecenas e dos artistas, que chega a um objetivo nunca almejado
pelo mestre: fazer as obras de arte falarem. Por exemplo, para fazer falar o Nascimento
de Vênus, de Sandro Botticelli, utiliza do poeta Poliziano, de uma novela arqueológica
de Francesco Colona, e das descrições de obras de arte de Filarete, todos representantes
do meio artístico florentino. Mas não é só isso. Para contemplar o que reflete a imagem
da ninfa em toda sua complexidade histórico-cultural, a ninfa apresentada na
Primavera, do mesmo pintor, é relacionada às Horas da Antiguidade, as três Graças, a
Beatriz de Dante, e a tantas outras ninfas e musas de outros poetas, passando de Ovídio
aos já citados Dante e Poliziano, até chegar aos sonetos de Lorenzo à moda de Horácio,
citando passagem de Sêneca, Apuleio e Lucrécio, e mais um cem números de nomes e
tipos de obras de arte como desenhos, moedas, gravuras. É tamanho o detalhamento e
correlações impressas por Warburg em pouquíssimas páginas, que se torna uma tarefa
difícil apresentar um discurso suficientemente bom para apresentar como o diálogo
entre as obras se faz, e, mais importante, como se dá, em sua inteireza, a fala da obra de
arte. Esse é o impacto representado pela fuga das grandes linhas mestras de
interpretação da História da Arte, fuga essa que deixa todo um novo campo de estudo
em aberto, como podemos ver no diligente trabalho centrado no Instituto Warburg por
pessoas como Ernst Cassirer, Francis Yates, Erwin Panofsky, e tantos outros trabalhos
do mais vivo valor originados a partir do mesmo lugar de estudos.
Sem a contextualização, com as linhas rígidas da teoria artística tradicional; sem
o papel do comitente, sem o mergulho nas mais diversas formas de expressão estilística
da Antiguidade e da Florença de Lorenzo, o Magnífico, e com o “marco zero”
inaugurado por Burckhardt, o Instituto, a biblioteca de Warburg, e todos os
pesquisadores que saíram dali seriam impossíveis:
3
TEIXEIRA, Felipe Charbel. Aby Warburg e a pós-vida das Pathosformeln antigas. Revista História e
Historiografia, 5ª edição, setembro de 2010.
4
WARBURG, Aby. Sandro Botticelli. Em: El renacimiento del paganismo: Aportaciones a la historia
cultural del Renacimiento europeo. Madrid, Alianza Editorial, 2005, p. 129.
Movimento semelhante ao encetado por Michelangelo ao pintar a Capela Sistina,
Botticelli se livrou dos rasgos ornamentais que caracterizavam a pintura italiana para
transformá-la em arte viva. O movimento que Botticelli imprime em suas obras parte
dos detalhamentos que na pintura anterior a sua servia como mera ornamentação. O
sopro do anjo, os vestidos e cabelos esvoaçantes, a ninfa alada sobre a concha: o que
antes era a pintura figurativa, onde as diferentes partes da composição jaziam estanques
entre si, representando algo sempre exterior a ela própria, adquire vida. Quando a
Divina Comédia é pintada pelo artista italiano não é a violência mímica que expressa a
agitação profunda, mas foi a “reflexíon madura que le hizo valorar la virilidad
consciente como rasgo definitivo5”. Trabalhar as exterioridades de tal modo que possam
dar vida a obra, fazendo-a falar por si, e através desse meio disciplinar os rasgos
interiores da inspiração artística, foi o trabalho da reflexão estética do mestre
renascentista.
5
Ibdem.
6
Ibdem, p. 128.
de emoções fundamentalmente opostas. Com efeito, a palavra “antigo” não
revelava para Warburg o mesmo que para Winckelmann. No lugar da nobre
simplicidade, o historiador de Hamburgo percebia uma face bifrontal que
mesclava serenidade e terror. Nisso, Warburg certamente aproximava-se de
Nietzsche, que tinha descrito a Antigüidade sob um viés dionisíaco 7.
7
FERNANDES, Cássio da Silva. Aby Warburg entre a arte florentina do retrato e um retrato de
Florença na época de Lorenzo de Médici. História: Questões & Debates, nº 41, 2004.
8
Idem, p. 158.
9
Idem, p. 159.
10
Idem, p. 159 – 160.