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ANDRÉ CORREIA DE OLIVEIRA, 2019.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
UFPE – CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
História da Filosofia Contemporânea I. Professor: Thiago Aquino

Heidegger e a Metafísica - A questão do NADA como problema


Metafísico na Filosofia Contemporânea

Resumo: Este trabalho procura expor o trabalho do Filósofo alemão Martin Heidegger, “Que
é Metafísica?” parte do livro “Marcas do caminho”, que traz para a era contemporânea da
filosofia uma nova roupagem às discussões metafísicas e apresentar a “Questão do Nada” como
um pressuposto necessário as ciências. As discussões sobre esta área do conhecimento
(metafísica), que pareciam estar acabadas devido a muitas críticas vindas de filósofos modernos
e foi herdada pela contemporaneidade como Carnap, Wittgenstein (ou como por exemplo o
Círculo de Viena) faz Heidegger trazer de volta a discussão sobre a metafísica fomentando sua
necessidade para toda filosofia. O escrito de Heidegger pode ser encontrado na sua preleção é
composto de três partes: a) desenvolvimento de uma interrogação metafísica; b) a elaboração
da questão; c) a resposta à questão. Aqui, me limitarei a apresentar estas partes ao mesmo
tempo em que se faz algumas considerações explicativas sobre a história da filosofia
contemporânea e uma das características desta era do pensamento que seria “A Crítica a
Metafísica”.
Palavras-chave: Filosofia, Contemporânea, Metafísica, Crítica, Heidegger.

INTRODUÇÃO

A questão do Nada em Heidegger é uma condição necessária para a reflexão sobre a


Angústia, que mais tarde vai ser uma condição necessária para o pensamento filosófico,
segundo o pensador. Entretanto, na contemporaneidade, não é tão simples falar sobre
Metafísica.
Houve o tempo como quando a Metafísica era considerada a “Filosofia Primeira”, a
mais importante de todas as áreas do conhecimento filosófico. Uma das mais brilhantes visões
do que é a filosofia, nós encontramos em Aristóteles, no seu livro “Metafísica”. Aristóteles
faz uma descrição detalhada expondo características e a importância desta ciência, chegando
assim à conclusão de que esta é, dentre as tantas outras, a mais excelente e, ainda, considerada
divina. A Filosofia ou Filosofia Primeira é oriunda do espanto, podemos ver isso na Metafísica:
“Foi, com efeito, o espanto que levou, como hoje, os primeiros pensadores à especulação
filosófica” e foi assim até o fim da Idade Média.
Na era Moderna da Filosofia, encontramos o início de uma crítica forte e com
pretensões de uma “superação” desta Filosofia Primeira ou Metafísica. A metafísica começa a
partir daí, a ser criticada em todos os âmbitos, em principal, nasce o problema da possibilidade
da mesma (nos prolegômenos de Kant por exemplo, é aconselhável que nos esqueçamos de
todas as reflexões que tenham base nesta área do conhecimento filosófico - metafísica - pois
há a possibilidade de a mesma não ser possível como ciência) em conjunto com a crença de
que os Juízos Metafísicos não podem ser verificados empiricamente.
Na contemporaneidade não foi diferente. Grandes nomes do pensamento filosófico
contemporâneo tiveram como carro-chefe de suas filosofias, “A Crítica a Metafísica” o que
eles chamam de “Superação da Metafísica”. Podemos dizer que é uma característica da
filosofia Contemporânea está em críticar a filosofia primeira. Filósofos como Carnap e
Wittigenstein escrevem obras com críticas contundentes e muito fortes contra a Metafísica
(sobre sua possibilidade como ciência e sobre suas faltas de descobertas e avanços).
É a partir da discussão sobre “O Nada” que Heidegger, um pensador sem igual para
filosofia, ressuscita o pensamento metafísico na contemporaneidade e com efeito, acaba por
expor como uma reflexão sobre Metafísica, nos mostrando a importância do pensamento
metafísico e expondo como a filosofia pode brotar através do sentimento de Angústia.

A METAFÍSICA E A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

Desde a revolução Copernicana de Kant e a criação de uma análise dos princípios a


priori do conhecimento na filosofia, cada vez mais, daí em diante, a Metafísica foi atacada e
criticada envolto de suspeitas, descrenças e futilidades de um pensamento sem um viés
empírico para que possa ser verificado seus juízos. As descobertas de Immanuel Kant e as
sínteses construídas através das obras deste grande pensador vararam os períodos posteriores e
se tornaram um movimento quase unilateral dentro das academias de filosofia em todo o
ocidente.
Enquanto o contexto histórico da contemporaneidade estava se figurando a realidade
vivida entre os séculos XVIII e XX como a Revolução Francesa, a consolidação do capitalismo
gerado pela Revolução Industrial Inglesa, que tem início em meados do século XVIII. A
visibilidade da exploração do trabalho humano, ao mesmo tempo que se vislumbra o avanço
tecnológico e científico. Nesse momento são realizadas diversas descobertas. Destacam-se a
eletricidade, o uso de petróleo e do carvão, a invenção da locomotiva, do automóvel, do avião,
do telefone, do telégrafo, da fotografia, do cinema, do rádio, etc. As máquinas substituem a
força humana e a ideia de progresso é disseminada em todas as sociedades do mundo. Na
filosofia, entre as problemáticas políticas e lógicas, a Crítica a Metafísica, a Virada da
Linguagem com a crescente profissionalização da disciplina e o surgimento da filosofia
analítica e continental trazem para a imagem da filosofia suas características contemporâneas.
Dentro desse viés histórico do pensamento filosófico, a Crítica a Metafísica e ao
pensamento metafísico presente principalmente no início da modernidade invade a era
contemporânea. Entre os grandes nomes desta crítica, destacam-se Carnap e Wittgenstein.
Assim como Kant, estes grandes nomes da história da filosofia produziram obras e pesquisas
com a finalidade de a) ou esquecermos completamente os problemas metafísicos, e/ou b) tirar
a Metafísica do seu lugar privilegiado que é ao lado das ciências fundamentando-as.
Heidegger nasce como uma luz para esta discussão. Ele não só retoma as discussões
metafísicas segundo uma nova metodologia de aplicação como também traz a luz a importância
de se discutir ontologia para o desenvolvimento das ciências. Seguindo este texto veremos
como Heidegger remonta a discussão sobre a Metafísica na contemporaneidade - período em
que parecia que a ontologia seria deixada para trás -. O texto “Que é Metafísica” será o nosso
carro-chefe nesta caminhada. A contemporaneidade teve que abrir espaço mais uma vez para
uma discussão sobre aquilo que estava além da física, além do ente graças ao filósofo alemão
Martin Heidegger, mas como se dar esta discussão em um período vacinado contra os “juízos
sem ligação com uma intuição” se “conceitos sem intuições são cegos”?

Que é Metafísica - Desenvolvimento de uma Interrogação Metafísica

É verdade que no texto do filósofo Martin Heidegger, “Que é Metafísica” não se fala
diretamente de Metafísica. Ele aborda uma questão metafísica em específico e não a Metafísica
como um todo. Isso acontece pelo fato de Heidegger acreditar que abordando uma questão
metafísica, podemos nos situar dentro da Metafísica (“Aquele que interroga também está em
questão”), pois assim, ele dar a oportunidade da Metafísica se apresente para o filósofo como
si-mesma. Ou seja, Heidegger acredita que só estando dentro da Metafísica poderemos falar
sobre ela, senão só falaríamos da metafísica do ponto de vista do homem, situado fora da
filosofia primeira. Sendo assim, é estando dentro da metafísica que abrimos a possibilidade de
este pensamento se apresentar a nós como ele é em si, sem as inferências humanas que torna o
assunto apenas subjetivo.
De um lado, a questão Metafísica, abarca sempre a totalidade da problemática da
Metafísica. Portanto qualquer questão metafísica que eu abordar (Que é Deus? Que é existir?
Que é Alma? E etc), segundo Heidegger, vai abarcar toda a metafísica. Sendo assim, a
metafísica para Heidegger é a própria totalidade, é o “todo” e qualquer questão metafísica que
você faça, abarcará toda a problemática metafísica. Por outro lado, uma problemática
metafísica só pode ser formulada levando em consideração o “ser” que pergunta, o
“Perguntador”. Sendo assim, Heidegger deixa bem claro estas duas pré-disposições que
devemos ter ao analisarmos uma questão metafísica, a Metafísica é a totalidade e abarca
também aquele que pergunta, o Perguntador (há uma consciência que está perguntando
sobre...).
[...] De um lado, toda questão metafísica abarca
sempre a totalidade da problemática da metafísica.
Ela é a própria Totalidade. De outra, toda questão
metafísica só pode ser formulada de um tal modo
que aquele que interroga, enquanto tal, esteja
implicado na questão, isto é, seja problematizado

(Heidegger, M. Marcas do Caminho. Tradução:


Enio Paulo Giachini e Emildo Stein. Editora Vozes,
2008. Pag 113)

Heidegger inicia seu texto expondo como as pessoas na época contemporânea da


história da filosofia vivem determinadas pelas ciências. Especificamente pesquisadores,
filósofos e acadêmicos em geral pautam suas vidas conforme as ciências determinam. Sendo
assim, de acordo com as descobertas científicas contemporâneas, as vidas das pessoas vão
mudando gradualmente adaptando-se a estes desenvolvimentos científicos e daí Heidegger traz
uma pergunta: Na medida em que a ciência se tornou nossa paixão, o que aconteceu com as
considerações essenciais? Pois em muito âmbitos, as ciências são diferentes entre si (o que
podemos direcionar esta indagação as especializações nas diversas ciências acadêmicas) e
perde-se aí, o caráter essencial das ciências acabando por desaparecer. As ciências se
desdobram sobre o Ente e a busca pela essência acaba sendo esquecida. Não se pergunta mais
pela essência das coisas e sim, pelas coisas já existentes, pelo objeto dado. Neste sentido, a
ciência se relaciona de forma “dócil” com os entes, as ciências procuram os entes para dar
fundamento as coisas, sem se perguntar sobre a existência essencial das coisas.
[...] A referência ao mundo, que impera através de
todas as ciências enquanto tais, faz com que elas
procurem o próprio ente para, conforme seu
conteúdo qüididativo e seu modo de ser,
transformá-lo em objeto de investigação e
determinação fundante.

(Heidegger, 2008, pag 114)

A referência no mundo acaba sendo o Ente, as coisas existentes e não a própria


existência. A grande reflexão sobre o mundo se coloca nos objetos e não na existência. Até se
fundarmos nossa problematização aos fundamentos das coisas, desde a antiguidade
acabaremos no ente – por exemplo: Tales de Mileto diz “Tudo é água” -, no Medievo – Deus -
, na Modernidade – a alta do empirismo - até a contemporaneidade acabamos tropeçando nos
entes enquanto objetos, enquanto coisas e não na própria existência. “As ciências dão “as
coisas”, a primeira e a última palavra”. E quem deveria, para Heidegger falar das coisas? A
existência delas mesmas.
Sendo assim, enquanto as ciências dirigem sua referência ao mundo – referindo-se ao
próprio ente – ela nunca se refere ao nada. Ela não trabalha com o não-ser ou nunca se pergunta
pelo ser e a pergunta que Heidegger vai colocar nesta questão é: O que acontece com este
Nada? Aquilo pelo qual os cientistas deixam de lado pois trabalham com os entes no mundo e
“-além das coisas, nada”. O que é Nada? Por acaso é espontâneo falar do nada? Como um
conceito cujo a investigação do significado é abandonada pelas ciências se torna o objeto
(mesmo de um modo não “enteficado”) de investigação de Heidegger? Mas porque ele é
abandonado pela ciência? Porque para Heidegger ele é um elemento “nadificante”, pois se é
correto afirmar que “x é x”, portanto, é também correto afirmar que “nada é nada”.
[...] A ciência nada quer saber do nada.
Mas não é menos certo também que, justamente
onde ela procura expressar a sua própria essência,
ela recorre ao nada. Aquilo que ela rejeita, ela leva
em consideração que essência ambivalente se
revela aí?

Ao refletirmos sobre nossa existência


presente – enquanto uma existência determinada
pela ciência -, desembocamos em um antagonismo.
Através deste conflito já se desenvolveu uma
interrogação. A questão exige apenas uma
reformulação: O que acontece com este nada?

(Heidegger, 2008, pag 116)

A ELABORAÇÃO DA QUESTÃO: QUE É NADA?

Neste âmbito da questão sobre o nada, Heidegger nos chama atenção para a elaboração
da questão acerca desta reflexão: a) a possibilidade de uma resposta sobre o Nada ou b) a
impossibilidade de se chegar a uma tal resposta.
a) Bem, o que sabemos é que o Nada é admitido. As ciências, apesar de não tratarem
do nada, usam de seu significado para fomentar e explicar suas teorias e descobertas (“Além
do ente, nada!”, “Além do Universo, nada!”, “Antes do big-bang, nada” e etc). b)Sendo assim,
se o Nada é admitido, nasce daí outro problema, ao se falar do nada, sempre o “enteficamos”,
sempre tornamos este nada um ente o que fomenta a rejeição do nada como objeto científico
de investigação pois “a priori” e por uma falseabilidade baseada – por exemplo - em uma
análise “analítica Kantiana” de fundamentação do juízo no próprio significado do sujeito (o
que pressupõe a priori através de uma análise do sujeito da proposição uma contradição que a
torna falsa), por significado conceitual o nada não pode “ser”. Deste modo, apresentamos uma
proposição: “o nada é...” para explicar o ser do nada, onde o que se sabe popularmente, é que
o nada é exatamente aquilo que não existe, que não-é. Portanto, quando você tenta responder
o que ele é, você acaba “enteficando-o”. Por outro lado, não é preciso que a ciência rejeite o
nada. Recorrer ao princípio do pensamento da lógica universal, O Princípio de Não-contradição
arrasa a pergunta acerca do ser do nada. Pois o pensamento que é essencialmente o pensamento
de alguma coisa acaba por agir, enquanto pensamento do nada, contra sua própria essência no
sentido de existência e co-existência. Sendo assim, Heidegger desenvolve outra maneira de
abordar a questão do Nada:
[...]A totalidade do ente deve ser
previamente dada para que possa ser
submetida enquanto tal simplesmente à
negação, na qual, então, o próprio nada
deverá se manifestar

(Heidegger, 2008, pag 119)

O Entendimento que em sua importância formal, na lógica através de processos de


oposição e contradição não pode perguntar “O que é o Nada”, pois estaríamos tornando o nada
um ente o que por si só é uma contradição pode, através da fenomenologia e sua afecção à
Disposição, entender o nada. Heidegger explica que a totalidade do ente não é algo que pode
ser compreendida, mas que, em todo caso, pode ser sentida na medida em que o homem se
encontra "postado em meio ao ente em sua totalidade". Esta é uma Totalidade Afetiva que, para
Heidegger, pertence a constituição ontológica do ser humano.
Nós não temos conhecimento da totalidade do ente. Estamos em meio ao ente e em
relação com a totalidade. Entretanto o existencial que pode ser entendido como estrutura da
relação do eu e da totalidade é, para Heidegger, um “Modo da Existência” e não “da Psiquê”.
O Ser para Heiddeger é um conceito Universal, Indefinível e Evidente por si mesmo. O ser do
ser-humano, diferente dos outros seres no mundo, é o que o filósofo alemão vai chamar de
“Dasein” ou um “Ser-aí”. Um ser no mundo, que está no mundo, age no mundo enquanto, entre
outras características presentes na filosofia heideggeriana, se desvela para si-mesmo
proporcionando um saber-de-si através dos afetos.
A importância da Disposição, está em te colocar diante do seu existir em vários âmbitos:
I- Coloca a existência diante de si mesma (Daisen): a minha existência é dada para
mim e indica que meu ser, é meu. Expõe minha facticidade, fato de ser.
II- Abre o Mundo para o “Daisen”: Através da totalidade da significância e a totalidade
dos sentidos. Mostrando-me a universalidade do Mundo e dos Conceitos.
III- Possibilita o Encontro da existência de Si com a Totalidade do Mundo: Trazendo
para o meu ser-aí a Afecção da Totalidade ou a Totalidade Afetiva descrita anteriormente.
Assim Heidegger apresenta a Disposição, assim como a compreensão como chaves de
abertura para o Conhecer. A compreensão me dar conhecimento do “porvir”. E a disposição do
“Ser Agora”. E a disposição é quem vai me dar acesso a totalidade que será negada para a
compreensão do Nada. É através deste âmbito da disposição que o acesso a totalidade é
acessado e provado através do nosso ser-aí. Agora dentro do uso da operação lógica de Negação
podemos com Heidegger chegar à resposta ao nascimento do conceito do Nada como
inexistência total e completa do mundo.
1* Positividade: totalidade
2* Operação Lógica: Negação/Oposição
3* Nada: inexistência da totalidade, a negação do Todo.
Entretanto, Heidegger nos aconselha a não pensar que a negação do ente na totalidade,
manifestada na tonalidade afetiva nos ponha diante do nada pois:
“-[...]Talsomente poderia
acontecer, com adequada originariedade,
em uma tonalidade afetiva que revele o
nada de acordo com seu próprio sentido
revelador”

(Heidegger, 2008, pag 121)

E para o filósofo alemão, assim como a manifestação da alegria se revela na alegria pela
presença do ser-aí amado, a manifestação do nada se revela em uma afecção em nosso ser-aí.
No caso do Nada, ele se revela na Angústia. Como Kierkegaard, o filósofo alemão se volta a
problematizar este sentimento:
[...]Este acontecer <de uma
tonalidade afetiva que revele o nada de
acordo com seu próprio sentido
revelador> só é possível e também real
por instantes na tonalidade afetiva
fundamental da angústia.

(Heidegger, 2008, pag 121)

Este instante da tonalidade afetiva fundamental da angústia é, provavelmente inspirado


em Kierkegaard que nos mostra em sua obra O Conceito da Angústia que:
A angústia é a vertigem da
liberdade, que surge quando o espírito
quer estabelecer a síntese, e a liberdade
olha para baixo, para sua própria
possibilidade, e então agarra a finitude
para nela firmar-se. [...] No mesmo
instante tudo se modifica, e quando a
liberdade se reergue, percebe que ela é
culpada. Entre estes dois momentos situa-
se o salto, que nenhuma ciência explicou
nem pode explicar.

S. Kierkegaard, Il concetto dell’angoscia. Semplice riflessione di carattere


psicológico orientata in direzione del problema dogmático del peccato originale
(1844), in Opere, Florença. 1972, p. 107-197 (BA – Begrebet Angest – O Conceito de
Angústia)

No entanto, Heidegger quer diferenciar a Angústia que nos leva a conhecer o Nada do
conceito de Medo. Segundo o pensador alemão medo temos sempre de um Ente. Seja porque
temos medo “diante de” ou “pelo que” temos medo, de alguma forma sempre determinamos
como ente o objeto a qual temos medo. Angústia por outro lado, vem do latím angor. Sempre
remete ao indeterminado onde não há nem um “diante de” e muito menos um “pelo que”. Esta
angústia que nos remete ao nada e se dar quando há uma indeterminação ou como diria
Heidegger, uma Indiferença, caráter do que é estranho. Kierkegaard diria que quando a
significância sólida do mundo desmorona; torna-se sem significado e isso é estar angustiado.
O sentido é existencial. É próprio do existente dar sentido as coisas e quando todo esse sentido
se perde sente-se na angústia o que nos remete ao Nada. Na Angústia, os entes não nos falam
mais, tudo afunda em uma indiferença. O meu ser-aí não se apoia mais nos entes, e esta
ausência de apoio me revela o nada existencial. É esta angústia que me revela do nada, a
suspensão.
Esta suspensão por sua vez, se mostra na filosofia de Heidegger como uma
transcendência. O que determina a nossa relação com o “Ser” e não com o “Ente”. Já que não
encontramos mais apoio nos entes, ao suspendê-los, a existência se desvela. Encontro-me
dentro da Metafísica, encontro-me no ser que existe, mas não se “entifica”.
O nada se revela na angústia -
mas não enquanto ente. Tampouco nos é
dado como objeto. A angústia não é uma
apreensão do nada. Não obstante o nada
se torna manifesto por ela e nela, ainda
que de uma maneira tal como se o nada se
mostrasse separado, “ao lado” do ente na
totalidade, ao qual caiu na estranheza.
Nós dizemos muito mais o seguinte: O
nada vem ao encontro na angústia
juntamente com o ente na totalidade.

(Heidegger, 2008, pag 123)

A RESPOSTA À QUESTÃO
O que significa este “juntamente com?” ao qual o filósofo alemão se refere? O homem
se lança ao ente e se afasta cada vez mais do nada, porém, na angústia esse homem se sente
suspenso no nada, este é o ser-aí humano. Assim, quando se afasta do nada é tentando sair do
profundo vazio que o nada infunde nesse ato de suspender, para se direcionar à superfície onde
se encontra o ente em sua totalidade. Nesse encontro com o ente em sua totalidade, o nada é
nadificado dando origem ao "não" no sentido em que o nada se ausenta e o que fica na presença
do ente é o sentimento de "não ente", "não ser", pois o nada está nadificado.
Na história da metafísica, diz Heidegger, o "não ser" tem sido colocado como "nada",
porém Heidegger demonstra que o "não" tem sua origem no nada. O ser-aí humano estar
suspenso no nada, este suspender coloca o homem além do ente em sua totalidade, em outras
palavras, transcende o ente. Heidegger se apropria dessa transcendência para ligar o nada à
uma questão metafísica. Se metafísica quer dizer "meta + física”, ou seja, "além do ente
enquanto tal" o nada é uma questão que abarca a metafísica em sua totalidade (2008, pag 129).
Um outro ponto que demonstra o nada como questão metafísica é o fato de que o nada, segundo
as colocações de Heidegger, invalida a legitimidade que a lógica operava "dentro da
metafísica". A metafísica, ao definir-se pelo que está além do ente, não é, em Heidegger, uma
disciplina ou um saber determinado convencionalmente, mas pertence a própria natureza do
homem, porque o ser-aí deste, encontra-se suspenso no além e aquém do ente.
E como o nada é a questão que envolve a metafísica em sua totalidade e este nada remete
o ser-aí do homem em direção ao ente em sua totalidade e a existência científica consiste na
busca e relacionamento com o ente, a metafísica está na origem da ciência, e, portanto, o nada
é que impulsiona o comportamento científico a transformar o ente em objeto de pesquisa para,
assim, o nada ser nadificado. Antes não há apenas, unicamente, somente o ente, também não
apenas, unicamente, somente o nada, os dois, nada e ente, coexistem numa relação de mútua
rejeição e participação de um no outro. Esse escrito, portanto, apesar de sua brevidade instaura
um novo pensamento sobre o homem e sua postura diante do mundo e da ciência e marca
também o renascimento da Metafísica no sentido de Ontologia (ciente da diferença
heideggeriana de ôntico e ontológico) na Filosofia Contemporânea.

Bibliografia:

-Heidegger, M. Marcas do Caminho. Tradução: Enio Paulo Giachini e Emildo Stein. Editora
Vozes, 2008
-S. Kierkegaard, Il concetto dell’angoscia. Semplice riflessione di carattere psicológico
orientata in direzione del problema dogmático del peccato originale (1844), in Opere, Florença.
1972, p. 107-197 (BA – Begrebet Angest – O Conceito de Angústia) A obra foi publicada em
Copenhague sob o pseudônimo Vigilius Haufniensis, isto é, “a sentinela de Copenhague” (já
que Hafnia é o nome latino da capital da Dinamarca). [Nota do tradutor: nas citações de BA
presentes nesta tradução foi utilizada a edição: KIERKEGAARD, S. O Conceito de Angústia.
Trad. Álvaro Luiz Montenegro Valls, Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora
Universitária São Francisco, 2010. Os números das páginas correspondem a esta edição
brasileira.]

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