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Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde

ANDRÉ LUIZ DE CARVALHO BRAGA

O SERVIÇO NACIONAL DE DOENÇAS MENTAIS NO GOVERNO JK: A


ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA PARA O DISTRITO FEDERAL

Rio de Janeiro
2013
O SERVIÇO NACIONAL DE DOENÇAS MENTAIS NO GOVERNO JK: A
ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA PARA O DISTRITO FEDERAL.

Dissertação de mestrado apresentada


ao curso de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde da
Casa de Oswaldo Cruz – Fiocruz,
como requisito parcial para a
obtenção do grau de mestre. Área de
concentração: História das Ciências.

Orientadora: profª. Drª. Ana Teresa Acatauassú Venancio

Rio de Janeiro
2013
B813 Braga, André Luiz de Carvalho.
O Serviço Nacional de Doenças Mentais no governo JK:
a assistência psiquiátrica para o Distrito Federal./ André Luiz de
Carvalho Braga – Rio de Janeiro : s.n., 2013.
185 f .

Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da


Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz,
2013.
Bibliografia: f. 180-185

1. Saúde mental - História. 2. Saúde Pública – História. 3.


Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM). 4. Rio de
Janeiro. 5. Brasil.

CDD 362.2
ANDRÉ LUIZ DE CARVALHO BRAGA

O SERVIÇO NACIONAL DE DOENÇAS MENTAIS NO GOVERNO JK: A


ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA PARA O DISTRITO FEDERAL.

Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de


Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde
da Casa de Oswaldo Cruz-FIOCRUZ, como requisito
parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de
Concentração: História das Ciências.

Aprovado em de .

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________________________________
Prof. Dra. Ana Teresa Acatuassú Venancio (Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz) –
Orientadora

________________________________________________________________________
Prof. Dr. Prof.Dr. Pedro Gabriel Godinho Delgado (IPUB-UFRJ)

________________________________________________________________________
Prof. Dr. Gilberto Hochman (Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz)

Suplentes:

________________________________________________________________________
Jane Araújo Russo (IMS/UERJ)

________________________________________________________________________
Prof. Dra. Cristina Maria Oliveira Fonseca (Casa de Oswaldo Cruz - Fiocruz)

Rio de Janeiro
2013
À minha mãe e à Vania, com eterna gratidão.
A Luiz Carlos de Souza Braga, in memorian.

`
AGRADECIMENTOS

À Maria Cristina, minha mãe, pela dedicação integral a minha formação humana e
intelectual, por ter sido em muitas ocasiões mãe e pai, mas principalmente por nunca ter
desistido de mim. Conseguimos!

À Vania, pelo companheirismo nos momentos mais complicados, entendimento sobre a minha
constante ausência nos últimos dois anos e pelo amor demonstrado durante essa jornada.
Conseguimos!

Aos meus familiares que de algum modo contribuíram com a minha mãe na minha criação.

À minha orientadora, Ana Venancio, por acreditar em mim quando nem eu mesmo tinha certeza.
Muito obrigado pelas horas de dedicação ao nosso projeto e pela paciência nas nossas reuniões
de orientação. Certamente este trabalho ficaria apenas no campo das intenções se não fosse pela
sua orientação.

Aos professores da COC, que por meio do convívio nas aulas e nos encontros acadêmicos,
ampliaram a minha visão de estudos no campo da história das ciências e da saúde.

Aos funcionários da COC, que facilitaram esta pesquisa dando o suporte necessário que um
estudante de mestrado necessita.

Aos meus colegas alunos da COC que durante esse período intenso de estudos e pesquisas
possibilitaram uma convivência enriquecedora no campo acadêmico.

Aos amigos “canhotos”, que ao longo desses últimos anos me permitiram compreender a
importância de uma das funções de um historiador, contribuir com a construção da identidade de
um povo e do entendimento de suas atuais condições socioeconômicas.

Pai, chegou um pouco tarde, mas está aí. É só o começo!


“Se não buscarmos o impossível,
acabamos por não realizar o possível”.
Leonardo Boff, 2006
SUMÁRIO

Introdução 14

Capítulo 1 – A Conjuntura Política do Governo JK e a Área da Saúde 28

1.1 – A filosofia pública do governo JK: o desenvolvimentismo como 28


base política

1.2 – As origens da filosofia pública do governo JK 36

1.3 – Idéias programáticas para a área da saúde em Vargas e JK 46

Capítulo 2 – Por Uma Assistência Pública Psiquiátrica Nacional 57

2.1– As origens do SNDM: centralização normativa e a


descentralização executiva. 58

2.2 – A área psiquiátrica durante o governo JK: as idéias 77


Programáticas

2.2.1 – Os convênios para obras em instituições psiquiátricas 79


2.2.2 – Os convênios de manutenção de instituições psiquiátricas 93
2.2.3 – Os convênios para praxiterapia 102

2.3 – Os ambulatórios de higiene mental (AHM’s) 105

Capítulo 3 – A Assistência Psiquiátrica Pública na Cidade do Rio de Janeiro 111


Durante o Governo JK

3.1 – Os parâmetros assistenciais do SNDM na cidade do Rio de Janeiro 111

3.2 – O trabalho do SNDM na cidade do Rio de Janeiro na


Administração Kubitschek 115
3.3 – Os órgãos locais do SNDM na cidade do Rio de Janeiro 121
3.3.1 O Centro Psiquiátrico Nacional 123

3.3.2 A Colônia Juliano Moreira 129

3.4 – A permanência das mazelas assistenciais psiquiátricas na cidade 146


do Rio de Janeiro

3.5 – A expansão da assistência na cidade do Rio de Janeiro na 159


administração Kubitschek e suas características

Considerações Finais 167

Bibliografia 172
Fontes Primárias 172
Legislação 172
Acervo IMASJM 173
Periódicos 179
Artigos em periódicos 179
Referências Bibliográficas 180
Lista de Abreviaturas
• AHM’s – Ambulatórios de Higiene Mental
• CAP’s- Caixas de Aposentadoria e Pensões
• CGR – Colônia Gustavo Riedel
• CJM – Colônia Juliano Moreira
• COI – Clínica de Orientação Infantil
• CPIJ – Clínica Psiquiátrica Infanto Juvenil
• CPN – Centro Psiquiátrico Nacional
• DAP – Divisão de Assistência a Psicopatas
• DAPPM – Diretoria de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental
• DASP – Departamento de Administração do Serviço Público
• DNERu – Departamento Nacional de Endemias Rurais
• DGSP – Diretoria Geral de Saúde Pública
• DINSAM - Divisão Nacional de Doenças Mentais
• DNS – Departamento Nacional de Saúde
• DNSP – Departamento Nacional de Saúde Pública
• DOH – Divisão de Organização Hospitalar
• DOS – Divisão de Organização Sanitária
• EEAP – Escola de Enfermagem Alfredo Pinto
• HGR – Hospital Gustavo Riedel
• HNPI – Hospital de Neuro Psiquiatria Infantil
• HNS – Hospital de Neuro Sífilis
• HP II – Hospício Pedro II
• IAPs – Instituto de Aposentadoria e Pensões
• IMASJM – Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira
• INS – Instituto de Neuro-Sífilis
• IOC – Instituto Oswaldo Cruz
• IP – Instituto de Psiquiatria
• IPCPN – Instituto de Psiquiatria do Centro Psiquiátrico Nacional
• IPUB – Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil
• LBHM – Liga Brasileira de Higiene Mental
• MES – Ministério da Educação e Saúde
• MESP – Ministério da Educação e Saúde Pública
• MJ – Manicômio Judiciário
• MJHC – Manicômio Judiciário Heitor Carrilho
• MTIC – Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio
• PHP – Plano Hospitalar Psiquiátrico
• PAHP – Plano Mínimo de Assistência Hospitalar Psiquiátrico
• S.A – Seção de Administração
• SAP – Serviço de Assistência a Psicopatas
• S.C – Seção de Cooperação
• SNs – Serviços Nacionais
• SNM – Serviço Nacional de Malária
• SNDM – Serviço Nacional de Doenças Mentais
Lista de Quadro
P.
Quadro 1 Cronologia da inauguração de locais de internamentos de
doentes mentais no Brasil até 1954 61

Quadro 2 Recursos federais para a realização de convênios de obras


em instituições psiquiátricas nos estados (1946-1955) 81

Quadro 3 Detalhado sobre os recursos federais e estaduais para a


realização de convênios de obras em instituições
psiquiátricas (1946 - 1955) 82

Quadro 4 Recursos federais para a realização de convênios de obras


em instituições psiquiátricas (1956-1960) 85

Quadro 5 Contribuições federais e estaduais para convênios de obras


em instituições psiquiátricas (1956-1959) 86

Quadro 6 Detalhado sobre os recursos federais e estaduais para a


realização de convênios de obras em instituições
psiquiátricas (1956-1959) 87

Quadro 7 Comparação dos estados no ranking das verbas para convênios


de obras em instituições psiquiátricas 88

Quadro 8 Quotas estaduais não depositadas relativas aos convênios de


obras (1955 – outubro de 1959) 92

Quadro 9 Quotas federais para convênios de obras não pagas pelo


Ministério da Fazenda (1954 – 1959) 93

Quadro 10 Recursos federais recebidos pelos estados para convênios de


manutenção por número de leitos (1958) 95
Quadro 11 Relação entre os valores recebidos pelos estados a partir de
1959, para convênios de manutenção de hospitais 97
psiquiátricos locais por número de leitos

Quadro 12 Recursos financeiros para convênios de manutenção em


instituições psiquiátricas (1953-1955) 100

Quadro 13 Recursos financeiros para convênios de manutenção em


instituições psiquiátricas (1956-1960) 101
Quadro 14 Recursos financeiros para convênios de praxiterapia
firmados entre União e estados (1956-1960) 103
Quadro 15 Número de atendimentos nos Ambulatórios de Higiene
Mental no Brasil (1946-1960) 108
Quadro 16 Organograma da assistência psiquiátrica brasileira (1956-
1958) 118
Quadro 17 Organograma da assistência psiquiátrica brasileira (1958 até o
final do governo JK) 119
Quadro 18 Cargos de direção de instituições públicas relativas à área
psiquiátrica (1956-1960) 123
Quadro 19 Pacientes internados no CPN, por unidade de tratamento
(1953-1959) 128
Quadro 20 Primeiras admissões no CPN, por unidade de tratamento
(1956-1959) 129
Quadro 21 Situação ocupacional da CJM no último dia de cada ano
(1948 – 1958) 133
Quadro 22 Disposição dos doentes em trabalho na CJM, por sexo
(1957-1958) 135
Quadro 23 Comparação de internados no CPN e na CJM no último 136
dia dos respectivos anos (1953-1959)

Quadro 24 Número de pacientes transferidos do CPN para a CJM 137


(1956-1959)
Quadro 25 Número de pacientes admitidos na CJM (1956-1960) 138

Quadro 26 Movimentação de doentes do AHM da CJM (1954-1960) 142

Quadro 27 Tratamentos realizados no AHM da CJM (1954-1960) 143

Quadro 28 Doentes matriculados no AHM de Jacarepaguá por 145


bairros de procedência (1956-1958)

Quadro 29 Mapa de Movimentação de Doentes Mentais no DF entre 160


(1951-1959)
RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar a atuação do Serviço Nacional de Doenças Mentais
(SNDM) durante a administração Kubitscheck (1956-1960), em especial a destinada à cidade do
Rio de Janeiro, considerando-se o contexto histórico e político do nacional desenvolvimentismo.
Para tanto foram analisadas fontes primárias encontradas em periódicos psiquiátricos e
documentação do SNDM encontrada no Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano
Moreira (IMASJM), além de bibliografia acerca da assistência psiquiátrica, saúde pública e o
governo JK. Criado em 1941, durante o período do primeiro governo de Getúlio Vargas,
intitulado como Estado Novo, o SNDM foi idealizado como o órgão administrativo de
abrangência nacional que, pela primeira vez, possibilitasse a expansão da assistência psiquiátrica
pública para todas as regiões brasileiras. Observamos que na cidade do Rio de Janeiro, este órgão
federal também agia de forma direta na área executiva das políticas públicas para o setor, tendo
sob sua subordinação instituições que prestavam serviços psiquiátricos assistenciais à população.
Em relação aos estados, o SNDM participava de forma indireta na execução, pois as instituições
psiquiátricas locais eram administradas pelos governos estaduais. Por outro lado, exercia função
normatizadora e financiadora das assistências psiquiátricas locais, por meio de convênios
firmados com os estados para a realização de obras, manutenção de instituições psiquiátricas e
realização de terapêutica praxiterápica. Observamos assim como o nacional-
desenvolvimentismo, colocado em prática, principalmente, por meio da expansão da atuação
estatal no interior do país, convergia com uma das principais diretrizes do SNDM, a saber, a
expansão das ações federais no campo psiquiátrico em todo o país, e não apenas nos principais
centros políticos e econômicos do país.
ABSTRACT

Created in 1941, during the period of the first Government of Getúlio Vargas, titled as "Estado
Novo", the National Service of mental illness (SNDM) was designed as the first nationwide
organ that, in fact, allow the expansion of public psychiatric care for all Brazilian regions.
However, it was in the city of Rio de Janeiro, this federal agency acted directly on the Executive
public policies for the sector. Having under his subordination four institutions that provided
assistance to psychiatric services. In relation to States, the SNDM acted indirectly in the
implementation, because the local psychiatric institutions were administered by State
Governments. On the other hand, normatizadora function and funding of local psychiatric
assistance, through agreements concluded with the States for the execution of works,
maintenance of psychiatric institutions and praxiterápica therapy. This dissertation aims to
analyze the performance of SNDM during Kubitscheck administration, which in turn, had as its
main flag national developmentalism, put into practice, especially through the expansion of State
activities in the interior of the country. Converging with one of the main guidelines of SNDM,
the expansion of federal actions in the psychiatric field across the country, and not just in the
main political and economic centers of the country.
14

INTRODUÇÃO

Ainda criança fui morar no bairro de Jacarepaguá, a apenas dois quilômetros e meio da
Colônia Juliano Moreira, da janela do meu quarto é possível ver o morro Dois Irmãos, localizado
ao lado da instituição. Essa proximidade, paradoxalmente somada a dificuldade de acesso ao
local, que ajudava a constituir o imaginário coletivo da população da região sobre a Colônia, a
transformava em um dos piores pesadelos para uma criança. Somado a isso, todas as pessoas que
apresentavam crises agudas de distúrbios mentais acompanhadas de agressividade, que
colocassem em risco a sua própria vida ou a de outras pessoas eram lá internadas, e na maioria
das vezes nunca mais tínhamos notícias delas. A Colônia era na minha concepção infantil e de
muitos dos meus amigos na época, um local habitado por pessoas “perigosas” e “desajustadas” e
ninguém sabia o que se passava por lá; era, portanto, um local a ser evitado.

Ao chegar à adolescência o medo transformou-se em curiosidade e aos dezesseis anos, em


1997, junto com alguns amigos entramos pela primeira vez na Colônia. Éramos cinco jovens
dentro de um carro, que não tinham a menor ideia do que iriam ver pela frente. Porém, as
respostas não demoraram a chegar. Logo na entrada nos deparamos com pessoas de “aparente
normalidade”, andando de bicicleta (meio de transporte muito comum para as pessoas daquela
região na época), linha de ônibus, carros, casas, escolas, campos de futebol, clube, etc. Encontrar
tamanha “normalidade” num ambiente envolto, até então, de grandes mistérios e cenário de
histórias sem nenhuma comprovação – mas que repetida inúmeras vezes à garotada tornavam-se
verdades incontestes – nos causou certa decepção.

Quando já havíamos aceitado a ideia de que tudo que ouvíamos até então sobre o local
eram apenas estórias, nos deparamos com um grupo de internos que andavam pelo meio da rua
em sentido contrário ao do carro em que estávamos, eram cerca de cem pessoas, todas vestiam
calça azul e camisa branca. O impacto daquela cena para nós foi avassalador, demoramos muito
a tomar uma decisão. Quando nos demos conta a massa uniformizada de azul e branco já estava
ao nosso lado. A cena foi marcante, todos de cabeças raspadas, quase carecas, inclusive as
mulheres, praticamente todos sem dentes ou com pouquíssimos na boca, alguns deles com
olhares perdidos, outros com olhos arregalados que pareciam prestar atenção em tudo ao mesmo
tempo.
15

Olhares entre ambos os grupos se entrecruzavam: do lado deles, uma mistura heterogênea
e paradoxal entre curiosidade e indiferença; do nosso, predominava o medo; do meu, em
especial, além do temor, um misto de curiosidade e compaixão. Deste momento em diante a
Colônia Juliano Moreira passou a ser um foco inesgotável de perguntas a serem preenchidas.
Nascia assim, um historiador da psiquiatria.

Na graduação em história pela Universidade Veiga de Almeida (2006-2009), tive a


oportunidade de produzir como monografia de conclusão de curso um trabalho sobre a
transferência das Colônias Agrícolas de Alienados da Ilha do Governador para Jacarepaguá na
década de 1920, onde até os dias atuais funciona a Colônia Juliano Moreira1 (CJM). Tal estudo
teve como título As Doenças Mentais no Sertão Carioca, que identificava essa mudança de
destino com a necessidade de isolamento dos “incuráveis” para bem longe da “vida normal” e
urbana da cidade, e especificamente nesse caso, para uma região ainda rural. Este trabalho
dissertou sobre o isolamento do “louco” enviado à CJM, analisando a cidade do Rio de Janeiro e
sua área rural durante a década de 1920.

Durante a elaboração desta monografia me deparei com farta informação sobre a história
da psiquiatria no Brasil no que diz respeito a sua gênese enquanto especialidade médica durante
o século XIX, sobre a expansão da assistência pública psiquiátrica até a década de 1940 e, por
fim, sobre a reforma psiquiátrica brasileira levada a efeito já no final da década de 1970. O
campo da história da saúde relativa à psiquiatria brasileira revela-se, no tocante as suas políticas
públicas, uma seara que ainda permanece na penumbra devido à ausência de dados substanciais
relativos ao seu desenvolvimento histórico. Há uma lacuna grande no que diz respeito ao recorte
temporal das pesquisas já feitas sobre tal temática. Observa-se assim, um vazio historiográfico
entre as décadas de 1950 e 1960. Portanto, este trabalho pretende começar a compreender de que
forma a assistência psiquiátrica pública no Brasil pode, ainda na década de 1940, estar em ampla
expansão e ser alvo de grande investimento, mesmo que por vezes considerado insuficiente, e
três décadas depois apresentar um quadro de abandono atroz aos que necessitavam de tais
serviços. O que acontecera entre as décadas de 1950 e 1960 no que se refere às políticas públicas
de saúde para a área psiquiátrica?

1
Inaugurada em 29 de março de 1924.
16

Desse modo, com a perspectiva da realização do mestrado, ainda em 2010, me interessei


em aprofundar o estudo relativo ao período da administração de Juscelino Kubitscheck (1956-
1961), pois do ponto de vista da assistência psiquiátrica trata-se do primeiro período que não
contou com a participação de Adauto Botelho como diretor do SNDM, que chefiou o órgão
desde sua criação em 1941 até setembro de 1954, logo após a morte de Getúlio Vargas. Portanto,
a relevância deste trabalho se expressa na observação de um período da história da psiquiatria no
Brasil pouco estudado, seu desenvolvimento e conclusão buscou coletar, sistematizar e analisar
informações importantes sobre as políticas públicas psiquiátricas aqui empreendidas.

A concentração de pesquisas a respeito do período compreendido entre a segunda metade


do século XIX – que se inicia anos antes de ser oficializada a intenção de se construir o hospício
Pedro II, em 1840, inaugurado apenas em 1852 – até as primeiras décadas do século XX, tem
como principais referências os trabalhos de Machado (1978), Costa (1989), Resende (1987),
Cunha (1990), Engel (2001) e outros. Sobre o período a partir de 1940, observam-se alguns
trabalhos que tratam dos reflexos e conseqüências derivadas da criação do SNDM no contexto
das políticas de saúde. As análises se detêm mais precisamente, na gestão de Adauto Botelho e
identificam consideráveis mudanças na política pública, tanto no DF quanto em todo o Brasil,
através da expansão da assistência psiquiátrica com a construção de hospitais-colônias e
ambulatórios para tratamentos de doentes mentais (cf. Fabrício, 2009; Venancio & Cassilia,
2010). Sobre o período imediatamente correlato o trabalho de Dias (2003) analisa a
transformação dos ateliês de pintura e modelagem da Seção de Terapêutica Ocupacional do
Centro Psiquiátrico Nacional (CPN), sob a direção da psiquiatra Nise da Silveira a partir de
1946, em Museu de Imagens do Inconsciente inaugurado em 1952. A autora disserta sobre como
o discurso psicanalítico no Brasil na primeira metade do século XX foi articulado às idéias das
terapêuticas que se utilizavam das expressões artísticas auxiliando no tratamento dos internos
daquela instituição.

Já em relação à década de 1950 e 1960 não encontramos trabalhos acadêmicos que


abordem especificamente as políticas públicas de saúde mental então planejadas e executadas
pelo SNDM. Observamos apenas a existência de trabalhos realizados a partir da década de 1970
que, no intuito de fazer uma reconstrução histórica da assistência psiquiátrica brasileira, analisam
as diretrizes que nortearam as ações do setor através de uma narrativa linear e cronológica,
17

iniciando-a no período de gênese da psiquiatria brasileira, na segunda metade do século XIX, até
o período contemporâneo à produção de tais textos. Nestes termos, analisam o processo de
criação da assistência psiquiátrica, sua expansão a partir da atuação do SNDM no Estado Novo
Varguista e seu processo de degradação que culminou com uma forte contestação do modelo
assistencial vigente à época, por parte dos profissionais do setor, resultando na chamada reforma
psiquiátrica. (cf. Medeiros, 1977; Resende, 1987; e Paulin & Turato, 2004).

A falta de pesquisas específicas mais recentes sobre a história da psiquiatria nos anos de
1950 e 1960 fica subordinada a um maior interesse no desenvolvimento de estudos sobre um
período relacionado à transformação da assistência psiquiátrica que se processa no Brasil a partir
do final da década de 1970 (cf. Medeiros, 1977; Resende, 1987; e Paulin & Turato, 2004). Tal
transformação teve como estopim um episódio conhecido como a “crise da Dinsam”, “...onde
profissionais das grandes unidades do SNDM no Rio de Janeiro (Centro Psiquiátrico Pedro II –
CPPII; Colônia Juliano Moreira; Hospital Pinel; e Manicômio Judiciário Heitor Carrilho –
MJHC) deflagram uma greve...” (cf Amarante 1995, p.58). A partir desta temática, a produção
acadêmica sobre assistência psiquiátrica volta a se fazer presente com mais constância,
principalmente analisando e descrevendo modelos e experiências de atendimento psiquiátrico no
Brasil contemporâneo consideradas expressivas da reforma psiquiátrica.

Em suma, estuda-se majoritariamente a medicina mental e o processo de


institucionalização da psiquiatria, assim como sua expansão e suas formas de ação até o período
relativo ao final da década de 1940. Ao mesmo tempo, observa-se trabalhos que se apresentam
na outra “borda” temporal analisando o fracasso desse mesmo sistema assistencial, quando é
afirmado e denunciado que, no final dos anos de 1970, o que se produziu foi uma assistência
psiquiátrica pública falida, inchada, abandonada, com seus pacientes jogados à sua própria sorte,
em um ambiente, segundo a visão dos próprios estudiosos e profissionais da área, mais parecido
com um verdadeiro cemitério de vivos2. Mas como essas instituições chegaram a esse ponto? Por
que se deterioraram drasticamente os serviços públicos na área psiquiátrica destinado quase que
exclusivamente às pessoas mais necessitadas da nação? Neste sentido a análise das ações do

2
O termo é retirado do título: Diário do Hospício: o cemitério dos vivos, livro escrito por Lima Barreto, durante
uma de suas internações no Hospício Nacional de Alienados no Rio de Janeiro.
18

SNDM durante o governo JK, que se constitui num período pouquíssimo analisado pela
historiografia da psiquiatria, como já mencionado, permite a construção de bases para futuras
comparações acerca das permanências e rupturas nas diretrizes e ações desse órgão na condução
da assistência psiquiátrica nacional.

Para a realização deste trabalho utilizei fontes secundárias e primárias de pesquisa. As


primeiras visavam a análise das origens e desenvolvimentos das políticas públicas de saúde do
governo JK e da assistência psiquiátrica brasileira, realizada por intermédio do SNDM. Para
tanto escolhi quatro textos: “A Saúde na Construção do Estado Nacional no Brasil: Reforma
Sanitária em Perspectiva Histórica” de Nísia Trindade Lima, Cristina M. O. Fonseca e Gilberto
Hochman (2005), Saúde no Governo Vargas (1930-1945): dualidade institucional de um bem
público de Cristina Fonseca (2007), “História das Políticas de Saúde no Brasil de 1822 a 1963:
do Império ao Desenvolvimentismo Populista” de Sarah Escorel e Luiz Antonio Teixeira (2008),
“O Brasil não é só doença: o programa de saúde pública de Juscelino Kubitscheck”, de Gilberto
Hochman (2009).

Lima, Fonseca e Hochman (2005), destacam a importância de uma reflexão sobre a


história das políticas de saúde no Brasil e sua relação com o processo de construção do Estado
Nacional, questionando duas tendências predominantes das representações sobre o passado
nacional: na primeira delas, seus autores são os protagonistas do processo histórico sobre o qual
estão escrevendo, e assim, vêem o momento anterior ao deles como não existente em seu campo
de pesquisa, “uma espécie de marco zero”. Nessa perspectiva, segundo os autores citados, a
história das políticas públicas de saúde é contada enfatizando-se as descontinuidades entre os
diferentes períodos históricos. É assim, por exemplo, que é pensado o período relativo ao
movimento revolucionário de 1930 em relação à Primeira República, do mesmo modo que o
momento de redemocratização após a constituição de 1988 teria se afastado enormemente dos
preceitos presentes na ditadura militar iniciada em 19643. A segunda tendência predomina no
imaginário sócio-político nacional e contrasta claramente com a primeira ao enfatizar as
continuidades dos processos históricos. Defende-se que no Brasil nada mudou ao longo de sua
história, onde se realça o caráter exclusivista e, portanto, desigual da sociedade brasileira.

3
Lima, Fonseca e Hochman (2005) não mencionam como exemplos as rupturas consideradas expressivas no
governo JK, tanto em relação às administrações anteriores quanto em relação aos governos posteriores a este.
19

Saúde no Governo Vargas (1930-1945): dualidade institucional de um bem público de


Fonseca (2007), embora não trate especificamente do estudo do setor da saúde durante a
administração JK é uma obra fundamental para o entendimento do quadro institucional da saúde
pública no Brasil durante a década de 1950, pois recupera a história do processo de
institucionalização do setor identificando as concepções que orientaram seu processo de
formação profissional e organização institucional, tendo no governo Vargas seu marco histórico.
Usa como parâmetro a literatura institucionalista, destacando os momentos de criação e
mudanças das instituições e seus papéis desempenhados no cenário político, ressaltando o poder
e suas relações assimétricas, enfatizando a importância da ideia de path dependency
(dependência de trajetória), a qual sublinha que “políticas públicas implementadas em um
determinado período não surgiram do nada, mas apresentam algum vínculo com as instituições
preexistentes” (Fonseca, 2007, p.14). A autora também aborda a questão de como ideias tornam-
se políticas públicas dentro do processo de policy-making (formulação de políticas) a partir do
conceito formulado por Margareth Weir (1992). Para esta autora, a formulação de políticas
públicas compreende a existência tanto de uma filosofia pública, isto é, noções relacionadas a
princípios morais e ideológicos representados por meio de símbolo ou discurso retórico, quanto
por ideias programáticas que exprimem terminologias técnicas dos profissionais ou especialistas
em um determinado campo de ação, havendo uma relação de interdependência entre ambas
(idem, p.207).

Ao analisar as origens das diretrizes presentes na institucionalização da saúde pública


brasileira, incluindo a criação dos Serviços Nacionais, entre eles o SNDM, criados durante o
governo Vargas, Fonseca (2007) identifica a formação da ideia sobre saúde como um bem-
público e dessa forma como um dever do Estado, cuja característica, como afirma o título do
livro, era de dualidade na responsabilidade em relação ao fornecimento dos serviços de saúde.
Por um lado havia o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) ancorado em
diretrizes definidas a partir da assistência de modelo previdenciário, individualizada, na qual
somente os indivíduos partícipes de uma “cidadania regulada4” poderiam ser contemplados.
Nesse grupo estavam os inseridos no mercado formal de trabalho, apenas os trabalhadores
urbanos e amparados por princípios corporativos que definiam o reconhecimento de suas

4
Fazia-se cidadão todos os membros da sociedade que exerciam qualquer atividade trabalhista reconhecida e
definida por lei (Santos, 1987, p. 68).
20

cidadanias. Quem não estivesse enquadrado a esses parâmetros, os pré-cidadãos – pobres,


desempregados ou os que exerciam atividades informais de trabalho – eram atendidos no campo
da saúde pública por meio do Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP). A autora destaca
ainda que, a partir da criação dos Serviços Nacionais em 1941, teria havido um direcionamento
das ações do MESP em direção a parâmetros universais, fortalecendo-se também o poder federal
dentro das esferas estaduais, por meio da centralização administrativa e normativa, mas
mantendo-se a descentralização executiva. Como veremos, esse processo também ocorreu tanto
na assistência psiquiátrica, por meio das ações do SNDM, tanto quanto na área de saúde como
um todo.

Escorel e Teixeira (2008) analisam o processo de formulação e desenvolvimento das


políticas que moldaram o sistema de saúde no Brasil, e que deram origem ao Sistema Único de
Saúde (SUS). Para tanto, utilizam a contextualização política, social e econômica de cada um dos
momentos estudados para construir seus argumentos e teses. Separando-o em três períodos
caracteriza-os por recortes temporais e políticos. O primeiro se inicia no final do Império à
Primeira República (Velha), período ao qual são formuladas as primeiras ações governamentais
de saúde, ainda restritas às grandes cidades. Posteriormente, analisa-se a Era Vargas e o processo
iniciado neste período de regulação das relações de trabalho e transformação da agenda política
de saúde que passa a incorporar trabalhadores urbanos às bases do sistema previdenciário que se
ampliava. Para finalizar, o “desenvolvimentismo populista” - objeto de interesse desta pesquisa -
período ocorrido entre os governos de Dutra à João Goulart (1946-1964) que, para os autores,
tem na incorporação cada vez mais ampliada da assistência médica aos assegurados pela
previdência social, uma de suas características mais marcantes.

O trabalho de Hochman (2009) é importante fonte de consulta para a presente pesquisa,


pois permite uma análise do programa de saúde do ainda candidato a presidência Juscelino
Kubitschek e suas visões de Brasil, o qual o percebe como um país com graves problemas na
vida de seu povo interiorano, devido a anos de abandono. Abordando como JK elaborou seu
projeto de combate às endemias rurais no contexto de suas idéias desenvolvimentistas, indica e
problematiza a articulação entre saúde e desenvolvimento socioeconômico, do mesmo modo que
aponta as mudanças nas diretrizes de atuação do futuro governo, que enfatizavam a necessidade
de combater as endemias rurais (Kubitschek, 1955).
21

A partir da leitura dos textos acima pude perceber que ao longo das décadas de 1950 e
1960 a saúde pública no Brasil adquiriu características conceituais próprias, quando novos
sentidos foram dados à construção do Estado e da nação, sendo relacionados diretamente com o
“otimismo sanitário” do pós-guerra, quando se observou um aumento no poder da ciência e da
medicina (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, p.46). Neste momento associava-se saúde a um bem
de valor econômico, sendo o investimento em capital humano fundamental para o
desenvolvimento e progresso das nações, especialmente nos países mais pobres, onde doenças,
em particular, as transmissíveis, tornavam-se obstáculos ao desenvolvimento dos países: o
combate a esses males servia de critério para classificar territórios e incorporá-los
assimetricamente ao mundo capitalista e “moderno” (idem, p.47).

A exceção de Hochman (2009) nenhum dos trabalhos supracitados estudam


especificamente o período escolhido por este projeto. Entretanto, Lima, Fonseca & Hochman
(2005) e Escorel & Teixeira (2008) trazem uma análise, sob perspectiva histórica, da construção
do sistema de saúde pública nacional, ambos fundamental para a compreensão de como se
constitui o sistema de saúde pública vigente nos dias atuais. Ao se debruçarem nas origens desse
sistema no início do século XX5, tais trabalhos possibilitam o entendimento sobre o quadro
constituído no setor durante o governo nacional-desenvolvimentista de JK, em que houve uma
articulação em torno da idéia de ação estatal relacionada aos temas do desenvolvimento e da
saúde, com diferentes ênfases em cada um, mas sobre o qual se observa claramente um
investimento no combate às endemias rurais e nos caminhos ideológicos e institucionais a ele
relacionados. A mesma importância se aplica a obra de Fonseca (2007), pelo fato de tratar de
modo aprofundado o período histórico anterior, quando se estruturou a organização
administrativa da saúde herdada pelo governo JK. Tomando como parâmetro a ideia de que o
sistema de saúde pública no Brasil teve como marco histórico o período Vargas, a autora defende
que foi neste momento que se constituiu a ideia de saúde como bem público, e consequentemente
dever do Estado.

Como fontes primárias utilizei vários tipos de documentos: legislação sobre assistência
psiquiátrica; periódicos de instituições assistenciais e normativas relativas ao campo psiquiátrico,
todos encontrados na seção de periódicos da Biblioteca Nacional; relatórios anuais de todos os

5
Embora Escorel e Teixeira (2008) vão mais além, iniciam sua pesquisa no período final do império.
22

hospitais6 e ambulatórios públicos do então Distrito Federal administrados diretamente pelo


SNDM, assim como os relatórios deste órgão e de suas seções de Administração e de
Cooperação, os quais eram enviados anualmente ao Departamento Nacional de Saúde (DNS). Os
referidos relatórios encontram-se no Centro de Documentação e Pesquisa do Instituto Municipal
de Assistência à Saúde Juliano Moreira (IMASJM) no bairro de Jacarepaguá na cidade do Rio de
Janeiro na seção: arquivos da DINSAM (Divisão Nacional de Doenças Mentais), novo nome
dado ao SNDM em 1970. Além desses relatórios utilizamos outras fontes documentais do
SNDM localizados no centro de documentação supracitado, como irei descrever a seguir.

Os periódicos consultados para o levantamento de textos foram: Arquivos do Serviço


Nacional de Doenças Mentais e a Revista Brasileira de Saúde Mental. O primeiro foi editado
pela primeira vez em 1942, pelo DNS e pelo Ministério da Saúde. Era um misto de balanço das
atividades do SNDM com seus relatórios e informativos de eventos a ocorrer e ocorridos na
assistência psiquiátrica nacional, além de servir como instrumento científico de divulgação dos
trabalhos de pesquisa realizados por psiquiatras brasileiros. Composto por seções intituladas
trabalhos originais, conferências, relatórios e noticiários, foi publicada de forma regular de 1942 a
1945, ocorrendo uma pausa entre os anos de 1946 e 1948 e prosseguindo após este intervalo. Neste
trabalho foi utilizada somente a edição de 1955, número IV, pois não foi encontrado outro número
referente ao período de interesse dessa pesquisa.

A Revista Brasileira de Saúde Mental, outro periódico consultado, era um veículo de


divulgação científico do Serviço Nacional de Doenças Mentais. Sua primeira publicação ocorreu
em 1955. A separação de seu conteúdo é feita através de segmentos, classificados da seguinte
forma: artigos originais, onde são apresentados textos de profissionais ligados à psiquiatria sobre
questões referentes a essa ciência. Conferências, lições e comunicações, são textos referentes à
assuntos discutidos em outras instituições ou em eventos como congressos e conferências. Notas
psiquiátricas são textos referentes a algum fato marcante da época, como aniversário de
nascimento ou de morte de algum grande nome da psiquiatria ou psicologia ou mesmo uma
homenagem a algum profissional da área. Livros em revista é outro segmento apresentado nesse
periódico, onde são feitas apresentações de livros sobre a temática da doença mental. Revistas
6
Centro Psiquiátrico Pedro II ou Centro Psiquiátrico Nacional, Colônia Juliano Moreira, Hospital de Neuro-Sífilis,
Hospital do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB), Hospital Gustavo Riedel e Manicômio
judiciário Heitor Carrilho.
23

das revistas contêm arquivos acadêmicos nacionais e estrangeiros sobre a psiquiatria; e por fim,
Noticiários, onde são publicadas notícias referentes ao próprio órgão e suas atividades. Por meio
desses dois periódicos pude acessar informações sobre os mecanismos assistenciais psiquiátricos
utilizados na década de 1950 pelo SNDM, tais como, as terapêuticas ofertadas, o modelo asilar
predominante, as diretrizes utilizadas na expansão desta assistência para todo o território
nacional e o modus operandi do órgão na cidade do Rio de Janeiro.

As demais fontes documentais produzidas pelo SNDM e seus órgãos, utilizadas nesta
pesquisa, estão localizadas no Centro de Documentação e Pesquisa do IMASJM. Trata-se de
1500 caixas, com apenas 1000 caixas catalogadas, as quais tem como instrumento de busca uma
listagem num caderno manuscrito. A partir dessa listagem foram selecionados os seguintes tipos
de documentos: os relatórios elaborados pelas instituições assistenciais no DF subordinadas ao
SNDM, relatórios do próprio SNDM referentes aos serviços prestados na assistência pública
psiquiátrica no DF entre os anos de 1953 e 1961; novas legislações, portarias e decretos;
correspondência entre autoridades, termos de convênios, termos de acordos, planos de
emergência e relação de redistribuição de pacientes, tanto do SNDM quanto de suas instituições
subordinadas no Distrito Federal durante os anos de 1954 e 1961; por fim, as justificativas
orçamentárias que demonstram em que os diretores das instituições psiquiátrica da cidade do Rio
de Janeiro utilizavam suas verbas, o que permitirá observar quais eram as suas demandas no ano
a que se referir o documento.

Inspirado na análise realizada por Fonseca (2007) sobre como as ideias presentes nos
diversos setores que compunham a base política de apoio do governo Vargas tornaram-se de fato
ações de políticas públicas, utilizo como referencial teórico a relação entre os conceitos de
filosofia pública e ideias programáticas formulado por Margareth Weir (1992), que me permite
compreender quais as diretrizes das políticas públicas articuladas ao ideário do governo JK e
como elas se faziam presentes na prática. A autora formulou tais conceitos, de filosofia pública e
ideias programáticas, no intuito de analisar a influência das ideias nas ações governamentais,
examinando assim, o ajuste entre ideias e políticas e investigando como e por que elas mudam
durante todo o tempo. Para isso, a autora rastreia o desenvolvimento e o trajeto que
influenciaram essas ideias e interesses materiais dentro do contexto institucional do que ela
chama de policy-making (formulação de políticas). Toma como estudo de caso o
24

desenvolvimento das políticas de geração de emprego dos Estados Unidos entre o New Deal7 e a
administração Reagan (1981-1989), com ênfase na análise de quando e como algumas ideias
deixam de influenciar o cenário político. Weir explica que durante a década de 1930 o Estado
americano era um grande provedor de oferta de emprego, onde a filosofia pública
(Keynesianismo) estava em adequação com as ideias programáticas (aumento na participação
estatal na economia e consequentemente no planejamento da política nacional de expansão do
mercado interno) do período pós-crise de 1929. Já na década de 1970 esse papel estatal
começava a perder força e ser questionado e, na década seguinte, principalmente na metade final
do decênio, o debate mudou: de “como” o governo deveria agir passou para “se” o governo
deveria agir. Segundo a autora, Reagan em seu segundo mandato, com seu grande ímpeto
neoliberal, intensificou a desmontagem do estado de bem-estar social, a desregulamentação da
economia e, como conseqüência, viu ampliar o desemprego dos norte-americanos e a
concentração de renda dos mais ricos. Para Weir, a força das ideias de Reagan (filosofias
públicas), pró-mercado, ganhou vulto devido a uma atraente retórica e um conjunto de ideias
programáticas sobre o funcionamento da economia, somado a desilusão sobre os rumos
econômicos do país nos anos 1970. Tais ideias pareciam plausíveis, em parte, porque eram
visivelmente aptas a serem colocadas em prática pelas instituições norte-americanas, estando
assim em consonância com os meios administrativos8 do período (Weir, 1992, p.208).

Essa perda de importância de algumas ideias, tornando-se menos prováveis de influenciar


políticas, ocorre, segundo a autora, quando há uma disjunção entre ideias, políticas e meios
administrativos. Weir cita como exemplo o sucesso do advento do Keynesianismo no pós-crise
de 1929, onde tal concepção ideológica e política tinha conseguido juntar um conjunto de ideias
programáticas e administrativas enraizadas dentro de uma visão política mais ampla, totalmente
articulada com os projetos de lei econômicas de Roosevelt em 1944. Anos depois, ideias
enquanto filosofias públicas tornaram-se cada vez mais distantes das ideias técnicas e políticas, e
essas se divorciaram da administração, o que consequentemente empobreceu ambas. Embora
essa relação entre filosofia pública e ideias programáticas seja de interdependência, é importante

7
Plano elaborado na administração de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945) por um grupo de economistas que se
baseavam nas teorias de John Maynard Keynes, que deu origem ao Keynesianismo (teoria econômica anti-liberal),
que tinha como objetivo superar as dificuldades econômicas norte-americanas do pós-crise de 1929.
8
Por meios administrativos Weir (1992) entende os mecanismos de efetivação das ideias programáticas, tal como
verbas e aparato técnico disponíveis para efetivação de políticas estipuladas a um determinado setor.
25

diferenciá-las em termos de suas influências no campo político. Filosofia pública tem um papel
central na organização política, mas sua capacidade de dar direção às ações é limitada, pois sem
articular-se às ideias programáticas sua influencia é dificilmente sustentada. Da mesma forma o
inverso, ideias programáticas são mais válidas quando sujeitas a uma filosofia pública; ainda
que tais ideias precisem estabelecer laços com os meios administrativos, pois quando não
articuladas, a influencia de cada uma tende a não se estabelecer (Weir, 1992, p.208).

Para o presente trabalho tal teoria norteia a análise do conjunto de ideias e ações do
governo JK (1956-1961), entendendo como filosofia pública de seu governo as concepções em
torno do desenvolvimentismo, que tem no período imediatamente após a segunda guerra mundial
o seu florescer, chegando ao ápice no final da década de 1950. Boris Fausto (2001) classifica
esse conceito como nacional-desenvolvimentismo, o qual sintetiza uma política econômica que
tratava de combinar o Estado, a empresa privada nacional e o capital estrangeiro, com ênfase na
industrialização, simbolizada pelo Plano de Metas. No campo social as ideias e ações eram
norteadas e diluídas nos conceitos de atraso/pobreza, identificadas como a primeira causa da
posição desfavorável do país no cenário internacional. Assim, sua superação seria possível uma
vez que fosse atacada a origem do problema: o sub-desenvolvimentismo dos países agro-
exportadores. Neste caso, a miséria é tratada em termos quantitativos e medida por padrões
nacionais (PNB, renda per capta, índices de produção industrial, etc). “Em outros termos... o
combate à miséria é idêntico ao aumento da riqueza nacional” (Teixeira, 1988, p.12). Portanto,
a miséria não se constituía num problema social, mas sim numa preocupação econômica, em que
a ênfase na industrialização, aparecia como modo de melhorar a condição de vida da população
brasileira.

Quanto às ideias programáticas do governo estudado, trata-se de ideias presentes no


vocabulário dos profissionais e especialistas nas diversas áreas em que o governo JK atuava. No
que diz respeito ao interesse deste trabalho, investigou-se e analisou-se as ideias programáticas
da área psiquiátrica, no contexto das políticas públicas de saúde, no modo com se apresentam
tanto nos artigos dos periódicos consultados, nos relatórios do SNDM ou de suas instituições
subordinadas que prestavam assistência psiquiátrica pública na cidade do Rio de Janeiro, quanto
na legislação que regia tal área de atuação. Os referidos relatórios e legislação também serviram
26

para a compreensão dos meios administrativos disponíveis para a implantação da assistência


psiquiátrica do governo JK.

Desse modo, o texto que segue está divido em três capítulos. No primeiro capítulo,
intitulado “A Conjuntura Política do Governo JK e a Área da Saúde”, buscou-se compreender
como um governo como uma administração federal, mesmo num período conturbado, com
tentativas de golpes de estado e investidas militares para impossibilitar posses de presidentes,
como foi no seu próprio caso, conseguiu estabilidade política e institucional para empreender
tantos projetos modernizantes de tamanha envergadura. Ao longo do capítulo é possível observar
que foi a ideologia desenvolvimentista de JK que possibilitou a integração de forças políticas e
sociais, no Congresso, nas forças armadas, nas classes trabalhadoras urbanas e na burguesia
industrial, em torno de seu governo, pois viam em tal “filosofia pública” – o desenvolvimentismo
– viabilidade necessária para apoiá-lo. Porém o desenvolvimentismo atuava em conjunto com o
nacionalismo integrador, no qual o desenvolvimento econômico e social somente seria bem
sucedido se houvesse integração nacional e, portanto, se o Estado brasileiro fosse capaz de levar
suas ações de forma homogênea para todo o seu território, ainda que respeitando as vicissitudes
locais, inclusive na área da saúde. Tanto a filosofia pública quanto as ideias programáticas para a
área da saúde da administração Kubitscheck, são originários de períodos pretéritos ao seu
governo, em especial o primeiro governo Vargas (1930-1945) que, ao longo dos anos, foram
recebendo novas características e perdendo outras, dependendo das contingências de cada
período.

A abordagem sobre a assistência psiquiátrica da administração Kubitscheck é realizada a


partir do segundo capítulo: “Por Uma Assistência Pública Psiquiátrica Nacional”. Devido à
ausência de trabalhos referentes a esse período que analisem a história da psiquiatria no Brasil,
foi necessário observar a origem das ideias e instituições psiquiátricas que atuavam no setor
durante este governo, em relação ao primeiro governo Vargas, e mais especificamente ao Estado
Novo (1937-1945). É neste período que é criado o SNDM, o primeiro órgão de caráter nacional
que atuava na área psiquiátrica, a partir da percepção de que somente as ações estatais federais
poderiam tirar o Brasil do atraso imposto por anos de domínio oligárquico nos estados. Neste
sentido, o órgão tinha como principal objetivo expandir a assistência psiquiátrica para todo o
país. Para tanto, tinha como uma de suas muitas funções centralizar em si a formulação das
27

políticas públicas para a área psiquiátrica no país, o que permaneceu durante o governo JK.
Entretanto, o SNDM não agia plenamente de forma direta nos estados. Centralizava-se no órgão
as ações normativas e financiadoras por meio de convênios firmados com os governos locais
para a realização de obras nas instituições locais, manutenção de seus hospitais e promoção da
praxiterapia como método de terapêutica a ser utilizado. Além disso, pequena parte da
assistência, também era prestada nos estados por meio do SDNM, através de alguns ambulatórios
de higiene mental espalhados pelas unidades da federação e administrados diretamente pelo
órgão. Porém, a parte executiva dos hospitais locais ficava a cargo dos governos estaduais.

A assistência psiquiátrica no Distrito Federal é abordada no terceiro capítulo, intitulado:


“A Assistência Psiquiátrica Pública na Cidade do Rio de Janeiro Durante o Governo JK”. Esta
parte do presente trabalho aborda as especificidades das ações federais na cidade do Rio de
Janeiro, o que tem uma enorme importância conceitual para entendermos a política pública
nacional em psiquiatria. Já que a cidade do Rio de Janeiro era o único local em que o SNDM
além de normatizar e financiar a assistência também administrava diretamente as instituições
públicas de tratamento, é possível por trás das ações dos órgãos cariocas subordinados ao
SNDM, mapear e compreender o modelo que desejava-se implementar no restante do país, de
acordo com as especificidades regionais. Eram quatro as instituições locais subordinadas ao
SNDM: Centro Psiquiátrico Nacional (CPN), Colônia Juliano Moreira (CJM), Manicômio
Judiciário Heitor Carrilho (MJHC) e Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP). Porém,
apenas os dois primeiros tinham funções assistenciais médicas destinadas à população, já que o
Manicômio Judiciário exercia também funções punitivas e a Escola de Enfermagem dedicava-se
à formação de mão-de-obra especializada para o setor. Desse modo, me detenho na análise das
atividades exercidas apenas pelo CPN e pela CJM, identificando a lógica assistencial constituída
para a cidade: a primeira instituição era responsável pela maioria dos primeiros atendimentos
psiquiátricos à população, além de assistir e tratar de doentes mentais que apresentassem
sintomas agudos ou sub-agudos, de pessoas diagnosticadas com sífilis e crianças com transtornos
mentais. A segunda era responsável pelos casos crônicos, localizada na zona rural carioca,
representava a última etapa possível da internação e tratamento de um indivíduo.
28

CAPÍTULO 1

A CONJUNTURA POLÍTICA DO GOVERNO JK E A ÁREA DA SAÚDE

1.1 A Filosofia Pública do Governo JK: o desenvolvimentismo como base política.

Em fevereiro de 1955, o Partido Social Democrático (PSD) oficializou Juscelino


Kubitschek como candidato a presidência da república, sendo o primeiro partido a divulgar um
nome à disputa naquele ano. Naquele momento o quadro político do país era demasiadamente
tumultuado, desde a crise que levou à morte de Vargas em 1954 prolongando-se até o início da
administração JK, cuja posse somente foi possível devido ao golpe preventivo comandado pelo
General Lott, em 11 de novembro de 1955 e dias depois pela decretação do estado de sítio de 30
dias, pedida pelos ministros militares ao Congresso, e prorrogados por igual período (Fausto,
2006a, p. 422). Neste pleito o PSD não atuou sozinho: coligou-se com alguns partidos menores
como o Partido Republicano (PR), Partido Trabalhista Nacional (PTN), Partido Social
Trabalhista (PST) e o Partido Republicano Trabalhista (PRT), mas teve como principal aliado o
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que lançou o nome de João Goulart como candidato a vice
presidente neste chapa. Os concorrentes desta aliança eram três. Em último lugar no resultado
dessas eleições ficou o candidato do Partido de Representação Popular (PRP), Plínio Salgado;
em terceiro lugar ficou Adhemar de Barros do Partido Social Progressista (PSP); e em segundo,
atrás de JK, Juarez Távora através da coligação encabeçada pela União Democrática Nacional
(UDN), e que também faziam parte o Partido Democrata Cristão (PDC), Partido Libertador (PL)
e Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Durante a campanha, JK insistia na necessidade de avançar no rumo do desenvolvimento


econômico, apoiado pelo capital público e privado nacional e internacional (Fausto, 2006, p.
427). Para Benevides (1979), não se tratava mais de arrancada do desenvolvimento, mas sim de
sua reorientação. Sua proposta era de modernização do país por meio do aprofundamento da
inserção brasileira no mundo capitalista mediante a intensificação do processo de
industrialização e integração nacional (Hochman, 2009, p.314), acelerando o crescimento
econômico em todas as regiões do país, e não apenas na parte centro-sul do território nacional.
29

Tal projeto sócio-econômico fora classificado como nacional-desenvolvimentista. Porém, o


caráter nacionalista deste termo nem sempre foi encarado de forma austera, pois JK era
considerado “entreguista” pelos grupos políticos mais a “esquerda”, ao propor o capital
estrangeiro como um dos motores de sua estratégia de desenvolvimento econômico. Alguns
grupos, entretanto, não recusavam em princípio o capital internacional, mas insistiam em aceitá-
lo com muitas restrições, principalmente se fosse analisado a priori as questões relacionadas à
área do investimento e a remessa de lucros ao exterior (Fausto, 2006, p. 426). Outros grupos, que
também qualificavam tais investimentos com a alcunha de “entreguista”, “entendiam que a
ampla participação do capital internacional atrelaria o desenvolvimento do país à lógica do
imperialismo” (Moreira, 2011, p.171). Estes eram classificados como “nacionalistas
econômicos”, que vieram a apoiar significativamente o governo JK, mas não sem importantes
críticas, ao ponto de, em 1960, romperem com o nacional-desenvolvimentismo. Por outro lado,
ao utilizar o Estado como promotor de atividades tanto no setor de infra-estrutura quanto no
incentivo a industrialização opondo-se à direita radical lacerdista defensora do liberalismo
econômico, Kubitschek era considerado “nacionalista”. Portanto, o caráter nacionalista da
diretriz política de JK não era claro e possibilitava suspeita de parte a parte. Desse modo, é
possível afirmar que “a ideologia nacionalista não era difusa nem muito menos no governo, mas
sim a ideologia desenvolvimentista” (Benevides, 1979, p. 239).

Sendo assim, o perfil de JK e de sua administração como representante dos interesses


nacionais exprimia-se por meio de uma linguagem que falasse:

“... do desenvolvimentismo nacional, dos


interesses nacionais, das forças nacionais, da
integração nacional, etc. Mas foi, sobretudo, a
aliança política que JK estabeleceu com partes
significativas do chamado movimento nacionalista
que garantiu à sua plataforma política o epíteto de
nacionalista”. (Moreira, 2011, p. 163)

Um dos grupos próximos à JK que formulavam defesas de um modelo político e


econômico para o país de viés nacionalista era o Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(ISEB), ligado ao Ministério da Educação. Defendiam abertamente a plataforma nacional-
desenvolvimentista, inequivocamente baseada no modelo capitalista (Benevides, 1979; Moreira,
30

2011), porém, viam nas “classes sociais arcaicas” um grande empecilho ao processo de
modernização e industrialização. Tais grupos eram identificados pelos isebianos, como os setores
latifundiários, os ligados ao comércio exterior e a classe média tradicional, sem nenhum interesse
no desenvolvimento nacional baseado na indústria e mercado interno. Neste sentido, os
intelectuais do ISEB difundiam a necessidade de produzir e divulgar a chamada “ideologia do
desenvolvimento nacional, com o interesse de sedimentar a aliança das chamadas “classes
dinâmicas” contra os segmentos políticos e sociais “atrasados”. Para eles a propaganda,
fundamental, mas não exclusiva, seria capaz de aglutinar sob o mesmo ideal, o proletariado, os
camponeses e a classe média (setores sociais dinâmicos), o que tornaria possível alcançar o
desenvolvimento industrial sob a liderança da burguesia (Moreira, op cit., 162-163).

Outro grupo próximo a Kubitschek era formado por políticos progressistas, sobretudo os
ligados ao PTB, embora no campo político partidário o movimento fosse plural, e agregasse
setores de várias outras legendas partidárias como o PSD, a UDN e o PCB. Defendiam
principalmente a industrialização e criticavam o modelo agro-exportador precedente. Estavam
interessados no aprofundamento da industrialização nacional, e para tanto, tinham a convicção de
que era preciso que o país realizasse reformas estruturais como, por exemplo, a reforma agrária,
que seria capaz de elevar o padrão social e econômico das massas rurais auxiliando na
sustentação do modelo de desenvolvimento econômico baseado no fortalecimento do mercado
interno (idem, pp. 168-169).

Portanto, o desenvolvimentismo tinha vantagens em relação ao nacionalismo tornando-o


mais atraente ideológica e pragmaticamente, pois fora usado como um recurso garantidor da
estabilidade do sistema, já que atendia e incluía várias classes sociais do período, ainda que
algumas com interesses conflitantes entre si. Para a burguesia industrial, ao contrário do
nacionalismo aos moldes getulistas, o nacionalismo de JK evitava a ênfase intervencionista do
Estado na economia; as classes trabalhadoras, por sua vez, viam na ideologia desenvolvimentista
a concretude de um futuro mais promissor, ao contrário da ideia abstrata do nacionalismo; já as
forças armadas, enxergavam no desenvolvimento econômico um grande facilitador na
preparação da defesa nacional; o grupo “esquerdista” da política brasileira defendia uma posição
de aliança, uma vez que mesmo a presença do capital estrangeiro, que expressaria um passo à
31

“revolução burguesa”, seria um mal menor frente a oposição “udenista” antiprogressista


(Benevides, 1979, p.240).

O ideal nacionalista objetivado por JK, portanto, estava fundamentado no ideário de


desenvolvimento (ambos complementares entre si), e tinha como objetivo colocar o Brasil em
condições de igualdade com os demais países do mundo, sem nenhum sentimento de
inferioridade (Kubitschek, 1958, p. 104). Uma das faces desse nacionalismo era a da “integração
nacional”: ligar os centros urbanos e industriais mais avançados do país, localizados na faixa
litorânea, ao oeste brasileiro, atrasado, vazio, “abandonado” a própria sorte, e por isso pobre. Tal
tarefa constituía-se na missão principal deste governo, materializada na transferência da capital
da nação:

“Estamos num momento de luta contra o atraso em


que nos encontramos, contra a insuficiência de meios
para promover o aceleramento da marcha de nosso
país para o seu alto destino. E principalmente lutando
pela ocupação e posse de nosso território, na sua
maior parte abandonado e vazio”. (Kubitscheck,
1958, p. 63)

Dentro desse processo a construção de Brasília representava a síntese de todo o modelo


desenvolvimentista e modernizador brasileiro, pois constituiria a partir desta “marcha para o
oeste” o conhecimento da verdadeira grandeza que o Brasil de fato possuía. Seria a tomada de
posse de si mesmo, não constituindo, portanto, uma ação isolada, mas sim o elo de uma cadeia
de ações que salvaria o Brasil do subdesenvolvimento: preenchendo os vazios de território no
centro e no oeste brasileiro, aproximando o povo das mais variadas regiões, distribuindo a
riqueza ao criar novos mercados consumidores internos indispensáveis para o modelo de
desenvolvimento econômico que se desejava, e criando um sistema de acesso ao trabalho, à
produção e ao bem-estar que fossem menos díspares em todo território nacional. Por isso,
Brasília representaria na concepção de Juscelino:

“... o passo mais viril, mais enérgico que a nação dá,


após a sua independência política, para a sua plena
afirmação, como povo que tomou a seus ombros uma
32

das mais extraordinárias tarefas que a história


contemporânea viu atribuir-se a uma coletividade: a
de povoar e de civilizar as terras que conquistou.(...)
visando ao deslocamento, para as vastas áreas
despovoadas do interior, da aplicação de esforços que
têm sido grandes, mas que até agora só se têm
exercido numa estreita faixa do litoral deste imenso
país”. (Kubitschek, 1958, p. 218)

O modelo de utilização do Estado nacional como norteador e formulador – e em algumas


áreas técnicas, como a econômica, executor – de políticas públicas, fora herdado por JK, do
primeiro governo Vargas (1930-1945), que se constituiu num marco para as políticas sociais no
Brasil. A partir da década de 1930, o debate acerca do modelo institucional federal e sua relação
com os estados e municípios da federação expressavam as oscilações no quadro político eleitoral
durante a primeira república até a instauração do Estado Novo varguista (1937-1945), e deram a
tônica de grande parte dos embates políticos e ideológicos no decorrer do período, tornando-o
uma das principais questões políticas da época (Fonseca, 2007, p. 18). Os interesses conflitantes
dos grupos sociais e políticos que defendiam suas demandas durante a década de 19309
impossibilitaram a viabilização de um pacto entre os entes federativos. Desse modo, a partir do
Estado Novo Varguista “os conflitos e interesses foram controlados por meio de mecanismos
centralizadores e autoritários que fortaleceram o papel da União e lhe permitiram implementar
seu projeto de construção nacional” (Fonseca, 2007, p. 21). Tal modelo tornou-se, desde então,
o vitorioso.

Não apenas durante o período JK, mas durante a pequena experiência democrática no
Brasil (1946-1964), de maneira geral, os debates no campo ideológico circulavam em torno de
dois pólos antagônicos, no qual seus grupos defensores reuniam-se em blocos que absorviam em

9
De um lado representantes das oligarquias estaduais alijadas do poder após a Revolução de 1930, interessadas na
manutenção da autonomia dos estados, onde poderiam continuar direcionando os rumos políticos, econômicos e
sociais dos seus “representados”. Do outro lado, os revolucionários de 1930, que constituíam um quadro
heterogêneo, que desejavam apenas maior atendimento à sua área de atuação, com um mínimo de transformações, a
exceção dos quadros civis mais jovens, que se associaram transitoriamente aos “tenentes”, que antes do período
varguista, eram um movimento de rebeldia contra o governo da República, e depois entraram no governo e
procuraram promover seus objetivos, tais como: o atendimento mais uniforme das necessidades das regiões do país,
a nacionalização das riquezas naturais, dos meios de comunicação e transporte. Para isso, era preciso um governo
federal centralizado e estável, o que os dissociava nitidamente dos pontos de vista liberais. (Fausto, 2006, p. 326-
341).
33

seus quadros diferentes organizações e segmentos da sociedade brasileira. Essa efervescência


potencializou-se a partir de 1958, devido à ampliação da participação popular e o amplo
crescimento de variadas formas de organização civil, social e política:

“De um lado, postavam-se grupos reformistas e


nacionalistas e, de outro, em contraposição aos
primeiros, segmentos que defendiam uma maior
internacionalização da economia nacional, um
alinhamento efetivo aos EUA e ao bloco capitalista e
não implementação pelo governo federal das reformas
de base, principalmente a reforma agrária”.
(Delgado, 2011, p. 147)

Tais grupos dicotômicos marcaram presenças na sociedade civil e nas instituições como o
poder legislativo. No Congresso Nacional a distribuição voluntária de parlamentares em
“Frentes” traduziu a polarização da sociedade civil. Formou-se a Frente Parlamentar Nacionalista
(FPN), constituída em 1956, que apresentavam como bandeiras a defesa do nacionalismo e do
desenvolvimentismo como forma de alcançar a autonomia e soberania nacional frente às outras
nações do mundo; seus documentos refletiam a heterogeneidade ideológica, buscando
fundamentação teórica junto a ala mais nacionalista do ISEB. Do outro lado da trincheira, a
resposta no campo parlamentar ao crescimento da FPN foi a instauração da Ação Democrática
Parlamentar (ADP), que embora tendo sido criada apenas em 1961, seus militantes políticos10,
antes de sua criação, ainda durante todo o governo JK, entravam em choque com as propostas
dos nacionalistas no parlamento nacional. Defendiam intransigentemente a iniciativa privada e os
investimentos estrangeiros no Brasil, tudo isso baseado nos preceitos liberais. Fora do campo
político os liberais pró-Estados Unidos tiveram grande atuação também no Instituto Brasileiro de
Ação Democrática (IBAD), fundada em 1959, sob marcada influência do lado capitalista da
“Guerra Fria”, tendo como objetivo o combate às ideias comunistas no Brasil, sendo financiado
por empresários brasileiros e estrangeiros (Delgado, 2011, pp. 147-148).

10
Quadros da UDN, do Partido Republicano (PR) e por alguns integrantes do PSD afastados ideologicamente da
coligação com o PTB.
34

O governo JK, portanto, estabeleceu-se na história política e social do país em um período


deveras tumultuado, permeado de tentativas frustradas de golpe e golpes exitosos, que iniciava-
se com a revolução de 1930 e teve como ponto alto o golpe civil-militar de 1964, com breves
períodos democráticos, como as administrações Dutra (1945-1950) e Kubitscheck (1956-1961).
Ainda antes da posse, o então candidato Juscelino Kubitschek enfrentaria um quadro político
extremamente complicado: na aliança PSD/PTB que levou JK à presidência, era preciso agradar
os chefes políticos ruralistas do primeiro partido e o eleitorado urbano do segundo; a dissidência
interna do PSD, mais ligado as ideias liberais não “nacionalistas”; a tentativa de veto à posse de
JK (presidente) e Jango (vice-presidente), salvo pelo golpe preventivo do General Lott; a
oposição civil da UDN, que contava com o apoio de importantes setores da imprensa do país; e
por fim, a candidatura de Ademar de Barros a presidência da república que ameaçava o
eleitorado urbano paulista do PTB (Benevides, op cit.,p. 23).

Apesar do quadro muito desfavorável ao novo governo empossado em janeiro de 1956 e a


estabilidade política e social ser tênue, a administração JK conseguiria gozar de estabilidade para
estabelecer suas diretrizes desenvolvimentistas e de cunho expansionistas no campo das atenções
estatais sobre as áreas do norte e oeste do território nacional. Isso foi possível graças a um
conjunto de fatores associados entre si. Um deles é a aliança entre o PSD e o PTB, que juntos
ocupavam 78% dos ministérios durante a administração JK, no Congresso Nacional, auxiliados
por outros partidos menores, entre os quais PTN e PRT, o que dava a maioria no Congresso ao
governo, impedindo que a oposição bloqueasse as suas ações mais importantes. Desse modo, o
governo representava, objetivamente, os interesses da maioria parlamentar: os da elite rural,
preservados, uma vez que o sistema de poder e propriedade no campo permanecem intocáveis,
assim como os interesses dos empresários e das novas camadas urbanas, mobilizadas pela
redistribuição das vantagens advindas com o desenvolvimento econômico (Benevides, 1979, p.
70). Tais grupos partidários tão antagônicos apresentavam uma característica em comum: o
“getulismo”. Por parte do PSD havia o fato de reunir parcela dos setores dominantes do campo, a
burocracia estatal criada no Estado Novo, e uma burguesia industrial beneficiada pelo
crescimento industrial brasileiro com o primeiro governo Vargas; o outro “getulismo”, o do PTB,
abrangia a burocracia sindical e do Ministério do Trabalho, parte da burguesia industrial mais
inclinada ao nacionalismo e a maioria dos trabalhadores urbanos organizados. Para que tal
aliança funcionasse, era necessário que ambos os lados não radicalizassem suas posições (Fausto,
35

2006a, p. 235), e nestes termos a ideologia desenvolvimentista encaixou-se perfeitamente, sendo


capaz de agradar a vários segmentos distintos da sociedade brasileira.

Essa união entre PSD e PTB somente foi possível graças ao projeto nacional
desenvolvimentista que levou JK ao poder, pois estabelecia um “ponto ótimo” entre tais grupos
tão distintos. Para a burguesia industrial ligada ao primeiro partido a ênfase no
desenvolvimentismo evitava a discussão nacional e da intervenção estatal na economia brasileira.
Além disso, para o PSD era essencial poder negociar junto às suas bases eleitorais, como os
proprietários de terras, que viam na intensificação da urbanização e industrialização bons meios
de aumentar seus lucros (pois seriam eles que forneceriam alimentos para as cidades em
crescimento), assim como a grande meta de integração nacional, sintetizada por Brasília, era
vista como um passo importante na formação de um sistema integrado da produção nacional
(Moreira, 2011, p. 177). Outro grupo de apoio do PSD era composto pelas empreiteiras, que
assim como os ruralistas, se beneficiariam das obras previstas no Plano de Metas, tais como
rodovias e extensão da rede elétrica. No que interessava o segundo partido, o PTB, o governo
ampliou o grau de ingerência das representações sindicais em decisões governamentais, além de
praticar subsídio estatal de produtos básicos ao cotidiano das massas trabalhadoras (como o
petróleo e o trigo) que viam no projeto desenvolvimentista do governo uma chance concreta de
construir um futuro melhor através do seu próprio trabalho (Mendonça, 2000, p. 343).

Outro fator que possibilitou essa referida estabilidade ao governo em questão, fora a
importância do papel do exército durante o período. Juntamente com o voto popular ao novo
presidente, o exército legitimara o novo governo principalmente após o golpe preventivo do
General Lott que possibilitou a posse de JK e Jango, em janeiro de 1956. Mesmo não havendo
homogeneidade na alta oficialidade das forças armadas, as altas patentes, especialmente do
exército, estavam dispostas a garantir a continuação do jogo democrático, conquanto fosse
respeitado os limites da ordem e do combate ao comunismo. Após a tentativa fracassada de
impedir a posse de JK, os ânimos golpistas arrefeceram. O novo presidente iniciaria seu governo
ressaltando a necessidade da promoção, pelo Brasil, do desenvolvimento e ordem, que eram
objetivos mais gerais dos militares. Somado a isso, os interesses econômicos dos militares
convergiam com o ideal desenvolvimentista do governo, o que possibilitaria o atendimento às
reivindicações militares (como plano de vencimentos e equipamentos) e a implementação de
36

mecanismos de cooptação por meio do papel suprapolítico das Forças Armadas diante da
crescente participação dos militares no poder, ocupando cargos importantes no governo
(Benevides, 1979, p.149). Tal apoio foi fundamental, pois o exército possuía um papel de
coerção, sobretudo no período em questão, onde as forças armadas frequentemente intervinham
na vida política do país11.

Tal estabilidade deve-se, portanto, à conjuntura favorável, na qual as Forças Armadas, em


especial o Exército, e o Congresso (PSD/PTB) atuaram de maneira convergente no sentido de
apoiar a política econômica, cujo núcleo era o Programa de Metas. Neste sentido, a estabilidade
política do governo JK foi possível através da conciliação do novo e do velho, do conservador e
do progressista, do rural com o urbano, por meio da aceitação da política econômica pelo
congresso, através da aliança partidária e pelo poder militar.

1.2 As origens da filosofia pública do governo JK

Para analisar como o governo JK conseguiu colocar em prática suas ideias programáticas
no campo da saúde, torna-se fundamental o mapeamento do processo de construção da ideia que
permeou a administração JK, tomando como parâmetro o conceito de “policy-making” de Weir
(1992), no qual a filosofia pública deste governo, o nacional desenvolvimentismo, parecia
plausível, em parte, porque era visivelmente apta a ser colocada em prática pelas instituições e
grupos políticos e econômicos brasileiros, mas também por estar em consonância com os meios
administrativos. Neste sentido, é preciso entender de onde surgiu o nacional desenvolvimentismo
e como tal ideologia, presente na administração JK, conseguiu transpor o campo das ideias e
consubstanciar-se em políticas públicas.

11
A intervenção militar na vida política do país era uma constante até a redemocratização da década de 1980.
Depuseram ou tentaram depor inúmeros governantes, como nos casos a seguir: derrubada do Imperador Pedro II
(1889), sublevações de ordem militar (1922 e 1924), na Revolução (1930), no ensaio revolucionário comunista
(1935), Decretação do Estado Novo (1937), na deposição de Vargas no primeiro governo (1945) e no segundo
(1954); na tentativa de impedir a posse de JK (1955); na tentativa de impossibilitar a posse de Jango em 1961e em
sua própria deposição em 1964. Além disso, há o fato de militares de altas patentes se candidatarem a presidência da
república em todas as eleições realizadas de 1945 a 1960, durante o curto período democrático.
37

Esta parte do presente trabalho dedica-se assim a apresentar e analisar o caminho


percorrido pelo nacional desenvolvimentismo de JK, analisando sua origem identificada no
nacionalismo da Era Vargas nos anos 30, considerando-se que a filosofia pública de ambos os
governos são produtos das concepções políticas e demandas de grupos sociais de seus
respectivos períodos. Nesse sentido, torna-se imperativo o estudo do contexto político e
socioeconômico que estruturariam a ideologia nacionalista e nacional desenvolvimentista.

O modelo nacional desenvolvimentista, com ênfase na expansão das atuações estatais


direcionadas ao interior do país, fora, portanto, a “filosofia pública” da administração
Kubitschek. A influência dessa concepção política e econômica nas ações governamentais do
período estudado deve ser examinado a partir do ajuste entre ideias e ações estatais, na qual
“políticas públicas implementadas em um período não surgiram do nada” (Fonseca, 2007, p.
14). Nesse sentido, é preciso, então, analisar a relação entre a “filosofia pública” e as “ideias
programáticas” no campo da saúde pública do governo JK, e compará-las com as do primeiro
governo Vargas, pois este constituiu-se num marco da formulação institucional estatal herdada,
de certa forma, pela administração Kubitschek. Embora a reforma institucional no campo da
saúde em 1953 tenha realizado a separação da respectiva área em relação a da educação, como
veremos adiante, a estrutura e alguns mecanismos relativos à atuação do ministério responsável
pelo setor da saúde permaneceram.

A partir da tomada de poder na Revolução de 1930, após a derrubada do inimigo em


comum, os grupos vencedores, tenentes e oligarquias dissidentes12, subdividiram-se devido ao
interesses distintos de ambos. O primeiro defendia um governo federal forte e centralizado
dissociando-se do ponto de vista liberal, enquanto que o segundo, desejava o inverso, além de
manter a estrutura política e social vigente então no Brasil, objetivavam apenas um maior
atendimento à sua área geográfica ou sobrepor-se politicamente ao grupo político dominante em
seu estado, ou seja, procuravam manter o Estado nos velhos moldes. “A partir de 1930 ocorreu
uma troca da elite do poder sem grandes rupturas. Caíram os quadros oligárquicos
tradicionais; subiram os militares, os técnicos diplomados, os jovens políticos e, um pouco mais

12
Dentro das oligarquias dissidentes, estava presente entre os vitoriosos o Partido Democrático (São Paulo) que
entrou na luta pretendendo o controle do governo do estado de São Paulo e a permanência dos princípios liberais,
assegurando assim seu predomínio no estado.
38

tarde, os industriais” (Fausto, 2006b, p. 182). A grande luta destes novos grupos dominantes era
contra o federalismo que vigorava na Primeira República, no qual os estados da federação
gozavam de certa autonomia decisória em relação à implementação de ações estatais, e também
contra o liberalismo que, preconizava a não interferência do Estado nacional na economia.

Neste sentido, a partir do governo Vargas (1930-1945), têm-se a transformação do modelo


de ação estatal, levando em consideração a necessidade de um Estado mais fortalecido,
centralizado e interventor. Tal padrão foi corroborado tanto pelos membros desta administração
quanto pela intelectualidade da época que, por sua vez, passou a integrar, a partir de 1930, postos
em instituições públicas. Sobre isso, Fonseca (2007) traz para este tema um estudo de Ramos
(1983), no qual o autor pontua dois grupos de intelectuais do período: o primeiro classificado
como “hipercorreto”, tendia a atribuir às ideias importadas eficácia direta no modelo
comportamental brasileiro, não levando em consideração os contextos sócio-econômicos locais.
O segundo grupo que teria como alguns de seus representantes, Francisco Campos, Alberto
Torres, Gustavo Capanema, Lindolfo Collor, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral e outros (Ramos,
1983, pp. 533-537) é classificado como “pragmático crítico”, identificado com o elemento
nacional e sensível às condições contextuais brasileiras. Portanto, desse modo, não aplicavam
diretamente as ideias estrangeiras nas questões relacionadas à realidade brasileira. Este segundo
grupo detinha características próprias e importantes para compreender sua importância política,
como o caráter duradouro de seus objetivos. Ao trabalharem para institucionalizar o Estado
brasileiro, o que até então não teria sido feito, apresentavam o que o autor chama de “humanismo
civilista”, o que significaria possuir uma ideologia imprecisa, mas bem definida em relação a
ideias específicas. Considera como tais ideias a defesa da remodelação institucional, da
diversificação econômica, da limitação do poder oligárquico e consequentemente do
“mandonismo” local. Tais intelectuais são importantes como referencia para o presente trabalho,
pois representavam as ideias que foram levadas efetivamente a cabo pela esfera institucional
governamental durante o primeiro governo Vargas, permitindo-nos associarmos ideias às
diretrizes governamentais.

As questões políticas e ideológicas presentes nos debates do campo intelectual, mesmo


antes da década de 1930, estiveram de certa forma relacionadas entre as figuras do governo
central e os estados da federação, por meio da oposição entre nação e federação, centralização e
39

descentralização, negociando-se o papel de estados e municípios diante do poder federal


(Fonseca, 2007, p. 67). Tais debates também eram travados no âmbito político desde a fase
inicial do novo governo, iniciado em 1930, ainda durante o governo provisório (1930-1934),
tendo como conseqüência a implementação de medidas centralizadoras, como as ocorridas no
campo político e econômico, assim como em outras áreas:

“Vargas assumiu não só poder executivo como o


legislativo, os estaduais e os municipais. Todos os
antigos governadores, com exceção do novo
governador de Minas Gerais, foram demitidos e em
seus lugares foram nomeados interventores federais...
não abandonou e nem poderia abandonar o setor
cafeeiro. Tratou porém, de concentrar a política do
café em suas mãos, o que ocorreu a partir de 1933,
com a criação do Departamento Nacional do Café “.
(Fausto, 2006, p. 186)

Segundo os autores mencionados (Fausto, 2006; Fonseca, 2007) o governo Vargas tomou
a missão de enfraquecer o federalismo, que teria fortalecido os poderes locais e era identificado
com os interesses particulares de uma pequena elite econômica e política que agia em detrimento
dos interesses nacionais. Desse modo, era fundamental construir a noção de nação e atribuí-la o
sentido de princípio norteador das políticas públicas empregadas, adotando-se, portanto, um
caráter antiliberal, pois, conforme dito anteriormente, o liberalismo também era associado ao
interesse regional.

A Revolução de 1930 alijou a oligarquia cafeeira de São Paulo do centro do poder federal.
Porém, nenhum dos novos grupos dirigentes do país13, a partir de suas atuações no interior do
governo, obteve condições de sobrepor-se, de forma individualizada, aos demais vencedores,
portanto, nenhum deles tornou-se hegemônico em substituição aos cafeicultores paulista. Se por
um lado o novo governo tinha que dialogar com os variados setores que compuseram o quadro
dos vitoriosos de 1930, por outro, tinha relativa autonomia face aos interesses em disputa, o que
possibilitou mudar a própria estrutura e forma de atuação estatal, superando estruturas
tradicionais de expressão política baseadas nos interesses de classes, e do seu próprio processo
de reprodução (Mendonça, 2000, p. 322).
13
Os técnicos diplomados, os jovens políticos e a burguesia industrial.
40

A administração Vargas assumiu e defendeu posições diretivas de características


semelhantes as dos “tenentes”: um nacionalismo autoritário, com posturas antioligárquicas e
antiliberais. Tais características são compreendidas com base em Weir (1992), como a filosofia
pública do primeiro governo Vargas, sobre o qual pesava a responsabilidade de integrar o Brasil,
a partir da construção nacional, moldando-o como um país organicamente articulado, tendo o
governo central como agente deste processo, o que produziria de modo indubitável o
atendimento das necessidades da nação. As duas ideologias eram complementares entre si, pois a
partir do Estado autoritário seria possível, e foi, centralizar as ações estatais de modo a
preponderar os interesses da nação como um todo, e não apenas de alguns grupos específicos.
Desse modo, era necessário redefinir as relações entre a União, os estados e os municípios.

“Tal universo ideológico foi sistematizado e


incorporado ao projeto do novo governo, que
paulatinamente implementou mudanças significativas
na relação entre União e os estados da federação. O
ideal de construção nacional consolidou-se como
meta política, e as mudanças implementadas ao longo
das décadas de 1930 e 1940 foram direcionadas para
a criação de tal organicidade”.
(Fonseca, 2007, p. 64)

A desregionalização da política brasileira e a consequente diminuição das ingerências do


poder político das oligarquias estaduais, substancialmente, passam a diminuir após a Revolução
de 30, porém dentro de um processo lento e gradual. Durante os momentos de exercício de
democracia política partidária14 no decurso do período constitucional do governo Vargas (1934-
1937) a difusão das correntes políticas era deveras acentuada, e parecia não ter sofrido nenhum
retrocesso, pelo contrário, aumentou. Nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte,
realizadas em 1933, assegurariam participação representantes de 45 legendas diferentes, ao passo
que em outubro de 193415 foram eleitos representantes em 56 siglas partidárias, todos eles
partidos locais/estaduais (Fonseca, 2007, p. 127). Entretanto, isso não quer dizer que cada um
deles “puxava a corda” apenas para o seu lado, mirando seus interesses regionais. Havia também

14
Correspondem a esse período a eleição para a Assembléia Nacional Constituinte em 1933 e a eleição para a
Câmara Federal em 1934.
15
Eleição para a Câmara Federal
41

consonância entre alguns grupos identificados com as oligarquias locais, como por exemplo, no
caso da defesa do modelo do Estado brasileiro a ser definido pela constituição de 1934, durante
sua Assembléia Constituinte. Os grupos políticos do norte-nordeste foram mais benevolentes
quanto a um modelo interventor, em virtude de sua dependência econômica ao governo federal e
da necessidade de contrapor-se a interferência dos estados do Centro-Sul que eram
predominantes (Pandolfi, 1980, pp. 391-394).

Para Fausto (2006), durante os anos 30 as correntes autoritárias ganharam força no Brasil,
devido à dificuldade de organização das classes e da formação de representatividades partidárias
nacionais. A esquerda política via o liberalismo como instrumento de dominação das oligarquias,
não dando o devido valor à democracia e os próprios liberais, que temiam as reformas sociais e
não viam problemas nas interrupções do “jogo democrático” nas vezes em que consideravam
seus interesses ameaçados. Desse modo, em 1937, instala-se o Estado Novo e consequentemente
a ditadura Vargas. O golpe teve o apoio da classe dominante, além de parte do próprio
Congresso, que os via como benéfico. Têm-se, então, o fim da representatividade política via
Congresso Nacional, ou seja, acabam-se os partidos políticos. O que não significa dizer que os
interesses sociais estavam em seu ocaso, eles apenas transferiram-se para outras instituições,
agora sendo expressandos então por meio de alguns órgãos governamentais.

O autor ainda pontua os grupos de apoio à Vargas durante o Estado Novo que tinham como
objetivo comum promover a industrialização sem grandes transformações sociais que pudessem
levar o país à instabilidade. A burocracia civil defendia o programa industrializante do país por
considerá-lo o verdadeiro caminho para a independência nacional. Os militares, por sua vez,
defendiam a indústria de base como medida de fortalecimento econômico, e a burguesia
industrial convenceu-se da necessidade de intervenção estatal como forma de incentivo à
industrialização.

Com a saída de Vargas do cargo em 1945 e a promulgação da nova constituição no ano


seguinte, deu-se início a um novo arranjo político partidário, que até então havia se constituído
sob bases regionais em fortíssima vinculação com as oligarquias estaduais. Desse modo, a
formulação partidária no país, a partir de 1946, ostenta de forma inédita um caráter nacional, sem
romper em definitivo com seus vínculos históricos com a política local (Hamilton & Fonseca,
42

2003, p. 796). Apesar do processo de quebra do poder autônomo dos estados, e


consequentemente das oligarquias locais, ter se acelerado a partir do Estado Novo, tal processo
fora iniciado já no imediato pós 30, resultando:

“...na crescente centralização do poder que alocava


no executivo federal os comandos sobre as políticas
econômica e social e o aparelho-repressivo.
Constituía-se por esta via, o poder do Estado como
poder unificado e genérico, representativo do
“interesse geral” em sua concretude...Sob a égide da
ditadura, abrir-se-iam novas possibilidades de
redefinição dos canais de representação, de
participação política e de construção da cidadania”.
(Mendonça, 2000, p. 338)

Para Mendonça (2000), a tática central para a realização do controle sobre as estruturas
políticas locais foi a instalação das interventorias/departamentos administrativos, que faziam a
ligação das oligarquias tradicionais com o governo federal. Desse modo, enfraqueceram o antigo
quadro e fortaleceram o poder central garantindo-lhe certa autonomia de implementação de
medidas nacionais. Além do papel fundamental da figura do interventor, foram criados os
Departamentos Estaduais que substituíram o poder legislativo estadual e que funcionava também
como um instrumento de supervisão dos interventores, comportando elementos da burocracia
técnica do Estado, de modo a ter imunidade às pressões clientelistas do mandonismo local.

Após a queda de Vargas inicia-se a redemocratização do país, o que não correspondeu


necessariamente a uma mudança substancial, no jogo político, pois os grupos estadonovistas
permaneceram como autores e protagonistas das decisões políticas da nação. Os três principais
partidos surgidos com o advento da democracia tinham em seus quadros os personagens que
compunham o cenário político brasileiro durante a Era Vargas: a UDN surgira do movimento
anti-Vargas no final do Estado Novo, o PSD contava com a máquina administrativa das
interventorias estaduais, e o PTB apoiava-se nas bases populares urbanas do trabalhismo
varguista.

No governo seguinte, de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), o Brasil alcançou um grande


crescimento econômico, mesmo inicialmente tendo optado pela condenação à intervenção estatal
43

e seguindo um modelo liberal. A partir de 1947 a orientação econômica dessa administração


mudou, estabelecendo um sistema de importações, que restringiu a compra de produtos de bens
de consumo no exterior e favoreceu a de itens essenciais, como equipamento e maquinário.
“Levando-se em conta que a moeda brasileira foi mantida em níveis altos na sua relação com o
dólar, houve um desestimulo as exportações e um estímulo à produção para o mercado interno”
(Fausto, 2006b, p. 223). Tal medida possibilitou altas taxas de crescimento do PIB brasileiro.
Com isso, o processo de industrialização nacional incrementava-se.

O segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954) enfatizou a defesa da industrialização,


bandeira recorrente entre os grupos que ocuparam o poder executivo desde a década de 1930.
Logo no início de sua administração teve que cumprir um papel que já havia desempenhado
anteriormente, o de árbitro, sobretudo, no diálogo com os militares, que após o primeiro governo
Vargas (1930-1945) tiveram seu papel elevado no cerne da sociedade brasileira, garantidor da
ordem, da defesa e do desenvolvimento do país. As Forças Armadas haviam retirado Vargas do
poder em 1945, nove anos depois (1954) pressionaram pela sua saída o que terminou
fatidicamente gerando sua morte e, em 1955, garantiriam a posse de Juscelino Kubitschek
ocorrida em janeiro do ano seguinte.

No âmago das Forças Armadas havia uma divisão ideológica que se expressava de um
lado, pelos militares nacionalistas e, de outro lado, pelos militares que depreciativamente eram
chamados de “entreguistas”. Os primeiros defendiam o desenvolvimento baseado na
industrialização, com ênfase na criação de um sistema econômico autônomo, com liberdade
frente ao sistema capitalista internacional, tendo no Estado a força motriz e o leme desse
processo como regulador da econômica e investidor em áreas estratégicas, porém sem recusar
integralmente o capital estrangeiro, aceitando-o com muitas restrições. No campo internacional
propuseram o distanciamento das relações com os Estados Unidos. O segundo grupo, além de se
opor aos nacionalistas em relação ao posicionamento brasileiro frente aos interesses
estadunidenses, defendia um modelo liberal de diminuição do papel do Estado na economia, sem
priorizar a industrialização e acreditando que o progresso viria a partir da abertura controlada ao
capital estrangeiro (Fausto, 2006b, p.225).
44

Kubitschek, do ponto de vista ideológico, assemelhava-se em alguns preceitos aos militares


nacionalistas, pelo menos no que diz respeito à via econômica da industrialização, embora tenha
assumido a necessidade de atrair capitais estrangeiros, concedendo-lhes bons atrativos, mesmo
em áreas estratégicas. JK usou a legislação baixada ainda durante a administração Café Filho
(1954-1955) que, “facilitou os investimentos estrangeiros em áreas consideradas prioritárias
pelo governo: a indústria automobilística, transportes aéreos e estradas de ferro, eletricidade e
aço” (Fausto, 2006b, p.236).

Como vimos, a linha mestra da ação de JK durante o seu mandato foi o


desenvolvimentismo ou nacional desenvolvimentismo. Para Moreira (2011), tal diretriz
consolidou-se como um estilo de governo e como um projeto de cunho social e político,
compromissados com o ideal democrático e de incremento da industrialização de tipo capitalista.
Tal modelo baseou-se na necessidade de levar desenvolvimento industrial e consequentemente
social. Desse modo, identifico como a filosofia pública do governo Juscelino Kubitschek o
nacional desenvolvimentismo. Neste momento as oligarquias estaduais já haviam sido alijadas
do núcleo central do poder federal, portanto, não seria mais necessário o uso de medidas
centralizadoras e autoritárias, era possível governar sob preceitos democráticos. Mais uma vez os
círculos intelectuais se faziam presentes na história política do Brasil. Assim como na Era
Vargas, no período JK houve a aproximação por via institucional com os intelectuais reunidos no
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), sendo que alguns deles mantiveram relação
com personagens do primeiro escalão do governo e com a outros políticos ligados ao presidente.
A relação era de valorização mútua: o presidente apoiou as ações da instituição, enquanto estes
defenderam abertamente a plataforma nacional desenvolvimentista.

Neste sentido, tornava-se necessário a produção e divulgação da ideologia do


desenvolvimento nacional, que

“sob a liderança política social e econômica da


burguesia, era um projeto apenas alcançável, na
democracia brasileira, se fosse feita ampla
propaganda ideológica, capaz de convencer
proletários, camponeses e classe média a apoiarem tal
plataforma social e política” (Moreira, 2011, p. 163)
45

Entretanto, apenas a divulgação ideológica não seria suficiente, era preciso reformar o
Estado a fim de diminuir o acesso a ele das demandas clientelistas e torná-lo mais técnico.
Mesmo que os setores “arcaicos” ligados a elite rural brasileira ainda fossem protagonistas do
cenário político, o quadro socioeconômico mudara desde a Revolução de 1930, sobretudo, na
década de 1950, em que o crescimento econômico e a progressiva afirmação de um novo perfil
sociopolítico da sociedade brasileira produziam novas demandas. Não é demais lembrarmos que
a partir das décadas de 1930 e 1940 houve um incremento à industrialização e,
consequentemente, à urbanização, tornando-se possível a afirmação de uma burguesia industrial,
a classe operária e a classe média urbana. Desse modo, desde o segundo governo Vargas tornou-
se contingencial retomar o projeto de crescimento industrial (Moreira, 2011, p. 203); ainda que
no pequeno mandato tampão de Café Filho (1954-1955) tal projeto tenha sido momentaneamente
abandonado em nome do liberalismo econômico, devido ao alinhamento automático com os
interesses estadunidenses que buscavam a ausência de barreiras alfandegárias para a entrada de
seus produtos no Brasil. Com JK houve a retomada de um projeto industrializante, e devido a
existência de uma classe média urbana mais robusta o foco tornou-se as indústrias dos setores de
bens de consumo duráveis.

Contudo, como já demonstrado no item 1.1, a ideologia do nacional desenvolvimentismo de


JK era, por vezes heterogênea: ao mesmo tempo em que defendia a ação estatal como norteador
do desenvolvimento econômico brasileiro, demandava ao capital estrangeiro parcela substancial
dos setores industriais do país. Inclusive, mesmo alguns intelectuais isebianos que
acompanharam todo o governo Kubitschek defendendo a linha nacional desenvolvimentista
dobram-se frente ao discurso dos nacionalistas que acusavam tal diretriz política de ter
possibilitado a dependência brasileira ao capital estrangeiro (Moreira, 2011, p. 175). De qualquer
modo, tal ideologia foi construída ao longo dos anos e dos governos precedentes de forma
coerente em relação às demandas e às especificidades dos contextos sociais, políticos e
econômicos em que foram geradas. Concretizava-se, portanto, a partir da relação, por vezes
conflituosa, entre sociedade civil, militares e governos. Desse modo, não houve um nacional
desenvolvimentismo criado por JK, mas sim, modelado e derivado do nacionalismo e do
desenvolvimento econômico elaborado, exercido, e nascido durante o primeiro governo Vargas.
46

1.3 Ideias programáticas para a área da saúde em Vargas e JK.

As ideias programáticas do governo JK para a área da saúde pública certamente não


surgiram de repente, sem vinculação com estruturas já existentes. Elas foram baseadas e
idealizadas nos arcabouços institucionais e ideológicos pretéritos forjados e formados em
momentos políticos distintos ao longo do período republicano. As origens de suas características
encontram-se na expansão da presença estatal através das políticas de saúde na primeira
república (1889-1930) e na verticalização, centralização e setorialização de um modelo de ação
durante a Era Vargas (1930-1945).

Ao mapear a trajetória das ideias predominantes no campo da saúde pública durante o


período republicano, podemos entender quais os objetivos e estratégias por trás das ideias
programáticas da administração JK para a área da saúde. Deste modo, analiso as políticas de
saúde pública desde sua incipiente aparição durante a primeira república, que culminou com a
preocupação de melhoria na condição de vida do povo brasileiro no intuito de favorecer o
desenvolvimento econômico da nação. Em seguida abordo as políticas de saúde na Era Vargas,
período no qual se formou o modelo estatal de relação entre União e os entes federativos (estados
e municípios) herdado pela administração Kubitscheck; e por fim, a relação entre as ideias desses
períodos políticos supracitados com as produzidas no governo JK.

Nas primeiras décadas do período republicano, a política brasileira viu-se dominada pela
lógica dos arranjos intraoligárquicos. Estes grupos controlavam as decisões políticas a serem
implementadas de acordo com seus interesses particulares. Tal estrutura apresentava os estados e
municípios no centro político nacional, tornando-se subordinados à lógica dos poderes
econômicos locais. Este quadro foi potencializado devido à falta de um difuso sentimento de
nacionalidade em todo o território nacional, à ausência de organização nacional que fortalecesse
a presença do Estado brasileiro e à débil comunicação imposta pelos limites de circulação de
bens econômicos, produtos, serviços e ideias (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, P. 31).

A condição humana e social dos brasileiros não privilegiados economicamente era atroz. Os
pobres das grandes cidades que se empilhavam nos cortiços em más condições de higiene
sofriam frequentemente de epidemias, enquanto a parcela popular que se espalhava pelos sertões
47

brasileiros, era atingida frequentemente por endemias rurais, transformando o país num “imenso
hospital”, conforme pronunciado por Miguel Pereira em 1916.

Embora, etimologicamente a palavra sertão signifique lugar distante das povoações,


interior, ou até mesmo local desabitado, o sentido concedido à palavra neste período não era
geográfico, mas médico, social e político, pois o sertão começava já na periferia da capital da
república e de São Paulo, que neste momento já era a cidade que mais se desenvolvia (Hochman,
1998b, p. 229). Esse quadro de abandono do povo sertanejo por parte do Estado foi modificado a
partir da percepção da elite política e intelectual do país sobre as condições em que viviam esses
brasileiros e o motivo para a existência desse quadro. Foi por meio da divulgação dos relatórios
elaborados pelos médicos Artur Neiva e Belisário Pena (1916) sobre estados do nordeste e de
Goiás a partir de expedições realizadas pelo Instituto Oswaldo Cruz em 1912, por requisição da
Inspetoria de Obras Contra as Secas, que se constituiu um quadro mais realista da saúde de nossa
população (Lima, Fonseca e Hochman, 2005). Com esses relatos realizados in loco descobriu-se
um Brasil dos sertões doente, em contraposição ao Brasil litorâneo. Essa dicotomia influenciou a
existência de projetos intelectuais no período. O isolamento do sertanejo euclidiano passa a ser
qualificado como abandono destes por parte do poder público conforme sustentava o movimento
sanitarista durante a Primeira República que, por sua vez, gerava o agravamento do quadro
endêmico no interior do país e impossibilitava qualquer avanço modernizante nacional (Lima,
Fonseca e Hochman, 2005; Hochman, 1998b; Escorel e Teixeira, 2008; Santos, 1985).

Portanto, não era a questão racial, tampouco climática ou geográfica, as responsáveis pelo
atraso do povo interiorano e consequentemente do Brasil. O que tais relatórios deixavam claro é
que esse entrave devia-se à indolência estatal no tocante as condições sanitárias do sertanejo,
descrito pelos médicos como “ignorante, abandonado, isolado, com instrumentos primitivos de
trabalho, desconhecendo o uso da moeda, tradicionalista e refratário ao progresso” (Hochman,
1998b, p. 222). Essas imagens foram assimiladas pela elite política e intelectual que passaram a
culpar os governos, em todos os níveis, pelo abandono da população, o que consequentemente
impossibilitava a modernização da nação. (Lima, Fonseca e Hochman, 2005; Hochman, 1998b;
Escorel e Teixeira, 2008; Santos, 1985).
48

A mudança na percepção das causas do atraso do povo interiorano constituiu-se numa


grande vitória do movimento sanitarista brasileiro da Primeira República. Hochman (1998b), o
caracteriza como expressão de uma lenta e crescente conscientização da sociedade brasileira em
torno dos graves problemas sanitários nacionais, com atuação desde o início do período
republicano, mas com maior ênfase a partir do impacto das campanhas sanitárias no Rio de
Janeiro sob a liderança de Oswaldo Cruz (1903-1909). O autor ainda afirma que, o grande mérito
desse movimento se deu por ter conseguido persuadir camadas sociais que tinham poder
decisório importante, por meio de uma nova interpretação generalista sobre o Brasil,
diagnosticando sobre as condições de vida do brasileiro como conseqüência do descaso das elites
para com a população pobre. Em 1918, o movimento é potencializado com o surgimento da Liga
Pró-Saneamento do Brasil, que ampliou sua luta para os sertões, transformando-a numa bandeira
ideológica nacionalista, canalizando o apoio de um grande número de intelectuais, cientistas,
militares e intelectuais e do próprio presidente da república Venceslau Brás (1914-1918)
(Hochman, 1998b; Lima, Fonseca e Hochman, 2005; Escorel e Teixeira, 2008).

Desse modo, o movimento gerou importantes frutos no tocante ao aumento da preocupação


e ação estatal na melhoria das condições higiênicas dos brasileiros. Entres essas conquistas
destacam-se: a criação dos postos do Serviço de Profilaxia Rural, na periferia do Rio de Janeiro;
o Código Sanitário Rural para o estado de São Paulo (1917); a criação dos Serviços de
Medicamentos Oficiais, que se traduziram nas instalações das plantas industriais nos institutos
Oswaldo Cruz e Butatan para a fabricação de vermífugos e sais de quinino para o combate a
malária; a reforma que deu origem ao Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) que
substituiu o antigo Departamento Geral de Saúde Pública (DGSP), que abrangiam algumas
proposições do movimento pelo saneamento do sertão, como a dilatação das atribuições estatais
no campo da saúde; o serviço de Profilaxia Rural, instalado de forma provisória desde 1918 e
subordinado diretamente ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, passando a fazer parte
do organograma do DNSP com a criação do órgão em 1920; e o novo código sanitário (1920).
Com tais vitórias, o movimento sanitarista da Primeira República influenciou na expansão da
autoridade estatal sobre o território nacional e, consequentemente, alicerçou as bases para a
formação da burocracia em saúde pública, tornando possível estabelecer o surgimento de novos
meios administrativos (Weir, 1992) de um sistema nacional de saúde (Lima, Fonseca e
Hochman, 2005, p. 29; Santos, 1985).
49

O aumento da atuação estatal federal nos estados não poderia confrontar a ideia presente na
Constituição de 1891, do federalismo, no qual se defendia a preservação da autonomia estadual.
Foi através do decreto nº 13.358 de 09.04.1919 no qual foi reorganizado o Serviço de Profilaxia
Rural, criado no ano anterior16, que possibilitou aos estados receberem “recursos humanos,
técnicos e financeiros por meio de acordos com os serviços federais, que em troca transfeririam
para estes a responsabilidade direta no combate às endemias rurais” (Hochman, 1998b, p.228).
Desse modo, respeitou-se o pacto federativo do período e de forma ainda incipiente tornou-se
viável a centralização de algumas ações pontuais no campo da saúde pública nacional.

Portanto, quando os revolucionários de 1930 chegam ao poder é esta estrutura da saúde


pública que está disponível a eles, embora, a partir de 1930 tais instituições assumam novos
significados em harmonia com o novo quadro político brasileiro. A primeira república
representou um período no qual a partir da ação do movimento sanitarista foi possível de forma
regular e sistemática incrementar as ações do governo federal no intuito de aumentar sua
presença institucional e promover a saúde pública para parte da nação.

Como vimos, as questões de relevância no período Vargas estiveram relacionadas ao tema


da relação entre os entes federativos e as definições dos papéis a serem desempenhados por estes,
tendo-se em vista a tensão entre a perspectiva de construção da nação, portanto de um projeto
coletivo, e a perspectiva federalista que enfatizava a autonomia dos governos locais. Esta
perspectiva também se fez presente nos assuntos relativos à saúde pública. Fonseca (2007),
afirma que desde o início do governo Vargas, com a criação do Ministério da Educação e Saúde
(MESP) os interesses do Estado brasileiro em investir em políticas públicas de saúde
corresponderia ao intuito de fortalecer-se no interior do país, mesmo que sem a presença de
grupos de pressão por demandas de maior atenção estatal. Desta forma, o MESP garantiria a
presença do governo nessas localidades, delimitando ações concretas de modo centralizado, em
contraposição aos interesses locais ainda vigentes. Era, portanto, necessário fortalecer a esfera
pública enfatizando o poder do governo central nos estados. A autora ainda afirma que a política
de saúde pública foi paulatinamente assumindo graus mais abrangentes de atribuições,
ampliando e diversificando o formato de ação do poder público. No campo das atenções às áreas

16
Instituído pelos decretos 13.001 de 01 de maio de 1918, 13.055 de 06 de junho e 13.139 de 16 de agosto, todos em
1918.
50

rurais, por exemplo, as endemias e as doenças transmissíveis mantiveram-se como principal foco
dos agentes públicos (Fonseca, 2007, p. 51). Ao longo do período, gradativamente, foram criados
novos órgãos e reformulados os que já existiam, o que possibilitou o fortalecimento de uma
estrutura centralizada e hierarquizada com finalidade de normatizar e executar as atividades de
saúde em todo o país (Lima, Fonseca e Hochman, 2007, p. 41).

As mudanças efetivas somente ocorreram a partir de 1934, quando Gustavo Capanema


assumiu o MESP. Até esse momento o quadro político de instabilidade influenciou os rumos do
ministério nos seus primeiros anos de funcionamento, refletido na alternância do comando da
pasta – Francisco Campos, Belisário Penna e Washington Pires precederam Capanema –, isso
devido à dificuldade de compatibilizar o projeto político vitorioso da Revolução de 30 e o
formato institucional do ministério (Escorel e Teixeira, 2008; Lima, Fonseca e Hochman, 2005;
Fonseca, 2007). Tal instabilidade deveu-se, segundo Fonseca (2007), ao confronto dos grupos
mineiros que controlavam o MESP. O primeiro grupo correspondia aos membros do Partido
Republicano Mineiro (PRM) identificados com a oligarquia tradicional daquele estado. No
segundo estavam os vinculados ao tenentismo e ao movimento vitorioso de 1930.

O MESP enquanto instituição destinada à saúde pública, na gestão de Capanema firmava


seu compromisso com o caráter coletivo de sua atuação, voltada para a preservação da sociedade
como um todo. Três aspectos podem caracterizar sua dimensão institucional: o primeiro diz
respeito ao perfil de sua clientela, aqueles não cobertos pelo sistema previdenciário; o segundo
refere-se à ênfase atribuída às ações preventivas, incluindo as concernentes ao combate às
endemias; por fim, sobre seu caráter nacional. Seu objetivo era consolidar uma estrutura de
atendimento em todas as regiões do país, inclusive na área rural. Envolvidos em um projeto
político ideológico efetivado por pessoas alijadas do poder, neste momento, o ministério inseria-
se dentro de um projeto mais amplo e complexo, no qual envolviam-se novos atores como os
burocratas e congressistas (Fonseca. 2007, p. 48-52). Em suma:

“Ao Mesp cabia a prestação de serviços


para aqueles identificados como pré-cidadãos:
os pobres, os desempregados, os que exerciam
atividades informais, ou seja, todos aqueles que
não se encontravam habilitados a usufruir os
serviços oferecidos pelas caixas e pelos institutos
51

previdenciários” (Lima, Fonseca e Hochman,


2005, p. 42)

Em contrapartida institucional ao MESP, o Ministério do Trabalho Indústria e Comércio


(MTIC) ficaria responsável pela administração dos serviços de saúde aos inseridos no mercado
formal de trabalho urbano/industrial que, protegidos por princípios corporativos eram os
definidos como cidadãos, e, portanto, aptos a receber tal assistência, caracterizada por seu caráter
individualista (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, p. 41). Desse modo, ao mesmo tempo em que
resultou na implantação de mecanismos que possibilitaram a redução da desigualdade, também
insistiu em um sistema estratificado, que conduzia a normas distintas de inclusão no interior das
instituições de saúde (Fonseca, 2007, p.27).

Em 1934, após a chegada de Capanema na pasta, foi instituída uma reforma no MESP, na
qual, entre outras coisas, criou-se um mecanismo para que as ações da União não se limitassem
ao Distrito Federal. Erigiu-se a Diretoria Nacional de Saúde e Assistência Médico-Social
(DNSAM), com o intuito de coordenar as diretorias estaduais de saúde, incorporando as
atribuições do DNSP, mas com atuação ampliada. Desse modo, manifestou-se claramente as
intenções centralizadoras dessa reforma ao constituir um órgão com a função de coordenar todas
as providências dos entes federativos e da iniciativa privada em todo o território nacional,
assumindo características mais universais em formato mais sistematizado e coordenado de
intervenção (Fonseca, 2007, p. 124-126). Também foram criadas oito Delegacias Federais de
Saúde correspondentes aos oito distritos em que o país foi dividido que tinham o objetivo de
colaborar com os serviços locais e fiscalizar os serviços federais de saúde (Escorel e Teixeira,
2008, p. 362).

Em 1937, outra reforma é realizada na área da saúde pública. Com ela a pasta passou a se
chamar Ministério da Educação e Saúde (MES) e o DNSAM, subordinado ao Departamento
Nacional de Saúde (DNS) que substituiu o DNSP, passou a coordenar os departamentos
estaduais de saúde, procurando normatizar e uniformizar as estruturas locais. Além dessa
centralização, a reforma procurava acabar com as atividades municipais de saúde, direcionando
suas atribuições aos governos estaduais que, neste momento, estava nas mãos de interventores
federais, desde a imposição do Estado Novo varguista (Lima Fonseca e Hochman, 2005; Escorel
e Teixeira, 2008). Essa centralização das ações estatais da União em relação aos estados da
52

federação foi definida no intuito de centralizar a norma da saúde pública brasileira e


descentralizar a ação executiva, estabelecendo mecanismos burocráticos que permitissem a
integração dos entes federativos (Lima Fonseca e Hochman, 2005, p. 43). Desse modo o governo
federal procurava formas institucionais que regulamentassem seu controle sobre a área da saúde
nos estados, a despeito da resistência de quadros oligárquicos, o que refletia a fase transitória
pela qual o país vivia, ao adotar um modelo mais centralizador concomitantemente com outro
que respeitasse a autonomia estadual (Fonseca, 2007, p. 124).

Desse modo, percebe-se que a filosofia pública do primeiro governo Vargas, o


nacionalismo, também com viés de integração, estava sendo objetivada, por intermédio de ideias
programáticas para o campo da saúde. Pois, o que a estrutura existente para a área visava era o
saneamento, em todo o território nacional, das doenças e endemias rurais que derrubavam a força
econômica do país. Para tanto, focava-se na prevenção das doenças a partir das ações do MESP e
posteriormente do MES, sobretudo, as que atingiam o trabalhador urbano, que precisava
rapidamente retornar ao trabalho, para que dessa forma auxiliasse no crescimento econômico da
nação. O arcabouço institucional montado para tal função permaneceu inalterado pelo menos até
1953, quando a lei nº 1.920 de 25/07/1953 cria o Ministério da Saúde, separando-o da área da
educação.

A existência de um ministério específico para a área de saúde não era uma demanda da
década de 1950, mas sim originária da Primeira República. Em 1910, um projeto de criação do
ministério foi alvo de intenso debate, sem que, no entanto, fosse aprovado, pois esbarrou na
oposição das oligarquias locais, que o viam como uma ameaça a autonomia dos estados frente à
intervenção federal (Hamilton e Fonseca, 2003, p. 792). Ao longo da década de 1940, durante e
após o Estado Novo, houve continuidade de tal movimento, que tinha entre os seus partidários,
desde a década de 1920, médicos e sanitaristas em atividade no setor público no Brasil. Entre
eles, havia um consenso em torno da necessidade de uma pasta autônoma para a saúde pública
no governo federal, sobretudo após a segunda guerra mundial, momento de otimismo
internacional na área da saúde com as inovações científicas, como o desenvolvimento dos
antibióticos, o que motivou a crença de que era possível erradicar algumas doenças infecciosas.
No contexto nacional essa orientação somava-se à importância que as endemias rurais assumiram
no debate político do período (Hamilton e Fonseca, 2003, p. 793).
53

Tal otimismo no campo da saúde internacional convenceu especialistas de que a


erradicação de doenças seria condição sine qua non para alcançar o desenvolvimento sócio
econômico desejado. Desse modo, os países capitalistas pobres como o Brasil deveriam ter
acesso à ciência e tecnologia de modo a alcançarem o primeiro mundo; para os Estados Unidos,
tais medidas evitariam que esses países se tornassem suscetíveis ao comunismo (Hochman, 2009,
p. 318). Justificando esse otimismo, ocorreu a redução de novos casos de algumas doenças que
afligiam a nação, como a malária e demais doenças transmitidas por insetos, além da queda nas
taxas de tuberculose.

Concomitante a esse período de otimismo sanitário, no campo político brasileiro, a saúde


pública, pela primeira vez, tinha seus rumos decididos em ambiente democrático, mesmo que
herdeira do aparato institucional da Era Vargas, sobretudo, a partir de 1937, com as reformas
realizadas por Capanema em ambiente ditatorial. Há uma expansão da atuação dos governos
nacionais no campo da saúde. O Governo Dutra (1946-1951), o primeiro do período
democrático, instituiu o Plano Salte, experiência em que o Estado era o executor de ações
planejadas, e para a área da saúde objetivava alcançar o orçamento de 13% de seus recursos para
o setor, que por sua vez era considerado como fundamental para a promoção do desenvolvimento
econômico brasileiro. É certo que tal plano fracassara, porém, possibilitou:

“...notável expansão das atividades do governo, até


1954, acrescentando que no campo da saúde
institucionalizou-se as campanhas contra a malária, a
tuberculose, a peste, a lepra, a febre amarela, o
câncer e outras doenças, sobretudo endêmicas”
(Teixeira, 1988, p. 28)

O segundo governo eleito durante esse período foi o de Getúlio Vargas (1951-1954), que
considerava que o problema da área da saúde era de superestrutura, ou seja, era necessário
melhorar as estruturas econômicas do país a fim de que a reboque, a saúde do brasileiro pudesse
melhorar, sobretudo dos mais pobres (idem). Desse modo, Vargas consubstanciaria alguns
objetivos: subordinação das políticas sociais ao enriquecimento da nação e aumento dos serviços
médicos hospitalares rurais a fim de combater as endemias, já que nos centros urbanos a
assistência previdenciária seria expandida (Escorel e Teixeira, 2008, p. 372). Para tanto, o
presidente propôs uma reforma administrativa em que pesasse o modelo estatal de interventor e
54

controlador, planejando e coordenando a economia brasileira (Hamilton e Fonseca, 2003, p.808).


Dentro das mudanças estabelecidas por essa reforma estaria o desmembramento do Ministério da
Educação e Saúde em dois.

A grande modificação no campo da saúde pública desde o Estado Novo foi então a criação
de uma pasta autônoma para o setor no governo federal após intenso e desgastante debate
legislativo acerca do tema. Na visão dos sanitaristas em geral houve certa frustração, pois eles
tentaram manter a saúde pública longe da interferência das questões políticas, o que não foi
possível, pois mesmo participando diretamente da elaboração do projeto foram relegados a
segundo plano no processo decisório, e viram a formação do ministério surgir a partir do
interesse da classe política do âmbito federal, que por sua vez, viam na instituição uma maneira
de aumentar suas bases de sustentação política (Hamilton e Fonseca, 2003, p.817-819).

Se a saúde do povo brasileiro estava condicionada a necessidade de se obter braços


disponíveis a se oferecerem como mão de obra aos pontos produtores da economia, de qualquer
modo o MS estaria subordinado à lógica do desenvolvimento econômico que, neste período
servia como mote para um intenso debate intelectual acerca das razões de sua antítese, o
subdesenvolvimento. De um lado os liberais, que criticavam o planejamento econômico e
vislumbravam o desenvolvimento baseado nas atividades agrícolas. De outro, os
desenvolvimentistas, que defendiam a maior intervenção estatal na economia na tentativa de
alcançar o aumento na produção industrial de bens de consumo e o alargamento do mercado
interno, e assim aumentar a renda média do brasileiro (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, p.48).

Para Lima, Fonseca e Hochman (2005), a saúde foi incorporada ao discurso


desenvolvimentista: todos concordavam que saúde pública estava associada aos problemas do
desenvolvimento e pobreza. Entretanto, as causas e as estratégias a serem seguidas para a
superação das doenças é que se tornaram fontes de embates entre os grupos que defendiam
diferentes pensamentos. De um lado, estavam os sanitaristas campanhistas, que defendiam as
campanhas contras doenças específicas, não coordenadas e realizadas de forma verticalizada.
Consideravam que a melhora das condições de saúde poderia se dar, e estava se dando, pela
oferta maior de inseticidas e antibióticos no país, capazes de solucionar os problemas de forma
pontual em relação a determinadas doenças. Do outro lado, os chamados sanitaristas
55

desenvolvimentistas reagiam à centralização das ações, à fragilidade dos governos locais e ao


baixo conhecimento do estado sanitário do país, propugnando a compreensão das relações entre
pobreza e doença, a fim de se alcançar a transformação social brasileira, através de promoção de
condições básicas de infraestrutura sanitária e campanhas horizontais em relação a um conjunto
de doenças. Acreditavam que a melhora das condições de saúde era decorrente do
desenvolvimento sócio econômico do país naquele período (Escorel, 2000, p. 83). Estes, de
maneira geral, levando em conta sua heterogeneidade, integravam a corrente nacional
desenvolvimentista. Embora essa polarização tenha ocorrido, especificamente, no nível das
ideias (Hochman, 2009, p. 316) ela foi notória para o campo político institucional da saúde
brasileira entre 1945 a 1964, que apresentou “lentos movimentos na direção de alguns desses
polos” (Lima, Fonseca e Hochman, 2005, p. 50).

No período da administração JK, a miséria, a partir do próprio conceito juscelinista, era


vista por duas óticas distintas: a primeira relativa ao sentido político, potencialmente geradora de
revolta e subversão, enquanto que a outra ótica fundamentada em termos econômicos (Teixeira,
1988, p. 12). Neste último caso combater a pobreza era promover o aumento da riqueza nacional,
portanto, constituindo-se antes num problema econômico do que num problema social. Nas
políticas de saúde do governo JK o debate girava predominantemente em torno da relação entre
miséria e desenvolvimento econômico, produzindo-se para tanto diferentes respostas dadas,
respectivamente, pelos sanitaristas campanhistas e pelos desenvolvimentistas. Por um lado tais
políticas defendiam medidas focais, propondo soluções para doenças de maneira específicas, de
forma verticalizada, tendo inclusive o programa de governo elaborado propostas em separado
para ações de combate para cada doença em específico. Por outro lado, outras medidas do
programa de saúde pública de JK mantinham características horizontalizadas, como a proteção
aos idosos, a prática esportiva, alimentação, habitação, entre outros (Hochman, 2009, p. 323).

Na tentativa de unificar e coordenar as atividades das campanhas verticais dos cerca de 15


órgãos envolvidos no combate, erradicação ou controle de algumas doenças específicas, foi
criado em 1956 o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu). Tais campanhas
mobilizaram recursos humanos e financeiros e estiveram associados ao projeto do
desenvolvimento. Ao objetivar recuperar a mão de obra no campo e modernizá-lo, incorporando-
o à lógica da produção capitalista, explicita assim a associação entre saúde e desenvolvimento,
56

no qual o primeiro estava subordinado ao segundo ajudando-o a promover-se (Lima, Fonseca e


Hochman, 2005, p. 53)

Tal subordinação é bastante evidente já no programa de governo para a área da saúde


apresentado pelo ainda candidato a presidência Juscelino Kubitscheck e elaborado por Mario
Pinotti17, seu segundo ministro da saúde. No plano, JK questiona quais as doenças que mais
afetariam o Brasil, trazendo sacrifícios e tirando vidas que seriam úteis ao desenvolvimento da
riqueza nacional. A resposta para ele era: “as doenças de massa”, ou seja, as que atingiam a um
número muito grande de brasileiros, naquele momento, segundo o candidato, era a tuberculose,
as doenças gastrointestinais e as doenças da nutrição (Kubitscheck, 1955, p. 4).

Deste modo, é perceptível a consonância de suas ideias programáticas para a área da saúde,
como a intenção de focar no combate às endemias rurais e as doenças de massa em geral, com a
sua filosofia pública personificada pelo desenvolvimentismo, pois a intenção de levar
infraestrutura sanitária para o interior e combater suas principais moléstia, tinha claro objetivo de
melhorar as condições do sertanejo a fim de que este servisse como fonte de mão de obra que
possibilitasse o desenvolvimento econômico dessas áreas. Das 18 metas estabelecidas por JK
para a área de saúde 10 são direcionadas diretamente para ações nos sertões, 6 direcionavam suas
ações tanto nas cidades quanto no campo e apenas 2 não tinham vinculação necessariamente com
o meio rural.

17
Diplomado médico em 1918, a partir da década seguinte ocupou vários cargos técnicos e políticos. Em 1942,
passou a ocupar o cargo de diretor do Serviço Nacional da Malária (SMN) por mais de uma década. Tal cargo o
consagrou como uma das principais figuras na área da saúde pública brasileira no período, levando-o a ser assumir o
Ministério da Saúde em duas oportunidades. A primeira em 1954, nomeado durante o segundo governo Vargas
(1950-1954), quando permaneceu no cargo por apenas 3 meses, saindo 11 dias depois da morte do então presidente.
A segunda em 1958, convidado por Juscelino Kubitscheck a ser ministro da saúde após a saída de Maurício de
Medeiros do cargo, permanecendo no cargo nos dois anos seguintes (Silva & Hochman, 2011, pp. 520-521).
57

CAPÍTULO 2

POR UMA ASSISTÊNCIA PÚBLICA PSIQUIÁTRICA NACIONAL

As condições asilares psiquiátricas no Brasil, desde a criação do seu primeiro hospício, o


Pedro II, na cidade do Rio de Janeiro, em 1840, sempre foram alvo de intensas críticas. Maus
tratos, superlotação e abandono dos pacientes, eram características que permearam todos os
períodos até então estudados no campo da história da psiquiatria do país. Ao longo dos anos
houve tentativas de superação desse quadro caótico, que tiveram como principais marcos
históricos, a laicização do Hospício Nacional (antigo Hospício de Pedro II) e o advento da
psiquiatria cientificista, que teve como um dos principais ícones Juliano Moreira (Resende, 1987,
p. 44). Também podemos considerar como marco a criação do SNDM como órgão de atuação
nacional (Fabrício, 2009) e a efetivação de uma política nacional, de fato, que desse capilaridade
às ações do SNDM em todo o território nacional durante o governo JK18. Tais fatos não foram
capazes de solucionar esses problemas, que no final da década de 1970 e início de 1980
tornaram-se insustentáveis e culminaram com a crise da DINSAM e início da luta
antimanicomial.

Para analisar as políticas públicas no campo da assistência psiquiátrica brasileira durante a


administração Kubitscheck, sobre o qual não há trabalhos pretéritos que tenham se debruçado
sobre essa temática, é fundamental investigar o corpo institucional e as ideias que permeavam os
organismos que administravam tal assistência durante a década de 1950. Porém, assim como o
arcabouço institucional da saúde pública no Brasil da década de 1950 expressaria diretrizes de
períodos históricos anteriores, em especial o primeiro governo Vargas19, conforme demonstrado
no capítulo anterior, a assistência psiquiátrica do governo JK também deve ser compreendida em
suas continuidades em relação à política assistencial psiquiátrica varguista. A partir das análises
documentais realizadas no IMASJM e na legislação da época percebe-se que a atuação do

18
Afirmação baseada na análise da documentação existente no Centro de Documentação do IMASJM e que será
comprovada ao longo do presente trabalho.
19
Como já demonstrado no campo da saúde pública, as diretrizes que direcionaram as ideias programáticas do setor
durante o período focado por este trabalho foram forjadas por estruturas ideológicas e institucionais montadas e
organizadas em períodos anteriores, tanto na primeira república (1889-1930) quanto na Era Vargas (1930-1945),
além é claro, da nova dinâmica de demandas estabelecidas no quadro político e social nacional a partir do curto
período democrático vivido pelo país que se iniciou com o governo Dutra (1946-1951).
58

SNDM, tal como as instituições que prestavam esse serviço à população da cidade do Rio de
Janeiro, estavam seguindo diretrizes engendradas ao longo dos anos que precedem o foco desse
trabalho. Desse modo, para compreender a lógica assistencial exercida pelo SNDM ao longo da
administração Kubitscheck torna-se imperativo mapear o quadro institucional desta assistência.
Tal abordagem visa possibilitar o entendimento das distinções desse campo de atuação nas
diversas regiões do país; da ênfase dada a determinadas técnicas de tratamento em detrimento de
outras; e do desenho modelar hospitalar utilizado.

Deste modo, inicialmente neste capítulo tratarei das origens do SNDM (ainda na década
de 1940), quando surgiu como instituição a partir da percepção de que era necessária a expansão
dos cuidados psiquiátricos para todo o país, buscando organizar as ações federais para além do
Distrito Federal. A seguir tratarei das políticas públicas psiquiátricas estabelecidas pelo SNDM
no intuito de levar tal assistência a todo o território nacional e sua organização institucional
durante a década de 1950. Como objeto analítico, destaco as estruturas do setor herdadas pelo
governo JK, de modo que seja possível realizar a comparação entre dois períodos: o primeiro,
posterior ao fim do primeiro governo Vargas até 1955, último ano antes da administração
Kubitscheck, e o segundo, correspondente a toda Era JK (1956-60)20.

2.1 As origens do SNDM: a centralização normativa e a descentralização executiva

Ainda nos primeiros anos de existência da incipiente república surgiram os primeiros


decretos referentes à organização e gestão da assistência pública psiquiátrica brasileira. Em
15/02/1890, através do decreto 206-A foi criada a Assistência Médico-Legal a Alienados, que
tinha como função socorrer alienados que carecessem do auxilio público, bem como os que
mediante determinada contribuição davam entrada em seus hospícios, que no momento de
criação do órgão, em relação à cidade do Rio de Janeiro, correspondiam ao Hospício Nacional,
situado na atual Praia Vermelha, e as Colônias Conde de Mesquita e de S. Bento, localizadas na
ilha do Governador, estas exclusivamente reservadas para os alienados indigentes. Além destes,

20
O mandato de Juscelino Kubitschek na presidência da república terminou dia 31/01/1961. Desse modo, como os
dados e as suas análises são realizadas baseadas nas informações anuais, não utilizo o ano de 1961 como referente às
medidas adotadas pelo governo JK..
59

todos os futuros hospitais psiquiátricos que fossem construídos pelo governo do então Distrito
Federal, seriam anexados ao órgão. Desse modo, percebe-se que tal instituição tinha sua atuação
limitada à cidade do Rio de Janeiro.

Na década seguinte, a primeira lei geral de assistência a alienados no Brasil (lei 1132, de
22/12/1903) pretendia se estabelecer como uma legislação de caráter nacional, no sentido de
organizar e administrar todas as instituições psiquiátricas brasileiras. Entretanto, somente
insinuava a existência de estabelecimentos psiquiátricos nos estados. Em seu artigo 12
demonstrava interesse em realizar a fiscalização destes estabelecimentos em todo o território
nacional, mas em nenhum dos seus dispositivos explicitou claramente a diretriz assistencial de
internação a ser seguida por essas instituições. Tais ações do governo federal esbarrariam no
princípio constitucional da autonomia federativa dos estados, o que transformaria em letra morta
várias de suas normas. Tratava, de forma direta, apenas das normas de funcionamento a serem
seguidas, tais como: as condições de internamento; as condições para tratamento domiciliar; o
direito de requerimento da pessoa internada ou interessada de exame de sanidade que cessaria o
constrangimento à liberdade; as normas para concessão de altas; procedimentos relacionados à
evasão; a inspeção, direção e normas para criação dos estabelecimentos psiquiátricos, proibição
de manutenção de alienados em cadeias públicas e entre criminosos; e a criação de
estabelecimentos especiais para alienados delinqüentes e condenados, os manicômios judiciais
(Medeiros, 1977, p. 114-115). Nos artigos 19 e 20 a lei regia a assistência a ser prestada pela
União, limitando-se a mencionar o Distrito Federal, que por sua vez, seria composto pelo
Hospício Nacional, pelas colônias, e pelo Pavilhão de Admissão, onde funcionava a Seção de
Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, que teria como diretor o
professor da cadeira de psiquiatria e de moléstias nervosas desta faculdade.

Um importante passo na direção do Estado em assistir os que sofriam de moléstias mentais


ocorreu após a laicização da assistência psiquiátrica, a partir do período posterior ao da
proclamação da república. Tornava-se fundamental que, os poderes públicos estaduais
assumissem o encargo de cuidar diretamente da assistência a alienados. Para Medeiros (1977,
p.113), durante os primeiros anos da república se processou a passagem da maior parte dos asilos
existentes aos governos estaduais. Tal fato se deve a dois fatores: o primeiro era o empenho dos
médicos alienistas interessados na transformação dos hospícios em estabelecimentos científicos;
60

em segundo lugar o interesse das próprias Santas Casas, que após a separação da Igreja e o
Estado, a partir da primeira constituição republicana de 1891, viu-se em dificuldades financeiras
significativas, o que se refletiria na qualidade do serviço prestado em seus estabelecimentos,
superlotados, sujos e com grande mortalidade (Medeiros, 1977, pp.113-114).
61

Quadro 1: Cronologia da inauguração de locais de internamentos de doentes mentais no Brasil até 1954.
Ano Cidade Instituição
1800-1830 Rio de Janeiro Enfermarias do Hospital da Santa Casa de Misericórdia
Recife Enfermarias do Hospital S. Pedro de Alcântara
Salvador Enfermarias do Hospital S. Cristovão
Porto Alegre? Enfermarias do Hospital da Santa Casa de Misericórdia
São Luis Enfermarias do Hospital da Santa Casa de Misericórdia
1817? São João Del Rei (MG) Enfermarias do Hospital da Santa Casa de Misericórdia
1831 São Paulo Cadeias Públicas: separação dos loucos
Asilo Provisório (em casa situada onde se construia o Hospício
1841 Rio de Janeiro
Pedro II)
1852 São Paulo Hospício Provisório de Alienados
Rio de Janeiro Casa de Saúde Dr. Eiras
1864 São Paulo Hospício de Alienados (Ladeira da Tabatinguera)
Olinda - Recife Hospício da Visitação de Santa Isabel
1865 Belém Enfermaria do Hospital de Caridade
1873 Belém Hospício de Alienados (vizinhança dos Lázaros)
1874 Salvador Asilo de S. João de Deus
1875 Paraíba Enfermaria do Hospital da Santa Casa de Misericórdia
1878 Niterói Enfermaria do Hospital São João Batista
1883 Recife Hospício de Alienados (Tamarineira)
1884 Porto Alegre Hospício de S. Pedro
1886 Fortaleza Asilo de Alienados de S. Vicente de Paula (Porangaba)
1890 Rio de Janeiro Colônias S. Bento e Conde de Mesquita (Ilha do Governador).
1891 Maceió Asilo Santa Leopoldina
1892 Belém Hospício de Alienados (Marco da Legua)
1893 Paraíba Asilo do Hospital Santa Ana (Cruz do Peixe)
1894 Manaus Hospício Eduardo Ribeiro
1895 Sorocaba (SP) Hospício de Alienados
Niterói Pavilhão no Hospital de São João Batista
1898 São Paulo Hospício do Juqueri
1903 Barbacena (MG) Hospital Colônia
Curitiba Hospício N.S. da Luz (Campo do Aú)
1904 Barra do Piraí (RJ) Colônia de Alienados de Vargem Grande
?-1905 Terezina Enfermaria do Hospital da Santa Casa de Misericórdia
Cuiabá Enfermaria do Hospital da Santa Casa de Misericórdia
1905-1941? Terezina Hospital Psiquiátrico Areolino Abreu
Cuiabá Asilo de Alienados
São Luis Hospital Colônia Nina Rodrigues
Cachoeiro do Itapemirim
Asilo Deus, Cristo e Caridade (Espírita)
(ES)
62

Continuação do Quadro 1
Ano Cidade Instituição
1911 Rio de Janeiro Colônia do Engenho de Dentro (para mulheres)
Natal Hospício de Alienados (no Antigo Lazareto da Piedade)

1918 São Paulo Atendimento Médico no Recolhimento das Perdizes (Posto Policial)

1921 Rio de Janeiro Sanatório Botafogo


1922 Rio de Janeiro Instituto Neuro-Psiquiátrico
1923 Rio de Janeiro Colônia de Jacarepaguá (para homens)
1927 Oliveira (MG) Hospital Colônia
1928 Paraíba Hospital Colônia Juliano Moreira e Sanatório Clifford Beers
1929 Barbacena (MG) Manicômio Judiciário
1931 Barreiros (PE) Hospital Colônia (para homens)
1933 São Paulo Manicômio Judiciário
1936 São Paulo Hospitais de Psicopatas da Penha e Perdizes
Fortaleza Casa de Saúde Particular (Drs. Picanço e Vandik Ponte)
Recife Sanatório Recife
1938 Rio de Janeiro Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil
1940 Aracaju Hospital Colônia Eronides de Carvalho
1942 Florianópolis Hospital Colônia de Santa Ana
1943 Salvador Sanatório Bahia
Rio de Janeiro Centro Psiquiátrico Nacional (Engenho de Dentro)
1944 Vitória Hospício de Alienados (Ilha da Pólvora)
Ribeirão Preto (SP) Hospital Psiquiátrico Santa Tereza
1940-1950 Maceió Hospital Colônia Portugal Ramalho
Goiânia Hospício de Alienados
Aracaju Hospital Colônia Adauto Botelho
1954 Vitória Hospital Colônia Adauto Botelho
Fonte: Medeiros, 1977, Quadro V, s/p.

Durante a primeira república, os principais problemas assistenciais estavam relacionados


à superlotação, à cronificação dos pacientes, aos altos custos da assistência, e à luta pela entrega
da direção dos hospícios nas mãos dos médicos (Medeiros, 1977, pp. 107-108). A exceção era o
estado de São Paulo em que o Hospício do Juquery, desde sua fundação em 1898, tinha sido
administrado pelo Estado e não pela Santa Casa de Misericórdia, como na cidade do Rio de
Janeiro. Apesar dessas diferenças, os problemas, os objetivos, as dificuldades e contradições
63

eram semelhantes (Medeiros, 1977, p.108). O final do século XIX e início do XX constitui-se
num momento de inflexão:
“Um fator provável que influiu na tomada de
consciência de que novos rumos deviam ser traçados,
foi a verificação de que a custódia em estabelecimento
privativo para alienados constituía solução
insuficiente, pois a superlotação logo devorava os
espaços. Reconhece-se a condição de “crônico”, e são
criadas colônias em sítios periféricos às cidades”.
(idem)

Essa tendência de construir hospitais psiquiátricos em pontos distantes dos centros urbanos
foi amplamente disseminada, e atendia a uma demanda de instalar os enfermos em campos a fim
de que fossem cultivados pelo trabalho dos crônicos (Medeiros, 1977, p. 65). Desse modo, a
maioria dos estados brasileiros incorporou as colônias agrícolas à sua rede de serviços
psiquiátricos, alguns como única opção manicomial, outros como complemento a hospitais já
existentes. Esperava-se que tais instituições conseguissem dar conta do excedente cronificado que
os hospitais urbanos produziam em quantidades cada vez maiores. O objetivo era recriar, como
método terapêutico, um ambiente rural pré-capitalista, no qual algumas práticas propostas e
decorrentes da própria organização social típicas daquelas sociedades eram utilizadas e
naturalizadas (Resende, 1987, pp. 50-51). Embora, algumas colônias já estivessem em
funcionamento antes de 1911, apenas nesse ano, a partir do decreto 8.834, de 11 de julho, que
reorganizou a assistência a alienados, estabeleceu-se com mais detalhes as regras para a criação
das colônias e para implantação da assistência hétero-familiar (Medeiros, 1977, p. 116).

Uma das lógicas assistenciais contidas nas colônias era a da laborterapia ou praxiterapia,
sobre a qual recaia a missão terapêutica e econômica, pois deveria contribuir para o sustento
material destas instituições, por meio do trabalho de seus internos que, portanto, teriam o ônus de
prover através do seu próprio trabalho a assistência que o Estado lhes oferecia. Tais métodos
estavam em consonância com o estímulo e a glorificação do trabalho, incorporados pela
crescente sociedade burguesa de fins do século XIX e início do XX: “trabalho e não trabalho
seria a partir de então mais um ponto de clivagem a estabelecer os limites do normal e do
anormal” (Resende, 1987, p.47). O trabalho já aparecia como método terapêutico no antigo
Hospício Nacional por meio da oferta de diferentes oficinas aos pacientes (Engel, 2001, pp.213-
64

216). A especificidade da colônia de Jacarepaguá, assim como das antigas colônias da Ilha do
Governador, não era o uso do trabalho como terapêutica, mas sim sua vocação agrícola que,
segundo os psiquiatras envolvidos, poderia prover melhores resultados em virtude dos excelentes
recursos naturais disponíveis na região (Venancio, 2011, p. 42). A ideia era tornar essas
instituições o mais próximo da auto-suficiência em termos de recursos a partir das atividades
(agrícolas) realizadas pelos próprios internos e juntamente com este caráter economicista,
buscava-se também chegar à cura por meio do trabalho (Fabrício, 2009, p.105).

A permanência insistente nessas colônias das mesmas práticas condenáveis existentes nos
hospícios urbanos superlotados deturpou o ideal terapêutico dessas instituições. Como as massas
de internos não paravam de chegar ao longo dos anos, e por ficarem muito distantes dos locais
onde se tomavam as decisões referentes à triagem da clientela que se destinaria as suas
instalações, as colônias também ficaram superlotadas, sobretudo, porque o objetivo de atender
apenas os pacientes crônicos não era respeitado. A deficiência de pessoal, maus tratos e péssimas
condições de hotelaria transformaram essas instituições em depósito de pessoas (Resende, 1987,
p.53-55).

Após a vitória dos revolucionários de 1930 e a emergência de um novo regime que


observaria profundas mudanças estruturais em diversos campos, a área da saúde, conforme
descrito anteriormente, assumiu um papel de relevância na estratégia de combater o federalismo,
que impossibilitava ou dificultava a ação efetiva do governo federal nos estados. Uma das
estratégias utilizadas pelo novo governo para alcançar seu objetivo centralizador, foi o de
fortalecer o sistema de proteção social, ficando a administração sanitária como atribuição de dois
ministérios: o MTIC e o MESP. Conforme visto no capítulo anterior, o MTIC tinha a
responsabilidade pela assistência aos trabalhadores formalmente abrangidos pelos regimes de
previdência social, que durante a década de 1930 “foi expandida passo a passo, grupo a grupo,
até que por volta de 1938, quase todas as classes operárias urbanas ativamente empregadas
foram cobertas pelo sistema” (Malloy, 1976, p. 102). A proteção da previdência social foi
concedida a cada grupo individualmente, sendo os primeiros a ganharem, os funcionários
públicos, seguidos por outras categorias, tais como os bancários, comerciários e, em 1938, os
industriários, estes caracterizados por sua amorficidade (idem).
65

Esse tipo de assistência se deu como forma de atender as demandas advindas dos setores
organizados na sociedade civil urbana do país. Porém, antes mesmo da revolução de 1930 e das
mudanças atreladas a ela, já havia no período do colonial do Brasil, programas de previdência
social. Contudo, até o século XIX, estes eram restritos aos funcionários públicos, civis e
militares. A partir do século XX que a previdência social mantida pelo governo foi estendida ao
setor privado. Um marco importante neste processo foi criação da Lei Eloy Chaves, n 4.682 de
24 de janeiro de 1923, que por meio de seus conceitos legais e organizacionais tornou-se base
para a futura elaboração do sistema de previdência social no Brasil (idem, p. 96). Entretanto,
nessas organizações previdenciárias a assistência médica não era oferecida de forma integral: o
campo da atenção psiquiátrica, por exemplo, só seria incorporado a gama de serviços ofertados
durante a década de 1950, e mesmo assim de forma incipiente (Resende, 1987, p. 57).

O MESP, por sua vez, diferenciava-se em relação ao MTIC no tocante a clientela assistida e
ao nítido foco na medicina preventiva, como vimos. Suas políticas de saúde tinham como
objetivo garantir a saúde pública da nação, mas não era pautado somente pelas ações profiláticas.
Existia uma gama significativa de serviços assistenciais de caráter universal oferecidos a
qualquer pessoa, independente de sua condição social nos hospitais públicos, principalmente
como no caso da assistência psiquiátrica. Mesmo tendo como incumbência a prestação de
serviços de saúde aos indivíduos excluídos do sistema, o MESP era encarado como peça chave
do projeto de construção de uma nova imagem do povo brasileiro.

Único responsável, pelo menos até a década de 1950, pela prestação de assistência
psiquiátrica organizada pelo governo federal, o MESP sofreu grandes alterações ao longo da
década de 1930, que acarretaram mudanças na direção das medidas preventivas e na promoção de
políticas sanitárias. Ainda que a assistência psiquiátrica não tenha sido um dos alvos prioritários
do órgão, foi uma das ferramentas utilizadas para a transformação do quadro médico-social
brasileiro. A psiquiatria pública obteve importantes ganhos no tocante ao apoio governamental,
que possibilitou o início do processo de capilarização assistencial pelo Brasil. Essas
transformações institucionais também foram acompanhadas por novas regras legislativas.
Embora, em 1927, no decreto 17805, pela primeira vez, mencionava-se num documento
66

legislativo o termo profilaxia (das doenças mentais), é no decreto 24559, de 3 de julho de 1934,
que a preocupação com a profilaxia mental aparece como foco de atuação pública. No primeiro
decreto, de caráter local, pois estabelece regras assistenciais específicas para o Distrito Federal,
estipula-se que os ambulatórios e os serviços clínicos eram os responsáveis pela prática
preventivista, colocando como meta a ser alcançada por meio do estudo dos problemas relativos à
higiene mental e à “psycho-physiologia” normal ou mórbida, aplicadas as diversas atividades
sociais. No decreto de 1934, a profilaxia ganha mais espaço, indicando-se a que se destina tal
prática, e como seria realizada: por meio da promoção de estudos das causas das doenças mentais
no Brasil e da vulgarização e aplicação dos preceitos da chamada higiene preventiva. Além disso,
pela primeira vez numa lei destinada a nortear a assistência psiquiátrica brasileira, observa-se
regras que visavam limitar ao máximo a presença de estrangeiros portadores de qualquer doença
mental ou nervosa em todo o território nacional: negando-lhes a naturalização ou extraditando-os.

Neste período, a instituição aglutinadora dos preceitos higiênicos psiquiátricos, a Liga


Brasileira de Higiene Mental (LBHM)21, tinha força política para levar suas ideias a serem
efetivadas no campo político e, mesmo após seu término seus antigos membros e simpatizantes
continuaram a defender suas bandeiras e proposições dentro do campo político-administrativo da
saúde pública brasileira. O foco da LBHM era a higiene, no intuito de prevenir o aparecimento de
distúrbios mentais nas pessoas, os quais poderiam ser ativados por diversos motivos, entre eles, o
uso contínuo de produtos tóxicos tais como drogas e álcool. Desse modo, A LBHM realizava
campanhas informativas – como as semanas anti-alcoólicas, alertando para o perigo do uso
dessas substâncias – que tinham como objetivo educar moralmente os brasileiros (Fabrício, 2009,
p.65). A profilaxia mental era uma preocupação cara aos dirigentes da assistência psiquiátrica
durante a década de 1930. Tanto Waldemiro Pires, que dirigiu o Serviço de Assistência
Psiquiátrica (SAP-DF) até 1936, quanto posteriormente Adauto Botelho, que assumiu a direção
do órgão a partir de 1938, defendiam em seus relatórios as práticas de higiene mental de modo a
constituir-se em uma das ferramentas a ser utilizada no descongestionamento das instituições
psiquiátricas públicas do período (Fabrício, 2009, p. 74).

21
Sobre a Liga Brasileira de Higiene Mental ver o trabalho clássico de Costa (1976) e uma análise mais recente de
Fabrício (2009).
67

Durante toda a década de 1930 até a criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais em
1941, os órgãos federais com responsabilidade pela assistência psiquiátrica mudaram de acordo
com as reformas ministeriais ocorridas durante o período. Em 1930, subordinada ao
Departamento Nacional de Assistência Pública do MESP, o Serviço de Assistência a Psicopatas
(SAP), criado três anos antes, tinha sua atuação limitada ao Distrito Federal (Fabrício, 2009,
p.50); a partir da reforma Washington Pires ocorrida no MESP (1934), o órgão passa a ser a
Diretoria de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental (DAPPM), criada por meio do decreto
24559, de 3 de julho, revelando as diretrizes a serem tomadas pelo setor, assistência e profilaxia
(idem, 2009, p.64); após a reforma Capanema (1937), que transforma o MESP em Ministério da
Educação e Saúde (MES), surge a Divisão de Assistência a Psicopatas (DAP) que, mesmo
possuindo diretrizes de caráter nacional tendo como uma das funções auxiliar os estados em sua
respectivas assistências, teve uma atuação resumida à feitura de regimentos dos serviços
estaduais, de plantas prediais e subvenção federal nas unidades federativas que apresentasse sua
assistência psiquiátrica em estado crítico, ou inexistentes (Fabrício, 2009, p.106). No campo da
assistência psiquiátrica no Distrito Federal a responsabilidade ainda era do Serviço de Assistência
a Psicopatas (SAP), composto pelo Hospital Psiquiátrico (antigo Hospital Nacional de
Alienados), Instituto Neuro-Sífilis (INS), Colônia Gustavo Riedel (CGR), Manicômio Judiciário
(MJ) e a Colônia Juliano Moreira (CJM) (Idem).

A partir da Reforma Capanema são lançadas algumas das bases e da estrutura na qual a
assistência psiquiátrica exercerá sua função nas décadas seguintes. No campo da saúde pública
foi utilizado pelo governo varguista uma estratégia para furar o bloqueio estabelecido pelos
governos locais em relação às ações efetivas do poder federal. Para isso, o Departamento
Nacional de Saúde (DNS) foi reincorporado ao agora Ministério da Educação e Saúde (MES),
subordinando ao órgão as divisões que teriam como função a promoção da cooperação da União
aos serviços de saúde locais por meio de auxílios financeiros e técnicos, a saber: Divisão de
Saúde Pública, Divisão de Assistência Hospitalar, Divisão de Amparo à Maternidade e à
Infância, e a Divisão de Assistência a Psicopatas (DAP) (Fabrício, 2009, p. 71).

Para executar tal política expansionista das ações estatais federais criou-se também os
órgãos de execução, os quais estavam divididos em: “Serviços Relativos à Educação”, os
“Serviços Intermediários” e os “Serviços Relativos à Saúde”. Para o presente trabalho são
68

importantes os dois últimos. Sobre os Serviços Intermediários, a partir deles e a eles


subordinados foram constituídas as Delegacias Federais de Educação e Saúde22, que objetivavam
na prática permitir a presença efetiva da União em todas as regiões brasileiras. Desse modo, para
melhor organizar tal ação o território brasileiro foi dividido em oito regiões administrativas cada
uma com sua respectiva delegacia em um dos estados, são elas23:

• 1ª região: Distrito Federal* e Estado do Rio de Janeiro;

• 2ª região: Amazonas, Pará* e Território do Acre;

• 3ª região: Maranhão, Piauí e Ceará*;

• 4ª região: Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco* e Alagoas;

• 5ª região: Sergipe, Bahia* e Espírito Santo;

• 6ª região: São Paulo* e Mato Grosso;

• 7ª região: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul*;

• 8ª região: Minas Gerais* e Goiás.

Os Serviços Relativos à Saúde, por sua vez, em sua grande maioria limitavam-se apenas à
atuação no Distrito Federal, pois as ações diretas da União eram responsáveis apenas pela
capital federal: os serviços da alçada do ministério de alcance nacional eram apenas o Serviço de
Propaganda e Educação Sanitária, o Serviço de Saúde dos Portos e o Serviço Anti-Venéreo das
Fronteiras (Fabrício, 2009, p.71). Entretanto, esse quadro mudaria a partir dos acontecimentos
políticos que, derivados do estabelecimento do Estado Novo, possibilitaram a centralização das
ações federais em âmbito nacional com a nova organização do MES em 1941, por meio da
Reforma Barros Barreto.

22
A partir desse momento sempre que me referir às Delegacias Federais estarei nomeando-as como Delegacias
Federais de Saúde, tendo em vista que é esta denominação que encontro em fontes documentais como o regimento
do SNDM.
23
Os estados que apresentam asterisco eram as sedes das Delegacias Federais de Educação e Saúde.
69

A partir de 1937, o DNS ganhou muita importância no meio diretivo estatal na área da
saúde e, após 1941, com a reforma Barros Barreto, o órgão se tornava formulador e canalizador
das políticas públicas sanitárias no Brasil por intermédio dos Serviços Nacionais que, por sua
vez, organizavam a assistência à saúde a partir de ações que combatiam doenças específicas.
Além disso, as organizações estaduais e municipais passaram a atuar sob a orientação direta do
DNS. Neste momento, era preciso racionalizar o processo de nacionalização dos serviços
sanitários. Seguindo a tendência política centralizadora do país executada após o golpe do Estado
Novo, coube ao DNS o controle exclusivo e direto sobre a fiscalização da promoção de tais
políticas, subordinando-se diretamente ao MES (Fonseca, 2007, p. 210-211; Fabrício, 2009,
p.87). Esta reforma criou as bases de gestão da saúde pública das décadas seguintes, e a única
mudança estrutural que se processou no setor foi o desmembramento do MES, em 1953, em dois
distintos ministérios: um relativo à educação e outro específico para a saúde. Entretanto, essa
separação não modificou a estrutura organizacional inaugurada a partir de 1941, que alçou o
DNS ao posto de principal instituição formuladora de políticas públicas sanitárias através da
centralização das medidas praticadas pelos Serviços Nacionais. Dessa forma, a ação sobre os
estados tornava-se direta no tocante a normatização e administração, e indireta na execução. Essa
estratégia seguia as diretrizes das políticas de saúde pública que se discutiam internacionalmente,
entre 1930 e 1945. Neste período, a Organização Panamericana de Saúde havia promovido várias
reuniões recomendando o modelo de centralização normativa e descentralização diretiva24
(Fonseca, 2005, p. 36; Venancio, 2012, p.179).

A organização do DNS ganhou a seguinte constituição, no que se refere aos seus serviços de
administração: além do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), outros quatro tipos de órgãos que tinham
como função orientar a padronização e supervisão dos serviços de saúde pública no país eram a
Divisão de Organização Sanitária (DOS), Divisão de Organização Hospitalar (DOH), as
Delegacias Federais e os Serviços Nacionais (SN’s).

O DOS era responsável pela padronização e supervisão das funções administrativas, além
de buscar soluções para os problemas referentes à saúde pública que não contassem com um
órgão especializado no DNS. Também era de sua alçada, realizar inquéritos, investir no estudo

24
Este auxílio federal às instituições psiquiátricas estaduais já era ideia defendida no governo Vargas antes de 1941.
70

dos problemas de saneamento e incentivar a criação de novas escolas de enfermagem, entre


outras atribuições (Fonseca, 2007, p. 223).

O DOH organizou-se em três subdivisões: Seção de Assistência e Seguro de Saúde, Seção


de Edificações e Instalações e a Seção de Organização e Administração. Ficava a cargo desta
divisão, criar hospitais regionais, além de ambulatórios e postos de socorro. Após a aprovação do
decreto que a regulamentou em 1942 atribuiu-se novas funções, como a de organizar um plano
geral de assistência, no qual compreendia uma ampla rede de hospitais em todo o Brasil;
estabelecer normas e padrões para as instalações hospitalares; organizar o funcionamento dos
serviços técnicos e administrativos dos hospitais; e manter atualizado um cadastro dos
estabelecimentos hospitalares no país (Fonseca, 2007, p. 228). Entretanto, não há nenhum
registro nos documentos analisados no IMASJM ou em qualquer periódico, que mencione
diretamente que o DOH tenha tido um contato direto, regular e sistemático com o SNDM no
tocante à construção ou expansão de novos hospitais psiquiátricos. Nesse caso, o órgão que
aparece como referência é a Seção de Obras do Ministério da Saúde. Fato que corrobora tal
afirmação ocorreu quando Janduí Carneiro, delegado representante do estado da Paraíba na I
Conferência Nacional de Saúde, em 1941, apresentou uma proposta que obrigaria que todos os
centros de saúde tivessem um dispensário de profilaxia e higiene mental. “Carneiro protestava
contra a ausência destes dispensários nas plantas dos centros de saúde que vinham sendo
formuladas até então pela Seção de Obras do MES” (Fabrício, 2009, p.103).

Os Serviços Nacionais (SN’s) eram os seguintes: Serviço de Saúde dos Portos, Serviço
Federal de Águas e Esgotos, Serviço Federal de Bioestatística, Serviço Nacional do Câncer,
Serviço Nacional de Educação Sanitária, Serviço Nacional de Febre Amarela, Serviço Nacional
de Fiscalização da Medicina, Serviço Nacional de Lepra, Serviço Nacional de Malária, Serviço
Nacional da Peste, Serviço Nacional da Tuberculose, Serviço Nacional de Doenças Mentais. Tais
instituições eram formados por estrutura própria, a exceção do Serviço Nacional de Educação
Sanitária, que substituiu o antigo Serviço de Propaganda e Educação Sanitária, e o Serviço
Nacional de Esgotos, que não continha sub-seções. Os pontos comuns dos SN’s eram ser
comandados por alguém no posto de diretor; estabelecer Seções de Administrações em cada um
deles, que seria um dos elos entre o DNS e seus órgãos subordinados; e por fim, possuir plenos
poderes na formulação de políticas para as suas áreas e fiscalizar suas execuções, que ficariam a
71

cargo dos serviços estaduais. Dessa forma, auxiliaram na capilarização das ações federais por
todo o país, aumentando sua influência em detrimento das oligarquias locais. Já os métodos e
objetivos variavam de acordo com o órgão, uns objetivavam o fortalecimento das estruturas
federais, como o de Fiscalização da Medicina e de Bioestatística, outros, objetivavam combater
epidemias que adoeciam o país, como o da Lepra e da Tuberculose (Fabrício, 2009, p. 96).

Seguindo o modelo de expansão nacional dos serviços de saúde, de acordo com a diretriz do
governo varguista de diminuir a influência dos poderes locais e aumentar o poder central nos
estados, o DNS iniciou uma série de inquéritos sobre os problemas de saúde no Brasil
aproveitando-se da estrutura das Delegacias Federais de Saúde. Um desses questionários referia-
se à assistência psiquiátrica. Este, realizado em 1937, ainda sob a supervisão da Divisão de
Assistência a Psicopatas, tinha como objetivo o levantamento das condições referentes à situação
de todos os estados brasileiros no tocante a capacidade de cada um destes em prestar serviços
psiquiátricos a sua população. Continham 15 perguntas que pretendiam obter informações
fundamentais à futura organização e padronização destes serviços em caráter nacional (Fabrício,
2009, p.76).

Fabrício (2009) afirma que, a partir das respostas dadas pelos estados chegou-se a
conclusão que alguns dos estabelecimentos construídos até aquele momento, muitos inaugurados
ainda no século XIX, não possuíam condições estruturais para prestar o serviço psiquiátrico a sua
população de forma minimamente satisfatória. No intuito de identificar com o máximo de
exatidão possível onde e como agir, o resultado do inquérito estabeleceu uma classificação
quanto ao grau de eficácia assistencial prestado em cada unidade da federação, e diretrizes
propositivas. Tais informações encontram-se no documento “Plano Hospitalar Psiquiátrico”
(PHP) que, embora não apresentasse autoria ou datação, continha o timbre do DNS e do MES, o
que atribui à fonte o caráter de oficialidade (Fabrício, 2009, p. 79).

O autor ainda relata a divisão em que o plano foi montado. Eram 4 partes, a primeira
discutia a questão das psicopatias, aproximando-as às doenças corporais; a súmula do estado
naquele momento da assistência psiquiátrica oferecida pelo serviços locais nos estados da
federação; classificação baseada na assistência prestada em que os estados eram divididos de
acordo com as suas características assistenciais, baseados no número de enfermos, e possibilidade
72

de funcionamento das instituições psiquiátricas do local; e por fim, as diretrizes que o plano
estabelecia para mudar o quadro vigente (Fabrício, 2009, p.80). Tal classificação ficou
estabelecida da seguinte forma:
I – Estados que não assistiam a seus psicopatas: Sergipe, Goiás e Acre;
II – Estados onde a assistência era rudimentar, sem tratamento especializado: Mato
Grosso, Espírito Santo, e Piauí;
III – Estados onde a assistência era bastante deficiente, apesar de apresentar certa
orientação quanto ao tratamento: Amazonas, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte,
Alagoas e Santa Catarina;
IV – Estados onde a assistência era especializada, porém defeituosa e insuficiente:
Paraíba, Pará, Bahia e Rio de Janeiro
V – Estados onde a assistência utilizava métodos atualizados e realizavam a
prevenção e serviços sociais: Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e São Paulo.

A partir de tal diagnóstico as diretrizes para a assistência psiquiátrica ganharam um caráter


nacional, e era necessário, portanto, reformular a legislação federal do setor, e criar um órgão
com características centralizadoras que pudesse padronizar os serviços em todo o país
constituindo-se uma nova relação entre a União e estados no que se refere ao setor psiquiátrico.
Desse modo, se estabeleceria uniformemente as diretrizes dadas pelo governo federal de
centralização administrativa e descentralização executiva, também na área psiquiátrica.
Elaborado ainda pelo DAP, mas colocado em prática pelo SNDM, o Plano Hospitalar
Psiquiátrico tornou-se um marco direcional das ações do novo órgão responsável por toda a
assistência psiquiátrica nacional a partir de 1941.

Assim, a publicação do decreto-lei nº 3.497 de 13 de agosto de 1941, que criava o Serviço


Nacional de Doenças Mentais25, passando-lhe as atribuições do Serviço de Assistência à
Psicopatas do Distrito Federal. Coroava-se a aspiração dos profissionais da área de instituir um
órgão de cunho nacional que regulasse a psiquiatria brasileira. Conforme “exigia” o Plano
Hospitalar Psiquiátrico o objetivo era cobrir todo o território nacional de instalações nas quais os
doentes recebessem atenção estatal. Era preciso, que as demandas fossem igualadas, de modo a

25
Este decreto também criava o Instituto de Neuro-Psiquiatria Infantil, instituição sobre a qual dissertarei no
decorrer do presente trabalho.
73

respeitar o cálculo de 2 leitos para doentes mentais para cada 1000 habitantes. Dessa forma, a
construção de novas instituições psiquiátricas reduziria a superlotação das já existentes.
Entretanto, inicialmente, na prática, o novo órgão adquiria atribuições locais ainda que,
imediatamente após sua criação, a relação dos gestores da assistência psiquiátrica no governo
federal com as instituições de outros estados tenha sido incrementada com mais instituições
estaduais passando a comunicar-se de forma mais sistemática do que na vigência do DAP
(Fabrício, 2009, p.107). Apenas a partir do decreto 17.185, de 18 de novembro de 1944, o SNDM
incorporou oficialmente funções que abrangiam todo o país (Medeiros, 1977, p.122).

A criação de um serviço nacional específico direcionado para o cuidado com os doentes


mentais pode ser visto como a confirmação de que a área psiquiátrica era encarada com
preocupação pelos sanitaristas federais no período. Embora, o SNDM guardasse distinções em
relação aos demais SN’s que possuíam a incumbência de debelar grandes epidemias que
assolavam o povo brasileiro, a busca pela prevenção às doenças mentais corroborava a
valorização da área psiquiátrica no campo sanitário brasileiro. Outro indício desta importância
estaria no fato de que as Delegacias Federais de Saúde também continham sempre um psiquiatra,
com o cargo de inspetor psiquiátrico, que dirigia os Ambulatórios de Higiene Mental (AHM’s)
nas suas respectivas regiões e fiscalizava a execução dos convênios entre a União e os governos
locais. (Fabrício, 2009, p.96).

No intuito de criar um órgão que trabalhasse em escala nacional, os diretores do SNDM


tinham o papel de, inicialmente, tomar conhecimento in natura da assistência psiquiátrica em
todo o Brasil. Para tanto, realizavam viagens de inspeção26 aos estados da federação a fim de
observar as condições de atendimento, auxiliar na formação de instituições, elaboração de
regimentos estaduais para o setor, e por fim, credenciar instituições já existentes passíveis de
receberem auxílio financeiro para a realização de suas ações assistenciais locais.

A lógica assistencial que destinava-se a reger o trabalho do SNDM estava calcada em dois
pilares. Um deles correspondia à expansão dos serviços hospitalares oferecidos à população que
demandasse tais cuidados, especificamente para a cidade do Rio de Janeiro e para além dela. A

26
Tais viagens transformaram-se em práticas regulares, pelo menos até o final do governo JK, foco principal do
presente trabalho, conforme pude observar nas análises documentais realizadas nos arquivos do IMASJM.
74

outra correspondia à preocupação com a saúde mental tendo como foco a profilaxia e higiene
mental. Para tais ações o SNDM criou os Ambulatórios de Higiene Mental (AHM’s), sobre os
quais recaía a responsabilidade de fazer a triagem de pacientes na rede pública psiquiátrica,
acompanhar os pacientes egressos e disseminar informações a título de prevenir os distúrbios
mentais. Tais instituições foram implementadas pelo primeiro diretor do órgão, Adauto Botelho,
que permaneceu no cargo ininterruptamente até 1954. O psiquiatra defendia a existência em todo
o território nacional de serviços de higiene e profilaxia mental, hospitais para serviços abertos e
fechados, manicômio judiciário ou seções específicas para delinqüentes (Medeiros, 1977, p. 21).
Sua importância no setor se dá por ser o formulador da organização assistencial em vários
estados da federação durante a década e 1940 e parte de 1950, a exemplo do que já existia no
Distrito Federal naquele período.

O SNDM nos seus primeiros três anos de existência trabalhava sem embasamento
legislativo que pudesse legitimar e qualificar a atuação do órgão em âmbito nacional (Fabrício,
2009, p. 109). Apesar de seu estabelecimento enquanto órgão de saúde pública, não obteve
durante esse curto período de tempo a necessária aprovação de seu regulamento. Foi através do
decreto Nº 17.185 de 18 de novembro de 1944, que a assistência psiquiátrica pública brasileira
pode ser de fato organizada legitimamente pelo SNDM. A estratégia pensada para enfrentar a
falta de base legal parece ter sido a implementação do Plano Hospitalar Psiquiátrico. Porém,
devido às condições econômicas nacionais momentâneas, não foi possível tal empreendimento, o
que obrigou a um plano alternativo e como indica seu nome, que propiciasse o planejamento
“mínimo” em psiquiatria: O Plano Mínimo de Assistência Hospitalar Psiquiátrico27 (PMAHP).
Este consistia em atender emergencialmente em três etapas os estados que mais necessitavam de
ajuda segundo o resultado do Inquérito Hospitalar Psiquiátrico presente e explicitado no
documento PHP. Dos estados aglomerados no grupo I do PMAHP (compreendiam os que
necessitavam de ajuda mais urgente), a exceção de Sergipe que não entrou no referido plano,
todos estavam reunidos majoritariamente nos grupos I e II do PHP. O que demonstra que as
ações governamentais, neste momento específico (primeira metade da década de 1940) seguiam
um parâmetro norteado pelas condições assistenciais estaduais pautadas pelo PHP. Nesse sentido,

27
Para mais informações sobre o referido plano ver: Ver também: BOTELHO, Adauto. Relatório relativo ao ano de
1943. In: Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais. 1945, Vol. 1. PP. 5-118.
75

pretendia-se construir hospitais psiquiátricos nos estados, organizando sob os parâmetros


definidos pelo SNDM a assistência psiquiátrica local, e doar recursos complementares.

Com a aprovação do seu regimento (1944), o SNDM passava então oficialmente a


direcionar as políticas públicas do seu setor aos estados da federação. Conforme este decreto
impunha, o órgão obtinha as seguintes finalidades: superintender as atividades dos órgãos oficiais
de assistência e proteção a psicopatas existentes no Distrito Federal; ser o responsável pela
orientação, coordenação e fiscalização de todas as instituições psiquiátricas em todo o Brasil;
opinar sobre a organização de qualquer instituição psiquiátrica pública ou privada brasileira e nos
processos de subvenção federal as instituições psiquiátricas nos estados, fiscalizando-os; manter
organizado o cadastro de todos os estabelecimentos brasileiros destinados ao tratamento de
doentes mentais; incentivar o desenvolvimento das atividades de higiene mental; deveria também
realizar estudos e investigações a respeito da etiopatogenia, da profilaxia e do tratamento das
doenças mentais; facilitar e organizar o estudo da psiquiatria e da higiene mental em suas
dependências; fazer divulgações científicas; cooperar com órgãos de propaganda de higiene
mental e organizações, instituições públicas ou particulares de fins humanitários, com o Serviço
de Bioestatística na regularização da estatística hospitalar psiquiátrica, com o Serviço Nacional
de Educação Sanitária nas atividades deste órgão e com a Divisão de Obras do Ministério da
Saúde na elaboração de projetos de obras em instituições psiquiátricas, emitindo pareceres acerca
do assunto; e por fim, zelar pelo fiel cumprimento da legislação. Todas essas atividades poderiam
ser realizadas pelo próprio SNDM ou por meio das Delegacias Federais de Saúde.

A partir da aprovação de seu regimento o SNDM organizou-se da seguinte forma: órgãos


centrais, órgãos locais e a Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP)28. Os primeiros eram
compostos pela Seção de Administração e Seção de Cooperação. À primeira cabia a
responsabilidade pelas medidas referentes à administração de pessoal, material, orçamento,
comunicações, biblioteca e portaria do SNDM, além disso, era a seção responsável por realizar
inquéritos administrativos que tinham como finalidade apurar irregularidades cometidas no
SNDM29. Suas ações tinham o intuito de manter a organização interna do órgão e de seus

28
Tinha como função a preparação de enfermeiros auxiliares para os serviços sanitários e assistenciais e promover a
especialização, em serviços psiquiátricos, de enfermeiros e enfermeiros auxiliares diplomados.
29
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 417 / Env. 3106. Relatório de Atividades do SNDM, 1956, p.11.
76

servidores. À Seção de Cooperação pesava funções mais ampliadas, tais como elaboração de
inquéritos e investigações sobre a incidência e a profilaxia das doenças mentais; divulgação de
novas aquisições científicas; auxilio aos órgãos de propaganda de higiene mental; organização
dos ambulatórios de Higiene Mental junto às Delegacias de Saúde em todo o Brasil; cooperação e
ajuda aos serviços estaduais no campo da assistência psiquiátrica, orientando-os, coordenando e
fiscalizando no que tange a organização, instalações e funcionamento. O órgão também opinava
sobre os projetos de instalação de novas instituições psiquiátricas ou a expansão das já existentes,
sendo públicas ou privadas, cooperando com a Divisão de Obras do Departamento de
Administração do Ministério da Saúde; organizava o cadastro dos estabelecimentos psiquiátricos
oficiais e particulares e era responsável por fiscalizar o cumprimento das exigências estabelecidas
pelo poder executivo central nos processos de subvenção federal às instituições de assistência
psiquiátrica.

Os órgãos locais correspondiam às três instituições psiquiátricas federais localizadas na


cidade do Rio de Janeiro e administradas pelo SNDM: o Manicômio Judiciário30; o Centro
Psiquiátrico Nacional (CPN), composto por nove setores com finalidades médicas e terapêuticas,
ao qual sua clientela era encaminhada de acordo com suas necessidades de tratamento; e a
Colônia Juliano Moreira (CJM), destinada ao tratamento de crônicos. É a partir do conjunto
formado pelo CPN, a CJM e os Ambulatórios de Higiene Mental, que buscarei analisar a diretriz
da política assistencial psiquiátrica durante o governo JK para a cidade do Rio de Janeiro.

Quando o SNDM foi criado carregou consigo os arcabouços institucionais e ideias


programáticas que permeavam a assistência psiquiátrica realizada já nas décadas anteriores. As
colônias agrícolas foram mantidas e/ou transformadas no modelo de hospitais colônias em que a
lógica de tratamento era a efetivação da praxiterapia e da assistência hétero-familiar, ao qual se
somavam os “modernos” recursos hospitalares (Venancio, 2011, pp.44-45). Manteve-se também
a preocupação, crescente nos anos subsequentes, com a difusão de práticas de higiene mental por

30
O Manicômio Judiciário, inaugurado em 1921, recebeu o nome de Heitor Carrilho (MJHC) a partir do decreto Nº
37.990, de 27 de setembro de 1955, Era destinado aos delinquentes isentos de responsabilidade por motivo de
afecção mental, assim determinado por juiz competente, condenados recolhidos às prisões federais que
apresentassem sintomas de perturbação mental, ou acusados de algum crime que deveriam ser submetidos à
observação ou tratamento psiquiátrico, todos sob o regime de internação fechada. Por ter função especificamente
jurídica e, desse modo, alheia as vicissitudes do atendimento padrão aos afligidos por moléstias mentais na cidade,
não me debruçarei na análise desta instituição.
77

meio do trabalho nos ambulatórios de higiene mental, já construídos a partir de 1938, portanto,
três anos antes da criação do órgão. Afirmava-se ainda a necessidade de abrigar delinqüentes
doentes mentais em manicômios judiciais e, por fim, a percepção de que o serviço psiquiátrico
prestado em todo o território nacional era insuficiente. Tornava-se necessário, portanto, levar as
medidas supracitadas a todos os estados brasileiros, inclusive ao Distrito Federal, onde o órgão
assumia a responsabilidade direta das ações assistenciais, distintamente das outras unidades
federativas, nas quais o SNDM auxiliava de forma indireta os serviços estaduais através de ajuda
financeira e técnica. Por ser criada durante o Estado Novo, pode-se entender que o órgão também
foi projetado seguindo as ideias contidas no grupo que estava no poder, centralizadoras e anti-
federalistas. Porém, quando Getúlio Vargas é retirado do poder em outubro de 1945, qual o
modelo institucional que o órgão apresentou? As ideias que permeavam suas ações mudaram, e o
modelo assistencial sofreu alterações? São essas questões que o presente trabalho pretende
analisar a seguir.

2.2 A área psiquiátrica durante o governo JK: as ideias programáticas

Nos anos seguintes ao governo Vargas não houve mudanças de trajetória no tocante às
diretrizes e ao quadro organizacional da assistência psiquiátrica pública brasileira, uma vez que
Adauto Botelho ainda permaneceria como diretor do SNDM até 1954. De um lado mantiveram-
se as políticas voltadas para a prevenção e de outro foi incrementada a rede hospitalar
psiquiátrica, sobretudo, para além das fronteiras da cidade do Rio de Janeiro, então Distrito
Federal. Era preciso aumentar a área de abrangência do órgão sem deixar de cumprir com as
obrigações legais que a capital demandava.

Em 1955, o então Ministro da Saúde Aramis Athayde31 (1954-1955) afirma que o SNDM
possuía uma das maiores coletividades médicas e o maior número de hospitais da pasta.
Entretanto, ao analisar as fontes para a presente pesquisa pode-se constatar que essas instituições
localizavam-se todas na cidade do Rio de Janeiro. Como forma de expandir a rede assistencial
psiquiátrica por todo o país, o SNDM utilizou então a realização de convênios (acordos), via
Ministério da Educação e Saúde32, com os estados da federação que apresentassem deficiências

31
ATAÍDE, Aramis. Apresentando. In Revista Brasileira de Saúde Mental. Vol. I. pp. 1-2, 1955.
32
A partir de 1953, via Ministério da Saúde.
78

em prestar tais serviços. O objetivo era regulamentar o auxílio federal aos estados no tocante à
construção, instalação e funcionamento dos hospitais e serviços psiquiátricos locais. Tal
mecanismo fora regulamentado através do decreto 8550, de 3 de janeiro de 1946, que se
apresentava “subordinado juridicamente” ao decreto–lei 7.055, de 18 de novembro de 1944, que
criou o Centro Psiquiátrico Nacional (CPN) e, ao decreto 24.559, de 3 de julho de 1934, que
dispôs sobre a profilaxia mental, a assistência e proteção aos psicopatas. Nesse sentido, a
existência desses acordos doze anos após a legislação de 1934 sugere a continuidade das mesmas
diretrizes profiláticas e assistenciais defendidas no momento anterior à criação do SNDM, ainda
na década de 1930.

Dessa forma, cabia à União aprovar os projetos de construção de novos hospitais e da


ampliação dos já existentes e fiscalizá-los, além de custear parte das despesas de construção.
Para fiscalizar o andamento dessas medidas, sobretudo os gastos realizados pelos governos
estaduais das verbas enviadas através dos convênios com o SNDM, contava-se com a figura do
inspetor psiquiátrico33. Além de fiscais do SNDM nos estados, eram os responsáveis34 pelo
atendimento no Ambulatório de Higiene Mental do seu estado e por compor a Delegacia Federal
de Saúde35. Sua missão era a de serem os representantes do SNDM nos seus respectivos estados.
Portanto, não era permitido que os inspetores psiquiátricos acumulassem qualquer outra função
estadual, pois assim comprometeriam a lisura de seus serviços, já que representariam a União em
todos os convênios com os estados, sendo os fiscais do fiel cumprimento dos mesmos36. Tal
exigência se fazia necessária, sobretudo, a partir da percepção demonstrada no primeiro relatório
anual do SNDM ao DNS (1956), de que os inspetores psiquiátricos, alheios aos programas,
entendimentos e convênios realizados, não agiam como de direito, na qualidade de fiscalizadores
da aplicação dos auxílios federais, permitindo assim, que os governos menos escrupulosos os
desviassem ou malbaratassem as já poucas verbas. Com a justificativa dos vencimentos
baixíssimos para enfrentar as dificuldades financeiras de representação em estados longínquos,
alguns inspetores teriam se transformado em “cabides de emprego”, isto é, assumindo a

33
Realizações do SNDM EM 1956. In Revista Brasileira de Saúde Mental. p.165. 1957.
34
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 540/ Env. 4321. Relatório Anual do Dr. João da Costa Machado: inspetor
psiquiátrico do SNDM em Natal-RN. s/p, 1955.
35
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 540/ Env. 4321. Relatório Anual do Dr. Percy Menezes: inspetor
psiquiátrico do SNDM em Manaus-AM. s/p, 1955; Fabrício, 2009, p.96.
36
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 417/ Env. 3106. Relatório de Atividades do SNDM. p.06. 1957.
79

realização de consultas em outras unidades psiquiátricas, com flagrante queda do rendimento de


consultas nos ambulatórios37.

Aos estados recaía a obrigação de financiar a outra parte das despesas de construção de
hospitais psiquiátricos, somente podendo retirar o dinheiro enviado pela União quando
depositassem a parte que lhes cabiam. Também tinham a obrigação de doar os terrenos para as
edificações quando necessário. Embora no artigo 2º do decreto nº 8550 (1946) fosse estabelecido
que as despesas com o funcionamento das instituições locais fossem exclusivamente de
responsabilidade da esfera estadual, o governo federal – além dos acordos para a realização de
obras – elaborou convênios com os estados no intuito de financiar também a manutenção38 desses
serviços e as práticas de praxiterapia39 a serem executadas pelos hospitais locais. Nesse sentido,
os alvos dessas ações eram não somente ampliar a oferta do serviço, mas também melhorar o
atendimento nas instituições já existentes por meio dos preceitos médicos-psiquiátricos
amplamente defendidos no período.

2.2.1 Convênios para obras em instituições psiquiátricas

Os acordos destinados a realização de obras, apresentavam três focos distintos e


complementares entre si: a construção de novos hospitais, reformas dos já existentes e a
ampliação através da edificação de novos pavilhões. Entre 1946, primeiro ano da vigência de tal
instrumento legislativo relativo à assistência psiquiátrica, e 1955, último ano antes do início da
administração JK, foram firmados 118 acordos deste tipo com 19 estados40. Destes, a partir dos
levantamentos documentais realizados, foi possível identificar 55 acordos para construção, 21
para ampliações e apenas 1 para reforma41. Diante dos dados quantitativos é possível afirmar que,

37
Idem. p.2.
38
Os acordos de manutenção começaram a ser estabelecidos em 1953 conforme documentos consultados (Fundo
Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607 / Env. 4926; Quadros Demonstrativos dos Auxílios Concedidos Através do
SNDM de Praxiterapia e Manutenção. s/p. 1958.
39
Idem.
40
Apenas o estado de São Paulo não foi incluído.
41
Outros 46 convênios firmados com os governos dos estados do Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro,
Paraná e Minas Gerais não foram contabilizados nesta análise, pois nos documentos consultados não fica claro
quantos contratos foram destinados especificamente a cada uma das três finalidades (construção, ampliação ou
reforma). Alguns desses contratos contemplavam mais de uma finalidade, construção ou ampliação e o único caso
que envolvia a necessidade dos três tipos de obras ocorreu na Bahia, em seus 8 acordos, ao longo do período
estipulado. Entretanto, os documentos não demonstram quantos destes foram destinados a cada um dos três
80

devido ao alto número de obras de construção de novas instituições psiquiátricas ou suas


respectivas ampliações, e não apenas reformas, o momento era de ampla expansão desta
assistência em todo o Brasil. Dessa forma, o SNDM continuava a cumprir um de seus objetivos:
expandir os cuidados psiquiátricos para todo o Brasil, não apenas restringindo-o à capital federal.

Sobre o tipo de instituição psiquiátrica contemplada por essas obras, percebe-se, a exemplo
do que já ocorria desde o início do século XX e durante o período em que o SNDM foi criado
(Medeiros, 1977, p.64), que o modelo baseado nas colônias foi atualizado para o de hospital-
colônia tornando-o prioridade na assistência pública psiquiátrica brasileira (Venancio, 2011, p.
37). Dos 19 estados atendidos nesses convênios, 11 utilizaram-no unicamente na construção ou
ampliação de hospitais-colônias42. O Paraná além de investir na construção de um hospital
colônia também utilizou tais verbas para a construção de um manicômio judiciário43. Outros três
estados construíram instituições destinadas à assistência infantil: a Paraíba através de um
Hospital de Neuro-Psiquiatria Infantil, Sergipe com a Ala Infantil da Clínica Psiquiátrica44 e
Pernambuco, que além de construir um pavilhão infantil45 também deu início à construção de um
manicômio judiciário. Outro estado que investiu na construção de um manicômio judiciário foi o
Rio de Janeiro, que por sua vez também utilizou tal verba para a construção de um hospital
psiquiátrico em Niterói (Jurujuba). Rio Grande do Sul e Minas Gerais também investiram em
hospitais psiquiátricos: o primeiro na ampliação de um pavilhão de tuberculosos, o segundo na
construção de hospitais regionais em Varginha, Uberaba, Montes Claros e Leopoldina. Portanto,
12 estados, ou seja, 63% do total de 19 estados construíram ou ampliaram hospitais colônias; 3
estados ou 15% deles, investiram em manicômios judiciários, alas ou hospitais infantis e
hospitais psiquiátricos (aos quais geralmente são destinados os doentes agudos ou subagudos).
Confirmava-se a continuação da linha de ação na qual tinha como base institucional assistencial
as colônias ou hospitais-colônias.

objetivos (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607 / Env. 4918. Demonstrativo dos Auxílios Concedidos aos
Estados da União Através de Convênios Destinados à Construção. s/p, 1958).
42
São eles: Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Bahia e Espírito Santo, Santa Catarina,
Mato Grosso e Goiás. (Idem).
43
Estado do Paraná (Ibidem).
44
Não foi encontrado sobre a qual instituição essa expansão se referia, porém é possível que seja a Ala Infantil do
Hospital Colônia Eronides de Carvalho, inaugurado em 1940 na capital Aracaju, pois a única referência à existência
de um hospital pública no estado é esta instituição (Medeiros, 1977, p. 63).
45
Também não foi não foi encontra nenhuma referência sobre em qual instituição isso ocorreu.
81

Quadro 246: Recursos federais para a realização de convênios de obras em instituições psiquiátricas nos estados (1946-1955)
Estados 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955
Minas
Gerais 500,000.00 0 500,000.00 1,000,000.00 1,200,000.00 600,000.00 700,000.00 700,000.00 1,000,000.00 0
Rio Grande
do S. 500,000.00 0 0 500,000.00 300,000.00 600,000.00 700,000.00 700,000.00 800,000.00 0
Rio de
Janeiro 0 1,200,000.00 1,000,000.00 800,000.00 0 500,000.00 600,000.00 700,000.00 1,000,000.00 0
Bahia 0 1,200,000.00 1,700,000.00 1,500,000.00 1,000,000.00 500,000.00 700,000.00 600,000.00 900,000.00 0
Paraná 1,000,000.00 0 1,000,000.00 800,000.00 800,000.00 0 500,000.00 600,000.00 800,000.00 1,200,000.00

Pernambuco 1,000,000.00 0 1,000,000.00 800,000.00 0 0 700,000.00 800,000.00 800,000.00 0


Ceará 1,000,000.00 0 1,200,000.00 0 500,000.00 500,000.00 600,000.00 600,000.00 1,000,000.00 1,000,000.00
Pará 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1,500,000.00
Santa
Catarina 0 600,000.00 0 500,000.00 0 0 500,000.00 0 0 1,100,000.00
Rio Grande
do N. 1,000,000.00 0 1,000,000.00 800,000.00 600,000.00 700,000.00 700,000.00 600,000.00 1,000,000.00 2,000,000.00
Amazonas 650,000.00 0 0 300,000.00 0 0 0 0 0 0
Piauí 0 1,000,000.00 0 800,000.00 500,000.00 500,000.00 500,000.00 0 0 800,000.00
Goiás 1,000,000.00 0 1,000,000.00 800,000.00 800,000.00 0 700,000.00 0 0 1,200,000.00
Mato
Grosso 0 1,000,000.00 0 0 500,000.00 400,000.00 700,000.00 0 1,000,000.00 700,000.00
Alagoas 1,000,000.00 0 1,000,000.00 800,000.00 600,000.00 0 500,000.00 600,000.00 0 0
Sergipe 500,000.00 0 0 0 800,000.00 500,000.00 700,000.00 600,000.00 900,000.00 1,000,000.00
Maranhão 0 0 500,000.00 200,000.00 300,000.00 0 0 0 0 500,000.00
Espírito
Santo 1,000,000.00 0 800,000.00 800,000.00 800,000.00 400,000.00 700,000.00 500,000.00 800,000.00 0
Paraíba 1,000,000.00 0 300,000.00 0 200,000.00 0 500,000.00 0 0 800,000.00

TOTAL 10,150,000.00 5,000,000.00 11,000,000.00 10,400,000.00 8,900,000.00 5,200,000.00 10,000,000.00 7,000,000.00 10,000,000.00 11,800,000.00

Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918; Demonstrativo dos Auxílios Concedidos aos Estados da União Através de
Convênios Destinados à Construção. s/p, 1958.

46
Este quadro foi elaborado por mim a partir dos dados encontrados em documentos do arquivo da DINSAM que está no IMASJM.
82

Quadro 347: Detalhado sobre os recursos federais e estaduais para a realização de convênios de obras em instituições psiquiátricas (1946-1955).
Classificação Classificação Relação entre
em relação ao em relação à as verbas
Classificação recebimento doação de Verba federal Verba Estadual Total de verbas Federais / Valor médio
Estados da
Classificação no PMAHP de Verba Verba recebida pelos investida pelos destinadas às Estaduais49 Nº de dos acordos
Federação
no PHP48 (1942) federal estadual estados (Cr$) estados (Cr$) obras Cr$ acordos Cr$
Amazonas 3 2 18º 18º 1,850,000.00 850,000.00 2,700,000.00 2.18 2 925,000.00
Pará 4 2 16º 16º 3,000,000.00 1,000,000.00 4,000,000.00 3.00 1 3,000,000.00
Maranhão 3 19º 19º 1,500,000.00 200,000.00 1,700,000.00 7.50 4 375,000.00
Piauí 2 1 13º 17º 5,300,000.00 900,000.00 6,200,000.00 5.89 6 883,333.33
Ceará 3 2 3º 8º 11,600,000.00 3,850,000.00 15,450,000.00 3,01 8 1,450,000.00
Rio Grande do N. 3 1 1º 2º 13,400,000.00 9,100,000.00 22,500,000.00 1,47 9 1,488,888.89
Paraíba 4 16º 14º 3,000,000.00 1,350,000.00 4,350,000.00 2.22 5 600,000.00
Pernambuco 5 6º 6º 9,400,000.00 5,400,000.00 14,800,000.00 1.74 6 1,566,666.67
Alagoas 3 1 11º 11º 5,900,000.00 1,700,000.00 7,600,000.00 3.47 6 983,333.33
Sergipe 1 7º 9º 8,000,000.00 2,350,000.00 10,350,000.00 3.40 8 1,000,000.00
Bahia 4 3 2º 7º 12,000,000.00 5,100,000.00 17,100,000.00 2,35 8 1,500,000.00
Espírito Santo 2 1 12º 10º 5,800,000.00 1,900,000.00 7,700,000.00 3.05 8 725,000.00
Rio de Janeiro 4 3 8º 4º 7,600,000.00 7,700,000.00 15,300,000.00 0.99 8 950,000.00
Minas Gerais 5 10º 5º 6,200,000.00 7,600,000.00 13,800,000.00 0.82 8 775,000.00
Goiás 1 1 9º 12º 6,300,000.00 1,500,000.00 7,800,000.00 4.20 6 1,050,000.00
Mato Grosso 2 1 14º 15º 4,300,000.00 1,100,000.00 5,400,000.00 3.91 6 716,666.67
Paraná 5 3 4º 1º 11,500,000.00 11,600,000.00 23,100,000.00 0.99 8 1,437,500.00
Santa Catarina 3 15º 12º 3,700,000.00 1,500,000.00 5,200,000.00 2.47 4 925,000.00
Rio Grande do S. 5 5º 3º 10,100,000.00 7,800,000.00 17,900,000.00 1.29 7 1,442,857.14
TOTAL 130,450,000.00 72,500,000.00 202,950,000.00 2,83 1,147,065.58
Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918; Demonstrativo dos Auxílios Concedidos aos Estados da União Através de Convênios Destinados à
Construção. s/p, 1958; Fabrício, 2009, pp. 80-111.

47
Este quadro foi elaborado por mim a partir dos dados encontrados em documentos do arquivo da DINSAM que está no IMASJM e no trabalho de Fabrício
(2009).
48
Não há uma datação precisa para o PHP. Porém, é possível afirmar que este plano foi elaborado entre os anos de 1937 e 1942, pois foi originário do Inquérito
Hospitalar Psiquiátrico, iniciado em 1937, e o Plano Mínimo de Assistência Hospitalar Psiquiátrica (PMAHP) baseado no PHP consta no relatório anual do
SNDM de 1942 (Botelho, 1945, pp.5-56. Apud Fabrício, 2009, p. 111).
49
Proporção de cada cruzeiro (Cr$) federal gasto em relação ao investimento estadual. Por exemplo, em relação ao Rio Grande do Norte para cada Cr$ 1,00
fornecido pelo governo estadual foram disponibilizados pelo governo federal Cr$ 1,47.
83

Ao analisar os dados referentes a esses acordos (ver quadro 2 e quadro 3) é possível


observar certas características. Conforme já descrito anteriormente, uma significativa análise
nacional da assistência psiquiátrica prestada no Brasil ocorreu a partir do Inquérito Psiquiátrico
de 1937, que por sua vez gerou o Plano Hospitalar Psiquiátrico (PHP). A classificação dos
estados no PHP, assim como no PMAHP é decrescente no sentido de que os estados pertencentes
aos primeiros grupos eram os que mais precisariam de recursos para melhorar a deficiente
assistência psiquiátrica prestada. O PHP, portanto, classificou de acordo com o nível de qualidade
assistencial os estados da federação, no qual no grupo I estavam os estados que sequer ofereciam
tais serviços à sua população e no grupo V encontravam-se os estados cuja assistência era
considerada especializada. Dos seis estados que mais receberam verbas para a realização de obras
até 1955, nenhum pertencia aos grupos 1 e 2, que segundo o PHP detinham as piores condições
de seus doentes mentais e, neste sentido, precisariam reverter tal quadro com maior rapidez.
Sergipe e Goiás, pertencentes ao Grupo I, aparecem apenas na 7º e 8º posição em recebimento de
verbas federais respectivamente. Posteriormente, Espírito Santo, Piauí e Mato Grosso, todos
pertencentes ao grupo 2 do PHP, aparecem na 12 º, 13 º e 14 º posição respectivamente. Portanto,
tal fato demonstra que o critério utilizado para a distribuição de recursos para obras não foi
baseado na percepção da condição assistencial prestada pelos estados à época do PHP. Mesmo
com o inquérito que diagnosticou a condição estrutural de tais serviços estaduais sendo realizado
em 1937, não foi encontrada qualquer informação de que alguma medida sistemática tenha sido
concretizada até a formulação de tais convênios a partir de 1946. Além disso, o PHP e o PMAHP,
como demonstrado, obedeciam aos mesmos critérios de classificação dos estados em termos de
assistência psiquiátrica prestada, mas não encontramos nenhuma informação de que estes planos
tenham sido de fato implementados. Neste sentido é que consideramos que as condições
apresentadas em 1937 possivelmente permaneceram ao longo da primeira metade da década de
1940.

Conforme quadro 3, ao analisar os valores das verbas federais enviados para os estados e
relacionando-os com a ordem dos estados que mais forneceram contrapartida financeira para a
conclusão desses acordos, percebe-se que os oito estados que mais receberam verbas federais
84

estão entre os que mais investiram dinheiro próprio50. Na outra extremidade, entre os dez estados
que menos receberam da União, nove estão no grupo dos que menos investiram. Isso pode
demonstrar o que, de fato, acabaria sendo executado com base no artigo 2º do decreto-lei 8.550,
de 03 de janeiro de 1946, o qual impunha que estados e União arcariam conjuntamente com as
despesas de construção e instalação, cada um com sua proporção fixada: na maior parte dos
casos, a União acabou usando como parâmetro de escolha a capacidade de cada estado em
financiar medidas assistenciais psiquiátricas. Quanto mais investissem mais ganhariam. No
sentido inversamente proporcional, os estados que menos tinham verbas para investirem menos
receberiam, alimentando assim, um círculo vicioso o qual ajudaria a perpetuar a baixa qualidade
da assistência psiquiátrica nestes estados, quando proveniente da falta de recursos financeiros.

Sobre os convênios para a realização de obras nos estados, das 20 unidades federativas, a
exemplo do período anteriormente analisado neste trabalho (1946-1955), São Paulo foi a única
unidade que ausentou-se desse processo. Para a análise desses acordos de obras elaborei uma
divisão dos estados, que são separados em quatro grupos distintos, de acordo com o valor total
recebido pelo governo federal. Como tais acordos somente eram realizados através de
concomitante e obrigatória contribuição estadual, também os separo de acordo com os valores
ofertados pelas próprias unidades federativas dentro do acordo com a União. Portanto, em relação
às verbas federais concedidas para a realização de obras em instituições psiquiátricas estaduais
durante a administração Kubitscheck, a divisão dos grupos ficou da seguinte forma:

• Grupo I: Bahia, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul;
• Grupo II: Alagoas, Ceará, Minas Gerais e Sergipe e Mato Grosso;
• Grupo III: Maranhão, Pará, Piauí, Santa Catarina e Paraíba;
• Grupo IV: Amazonas, Espírito Santo, Goiás e Rio de Janeiro.

50
A exceção do estado de Goiás que foi o nono estado que mais recebeu verba federal, mas foi o décimo segundo no
montante de verbas próprias. (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918; Demonstrativo dos Auxílios
Concedidos aos Estados da União Através de Convênios Destinados à Construção. s/p, 1958)
85

Quadro 451: Recursos federais para a realização de convênios de obras em instituições psiquiátricas (1956-1960)

Ano 1956 1957 1958 1959 1960 Total

Valores (Cr$) 20,000,000.00 20,000,000.00 52,000,000.00 60,000,000.00 90,000,000.00 242,000,000.00


Fonte: Até 1958 (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918; Demonstrativo dos Auxílios Concedidos aos Estados da União
Através de Convênios Destinados à Construção. s/p, 1958.); 1959 (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 414/ Env.3077. E.M. 1227-
DASP. s/p, 1959); 1960 (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627/Env 5126. Proposta Orçamentária do SNDM. s/p, 1961).

51
Nas fontes pesquisadas para o presente trabalho encontramos a informação de que o valor total investido pela União nos acordos de obras em 1960 foi de Cr$
90.000.000,00. A referida fonte, entretanto, não contém a informação da distribuição total dentre os estados. Por este motivo nos demais quadros relativos a tais
acordos referentes ao governo JK não utilizo o ano de 1960, apenas neste quadro 4, devido a este tratar-se dos valores totais investidos a cada ano para tais
acordos.
86

Quadro 5: Contribuição federais e estaduais para convênios de obras em instituições psiquiátricas (1956-1959).
1956 1957 1958 1959 TOTAL
Verbas Verbas Verbas Verbas Verbas
Verbas Estaduais Verbas Estaduais Verbas Estaduais Verbas Estaduais Verbas Estaduais
Estados Federais Cr$ Cr$ Federais Cr$ Cr$ Federais Cr$ Cr$ Federais Cr$ Cr$ Federais Cr$ Cr$
Amazonas 900,000.00 100,000.00 0.00 0.00 0.00 0 0.00 0 900,000.00 100,000.00
Pará 1,500,000.00 500,000.00 0.00 0.00 0.00 0 1,500,000.00 500,000.00 3,000,000.00 1,000,000.00
Maranhão 0.00 0.00 0.00 0.00 1,500,000.00 300,000.00 1,500,000.00 500,000.00 3,000,000.00 800,000.00
Piauí 1,200,000.00 300,000.00 0.00 0.00 0.00 0 2,200,000.00 600,000.00 3,400,000.00 900,000.00
Ceará 1,600,000.00 500,000.00 3,400,000.00 1,000,000.00 1,600,000.00 400,000.00 0.00 0 6,600,000.00 1,900,000.00
Rio Grande do N. 2,000,000.00 1,000,000.00 3,000,000.00 1,000,000.00 3,000,000.00 1,000,000.00 6,000,000.00 1,800,000.00 14,000,000.00 4,800,000.00
Paraíba 700,000.00 300,000.00 0.00 0.00 1,000,000.00 300,000.00 2,000,000.00 600,000.00 3,700,000.00 1,200,000.00
Pernambuco 1,600,000.00 800,000.00 3,200,000.00 1,600,000.00 4,900,000.00 1,600,000.00 5,000,000.00 2,000,000.00 14,700,000.00 6,000,000.00
Alagoas 1,400,000.00 400,000.00 0.00 0.00 1,000,000.00 400,000.00 7,000,000.00 1,500,000.00 9,400,000.00 2,300,000.00
Sergipe 2,000,000.00 600,000.00 0.00 0.00 2,000,000.00 600,000.00 1,800,000.00 300,000.00 5,800,000.00 1,500,000.00
Bahia 900,000.00 500,000.00 3,000,000.00 1,000,000.00 9,500,000.00 3,500,000.00 7,000,000.00 3,000,000.00 20,400,000.00 8,000,000.00
Rio de Janeiro 1,000,000.00 500,000.00 0.00 0.00 0.00 0 0.00 0 1,000,000.00 500,000.00
Espírito Santo 0.00 0.00 0.00 0.00 0.00 0 2,000,000.00 600,000.00 2,000,000.00 600,000.00
Minas Gerais 0.00 0.00 0.00 0.00 3,000,000.00 1,000,000.00 10,000,000.00 3,000,000.00 13,000,000.00 4,000,000.00
Goiás 800,000.00 200,000.00 0.00 0.00 0.00 0 1,000,000.00 300,000.00 1,800,000.00 500,000.00
Mato Grosso 0.00 0.00 0.00 0.00 3,500,000.00 500,000.00 1,000,000.00 300,000.00 4,500,000.00 800,000.00
Paraná 1,400,000.00 1,000,000.00 3,400,000.00 1,600,000.00 8,000,000.00 4,000,000.00 4,000,000.00 2,000,000.00 16,800,000.00 8,600,000.00
Santa Catarina 1,000,000.00 500,000.00 0.00 0.00 2,000,000.00 500,000.00 0.00 0 3,000,000.00 1,000,000.00
Rio Grande do S. 2,000,000.00 500,000.00 4,000,000.00 4,000,000.00 11,000,000.00 8,500,000.00 8,000,000.00 8,000,000.00 25,000,000.00 21,000,000.00
TOTAL 20,000,000.00 7,700,000.00 20,000,000.00 10,200,000.00 52,000,000.00 22,600,000.00 60,000,000.00 25,000,000.00 152,000,000.00 65,500,000.00
Fonte: Até 1958 (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918; Demonstrativo dos Auxílios Concedidos aos Estados da União Através de Convênios Destinados à
Construção. s/p, 1958.); 1959 (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 414/ Env.3077. E.M. 1227- DASP. s/p, 1959).
87

Quadro 6: Detalhado sobre recursos federais e estaduais para a realização de convênios de obras em instituições
psiquiátricas (1956-1959)
Valor média
nº de Relação (Cr$) dos acordos
Estados Federal (Cr$) Estadual (Cr$) Total (Cr$) contratos Fed. / Est. (Cr$)
Amazonas 900,000.00 100,000.00 1,000,000.00 1 9 900,000.00
Pará 3,000,000.00 1,000,000.00 4,000,000.00 2 3 1,500,000.00
Maranhão 3,000,000.00 800,000.00 3,800,000.00 2 3.75 1,500,000.00
Piauí 3,400,000.00 900,000.00 4,300,000.00 2 3.78 1,700,000.00
Ceará 6,600,000.00 1,900,000.00 8,500,000.00 3 3.47 2,200,000.00
Rio Grande do N. 14,000,000.00 4,800,000.00 18,800,000.00 4 2.92 3,500,000.00
Paraíba 3,700,000.00 1,200,000.00 4,900,000.00 3 3.08 1,233,333.33
Pernambuco 14,700,000.00 6,000,000.00 20,700,000.00 4 2.45 3,675,000.00
Alagoas 9,400,000.00 2,300,000.00 11,700,000.00 3 4.09 3,133,333.33
Sergipe 5,800,000.00 1,500,000.00 7,300,000.00 3 3.87 1,933,333.33
Bahia 20,400,000.00 8,000,000.00 28,400,000.00 4 2.55 5,100,000.00
Espírito Santo 2,000,000.00 600,000.00 2,600,000.00 1 3.33 2,000,000.00
Rio de Janeiro 1,000,000.00 500,000.00 1,500,000.00 1 2 1,000,000.00
Minas Gerais 13,000,000.00 4,000,000.00 17,000,000.00 2 3.25 6,500,000.00
Goiás 1,800,000.00 500,000.00 2,300,000.00 2 3.6 900,000.00
Mato Grosso 4,500,000.00 800,000.00 5,300,000.00 2 5.63 2,250,000.00
Paraná 16,800,000.00 8,600,000.00 25,400,000.00 4 1.95 4,200,000.00
Santa Catarina 3,000,000.00 1,000,000.00 4,000,000.00 2 3 1,500,000.00
Rio Grande do S. 25,000,000.00 21,000,000.00 46,000,000.00 4 1.19 6,250,000.00
TOTAL 152,000,000.00 65,500,000.00 217,500,000.00 49 3.46 1,147,065.58
Fonte: Até 1958 (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918; Demonstrativo dos Auxílios Concedidos aos Estados da União Através de
Convênios Destinados à Construção. s/p, 1958.); 1959 (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 414/ Env.3077. E.M. 1227- DASP. s/p, 1959).
88

Quadro 7: Comparação dos estados no ranking das verbas para convênios de obras em
instituições psiquiátricas

Grupo pertencente Grupo pertencente Grupo pertencente Grupo pertencente


Estados em relação às em relação às em relação às em relação às
Verbas federais Verbas federais Verbas estaduais Verbas estaduais
(1946-1955) (1956-1959) (1946-1955) (1956-1959)

Amazonas 4 4 4 4
Pará 4 3 4 3
Maranhão 4 3 4 3
Piauí 3 3 4 3
Ceará 1 2 2 2
Rio Grande do N. 1 1 1 1
Paraíba 4 3 3 2
Pernambuco 2 1 2 1
Alagoas 3 2 3 2
Sergipe 2 2 2 2
Bahia 1 1 2 1
Espírito Santo 3 4 2 4
Rio de Janeiro 2 4 1 4
Minas Gerais 2 2 1 2
Goiás 2 4 3 4
Mato Grosso 3 2 3 3
Paraná 1 1 1 1
Santa Catarina 3 3 3 3
Rio Grande do S. 1 1 1 1

Fonte: Até 1958 (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918; Demonstrativo dos Auxílios
Concedidos aos Estados da União Através de Convênios Destinados à Construção. s/p, 1958.); 1959 (Fundo
Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 414/ Env.3077. E.M. 1227- DASP. s/p, 1959).
89

Se comparamos os valores investidos nos dois períodos – 1946-1955 (quadro 2) e 1956-


1960 (quadros 4 e 5) – houve um substancial aumento na oferta de capital aplicado nos estados
para a realização, de fato, das obras. No primeiro período (1946-1955), os valores totais que
oscilavam tanto para cima quanto para baixo não alcançaram a marca de Cr$ 12.000.000,00.
Durante o governo JK, já em seu primeiro ano de governo o valor das verbas federais subiu
69,49%, em relação ao último ano do período anterior, atingindo Cr$ 20.000.000,00. Mesmo
levando em consideração que a inflação acumulada de 1956 ficou em 22,6%52, o aumento real
ultrapassou a casa dos 40%. Em 196053, último ano da administração Kubitscheck, o aumento
nos valores investidos nos convênios de obras na área psiquiátrica alcançou 350% em relação à
1956, primeiro ano de governo JK, chegando a Cr$ 90.000.000,00. Portanto, o valor destinado às
obras pelo governo federal saiu de Cr$ 11.800.000,00 em 1955 para Cr$ 90.000.000,00 em 1960,
um aumento de 662,71%. Ao descontar a inflação acumulada entre os anos de 1955 e 1960 que
ao todo somou 120,8%54, chega-se a 541,9% de aumento real de verbas federais.

Embora este quadro de aumento de investimento seja diretriz geral na administração


Kubitscheck, alguns estados, entretanto, receberam verbas federais pouco significativas.
Conforme verificado no quadro 5 e 6, as unidades federativas que menos receberam tais verbas,
como já citado, foram Amazonas, Espírito Santo, Goiás e Rio de Janeiro. Um dos motivos
possíveis, ao menos no caso do Rio de Janeiro, pode ter sido o fato do estado não ter apresentado,
ao longo da década de 1950, disposição e interesse na concretização dos convênios de obras,
deixando sem aplicação devida o saldo do convênio de Cr$ 353.562,00 referente a acordos para
obras de 195255. Além disso, segundo documento semelhante relativo a 1959, o Rio de Janeiro
teria perdido em 1958 o saldo de Cr$ 646.438,00 do convênio de 1953, pois a vigência do plano
era de 5 anos. Até 1959, conforme esta fonte primária também aponta, o estado não havia
depositado sua parte nos acordos de obras referentes a 1954 (Cr$ 1.500.000,00) e 1956 (Cr$

52
Folha de São Paulo. Almanaque. Disponível em: < http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro50.htm>. Acessado
em: 17/04/2013.
53
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627/Env 5126. Proposta Orçamentária do SNDM. s/p, 1961.). Sabe-se que
o valor atingiu Cr$ 100.000.000,00, e que por força do plano de contenção de despesas diminui para
Cr$90.000.000,00, destes Cr$ 40.000.000,00 foram distribuídos apenas a 3 estados, que o documento não informa.
54
Folha de São Paulo. Almanaque. Disponível em: < http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro50.htm;
http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro60.htm >. Acessados em: 17/04/2013.
55
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 442/ Env.3298. Documento escrito a mão e com assinatura da Seção de
Cooperação. s/p, 1959.
90

500.000,00). Por esse motivo, não teriam sido celebrados acordos com o estado do Rio de Janeiro
em 1958 e 1959. Para 1960, somente seria realizado algum tipo de acordo de obras mediante
apresentação de projetos articulados pelo SNDM e pelo estado.

A análise comparativa entre os dados encontrados sobre o período de 1946 – 1955 e durante
o governo JK (1956 – 1959) nos fornece informações importantes sobre continuidades e
descontinuidades relativas à política assistencial psiquiátrica. Conforme é possível observar no
quadro 7, o direcionamento das verbas para obras nas instituições psiquiátricas estaduais nos dois
períodos comparativos – 1946-1955 e 1956-1960 –, não sofreram profundas alterações. Apenas
dois estados, Rio de Janeiro e Goiás, mudaram para duas posições abaixo, caindo do Grupo II
para o Grupo IV. Outros oito estados alteraram suas colocações, porém, nenhum obteve queda
semelhante ou crescimento inversamente proporcional, oscilando apenas uma posição para cima
ou para baixo no ranking das verbas recebidas para os convênios de obras. Em relação aos que
mais receberam verbas federais, pertencentes ao grupo I, dos cinco estados entre 1946 e 1955,
quatro permaneceram neste grupo na Era JK, e apenas o Ceará que pertencia ao grupo no
primeiro período cedeu lugar à Pernambuco.

Em relação às verbas estaduais fornecidas para a realização das obras durante a


administração Kubitscheck, a ordem decrescente dos grupos de estados que mais doaram
recursos ficou da seguinte forma:

• Grupo I: Bahia, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul;
• Grupo II: Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Sergipe e Paraíba;
• Grupo III: Maranhão, Pará, Piauí, Santa Catarina e Mato Grosso;
• Grupo IV: Amazonas, Espírito Santo, Goiás e Rio de Janeiro.

Assim se considerarmos a divisão dos estados em quatro grupos, tomando agora como
critério o valor ofertado pelas próprias unidades federativas para a celebração de tais acordos,
percebe-se que durante o governo JK dos 19 estados, 17 mantêm-se no mesmo grupo
correspondente quando o critério era o de recebimento de verbas federais. Por outro lado,
observando-se o quadro 7 é possível destacar que no período anterior ao governo JK (1946-
1955), em relação ao recebimento de verbas federais, apenas 11 estados permanecem na mesma
posição quando o critério é a aplicação de verbas estaduais. Neste sentido, cumpre ressaltar que
91

no governo JK houve maior cumprimento de equivalência entre distribuição de verbas federais e


doação de verbas estaduais. Tal fato denota que os parâmetros utilizados pelas direções do
SNDM, de 1946 a 1960, para a distribuição de verbas federais para convênios de obras, além de
não terem sido abandonados durante a administração Kubitscheck, foram crescentemente mais
equânimes ao critério de doações de verbas estaduais.

Embora, durante a administração Kubitscheck tenha havia um aumento nas verbas


destinadas a tais acordos de obras, planos governamentais de corte de gastos56, em 1957 e 1958,
inviabilizaram um aumento no volume investido. Em 1957, foi estipulado o “Plano de
Economia57”que teria reduzido pela metade a verba para a realização de obras nos estados, que
originalmente era de Cr$ 40.000.000,00. No ano seguinte, o “Plano de Contenção de despesas”58
teria reduzido a verba para construção de Cr$ 67.000.000,00 para Cr$ 52.000.000,00. Tal fato
gerou uma grande preocupação no diretor do SNDM do momento, Lisânias Marcelino da Silva,
que em ofício59 ao diretor do DNS relata que tais cortes poderiam paralisar algumas obras, e que,
devido a esse quadro, as escolhas dos estados a serem contemplados com as verbas destinadas às
obras seriam realizadas com base nos que apresentassem maior urgência na conclusão ou
prosseguimento60.

Além dos cortes de gastos determinados pela presidência da república, outros entraves
atrapalhavam o andamento e conclusão das obras a serem realizadas nos estados. A
inadimplência das próprias unidades federativas em relação ao pagamento de suas respectivas
partes nos acordos firmados com a União era um deles. Em 1959, 14 dos 19 estados estavam em
débito com pelo menos um convênio firmado (ver quadro 8). Este quadro era preocupante, pois
de acordo com o artigo 2º do decreto-lei 8550, de 03/01/1946, que regia tais convênios, a

56
Não há qualquer referência nos documentos pesquisados sobre as razões desses cortes orçamentários. Entretanto,
sabe-se que, na segunda metade de seu mandato JK enfrentou uma crise econômica causada pelo aumento dos
gastos públicos e da queda dos preços nos mercados internacionais dos produtos que compunham a pauta de
exportação brasileira, o que acabou gerando forte pressão inflacionária (Sarmento, 2012).
57
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 414/ Env. 3077. E.M 1227. s/p, 1959.
58
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 951/ Env. 8051. Processo Nº 16.594/58 do Ministério da Saúde /
Presidência da República Nº 36.207/58. S/p, 1958.
59
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 951/ Env. 8051. Ofício do SNDM s/nº direcionado ao diretor do DNS. s/p,
1958.
60
Não foi localizada nenhuma informação que comprovasse que essa ideia defendida pelo diretor do SNDM tenha
sido colocada em prática.
92

contribuição de uma das partes contratantes somente poderia ser movimentada depois que a outra
parte houvesse depositado a sua contribuição, o que travaria a continuação ou início das obras.
Outro obstáculo era a morosidade nos processos de pagamento em posse do Ministério da
Fazenda (ver quadro 9) que tinha como objetivo as obras nos estados. Também em 1959, 10 dos
19 estados tinham acordos parados no referido ministério, três deles com processos a cinco anos
estagnados. Já em 1960, em relatório da Seção de Cooperação, tais problemas aparentam estar
agravados, pois todos os acordos firmados neste ano estavam retidos no Ministério da Fazenda61.

Quadro 862: Quotas estaduais não depositadas relativas aos convênios de obras (1955 – outubro
de 1959)
Estados ANO Valor Cr$
Pará 1956 550.000
Maranhão 1958 300.000
Piauí 1956 300.000
1955 500.000
Ceará 1956 500.000
1957 1.000.000
Pernambuco 1958 1.600.000
Sergipe 1956 600.000
1957 1.000.000
Bahia 1958 3.000.000
Rio de Janeiro 1954 1.500.000
1956 1.000.000
Paraná 1957 1.600.000
1958 4.000.000
Santa Catarina 1958 500.000
Rio Grande do Sul 1957 4.000.000
1954 3.000.000
Minas Gerais 1958 1.000.000
Universidade (Bahia) 1958 500.000
Universidade (R.G. do Sul) 1958 500.000
TOTAL 27.450.000
Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 442/ Env. 3298. Relação
dos Estados Que Ainda Não Depositaram Suas Quotas. s/p, 1959.

61 Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 567/ Env. 4535. Relatório da Seção de Cooperação: Volume I. p. 4, 1960.
62
Apesar do último ano referido na tabela ser 1958, o documento consultado é relativo a outubro de 1959.
93

Quadro 9: Quotas federais para convênios de obras não pagas pelo Ministério da Fazenda (1954
– 1959).
Estado Processo M.F Valor Cr$
Ceará 368.189/56 1.600.000
305.576/54 800.000
Paraná 161.129/59 8.000.000
Pernambuco 145.028/58 3.200.000
Sergipe 303.191/54 900.000
Minas Gerais 166.013/59 3.000.000
Santa Catarina 134.535/59 2.000.000
Alagoas 152.305/59 1.000.000
303.189/54 900.000
Bahia
113.652/59 7.000.000
Bahia (universidade) 112.471/59 3.000.000
346.335/58 2.000.000
Rio Grande do Sul
311.621/58 4.000.000
Rio Grande do Sul 106.107/59 3.000.000
(universidade)
Rio Grande do Norte M.S. – Aviso 349 3.000.000
TOTAL 42.900.000
Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 442/ Env. 3298. SNDM - Convênios. s/p, 1959.

2.2.2. Os convênios de manutenção de instituições psiquiátricas

Outro tipo de acordo utilizado pelo SNDM com os estados a fim de incrementar a
assistência psiquiátrica em todo o Brasil era relativo à manutenção das instituições psiquiátricas
estaduais. Embora não houvesse a necessidade de contrapartida financeira dos estados para a
realização dos convênios de manutenção das redes assistenciais psiquiátricas estaduais, como
ocorria no caso dos acordos firmados para a realização de obras, as unidades federativas tinham
obrigações administrativas com o SNDM. Nesta perspectiva, era necessário aos estados
providenciarem o emprego dessas verbas na rubrica específica de manutenção a que foram
destinadas, ainda que não houvesse a definição de um cronograma para uso desses recursos
financeiros recebidos, a fim de que estivessem aptos a receberem novas verbas para tal propósito.
94

Como já citado, esses acordos para manutenção foram iniciados apenas em 1953 e, neste
sentido, sua análise não possibilita comparação com dados relativos a assistência psiquiátrica em
outros governos, conforme foi feito com os convênios de obras. Contudo, sobre os anos JK,
podemos constatar os diferentes critérios utilizados para determinação de quanto cada estado
receberia em cada acordo. Conforme documento assinado por Maurício de Medeiros, então
Ministro da Saúde em 1957, e destinado à presidência da república, a escolha do volume de
recursos fundamentava-se nas informações obtidas através das inspeções realizadas pela direção
do órgão in loco nos estados ou por vontades políticas superiores. Este foi o caso dos acordos
firmados em 1957, no qual priorizou-se mais recursos para os estados brasileiros do nordeste,
norte, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a pedido do próprio Juscelino Kubitschek
feito no ano anterior63. Já em 1958, um documento64 elaborado pelo DASP, também dirigido à
presidência da república, pedindo a aprovação de verbas para os estados relativas aos acordos de
manutenção, informa que os Cr$ 20.000.000,00 a eles destinados deveriam obedecer o critério de
distribuição segundo os 29.750 leitos hospitalares gratuitos para doentes mentais, resultando num
auxílio anual de Cr$ 672,00 para cada unidade-leito. No mesmo documento, entretanto, o DASP
lembra que o SNDM sugeria que a distribuição fosse feita segundo os critérios dos anos
anteriores, baseada nas “qualidades de cada estado”, isto é, tipo de assistência e custo de vida
local; bem como nas condições orçamentárias dos estados. Numa solução intermediária, ainda no
mesmo documento, o DASP indica a utilização de uma norma de distribuição de recursos que
contemplasse “algo dos critérios” indicados pelo SNDM: considerando-se as “qualidades de cada
estado” seria atribuído um “peso” a cada unidade da federação, para multiplicação da quota-base
de Cr$ 672,00, levando em conta o número de leitos gratuitos, registrados a partir do censo de
1956. Este cálculo determinou a seguinte divisão dos estados em relação ao recebimento de
verbas federais:

• Grupo A - Peso 5: Amazonas, Maranhão, Piauí, Alagoas e Mato Grosso;

• Grupo B – Peso 3: Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe e Goiás;

• Grupo C – Peso 2: Pará, Ceará e Espírito Santo;

63
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918. E.M. Nº 353, direcionado à presidência da república,
timbre do Ministério da Saúde, assinado por Maurício de Medeiros (ministro) em 20/08/1957. s/p, 1958.
64
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 580/Env. 4760. Processo Nº 18.554/58 do M.S. s/p, 1958.
95

• Grupo D – Peso 1 (Cr$ 672,00): Bahia, Paraná e Santa Catarina;

• Grupo E – Peso fixo Cr$ 500,00 p/ leito: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Minas Gerais e Pernambuco.

Portanto, de acordo com esse critério cada estado recebeu verbas federais considerando-se a
proporção em relação ao número de leitos conforme demonstra o quadro 10:

Quadro 10: Recursos federais recebidos pelos estados para convênios de manutenção por
número de leitos (1958)
Estados Nº de Auxílio Cr$
leitos
Amazonas 150 500,000.00
Maranhão 150 500,000.00
Piauí 167 550,000.00
Alagoas 130 420,000.00
Mato Grosso 101 350,000.00
Rio Grande do Norte 240 480,000.00
Sergipe 244 480,000.00
Paraíba 280 550,000.00
Goiás 330 650,000.00
Espírito Santo 428 550,000.00
Ceará 470 600,000.00
Pará 490 650,000.00
Santa Catarina 700 450,000.00
Paraná 1010 650,000.00
Bahia 1220 800,000.00
Rio de Janeiro 1420 710,000.00
Pernambuco 1400 700,000.00
Rio Grande do Sul 3220 1,610,000.00

Minas Gerais 3600 1,800,000.00


São Paulo 14000 7,000,000.00
TOTAL GERAL 29750 20,000,000.00

Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918. E.M. Nº 353, direcionado à presidência da
república, timbre do Ministério da Saúde, assinado por Maurício de Medeiros (ministro) em 20/08/1957. s/p, 1958.
96

No ano de 1959 observa-se uma nova mudança no critério do cálculo das verbas a serem
enviadas aos estados relativos aos convênios de manutenção de instituições psiquiátricas.
Segundo documento65 produzido pelo próprio DASP, os critérios de distribuição tiveram como
princípio a quantidade de leitos nas unidades da federação, focando especificamente nos aspectos
econômicos. O critério das “qualidades” de cada unidade federativa, proposto pelo SNDM em
1958 – tipo de assistência e custo de vida local – deixou de ser considerado, permanecendo
apenas como critério a situação econômica das unidades federativas. Caberia maior auxílio por
leito-dia aos estados economicamente mais fracos, cujos governos não dispunham de recursos
próprios suficientes para atender aos doentes mentais. Neste período, segundo o mesmo
documento, o número de leitos no Brasil saltara de 29.750 para apenas 30.000, distribuídos pelos
20 estados. Neste sentido, seguindo a lógica do ano anterior66 de atribuição de pesos distintos aos
estados, e utilizando-se especificamente o critério das características econômicas de cada estado,
as unidades federativas ficaram divididas em 5 grupos, sendo o grupo A o que mais recebia
verbas e o grupo E o que menos recebia.

• Grupo A / 5.000 P/ leitos / Peso 5 – Amazonas, Maranhão, Piauí, Alagoas, Sergipe e Mato
Grosso;

• Grupo B / 3.000 P/ leitos / Peso 3 – Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Goiás;

• Grupo C / 2.000 P/ leitos / Peso 2 – Pernambuco, Bahia e Espírito Santo;

• Grupo D / 1.000 P/ leitos / Peso 1 – Paraná e Santa Catarina;

• Grupo E / 500 p/ leitos / Peso 0,5- São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e estado
do Rio de Janeiro.

Nos grupos de 1959, apenas estados do sul e sudeste brasileiro compuseram os grupos D e
E, que correspondiam às unidades com maior saúde financeira. Este quadro difere daquele de
1957 quando além da situação econômica local, levava-se em consideração as outras qualidades
de cada estado, a saber, o tipo de assistência e o custo de vida local. Comparativamente nenhum

65
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx.428/Env. 3173. Processo Nº 11.724/59 do M.S; Nº 17736/59 da P.R, E.M
870. s/p, 1959.
66
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 756 / Env. 6354. Plano de Aplicação de Dotação Orçamentária, para
manutenção de Serviços Psiquiátricos nos Estados. p.02, 1959. Este plano refere-se aos recursos aplicados em 1958.
97

estado caiu de um grupo para outro, ao contrário, os estados que mudaram de grupo, assim o
fizeram passando a pertencer a grupos superiores no tocante a proporção leito/verba federal.

Desse modo, a distribuição das verbas67 para manutenção entre os estados a partir de 1959
estabeleceu-se da seguinte forma:

Quadro 11: Relação entre os valores recebidos pelos estados a partir de 1959, para
convênios de manutenção de hospitais psiquiátricos locais por número de leitos

Estados Nº de Auxílio Cr$


leitos
Amazonas 150 750.000,00
Pará 500 1.500.000,00
Maranhão 180 900.000,00
Piauí 180 900.000,00
Ceará 400 1.200.000,00
Rio Grande do Norte 400 1.200.000,00
Paraíba 400 1.200.000,00
Pernambuco 1300 2.600.000,00
Alagoas 200 1.000.000,00
Sergipe 200 1.000.000,00
Bahia 1200 2.400.000,00
Espírito Santo 450 900.000,00
Rio de Janeiro 1400 700.000,00
Minas Gerais 3.800 1.900.000,00
São Paulo 14.000 7.000.000,00
Paraná 950 950.000,00
Santa Catarina 750 750.000,00
Rio Grande do Sul 3.100 1.550.000,00
Goiás 300 900.000,00
Mato Grosso 140 700.000,00
TOTAL GERAL 30.000 30.000.000,00

Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 428/ Env. 3173. Processo Nº 11.724/59 do M.S., Nº 17736/59 da
P.R, E.M 870: do DASP à Presidência da República. s/p, 1959.

Em 1958, Lisânias Marcelino da Silva, então diretor do SNDM, enviou ofícios68, aos
secretários de saúde do Espírito Santo, Goiás, Maranhão e Bahia determinando que, se tais verbas

67
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx.428/Env. 3173. Processo Nº 11.724/59 do M.S.; Nº 17736/59 da P.R; E.M
870. s/p, 1959.
68
Espírito Santo: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589 / Env. 4757. Aplicação de Recursos Concedidos em
Convênios. pp. 1-2, 1958; Goiás: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589 / Env. 4760. Aplicação de Recursos
98

já disponibilizadas não fossem aplicadas, esses estados não seriam incluídos no plano de
aplicação de verbas para convênios de manutenção relativos àquele ano de 1958. Não se tem
informações se tais secretários providenciaram essas pendências. Porém, todos esses estados
foram incluídos nos planos para acordos de manutenção nos anos seguintes, pelo menos até o
final do governo JK.

Apenas dois documentos nos permitem vislumbrar o uso que se dava as referidas verbas
federais para convênios de manutenção. O primeiro deles foi elaborado pela Diretoria Geral do
Departamento de Saúde da Secretaria de Educação, Cultura e Saúde de Mato Grosso, assinado
pelo diretor geral do órgão, Dr. Cid Nunes da Cunha e pelo Dr. Manoel de Souza Vargas, diretor
do Hospital Colônia de Alienados Coxipó da Ponte69, para o qual se destinou verba relativa a
convênio para manutenção em 1958. Dos Cr$ 350.000,00 recebidos, Cr$ 257.840,00 foram
destinados a compra da aquisição de gêneros alimentícios, Cr$ 65.671,50 em combustível e
lubrificantes para cozinha e Cr$ 26.488,50 para “aprestos” de cozinha e mesa. O segundo
documento70, refere-se ao plano de aplicação da verba derivada do convênio de 1958 para
manutenção entre o SNDM e o estado do Maranhão, utilizada pelo Hospital Colônia Nina
Rodrigues. Dos Cr$ 500.000,00 destinados ao estado, Cr$ 300.000,00 foram utilizados para
compra de alimentos (carne bovina, arroz e pão); Cr$ 100.000,00 para aquisição de uma rede de
telefone, uma geladeira e um motor elétrico; outros Cr$60.000,00 para compra de medicamentos
diversos; e por fim, Cr$ 40.000,00 para aquisição de combustível para fogão Butano.

Certamente, não se pode chegar à conclusão, a partir dos dados acima, de que tais gastos
nestes itens específicos se repetiam anualmente em Mato Grosso ou no Maranhão. Porém, ao
analisar os produtos comprados, percebe-se que grande parte dos valores recebidos por ambos os
estados foi utilizada para compras de alimentos ou produtos de bens de consumo não duráveis
(gasolinas, lubrificantes e remédios), os quais, geralmente, precisam ser renovados regularmente.
Sendo assim, é bem possível que a utilização destas verbas de manutenção possam ter sido

Concedidos em Convênios. pp. 1-2, 1958; Maranhão: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589/Env.4761.
Aplicação de Recursos Concedidos em Convênios. pp. 1-2, 1958; Bahia: Ididem, p.1, 1958.
69
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589 / Env. 4761. Empenho Nº 17/59; Pr. M.S. – 40.322/59 – 47.520/59.
s/p, 1959.
70
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589 / Env. 4762. Ofício Nº 801/59 da Secretaria de Saúde e Assistência
Social do Estado do Maranhão ao SNDM. s/p, 1959.
99

utilizadas nos mesmos produtos ou artigos afins todos os anos. Do mesmo modo, não é possível
afirmar que outros estados tenham utilizado tal verba com os mesmos fins. Porém, os casos de
Mato Grosso e Maranhão possibilitam vislumbrar como, na prática, era possível utilizar as verbas
destinadas à manutenção da assistência psiquiátrica nos estados.
100

Quadro 12: Recursos financeiros para convênios de manutenção em instituições psiquiátricas (1953-1955).
Colocação
nos Posição
Convênios Posição no
Estados da Federação 1953 1954 1955 TOTAL de Obras no PHP PMAHP
Amazonas 110,000.00 110,000.00 400,000.00 620,000.00 18º 3 2
Pará 250,000.00 250,000.00 500,000.00 1,000,000.00 16º 4 2
Maranhão 100,000.00 100,000.00 300,000.00 500,000.00 19º 3
Piauí 130,000.00 130,000.00 300,000.00 560,000.00 13º 2 1
Ceará 250,000.00 250,000.00 500,000.00 1,000,000.00 3º 3 2
Rio Grande do N. 150,000.00 150,000.00 500,000.00 800,000.00 1º 3 1
Paraíba 85,000.00 85,000.00 300,000.00 470,000.00 16º 4
Pernambuco 420,000.00 420,000.00 600,000.00 1,440,000.00 6º 5
Alagoas 100,000.00 100,000.00 300,000.00 500,000.00 11º 3 1
Sergipe 100,000.00 100,000.00 300,000.00 500,000.00 7º 1
Bahia 450,000.00 450,000.00 600,000.00 1,500,000.00 2º 4 3
Espírito Santo 95,000.00 95,000.00 300,000.00 490,000.00 12º 2 1
Rio de Janeiro 520,000.00 520,000.00 650,000.00 1,690,000.00 8º 4 3
Minas Gerais 1,380,000.00 1,380,000.00 1,500,000.00 4,260,000.00 10º 5
Goiás 80,000.00 80,000.00 350,000.00 510,000.00 9º 1 1
Mato Grosso 80,000.00 80,000.00 350,000.00 510,000.00 14º 2 1
Paraná 350,000.00 350,000.00 650,000.00 1,350,000.00 4º 5 3
Santa Catarina 250,000.00 250,000.00 400,000.00 900,000.00 15º 3
Rio Grande do Sul 1,100,000.00 1,100,000.00 1,200,000.00 3,400,000.00 5º 5
TOTAL 6,000,000.00 6,000,000.00 10,000,000.00 22,000,000.00
Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM, Cx. 607/ Env. 4474. Quadro de Auxílios Concedidos aos Estados nos Exercícios de 1953 a 1964. 1967, s/p.
101

Os convênios destinados à manutenção das instituições estaduais de assistência psiquiátrica


em todo o território nacional (ver quadro 13) apresentaram uma novidade no período do governo
JK em relação ao período anterior (1953-1955): a entrada de São Paulo, a partir de 1957, na gama
de estados contemplados para receber tais verbas. Ainda sob o viés comparativo, nos três
primeiros anos (1956, 1957 e 1958) da administração Kubitscheck houve retração no montante
enviado aos estados se comparado ao último ano do período anterior (1955). Porém, já no ano
seguinte, os valores enviados aos estados subiram gradualmente, ano a ano, até o último ano do
governo JK, no qual alcançou o patamar de Cr$ 45.000.000,00, o que representa um aumento de
350%, se comparado ao ano de 1955.

Quadro 13: Recursos financeiros para convênios de manutenção em instituições psiquiátricas (1956-1960)
Estados 1956 1957 1958 1959 1960 TOTAL
Amazonas 450,000.00 600,000.00 500,000.00 750,000.00 1,500,000.00 3,800,000.00
Pará 500,000.00 700,000.00 650,000.00 1,500,000.00 2,000,000.00 5,350,000.00
Maranhão 250,000.00 400,000.00 500,000.00 900,000.00 1,800,000.00 3,850,000.00
Piauí 450,000.00 600,000.00 550,000.00 900,000.00 1,800,000.00 4,300,000.00
Ceará 450,000.00 450,000.00 600,000.00 1,200,000.00 2,000,000.00 4,700,000.00
Rio Grande do N. 700,000.00 1,000,000.00 480,000.00 1,200,000.00 2,000,000.00 5,380,000.00
Paraíba 750,000.00 1,000,000.00 550,000.00 1,200,000.00 2,000,000.00 5,500,000.00
Pernambuco 600,000.00 800,000.00 700,000.00 2,600,000.00 3,600,000.00 8,300,000.00
Alagoas 800,000.00 1,000,000.00 420,000.00 1,000,000.00 1,800,000.00 5,020,000.00
Sergipe 800,000.00 1,000,000.00 480,000.00 1,000,000.00 1,800,000.00 5,080,000.00
Bahia 500,000.00 800,000.00 800,000.00 2,400,000.00 3,600,000.00 8,100,000.00

Espírito Santo 300,000.00 400,000.00 550,000.00 900,000.00 1,600,000.00 3,750,000.00

Rio de Janeiro 400,000.00 600,000.00 710,000.00 700,000.00 1,600,000.00 4,010,000.00


Minas Gerais 800,000.00 1,200,000.00 1,800,000.00 1,900,000.00 2,800,000.00 8,500,000.00
Goiás 400,000.00 400,000.00 650,000.00 900,000.00 1,600,000.00 3,950,000.00
Mato Grosso 400,000.00 500,000.00 350,000.00 700,000.00 1,800,000.00 3,750,000.00
Paraná 450,000.00 650,000.00 650,000.00 950,000.00 1,700,000.00 4,400,000.00
Santa Catarina 500,000.00 500,000.00 450,000.00 750,000.00 1,600,000.00 3,800,000.00
Rio Grande do S. 500,000.00 1,200,000.00 1,610,000.00 1,550,000.00 2,400,000.00 7,260,000.00
São Paulo 0.00 1,200,000.00 7,000,000.00 7,000,000.00 6,000,000.00 21,200,000.00
TOTAL 10,000,000.00 15,000,000.00 20,000,000.00 30,000,000.00 45,000,000.00 120,000,000.00
Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM, Cx. 607/ Env. 4474. Quadro de Auxílios Concedidos aos Estados nos Exercícios de 1953 a
1964. 1967, s/p.
102

2.2.3. Os convênios para praxiterapia


Durante a administração Kubistchek, além dos acordos destinados à construção de novos
hospitais, ampliações dos já existentes ou suas reformas, assim como a manutenção dos serviços
assistenciais estaduais, também foram realizados convênios destinados ao desenvolvimento dos
serviços de praxiterapia nas instituições locais. Em 1955, o SNDM havia planificado um Serviço
Central de Praxiterapia no órgão, que em contato técnico com todos os setores de praxiterapia nos
estados tinha como objetivo o desenvolvimento de ações uniformes em todo o Brasil71. A
importância dos acordos que envolvessem práticas de praxiterapia é ressaltada por Lysânias
Marcelino da Silva (1956), primeiro diretor do SNDM durante a administração Kubitscheck, que
por meio do ofício nº 131472, endereçado ao diretor geral do Departamento Nacional de Saúde
(DNS), justifica a necessidade de aplicação de verbas destinadas às práticas de terapia
ocupacional a serem desenvolvidas nos serviços psiquiátricos estaduais. Segundo ele, naquele
momento tal terapêutica constituía-se num método de tratamento auxiliar consagrado
mundialmente, cujos efeitos são sentidos sensivelmente na readaptação dos pacientes sob esse
regime. Com um duplo objetivo, visava conseguir a cura do doente e sua readaptação à vida
social. Além desse fator, a realização de tal prática significaria economia ao erário público, tendo
em vista que, os trabalhos realizados pelos pacientes amenizavam a situação financeira das
instituições às quais estavam internados, “circunstância que não se pode subestimar na presente
conjuntura”73. Neste sentido, tornava-se necessário aos estabelecimentos que recebessem
recursos para tais métodos terapêuticos que mantivessem “oficinas de móveis, sapatos, colchões,
confecções de roupas e bem assim utensílios para uma seção agropecuária, além de outros que
serão utilizados nos serviços de terapêutica ocupacional”74.

Os acordos de praxiterapia, conforme modelo do termo de convênio75, eram celebrados


entre o Ministério da Saúde e os estados da federação, assinados no gabinete ministerial
respectivamente pelo titular da pasta e um representante do governo estadual. Em sua cláusula
segunda, determinava que 3/4 do valor recebido pelos estados seria destinado à aquisição de
71
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 566 / Env. 4530. Relatório do SNDM ao DNS. p.16, 1955.
72
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 201 / Env. 1792. Ofício nº 1314. p.1, 1956.
73
Idem.
74
Ibidem.
75
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 201/Env.1792. Termos de Convênios Entre o Ministério da Saúde e os
Estados. s/p, 1956.
103

materiais relativos às atividades de praxiterapia nas unidades de assistência aos doentes mentais
subordinados ao respectivo estado, e o 1/3 restante destinava-se a aquisição destes materiais para
os serviços de praxiterapia prestados nos Ambulatórios de Higiene Mental mantidos pelo SNDM
nos estados; por fim, era obrigatório ao estado, restituir ao SNDM o material não utilizado para a
finalidade devida.

Quadro 14: Recursos financeiros para convênios de praxiterapia firmados entre União e estados (1956-1960)
Grupo
pertencente
Classificação
em relação
Estados 1956 1958 1959 1960 Total em valores
às Verbas
absolutos
federais
1956-1960
Amazonas 150.000,00 0,00 0,00 100.000,00 250.000,00 14º 3
Pará 150.000,00 150.000,00 200.000,00 100.000,00 600.000,00 8º 2
Maranhão 80.000,00 0,00 50.000,00 100.000,00 230.000,00 17º 4
Piauí 0,00 0,00 0,00 100.000,00 100.000,00 19º 4
Ceará 100.000,00 0,00 0,00 0,00 100.000,00 19º 4
Rio Grande do N. 100.000,00 100.000,00 200.000,00 200.000,00 8º 2
600.000,00
Paraíba 150.000,00 0,00 200.000,00 200.000,00 550.000,00 10º 2
Pernambuco 200.000,00 300.000,00 300.000,00 200.000,00 4º 1
1.000.000,00
Alagoas 50.000,00 0,00 100.000,00 100.000,00 14º 3
250.000,00
Sergipe 100.000,00 0,00 50.000,00 100.000,00 250.000,00 14º 3
Bahia 200.000,00 300.000,00 200.000,00 300.000,00 1.000.000,00 4º 1
Espírito Santo 0,00 150.000,00 150.000,00 100.000,00 400.000,00 13º 3
Rio de Janeiro 900.000,00 150.000,00 150.000,00 100.000,00 1.300.000,00 2º 1
Paraná 150.000,00 150.000,00 150.000,00 200.000,00 650.000,00 7º 2
Santa Catarina 150.000,00 150.000,00 100.000,00 100.000,00 11º 3
500.000,00
Rio Grande do S. 200.000,00 300.000,00 200.000,00 200.000,00 6º 2
900.000,00
Minas Gerais 200.000,00 500.000,00 500.000,00 300.000,00 1.500.000,00 1º 1
Goiás 70.000,00 150.000,00 100.000,00 100.000,00 420.000,00 12º 3
Mato Grosso 50.000,00 0,00 50.000,00 100.000,00 200.000,00 18º 4
São Paulo 0,00 600.000,00 300.000,00 300.000,00 1.200.000,00 3º 1
TOTAL 3.000.000,00 3.000.000,00 3.000.000,00 3.000.000,00 12.000.000,00
Fonte: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 560/Env. 4473. Quadro de Auxílios Concedidos aos Estados nos Exercícios de
1956 a 1964. s/p, 1964.
104

Durante o governo JK, entre os anos de 1956 e 1960, apenas em 195776, não foram
celebrados acordos relacionados à praxiterapia. Nestes anos, todos os 20 estados da federação
foram contemplados. Desse modo, como forma de melhor organizar a análise dos dados que
compõem os convênios firmados para a realização de praxiterapia durante governo Kubitscheck,
e consequentemente melhorar a compreensão desta temática, divido todos as unidades federativas
contempladas por tais acordos em 4 grupos contendo 5 estados cada um. O grupo I é composto
do 1º colocado em recebimento de recursos federais ao 5º colocado; o Grupo II, do 6º colocado
ao 10º; Grupo III, do 11º ao 15º; Grupo IV, do 16º ao 20º, estes, os que menos receberam verbas
federais para o específico objetivo analisado no momento.

Sendo assim, durante o período de 1956 a 1960, a posição dos estados no tocante aos
acordos de incentivo a praxiterapia ficaram definidos da seguinte forma:

• Grupo I: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Pernambuco;

• Grupo II: Rio Grande do Sul, Paraná, Rio Grande do Norte, Pará e Paraíba;

• Grupo III: Santa Catarina, Goiás, Espírito Santo, Alagoas, Sergipe e Amazonas77;

• Grupo IV: Maranhão, Mato Grosso, Ceará e Piauí.

A partir dos dados acima é possível identificar que a lógica expansionista de assistência
psiquiátrica direcionada para todo o território nacional visando sua intensificação no interior do
país (um dos pilares da criação do SNDM) teve como uma de suas forças motrizes a formulação
de convênios entre União e os estados. Tais convênios tinham o intuito de ampliar a capacidade
de atendimento nos serviços estaduais através do aumento do número de leitos hospitalares, e
manter um padrão aceitável de qualidade nos atendimentos, fornecendo capital destinado a
manutenção dessas instituições, e incentivando e financiando práticas de terapêutica ocupacional

76
Sobre o fato, não há nenhuma informação oficial em nenhum documento analisado para a composição deste
trabalho que afirme essa ausência no referido ano. Porém, em documento com o timbre do Ministério da Saúde
elaborado pela Seção de Cooperação do SNDM, contém uma planilha composta por todos os acordos celebrados
para o incremento da praxiterapia entre União e estados entre 1956 a 1967, nesta não aparece o ano de 1957.
77
Neste caso há um estado a mais no Grupo III, pois houve empate no total de recebimento de verbas entre os
estados de Alagoas, Sergipe e Amazonas.
105

como método barato e eficiente de tratamento. Também é possível observar que durante o
governo JK tal estratégia foi potencializada. Somado os cinco anos do referido governo, gastou-
se 170% a mais nos convênios destinados às obras, do que os primeiros dez anos iniciais (1946-
1955) desta medida; Em relação aos acordos para manutenção, a diferença foi ainda maior,
chegou a 445,45% de diferença entre os três primeiros anos dessa medida (1953-1955); por fim,
os acordos destinados as atividades de praxiterapia, embora planejados em 1955, foram iniciadas
em 1956 e até o final do governo JK foram investidos nessa prática Cr$ 12.000.000,00.

2.3 Os Ambulatórios de Higiene Mental (AHM’s).

Embora, durante as décadas de 1940 e 1950 tenha ocorrido um acréscimo no número de


leitos hospitalares psiquiátricos através dos convênios para a realização de obras, a superlotação
dos hospitais destinados a abrigar os doentes mentais em todo o território brasileiro era alvo
constante de críticas nos relatórios de viagens da direção do SNDM aos estados. Para amenizar
tal quadro, incentivar e executar campanhas de prevenção de doenças mentais no país por meio
da promoção de preceitos da higiene mental, e aumentar seu poder de fiscalização e decisório
sobre as ações assistenciais psiquiátricas em todo o país, o SNDM procurou instalar
Ambulatórios de Higiene Mental (AHM) nos estados. O recurso aos ambulatórios não era uma
novidade, o primeiro foi implantado em 1938, e ao longo das décadas de 1940 e 1950 o número
de AHM’s nos estados foi ampliado. Conforme já mencionado os ambulatórios funcionavam com
a chefia de inspetores psiquiátricos que, além de todas as suas funções fiscalizadoras, também
realizavam consultas à população. Estes ambulatórios visavam contribuir com os hospitais
especializados locais na realização de terapêutica ocupacional e a triagem78 dos pacientes locais.

Em 1955, no relatório da Seção Cooperação enviado anualmente ao SNDM79, há um


resumo do estudo feito pelo órgão sobre os ambulatórios de higiene mental nos estados,
apontando uma série de problemas no funcionamento destas unidades de saúde. Embora não
tenhamos acesso ao conteúdo na íntegra desse estudo, a partir das páginas examinadas, o
documento conclui que os AHM “continuam em regime de indigência, parasitando os outros

78
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 154/Env.1605. Relatório da Seção de Cooperação. p. 1, 1958.
79
Assinado pelo Dr. Mathias da Costa. Não foi encontrada nenhuma informação sobre qual o posto ele ocupava na
Seção de Cooperação (Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 356/ Env.2452. Relatório da Seção de Cooperação.
pp. 1-3, 1955)
106

serviços federais se valendo de amostras grátis para atender aos doentes“80. Somente foi
possível enviar no ano de 1955, de forma regular, material de expediente. Reclama-se que os
encargos hospitalares deslocam médicos de suas funções nos AHM’s; alguns inspetores
psiquiátricos davam consulta tri-semanal (e não diária) e alguns critérios adotados na elaboração
de estatísticas eram passíveis de revisão, embora não mencione explicitamente quais seriam esses
critérios. Os AHM’s de Belém e Belo Horizonte encontravam-se fechados, o de Maceió foi
transferido em janeiro de 1955 para a Casa de Saúde Miguel Couto por falta de verba; em relação
ao estado do Ceará chamava-se a atenção para a errônea distribuição de verba, da qual se
beneficiaram instituições particulares e espíritas. O ambulatório de Fortaleza conseguiu utilizar a
verba de Cr$ 100.000,00 referente ao acordo de manutenção entre União e governo do Ceará no
ano de 1955. Para finalizar, dentro desse quadro predominantemente negativo indicava-se que
deveriam ser feitas visitas periódicas de um técnico da própria S.C para vistorias in loco nos
ambulatórios de higiene mental nos estados.

O quadro apresentado pelo AHM de Alagoas também era calamitoso. Em seu relatório
anual81, referente a 1955, o inspetor psiquiátrico federal em Maceió, relata a situação caótica na
qual o ambulatório pelo qual era responsável se encontrava. Recebiam Cr$ 1.200,00 para aluguel
de imóvel, e não conseguiram nenhum local para alugar. Dessa forma, ocuparam a Casa de
Saúde São Miguel, em 1954, provisoriamente, esperando que o SNDM tomassem as
providências que lhe foram demandadas. Porém, um ano após a transferência nada havia sido
feito. Pedia aos “gritos”, segundo o próprio inspetor, ajuda pecuniária para a sobrevivência do
AHM e de auxílio à Casa de Saúde Miguel Couto, afirmando que o médico inspetor era o mais
mal pago entre os médicos federais sediados em Maceió: recebiam apenas Cr$ 1.200,00 por mês
somado o material de expediente mínimo, esse o menos importante para o inspetor, já que o
AHM não contava com máquina datilográfica, franquia posta, etc.

“Tentaremos, por mais algum tempo na


esperança já pouco otimista de uma reconstrução
aguentar com tais despesas já que nos invadiu o
desânimo de uma adequada solução pelo SNDM,
80
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 356/ Env.2452. Relatório da Seção de Cooperação. p. 1, 1955.

81
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 540/ Env.4321. Integra do Relatório do Dr. Mario Morcerf de Barros. s/p,
1955.
107

tentaremos por mais algum tempo, enquanto nos


anima alguma coragem, depois do que fecharemos
as portas, com a consciência limpa do dever
cumprido, com sacrifícios”82.

Apesar deste panorama negativo que a administração JK encontra em relação aos AHM, ao
longo deste governo essas unidades de atendimento psiquiátrico nos estados tiveram sua
capacidade ampliada. Os relatórios emitidos pela S.C, órgão responsável pela administração dos
ambulatórios do SNDM pelo Brasil, não menciona detalhadamente como tais instituições
obtiveram aumento sistemática no número de atendimento. Entretanto, ao verificarmos os
valores utilizados na manutenção desses AHM, pode se ter um indicativo de uma das causas
dessa melhora. Em 195783 o SNDM gastou Cr$ 2.000.000,00 na manutenção dos AHM, em
196084 alcançou um montante de Cr$ 9.000.000,00, sendo Cr$ 3.000.000,00 destinados a
equipamento e Cr$ 6.000.000,00 para compra de produtos químicos e farmacêuticos. Outro fator
que possibilitou o aumento no número de pessoas atendidas, provavelmente condicionado a esse
aumento de verbas, foi a abertura de novos AHM. Em 1955, eram 1685 ambulatórios ligados à
S.C86, no final do ano de 1960 já eram ao todo 2287, com mais 3 a espera de inauguração – os de
Belém do Pará, Recife e Olinda – que seriam colocados a funcionar em salas cedidas pelo
governo estadual.

82
Idem.
83
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627 / Env. 5126. Proposta Orçamentária para 1960. s/p, 1960.
84
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627 / Env. 5126. Proposta Orçamentária para 1960. s/p, 1960.
85
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 566/Env.4530. Relatório do SNDM. p.22, 1956.
86
Em Botelho (1955c) o ex diretor do SNDM afirma, entretanto, que em 1955 estavam em funcionamento 18 AHM.
87
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx567/4535. Relatório da Seção de Cooperação: Volume I. p.3, 1960.
108

Quadro 1588: Número de atendimentos nos Ambulatórios de Higiene Mental no Brasil (1946-
1960).
1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953 1954 1955
14029 21750 30744 34394 46837 52228 57226 65109 64116 72806

1956 1957 1958 1959 1960


57866 93049 103782 115623 130.049
Fonte: Fontes documentais dos Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais e Acervo do
IMASJM.

Embora, as verbas tenham aumentado, um dos entraves para a dinamização e capilarização


da assistência psiquiátrica em todo o Brasil era a falta de mão de obra especializada no setor,
tanto de médicos psiquiatras quanto de enfermeiros especializados em atendimento psiquiátrico.
Adauto Botelho (1955) chamou a atenção para a necessidade da expansão dos AHM pelo Brasil.
Para o ex diretor do SNDM, os AHM aumentam seu movimento regularmente, chegando só os
do SNDM a prodigalizar 65109 consultas em 1953, média superior a 12 doentes atendidos em
cada ambulatório nos dias de funcionamento. Além disso, segundo ele, necessitava-se de, pelo
menos, mais 100 ambulatórios psiquiátricos em todo o território nacional, o que indicava o
acréscimo de mais 100 psiquiatras aos 2520 existentes; além desses, mais 100 médicos
especialistas seriam necessários ao ensino de escolas médicas do país. Verifica-se assim, que o
número de psiquiatras necessários à assistência psiquiátrica no Brasil, chegaria a mais de 2720
(Botelho, 1955, p. 17-18). Esta era uma preocupação legítima de Botelho e que apresentava
fundamento, pois em 1952, momento em que o SNDM só possuía 15 AHM’s pelos estados não
foi possível realizar a criação de mais dois AHM, em Belo Horizonte e Rio Grande do Sul,
devido à falta de médicos psiquiatras (Botelho, 1955b, p. 232).

Tanto os convênios quanto os AHM constituíam-se nos mecanismos de expansão da


assistência psiquiátrica no Brasil, ao mesmo tempo em que possibilitavam ao SNDM exercer

88
Até 1953: Deusdit (1955, p.251); a partir de 1954 até 1955: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 540 / Env.
4321. Relatório da Seção de Cooperação. s/p, 1955; sobre 1956: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 370 / Env.
2558. Mapas Estatísticos da Seção de Cooperação. s/p, 1956; sobre 1957: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx.
570 / Env. 4554. Relatório do SNDM: referente a 1957. p.6, 1958; sobre 1958: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM;
Cx. 165 / Env. 1605. Dados Estatísticos Sobre o Movimento Geral dos Ambulatórios de Higiene Mental. s/p, 1958.
De 1959 a 1960: Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 567 / Env. 4535. Relatório da Seção de Cooperação. s/p,
1960.
109

mais influência sobre os estados no tocante às formulações de políticas públicas para tal
assistência. Conforme descrito anteriormente, os inspetores psiquiátricos eram o principal
mecanismo de fiscalização das ações do SNDM nos estados. Outro mecanismo de controle eram
as viagens de inspeção in loco realizadas pelo diretor do SNDM e/ou o chefe da Seção de
Cooperação, nas quais além de verificar o andamento de obras, os AHM e a assistência
psiquiátrica estadual como um todo, constituía-se na oportunidade que a direção do SNDM tinha
para entrar em entendimentos a serem mantidos com os governos estaduais para o
estabelecimento dos convênios de obras, manutenção e praxiterapia89. Além disso, aproveitavam
também para manter entendimentos com os inspetores do órgão nos estados visitados e com as
Delegacias Federais locais. Através dos acertos entre essas partes se definiam os planos de ação
nos estados visitados90. Observa-se ainda que, mesmo que excepcionalmente, a realização dessas
visitas poderiam ocorrer por meio da ajuda de outros órgãos como ocorreu em 1956, quando a
viagem de inspeção ao sul do país foi realizada em avião cedido pelo Departamento Nacional de
Endemias Rurais (DNERu)91.

Portanto, a partir das informações acima é possível afirmar que durante o governo JK,
houve um aumento no investimento das ações relacionadas à assistência psiquiátrica em todo
território nacional, em consonância com a ideia central e mestra deste governo que defendia a
interiorização das ações estatais a fim de possibilitar uma significativa melhora da condição de
vida da parcela de brasileiros que não moravam na parte sul do território, tampouco no seu vasto
litoral. Embora a ideia da centralização normativa e descentralização executiva engendrada no
primeiro governo Vargas (1930-1945) ainda estivesse funcionando no governo JK, é preciso
refletir sobre até que ponto a parte executiva da assistência psiquiátrica continuava sendo feita de
forma indireta por meio das unidades federativas. Ao construir Ambulatórios de Higiene Mental
nos estados a União complementava os espaços das unidades federativas que recebiam o doente
mental atendendo-o diretamente. Visavam diminuir, com isso, a movimentação dos hospitais
psiquiátricos locais. Portanto, tal mecanismo assistencial corresponde a uma ação executiva
direta exercida pelo próprio SNDM nos estados. Isto nos faz refletir sobre a ideia de que no

89
Fundo Dinsam, Acervo IMASJM. Cx. 417 / Env. 3106. Relatório de Atividades do SNDM. p.01. 1957 ().
90
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 442 / Env. 3298. Relatório ao Dr. Oswaldo Camargo (chefe do Setor de
Planejamento e Obras da S.C do SNDM). p. 01. 1956.
91
SNDM. Viagem ao Sul. In Revista Brasileira de Saúde Mental. Vol. II, Nº 2. pp. 143-144. 1956.
110

campo psiquiátrico público, durante a administração Kubitschek, a assistência direta não era
realizada apenas pelos estados e à União não cabia apenas o papel de normatizador. Neste
sentido, o governo federal também agia de forma direta nos estados por meio desses
ambulatórios.
111

CAPÍTULO 3

A ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA PÚBLICA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO


DURANTE O GOVERNO JK

3.1 Os parâmetros assistenciais do SNDM na cidade do Rio de Janeiro

O decreto lei número 17.185 de 18 de novembro de 1944, que aprovou o regimento do


Serviço Nacional de Doenças Mentais, logo no item I do artigo primeiro deste decreto
define como uma de suas atribuições a superintendência (ações diretivas e executivas
diretas) das atividades dos órgãos oficiais de assistência e proteção a psicopatas existentes
no Distrito Federal. É exatamente ao longo deste artigo que se estabelece a distinção de suas
atividades em relação aos estados da federação, conforme também demonstram seus itens II
e III, que determinavam para todo o território nacional apenas o planejamento dos serviços
de proteção e assistência a psicopatas, sem responsabilidade na execução, ainda que,
orientando, coordenando (organizando a partir de certa ordem pré estabelecida) e
fiscalizando as atividades das instituições que se destinavam a esse fim; e defendendo ainda
a possibilidade de opinar sobre as organizações assistenciais públicas ou privadas e rever
códigos e regimentos que cuidem do assunto.

Desse modo, é a partir do estudo da assistência psiquiátrica pública prestada no


Distrito Federal por meio do SNDM que se pode entender de forma mais concreta e objetiva
como as diretrizes que compunham as ideias programáticas (Weir, 1992) para o setor,
defendidas pelos profissionais deste órgão, eram colocadas em prática em seus hospitais,
ambulatórios e escolas. A observação dessas ideias programáticas defendidas e executadas
será ainda relacionada com as vicissitudes inerentes à administração pública, isto é, os
“meios administrativos”, segundo Weir (1992).

Em relatório do SNDM enviado ao DNS referente ao ano de 1955, as ideias defendidas


por Jurandyr Manfredini92, então diretor do órgão, apontavam para o “progresso da

92
Diplomado em medicina pela Universidade do Paraná, estado onde nasceu, Manfredini muda-se para a cidade do
Rio de Janeiro após ser aprovado no concurso para oficiais do exército. Inicia suas atividades acadêmicas na década
112

assistência a psicopatas”93 a partir de um tripé composto pela: praxiterapia, higiene mental


e a psiquiatria infantil94, sobre as quais me aprofundarei ao longo deste capítulo. Embora
não haja referência à data completa, tais relatórios anuais eram escritos sempre em janeiro
do ano seguinte ao ano a que se referem as atividades descritas, tendo sido escrito
provavelmente em janeiro de 1956, ou seja, antes da posse de Juscelino Kubitscheck como
presidente da república ocorrida apenas em 31 de janeiro de 1956. Este seria o último
relatório sob a responsabilidade de Jurandyr Manfredini já que, Lysanias Marcelino da
Silva, seria empossado no cargo em março de 1956. Lysanias ocupava então o cargo de
diretor do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho (MJHC), desde setembro de 1954, e fora
indicado para esta função no manicômio pelo próprio Jurandyr Manfredini95. Fato que, nos
leva a supor um mínimo necessário de identificação programática entre eles. Neste sentido,
podemos pensar que não houve ruptura radical entre as diretrizes defendidas pelo SNDM,
antes e depois de 1956, conforme será demonstrado ao longo deste capítulo, considerando-
se outros indícios.

Embora não fosse citada por Jurandyr Manfredini quando da definição do tripé
supracitado no qual as ações do SNDM deveriam basear-se, a assistência hospitalar não fora
esquecida ou mesmo secundarizada pelo órgão. Em julho de 1954, durante a realização do I
Congresso Latino Americano de Saúde Mental, tendo em uma das mesas de debates
justamente o tema “Hospitais Psiquiátricos”, presidida pelo então diretor da Colônia Juliano
Moreira, Heitor Péres, foram aprovadas recomendações a serem adotadas visando a
racionalização dos serviços psiquiátricos nos hospitais especializados. As propostas
apresentadas por esta mesa eram abrangentes: orientação aos hospitais psiquiátricos para
que fomentassem a formação de novos profissionais para atuarem em suas dependências,
como médicos psiquiatras, enfermeiros e auxiliares de enfermagem e técnicos em serviços

de 1930, como voluntário e posteriormente assistente militar do prof. Henrique Roxo na Faculdade de Medicina da
Universidade do Brasil. Nesta mesma década atua como psiquiatra da Seção Nina Rodrigues do Hospital
Psiquiátrico da Praia Vermelha (Seção Militar de Observação Mental). No início da década de 1950, torna-se
assistente de Maurício de Medeiros, então diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB).
Quatro anos mais tarde assume o posto de diretor do SNDM após a saída o primeiro diretor do órgão Adauto
Botelho. O presente trabalho não se aprofunda no estudo deste personagem, devido ao foco (Vidal & Amorim, 2008,
pp. 2-3).
93
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 566 / Env. 4530; Relatório do SNDM 1955, p. 17.
94
Idem.
95
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 566 / Env. 4530; Relatório do SNDM 1955, p. 2.
113

auxiliares; melhoria das condições de trabalho dos profissionais do setor; criação de padrões
para permitir credenciamentos de hospitais psiquiátricos; adotar, para intensificação da
assistência, o tipo de unidade compreendendo hospital pequeno e ambulatório de
funcionamento amplo e intenso; condensar no menor número possível, os organismos
assistenciais, de modo a não dispersar recursos técnicos e financeiros; atualizar as leis
referentes aos doentes mentais, de maneira a tornar flexível a assistência, com a criação de
serviços de internação e tratamento livre; diferenciar nos serviços especializados, os setores
destinados à assistência psiquiátrica ao menor, com a separação entre seus dois grupos
principais: infantil e juvenil; promoção da formação de enfermeiros e auxiliares de
enfermagem especializados no tratamento em doenças mentais, bem como a técnicos para
os serviços auxiliares dos hospitais psiquiátricos; considerar necessária e indispensável a
criação de unidades psiquiátricas nos hospitais gerais; instituir o seguro de invalidez para
profissionais de hospitais psiquiátricos, especificando como invalidez os acidentes surgidos
por agressões dos doentes mentais96.

Outra responsabilidade de caráter executivo do SNDM, também prevista em seu


regimento era a realização de investigações e pesquisas científicas97. O item VI do artigo
primeiro impunha ao órgão a produção de investigações e estudos a respeito da
etiopatogenia, da profilaxia e do tratamento das doenças mentais. Contudo, ao longo de toda
a presente pesquisa apenas duas referências a tais procedimentos foram localizados nas
fontes utilizadas para este trabalho. Uma delas encontrada na súmula do relatório anual da
Colônia Juliano Moreira de 195898, e a outra na proposta orçamentária do SNDM para o ano
de 196199. A primeira encontra-se na parte destinada às aspirações e necessidades para o ano
de 1959, no qual é defendia a criação do Centro Brasileiro de Estudos Psiquiátricos que na
Colônia reuniria “estudiosos, renovando e estimulando o intercâmbio de informes
especializados entre os psiquiatras da Colônia, congregando-os em plano capaz de

96
PÉRES, Heitor. Normas para a Racionalização de Serviços Psiquiátricos. In: Revista Brasileira de Saúde Mental.
1955, vol. I, Nº 1. pp. 177-179.
97
Conforme fontes consultadas, embora tenha ocorrido a inauguração do Pavilhão de pesquisa da CJM, inaugurado
em 1958, depois de apresentar grande atraso na obra de sua construção, não foi localizada nenhuma informação
acerca deste pavilhão.
98
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 975/ Env. 8291; Súmula do Relatório de 1958, p. 8.
99
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627/ Env. 5126; Proposta Orçamentária para 1960, s/p.
114

combater o pior mal de uma casa sem estudo, a rotina”100. Entretanto, nos relatórios
posteriores a 1958 analisados para esta dissertação não foi localizada nenhuma referência
sobre a implementação, de fato, deste centro de estudos.

A segunda referência aparece numa proposta orçamentária do SNDM contida na


parte relacionada à saúde e higiene mental, que por sua vez, eram itens que numerados de 1
a 5, subdividia-se respectivamente em: combate às doenças mentais em todo o território
nacional, manutenção dos ambulatórios de higiene mental nos estados, manutenção de
praxiterapia nos serviços nos órgãos locais, investigações e pesquisas científicas, e por fim,
construção de ambulatórios de higiene mental nos estados. A referência ao quarto item
aparece no pedido de Cr$ 3.000.000,00 justificando sua importância: “no esclarecimento de
questões de patologia regional entre outras coisas, e demandavam gastos específicos”101.
Portanto, mostra que planejava-se o uso de verba para a realização de pesquisas no campo
psiquiátrico, porém, seu alcance, diante da pequena presença do tema nos relatórios
produzidos pelo próprio SNDM, parece reduzido e sem grande efeito.

Outro indício de que não havia grande ímpeto no trabalho de pesquisa realizado pelo
SNDM, encontra-se nas publicações da Revista Brasileira de Saúde Mental, veículo de
divulgação científico do SNDM. Entre 1955 e 1961 foram publicados em todas as edições
artigos técnicos de psiquiatras que compunham o quadro do Ministério da Saúde, tais como
Jurandyr Manfredini, Adauto Botelho, Deusdedit Araújo, Maria Pereira Manhães, Heitor
Péres, Nise da Silveira, Maurício de Medeiros, além do sociólogo Florestan Fernandes.
Porém, em nenhuma dessas edições há relato sobre possíveis órgãos internos, subordinados
ao SNDM que de forma sistemática realizasse pesquisas. Segundo instruções de Jurandyr
Manfredini (1955) tais trabalhos, que compunham este periódico, deveriam ser originais e
incidir no material clínico e de pesquisa dos órgãos, hospitais, serviços, ambulatórios e
escolas do SNDM102. A pesquisa se realiza assim pelos interesses específicos dos médicos
psiquiatras, sem que houvesse qualquer processo coletivo, profissionalizado e sistemático,
que planejasse a elaboração de projetos de pesquisas, financiamento para pesquisas,

100
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 975/ Env. 8291; Súmula do Relatório de 1958, p. 8.
101
Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627/ Env. 5126; Proposta Orçamentária para 1960, s/p.
102
MANFREDINI, Jurandyr. Fundação da Revista Brasileira de Saúde Mental. In: Revista Brasileira de Saúde
Mental. 1955, vol. I, Nº 1. p. 188.
115

formação de equipe para as investigações, etc. Ao que parece estes trabalhos eram
realizados de forma isolada por cada psiquiatra e de acordo com os casos clínicos com os
quais tinham contato ao longo de sua vida profissional.

3.2 O trabalho do SNDM na cidade do Rio de Janeiro na administração Kubitscheck

O estudo apresentado por Adauto Botelho (ainda como diretor do SNDM) no V


Congresso Internacional de Higiene Mental, realizado em Toronto, em agosto de 1954103,
afirmava que as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro mantinham mais da metade dos
doentes mentais internados em hospitais psiquiátricos no Brasil. A primeira cidade,
certamente devido a sua pujança econômica conseguiu criar um sistema assistencial que
possibilitou a criação de milhares de leitos psiquiátricos, inclusive sem subvenção federal,
ao menos até o ano de 1957, quando passou a receber verba do Ministério da Saúde para
manutenção de sua assistência psiquiátrica. A segunda, por razões políticas, devido à
presença histórica de instituições federais com funções executivas assistenciais na capital da
república desde a criação da Assistência Médico-Legal a Alienados, em 1890.

De acordo com as fontes consultadas, pode-se perceber que durante a administração


Kubitscheck a organização e a lógica executiva geral determinada pelo regimento do
SNDM, aprovado em 1944, foi mantida no tocante à assistência realizada pelo órgão no
Distrito Federal. Desta forma, conforme já descrito no capítulo anterior, pode-se concluir
que o SNDM era organizado de modo que, os órgãos centrais, a Seção de Cooperação (S.C)
e a Seção de Administração (S.A), tinham como linha mestra de condução dos seus
trabalhos a expansão da assistência psiquiátrica para todo o território nacional. Além disso,
no âmbito da cidade do Rio de Janeiro, deveriam servir como o fio condutor entre as
diretrizes assistenciais psiquiátricas federais estabelecidas e as demandas oriundas dos
órgãos locais, isto é, as instituições hospitalares responsáveis pela assistência psiquiátrica direta no
Distrito Federal e pelo ensino direcionado para a formação de mão de obra de enfermagem
especializada para o setor. Eram eles: Centro Psiquiátrico Nacional, Colônia Juliano Moreira,
Manicômio Judiciário Heitor Carrilho e Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, cabendo à Seção de

103
Botelho, 1955C, p. 43.
116

Cooperação a missão de coordenar, orientar, e fiscalizar as organizações, instalações e


funcionamento desses órgãos.

A partir de 1956, a Seção de Cooperação teve suas funções ampliadas104 no tocante a


sua atuação em nível nacional. Até então, além de todas as atribuições supracitadas esta
Seção era responsável também pelo Ambulatório de Higiene Mental (AHM) da Praia
Vermelha e pela direção da Clínica Psicológica Infanto Juvenil. Em 30 de julho deste
mesmo ano a portaria interna nº 42105, substituía o nome da clínica para Clínica de
Orientação Infantil (COI), também tornando-a autônoma em relação à S.C, e subordinando-
a diretamente à direção do SNDM. Com três setores – de psiquiatria, pedagogia e
administração – esta clínica tratava ambulatorialmente crianças que não ultrapassassem os
12 anos de idade e seus pais, procurando modificar seus ambientes familiares106.
A portaria Nº 79 de 13 de novembro, também de 1956, acresceu mais atribuições de
caráter não local à Seção de Cooperação, quando subordina a ela o Setor de Planejamento e
Obras, o Setor de Ensino e Setor de Publicação. O primeiro era responsável pelas obras nas
instituições psiquiátricas públicas em todo o território nacional, que envolvessem capital
proveniente do governo Federal, bem como pela prestação de auxílio, quando solicitado,
para a coordenação de projetos em obras, inclusive em instituições privadas107. O segundo
órgão deveria colaborar com a diretoria de cursos do DNS e coordenar as atividades
relacionadas ao ensino que os órgãos locais exercessem, como por exemplo, ajudando na
confecção dos programas de exames e de seleção de novos alunos da Escola de
Enfermagem Alfredo Pinto EEAP108. Por fim, o terceiro, tinha como principal função a
publicação dos assuntos referentes ao SNDM, como a Revista Brasileira de Saúde Mental.

Até o ano de 1958 a Seção de Cooperação não tinha ainda caráter de órgão apenas
nacional, já que o órgão administrava os ambulatórios de higiene mental de Jacarepaguá e
104
Realizações do SNDM em 1956 (relatório da diretoria). In: Revista Brasileira de Saúde Mental. Vol. III, Nº 1,
1957, p. 167.
105
Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 417/Env. 3106. Relatório de atividades do SNDM ao diretor do DNS. p.
10.
106
Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 681/Env. 5641. Saudações. s/p.
107
Tal auxílio era restrito ao campo técnico, sem que houvesse, portanto, nenhuma verba federal utilizada nessas
obras (Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 570/Env.4554. Relatório Anual do SNDM de 1957; P. 7).
108
Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 920/Env.7738.Ofício da Diretora da EEAP ao Chefe da Seção de
Cooperação do SNDM. 1957, s/p.
117

da Praia Vermelha. No relatório da S.C. referente ao ano de 1955, no entanto, a descrição


era: “Ambulatório de Higiene Mental da Seção de Cooperação (Praia Vermelha)”109. A
desvinculação plena da S.C de qualquer órgão de ação especificamente local foi feita em
1958, por ocasião da reforma no prédio que abrigava o ambulatório da Praia Vermelha,
iniciada no primeiro quadrimestre daquele ano, quando ocorreu a transferência desta
unidade de tratamento para outra localidade, ao lado do Hospital de Neuro-Sífilis, sob o
qual ficou subordinado para facilitar seu funcionamento110. Entretanto, em mapa de
movimentação de doentes dos AHM’s localizados no agora Estado da Guanabara111,
referente ao ano de 1961, o ambulatório da Praia Vermelha é o único que após a descrição
de seu nome no documento aparece entre parênteses a sigla “SNDM”. Tal fato parece
indicar que após um breve período subordinado ao HNS, ao invés de retornar a sua antiga
tutela à S.C, esse ambulatório passou a responder diretamente ao SNDM, assim como a
Clínica de Orientação Infantil. O Ambulatório de Higiene Mental de Jacarepaguá, por sua
vez, retornou a jurisdição da Colônia Juliano Moreira, após passar dois anos sob o comando
da S.C112. Desse modo, encerrava-se assim, o elo entre a S.C com órgãos “tipicamente
locais”, “retornando em fins de 1958 a sua tarefa de órgão central, voltando toda a sua
atenção a unidades psiquiátricas em todo o território nacional, e ficando os Ambulatórios
de Higiene Mentais cariocas a cargo dos órgãos locais”113.

Por sua vez, o outro órgão central do SNDM, a Seção de Administração, conforme
descrito no capítulo anterior, era responsável pelas medidas referentes à administração e
burocracia do SNDM, tais como: produção de ofícios, formulação dos contratos para a
realização dos convênios entre o SNDM e os estados, realização de possíveis inquéritos com
o objetivo de apurar irregularidades e aquisição de materiais que eram enviados à Seção de
Cooperação que, por sua vez, os repassariam aos ambulatórios de higiene mental nos
estados.

109
Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 282/Env.2066. Relatório das Atividades da Seção de Cooperação: Vol.
II. s/p. 1956.
110
Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 154/Env.1605. Relatório da Secção de Cooperação- Vol. I., 1958. pp. 4-
5.
111
Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 283/Env. 2069. Relatório da Seção de Cooperação. s/p, 1961.
112
Idem.
113
Ibidem.
118

Contudo, independente das ações realizadas pelos órgãos centrais e locais, é possível
afirmar com base nas fontes consultadas que o próprio SNDM, por meio provavelmente de
algum departamento, realizava assistência jurídica aos internos nos seus hospitais
localizados em todo o Distrito Federal. Em relatório do SNDM de 1951114 é descrito que tal
serviço era prestado apenas quando solicitado. No relatório do órgão referente a 1955115 há
uma lista com a movimentação desta assistência prestadas aos doentes, que na Colônia
Juliano Moreira somavam-se 73 casos , enquanto que no Centro Psiquiátrico Nacional
foram 366, sendo 190 solicitados por meio de um único órgão, o Instituto de Psiquiatria.
Além disso, este documento revela que esta assistência jurídica auxiliava os internados em
conseguir registros de nascimento, retificação em termos de nascimento, casamento,
testamenteiro e prestavam-se a ser em alguns casos tutores judiciais.

Quadro 16: Organograma da assistência psiquiátrica brasileira (1956-1958)

Fonte: Acervo do IMASJM / Revista Brasileira de Saúde Mental/ Arquivos do Serviço Nacional de Doenças
Mentais116.

114
BOTELHO, Adauto. Relatórios do SNDM em 1951, 1952 e 1953. In: Arquivos do Serviço Nacional de Doenças
Mentais. 1955A, vol. IV, nº 4, p. 245.
115
Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 566/Env.4530. Relatório Apresentado pelo Dr. Jurandyr Manfredini
1955 – SNDM; P. 36 .
116
Documento consultado para a pesquisa realizada para a formulação do presente trabalho.
119

Quadro 17: Organograma da Assistência Psiquiátrica Brasileira (1958 até o final do governo JK)

Fonte: Acervo do IMASJM / Revista Brasileira de Saúde Mental/ Arquivos do Serviço Nacional de
Doenças Mentais117.

O SNDM recebia, por vezes, auxílio de outros órgãos para a realização de medidas
pontuais nas instituições de sua responsabilidade na cidade. Assim como seus diretores
utilizaram, pelo menos uma vez durante o ano de 1956, um avião cedido pelo Departamento
Nacional de Endemias Rurais (DNERu) para a realização de inspeções do quadro
assistencial nos estados da federação, este departamento também auxiliou o SNDM na
profilaxia realizada na CJM118, em 1957, fornecendo amostras de malária e possibilitando a
malarização de 42 pacientes, e de doentes de outros estabelecimentos hospitalares, mediante
solicitação do médico responsável119. O DNERu também, a partir de 1958, auxiliou o

117
Idem.
118
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env. 8291. Súmula do Relatório de 1958 (CJM); p. 3.
119
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 570/Env.4554. Relatório do SNDM – 1958. p. 21.
120

SNDM com a operação de DDT’s120, também na CJM. Outra ajuda solicitada, ou pelo
menos indicada como necessária pela diretoria da Colônia, também em 1958, era a retomada
do contato com a Secretaria de Educação da Prefeitura do Distrito Federal no intuito de dar
continuidade a obra de uma escola municipal121 de tipo rural, a ser construída dentro da
instituição. Até janeiro de 1959, “já havia sido liberada a verba municipal para a obra, além
do plano aprovado e o terreno cedido e locado, restando apenas finalizar os termos da
cessão”122.
Outra característica presente na assistência prestada pelo SNDM na cidade do Rio de
Janeiro eram acordos firmados com outras instituições, militares e da sociedade civil, nos
quais eram oferecidos atendimentos aos seus afiliados ou associados. Em 10 de junho de
1954, o presidente da Comissão de Readaptação dos Incapazes das Forças Armadas
(CRIFA), através de um ofício123 que autorizava a assistência aos psicóticos e neuróticos
dessa comissão através de seus ambulatórios, pedia que fosse assistido um sargento da
Força Expedicionária Brasileira (FEB)124. Em 15 de junho de 1957, outro acordo125
envolvendo o CPN foi concretizado, desta vez seu Instituto de Psiquiatria (IP/CPN)
prestaria assistência aos segurados pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos
Comerciários (IAPC). Reservava-se, assim, 100 leitos no 4º pavimento do IP/CPN, em troca
de uma quantia paga pelo contratante, que por sua vez seria usada em melhorias das
respectivas enfermarias126.

120
Contudo, como não foi possível localizar os relatórios escritos pela própria direção da CJM direcionado à direção
do SNDM relativos aos anos seguintes a 1958, não é possível afirmar que este auxílio tenha, de fato, se
concretizado.
121
Em funcionamento até os dias atuais com o nome de Escola Municipal Juliano Moreira.
122
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env. 8291. Súmula do Relatório de 1958 (CJM); p. 8.
123
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 715/Env. 5912. Ofício 238/S.T./91 – Do presidente da CRIFA ao chefe
da Seção de Cooperação do SNDM. 1954, s/p. Este documento cita outro ofício, nº 624 de 22/10/1953 de autoria da
diretoria do CPN, o qual, entretanto, não foi localizado na pesquisa realizada no Centro de Documentação do
IMASJM.
124
Força militar brasileira que lutou na segunda Guerra ao lado dos chamados países aliados, tais como União
Soviética, Inglaterra, França , Estados Unidos e outros.
125
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 579 /Env. 4659 . Relatório do CPN – 1959. p. 3.
126
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 579 /Env. 4659 . Relatório do SNDM – 1957. p. 15.
121

3.3 Os órgãos locais do SNDM na cidade do Rio de Janeiro

Conforme estabelecido pelo seu regimento, aprovado pelo decreto Nº17.185 de 18 de


novembro de 1944, os órgãos locais do SNDM eram aqueles que exerciam suas funções na
cidade do Rio de Janeiro e eram compostos pelo Centro Psiquiátrico Nacional (CPN),
Colônia Juliano Moreira (CJM) e o Manicômio Judiciário Heitor Carrilho (MJHC). Cada
um desses órgãos tinham uma função dentro da lógica assistencial pensada pelo SNDM para
a cidade do Rio de Janeiro. De acordo com os relatórios analisados para essa pesquisa, todos
os indivíduos que necessitassem de cuidados psiquiátricos na cidade do Rio de Janeiro,
tinham três portas de entrada. A primeira era pelo IPUB127, mas com capacidade
limitadíssima de atendimento, Outra porta era a dos serviços privados, mas por se tratar de
serviço pago nem todos tinham acesso. Por fim, a maior de todas as portas de entrada era
através das instituições do SNDM.

Inicialmente o indivíduo que necessitava de atendimento psiquiátrico encaminhava-se


para os ambulatórios de higiene mental espalhados pela cidade do Rio de Janeiro ou ao
Centro Psiquiátrico Nacional (CPN) onde seria atendido primeiramente no Instituto de
Psiquiatria, no qual seria realizada a triagem a partir da realização do diagnóstico. Se o
indivíduo estivesse em crise aguda e fosse necessário buscá-lo, o Pronto Socorro
Psiquiátrico (PSP), instalado no CPN, enviaria um ambulância ao local indicado e o levaria
a sua sede. A partir dessas duas possíveis entradas, o paciente poderia ter um dentre vários
possíveis destinos no próprio CPN. Se a sua moléstia fosse derivada da sífilis era
encaminhado para o ambulatório de Neuro-Sífilis (AHM-NS) ou, se o caso necessitasse,
para internação ao Hospital de Neuro-Sífilis (HNS), que tinha como função o tratamento, a
profilaxia e a realização de estudos e pesquisas no domínio das doenças nervosas e mentais
causadas pela sífilis. Caso o paciente ainda estivesse na fase pré-puberal128 seria
encaminhado para o ambulatório de Neuro-Psiquiatria Infantil (AHM-NPI) ou ao Hospital
de Neuro-Psiquiatria Infantil (HNPI). Para os casos sub-agudos o destino era o Hospital

127
Embora, nenhum documento tenha qualquer referência a dinâmica ou mesmo a organização dos serviços
prestados pelo IPUB, presumi-se que, se a instituição enviou ao SNDM nos anos de 1957 e 1958 seus mapas de
movimentações de pacientes, e que nestes, continha números que comprovem a existência de seus serviços de
internação, certamente constituía-se numa das opções da população na busca de cuidados psiquiátricos.
128
Fase anterior à puberdade.
122

Gustavo Riedel (HGR), que trabalhava sob o regime de internação mista. Por fim, os casos
classificados como agudos eram enviados ao Hospital Pedro II (HPII), que tinha como
funções a observação e o tratamento de doentes mentais de ambos os sexos com
perturbações mentais agudas. Se ao longo de sua internação no CPN o indivíduo
apresentasse diagnóstico de cronificação de seu estado mental, seu destino era a Colônia
Juliano Moreira (CJM), direcionada apenas a receber pacientes crônicos.

O Manicômio Judiciário Heitor Carrilho (MJHC), por sua vez, diferenciava-se dos
outros órgãos locais devido a sua dinâmica de funcionamento de obedecer a lógica da
punição judiciária e não apenas a da assistência psiquiátrica129. Embora recebesse pacientes
encaminhados por órgãos do CPN, o manicômio judiciário, conforme o regimento do
SNDM, deveria atender também determinações jurídicas e não somente médicas, ainda que
nos relatórios do MJHC as referências utilizadas por seus profissionais passassem a idéia de
que a instituição era um hospital, auto referindo-se como tal130, inclusive lançando mão do
uso do termo leito hospitalar131. Por outro lado, também utilizavam a palavra cela132
referindo-se aos quartos onde dormiam os presos/pacientes. Além disso, a dualidade de suas
funções é reforçada através da existência de dois setores no manicômio, o de praxiterapia e
o de recuperação. O primeiro tinha foco exclusivamente terapêutico, através da terapia
ocupacional, com objetivo e função similares aos setores homônimos de outros órgãos do
SNDM. O segundo, embora com viés de “tratamento emocional”133, pois visava a
permissão de liberação de alguns pacientes, em média 6 vezes por semana com fins
terapêuticos, também servia como teste para os peritos que avaliavam a condição de
periculosidade do indivíduo “delinqüente portador de doença mental”134.

129
Esta dualidade estrutural de instituições do tipo “manicômio judiciário é muito bem analisada em Carrara,
Sérgio. Crime e loucura: O aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. 1. ed. Rio de Janeiro:
Eduerj/Edusp, 1998.
130
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env. 8290. Relatório Referente a 1958 – MJHC. p.1.
131
Idem.
132
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/Env. 4530. Relatório Apresentado Pelo Dr. Jurandyr Manfredini –
SNDM/1955. p.4.
133
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 473/Env. 3559. Síntese do relatório do Manicômio Judiciário Heitor
Carrilho, apresentado em 20-11-1957, ao diretor do SNDM. p. 2.
134
Embora no seu cotidiano estivesse presente todos esses fatores de caráter médico sobre as reclusões no MJHC,
pelo fato desses indivíduos estarem cumprindo pena em suas dependências e não terem entrado no sistema
123

Quadro 18: Cargos de direção de instituições públicas relativas à área psiquiátrica (1956-
1960)
Ministério da Seção de
Período Saúde SNDM Cooperação CPN CJM
Maurício de Lysanias Marcelino Fernando Nogueira Humberto Mathias Walter
1956
Medeiros da Silva de Souza Costa Antunes
Maurício de Lysanias Marcelino Humberto Mathias Walter
1957 Oswaldo Camargo
Medeiros da Silva Costa Antunes
Maurício de Lysanias Marcelino da Humberto Mathias
Medeiros Silva (até outubro) Costa
Ignácio da Cunha
1958 Mário Pinotti Heitor Péres
Lopes Rodrigues (a Humberto Mathias Lopes
(03/07/1958 -
partir de outubro) Costa
31/07/1960)
Humberto Mathias Ignácio da Cunha
1959 Mário Pinotti Lopes Rodrigues Heitor Péres
Costa Lopes
Pedro Paulo Penido
Humberto Mathias Ignácio da Cunha
1960 (01/08/1960 - Lopes Rodrigues Heitor Péres
Costa Lopes
31/12/1960)

Fonte: Acervo IMASJM / Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais.

Como é possível observar no quadro acima, os dirigentes destes órgãos, em grande medida,
permaneceram os mesmo, denotando que havia uma regularidade e manutenção dos mesmos
pensadores e formuladores das políticas psiquiátricas no Brasil.

3.3.1 O Centro Psiquiátrico Nacional

Criado em 1944, o CPN origina-se da Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro,


fundada em 1911 no bairro do Engenho de Dentro, subúrbio carioca, a qual tinha como
objetivo inicial abrigar as indigentes que superlotavam o Hospital Nacional de Alienados
(Oliveira, 2004, p. 50). A partir da direção de Gustavo Riedel (1918-1932) há uma
reformulação no papel da instituição dentro da lógica assistencial da cidade. As ações
representativas desta mudança foram a inauguração do Ambulatório Rivadávia Correa, em
1919, primeiro ambulatório psiquiátrico da América Latina, que teve atuação expressiva na
profilaxia de doenças mentais; a criação do Serviço Hétero-familiar, que era realizado

assistencial oferecido pelo SNDM por critérios, exclusivamente, médicos, não me debruçarei em analisar o
manicômio, tal como farei com o Centro Psiquiátrico Nacional e a Colônia Juliano Moreira.
124

através de casas habitadas por funcionários que cuidariam de doentes postos sob sua guarda
domiciliar135; o Instituto de Profilaxia Mental; por fim, a criação, em 1923, do Laboratório
de Psicologia Experimental da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro que, em 1932,
se transforma no Instituto de Psicologia, uma extensão do curso de Psicologia e Psiquiatria,
“trazendo o saber para junto da prática” (Oliveira, 2004, p. 51). Toda esta ordenação
assistencial vai fazer esta instituição ocupar um lugar de destaque na assistência psiquiátrica
do Rio de Janeiro.

Em 1938, quando Adauto Botelho assume a direção da assistência aos alienados,


propõe a criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais e a transformação da então
Colônia Gustavo Riedel em Centro Psiquiátrico Nacional (Facchinetti, 2011, p. 251). Desde
então, a idéia de Adauto Botelho era transferir o Hospício Nacional de Alienados para o
Engenho de Dentro, o que ocorre de forma definitiva em 1943. No ano seguinte o decreto-
lei Nº 7.055 de 18 de novembro de 1944 cria o Centro Psiquiátrico Nacional,
transformando-o num complexo hospitalar. Com exceção do surgimento do Pronto Socorro
Psiquiátrico que passou a compor o quadro de órgãos ligados ao CPN, a partir de 1955, a
estrutura organizacional do Centro durante o período do governo JK manteve-se a mesma
que a do período da aprovação do regulamento do SNDM e de sua criação em 1944.

Constituído de seis estabelecimentos hospitalares e seções especializadas, o CPN


tendia durante o governo JK, desde a sua criação, a ampliar suas atividades. O IP, órgão de
internação para todos os hospitais públicos destinados a psicopatas na cidade, onde eram
feitas as admissões e triagens, tinha a competência de receber os doentes, observá-los e
tratá-los imediatamente, transferindo-os posteriormente aos diversos órgãos do CPN, ou
diretamente para a Colônia Juliano Moreira conforme o caso. Devido à importância desta
função na lógica assistencial do CPN e da cidade como um todo, O IP tinha posição de
destaque dentro do conjunto do Centro. Possuía também um serviço de internação com um
Pronto Socorro Psiquiátrico, com médicos, internos, enfermeiros e guardas para receberem
ou irem buscar os doentes em ambulância a qualquer hora de qualquer dia na semana. E este

135
Este serviço teve duração efêmera (Oliveira, 2004, p. 42). Embora não tenha sido localizado nenhum documento
referente à informação de quando, de fato, tenha sido fechado.
125

serviço aliado aos dos ambulatórios tinha o objetivo de evitar internações salvando o CPN
de maiores sobrecargas136.

O Hospital Pedro II era composto na segunda metade da década de 1950, por 14 seções
para alojamentos de doentes mentais, uma seção para tratamento ambulatorial dos pacientes
egressos, gabinete dentário, várias dependências médico-administrativas, uma secretaria e
uma portaria. Conforme já descrito, tinha como competência receber, sob o regime de
internação mista, para observação e tratamento, psicopatas de ambos os sexos, com
perturbações mentais agudas.

O Hospital Gustavo Riedel, também destinado à internação mista, realizava exames e


tratamentos aos doentes mentais em estado subagudo inclusive os enviados pelas
instituições de previdência. Era composto por seções e enfermarias para ambos os sexos,
serviço de terapêutica ocupacional, gabinete dentário e outras dependências médico-
administrativas, além de uma Zeladoria.

O Hospital de Neuro-Sífilis, localizado na Praia Vermelha e não no Engenho de


Dentro, tinha como incumbência fazer o tratamento, a profilaxia das doenças nervosas e
mentais que tinham causa a sífilis e a realização de estudos e pesquisas no domínio da
“neuro-lues137”. Em 1959, ainda era elevado o número de enfermos que:

“contrariamente afirmações apressadas,


necessitam de internação, como portadores
de neuro-lues inconteste. Permanentemente,
durante o ano de 1959, teve o hospital que
enfrentar o problema de superlotação com
flagrante prejuízo para os requisitos de uma
boa assistência”138.

Tal depoimento demonstra que, sua direção estava, neste momento, travando alguma
luta política para que os órgãos formuladores das políticas públicas de saúde mental vissem

136
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.579 /Env. 4659. Relatório do CPN – 1959. p. 1.
137
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.674 /Env. 5583. Justificativa da Proposta Orçamentária Para o Exercício
de 1961 – 2º via. p.1.
138
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.674 /Env. 5583. Relatório do CPN – 1959. p. 1.
126

a importância do trabalho realizado no HNS, e não classificar a sífilis no rol das doenças
controladas que não requeriam atenção demasiada.

Por fim, o Hospital de Neuro Psiquiatria Infantil, que recebia para observação e
tratamento, até a fase prepuberal, crianças anormais sob o ponto de vista neuro-psiquiátrico.
A instituição mantinha uma escola médico pedagógica para educação e instrução de
menores anormais, com classes separadas por três categorias de alunos: os perfectíveis,
imperfectíveis ou ineducáveis. Sua organização interna compreendia, além de enfermarias
para ambos os sexos, ambulatórios, a escola médico pedagógica, serviço de praxiterapia,
gabinete dentário e outras dependências médico administrativas, além de uma zeladoria.

Conforme supracitado, grande parte dos pensadores e formuladores de políticas


públicas psiquiátricas do período estudado defendiam a praxiterapia como um dos principais
métodos de eficácia terapêutica. Embora na Colônia Juliano Moreira (CJM) desde muito
cedo já existisse um setor especializado para esse fim, no CPN isso não ocorreu tão cedo139.
“Muitos doentes eram ocupados em trabalhos braçais, serviços de limpeza das enfermarias
e das instalações sanitárias, sendo que pequenas verbas eram destinadas para gratificá-
los”140. Apenas em 1944, na Seção Waldemar Schiller do Hospital Pedro II (posteriormente
Seção Odilon Galotti), que a terapêutica ocupacional fora introduzida de forma sistemática
no CPN, pelo Drº Fábio Sodré141. Neste primeiro momento, a psiquiatra Nise da Silveira
participou como auxiliar deste projeto. Apenas dois anos depois, ela passou a ser a
responsável pela organização das atividades de terapia ocupacional no CPN, e agora, sendo-
lhe oferecida verba destinada a remuneração de alguns internos que prestavam serviços à
economia hospitalar142. Ao assumir o Setor de Terapia Ocupacional, Nise da Silveira
introduziu uma nova dinâmica de trabalho a partir da produção artística. O primeiro setor foi
instalado em maio de 1946 e era de trabalhos aplicados manuais femininos (crochet,
bordados, tricot e tapeçaria). Em setembro do mesmo ano, foi a vez da criação do ateliê de

139
Dias, 2003, p. 54.
140
Idem.
141
SILVEIRA, Nise. No Reino das Mães: um caso de esquizofrenia estudado através da expressão plástica. Revista
Brasileira de Saúde Mental. Rio de Janeiro, v. 9, p. 11- 19, 1966b. apud DIAS, 2003, p. 54.
142
DIAS, 2003, p. 54-55.
127

pintura, e no decorrer dos anos seguintes foram abertos mais setores de terapia ocupacional,
ao ponto de 1961 estarem em atividades 19 setores diferentes143.

Em relatório do CPN de 1958, o diretor da instituição, Drº Ignácio da Cunha Lopes


fala da seguinte forma sobre o Setor de Terapia Ocupacional:

“As atividades da Seção de Terapia


Ocupacional têm merecido elogios e devem ser
ampliadas. A praxiterapia traz benéficos
resultados à assistência e ao tratamento dos
doentes mentais, compreendendo a terapêutica
pelos vários tipos de trabalho e pelos
divertimentos, que põe em ação importantes
funções neuro-psíquicas. Na modalidade
ocupacional, associam-se atividades
produtivas, artísticas e profissionais
(cerâmica, pintura, escultura, etc); e na
recreativa, encontram-se atitudes emocionais
dirigidas (esportes, jogos intelectuais, canto,
execução de músicas, etc.) ou influências
estéticas (leituras, audição de músicas,
espetáculos cinematográficos, televisão, teatro,
etc)”144.

Embora, correspondesse ao principal órgão no tocante a engrenagem da assistência


psiquiátrica prestada pelo CPN, pois “nenhum outro hospital do SNDM interna diretamente
os doentes e sim através do Serviço de Triagem do IP”145. O IP não era o órgão que mais
mantinha pacientes internados. Este posto, durante o período do governo JK, era preenchido
pelo Hospital Pedro II, seguido respectivamente pelo próprio IP, HGR, HNS e por último o
HNPI.

143
Idem, p. 56.
144
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.975 /Env. 8289. Relatório que apresenta o Dr. Ignacio da Cunha Lopes,
diretor do CPN, ao exmo Sr. professor H. Lopes Rodrigues Ferreira, diretor do SNDM, concernente ao período de
01 de janeiro a 31 de dezembro de 1958. p. 5.
145
Idem, p. 6.
128

Quadro 19: Pacientes internados no CPN, por unidade de tratamento (1953-1959)

ANO IP HPII HGR HNPI HNS Total

1953 75 516 311 117 224 1243


1954 21 561 310 117 97 1106
1955 114 506 314 127 68 1129
1956 261 601 286 131 108 1387
1957 443 615 180 120 136 1494
1958 502 589 231 133 148 1603
1959 508 620 301 134 146 1709

Fonte: Acervo do IMASJM / Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais146.

Porém, ao compararmos os números relativos às admissões de pessoas que


internavam-se pela primeira vez no CPN, conforme o quadro 20, percebe-se na prática a
importância do IP. Em 1958 e 1959, mais de 75% dos internados no CPN passaram pelo
órgão, demonstrando claramente sua missão como setor de triagem e primeiros cuidados
psiquiátricos. Apesar do HPII ter um número maior de pacientes internados, recebia
proporcionalmente poucos doentes, num sinal de que seus pacientes permaneciam mais
tempo em suas instalações.

146
Botelho, 1955A, 197-244; Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.370 /Env. 2558. Mapa de Movimentação de
Doentes – 1956. s/p; Cx.566 /Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação – 1960, Vol. II. s/p. Tais números
representam os pacientes internados no último dia dos respectivos anos e hospitais. Porém, não foi computado, por
não ter sido localizado nas fontes, o número de pessoas internados nestes mesmos períodos no Bloco Médico
Cirúrgico, o que poderia alterar ou não (caso já estejam computados em uma das instituições descriminadas acima) a
quantidade total de internados no CPN.
129

Quadro 20: Primeiras admissões no CPN, por unidade de tratamento (1956-1959)

ANO IP HPII HGR147 HNPI HNS Total


1956 1925 1590148 76 172 3763
1958 2968 368 403 110 94 3943
1959 3315 380 453 125 80 4353

Fonte: Acervo do IMASJM / Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais149.

Devido à dinâmica de interdependência entre as instituições de atendimento do


SNDM, o mau funcionamento de um deles acarretava em prejuízo aos serviços prestados
por outro. Se a capacidade de triagem ou transferências realizadas pelo CPN fosse afetada
por qualquer razão, o acúmulo de pacientes no IP, principal porta de entrada da assistência
pública no Distrito Federal, seria insustentável. No outro extremo do sistema, a Colônia
Juliano Moreira, válvula de escape natural e regimental do CPN, caso apresentasse um
quadro de superlotação ou déficit grave de profissionais técnicos, poderia impossibilitar a
transferência de doentes crônicos do CPN, como ocorreu em 1957150. Tal fato acarretaria
por consequência na sua superlotação ou na impossibilidade de realizar novas admissões no
complexo hospitalar-psiquiátrico do Engenho de Dentro, prejudicando diretamente o
trabalho do IP e dos órgãos que atendiam aos sub agudos (HGR) e agudos (HPII), que
observariam a cronificação de seus pacientes, e estes misturando-se aos agudos,
prejudicaria, sobremaneira, as ações terapêuticas.

3.3.2 A Colônia Juliano Moreira

Inaugurada em 1924, em substituição às colônias de Barão de Mesquita e de São


Bento no bairro da Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, ainda com o nome
Colônia de Psicopatas-Homens, em 1935 passa a se chamar Colônia Juliano Moreira (CJM),
em homenagem póstuma ao referido psiquiatra. Tinha por finalidade a internação visando à

147
Não foi localizada nenhuma informação sobre os números relativos ao ano de 1956.
148
Número muito acima dos encontrados nos anos seguintes. Portanto, é possível que esteja errado. Porém, como
está contido num documento oficial do SNDM decidi mantê-lo no quadro 20, a título de informação.
149
Botelho, 1955A, 197-244; Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.370 /Env. 2558. Mapa de Movimentação de
Doentes – 1956. s/p; Cx.566 /Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação – 1960, Vol. II. s/p.
150
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 775/Env.6482. Documento referente ao ano de 1957. s/p.
130

assistência aos doentes mentais crônicos, sobretudo os que podiam ser beneficiados pela
praxiterapia. Outra diretriz assistencial central da CJM era a assistência hétero-familiar,
implantada naquela instituição desde sua criação a partir da instalação de seus funcionários
em casas, construídas no interior da colônia para que os mesmos pudessem receber
pacientes para o convívio doméstico e saudável.

O modelo de isolamento dos pacientes em área rural, longe dos centros urbanos era
considerado uma medida terapêutica, buscando-se com isso prevenir o contato do doente
com os excessos da vida urbana “moderna” (Venancio, 2011, p. 36). Contudo, o tratamento
não se compunha apenas no isolamento, mas também no trabalho, basicamente rural151, no
qual sua produção era vendida e o lucro destinado ao custeio da própria instituição. Ainda
no final da década de 1930 a Colônia Juliano Moreira foi alvo de um processo de expansão
de sua estrutura física e das terapias disponíveis aos seus internos, transformando-a de
colônia agrícola em hospital-colônia. Dentro desse novo contexto de política assistencial
psiquiátrica formulada na gestão de Adauto Botelho no SNDM, o padrão ‘hospital-colônia’
foi amplamente instituído em diferentes estados brasileiros: quatorze das vinte unidades
federativas (incluindo-se o Distrito Federal) foram contempladas com a construção ou
ampliação de hospital-colônia ou colônia (Venancio, 2011b, p. 46).

No regimento do SNDM de 1944 a composição da Colônia era a seguinte: Bloco


Médico Cirúrgico Álvaro Ramos (BMCAR), um pavilhão de isolamento para recolher
doentes mentais, de ambos os sexos, com intercorrências médicas-cirúrgicas ou que fossem
portadoras de moléstias infecto-contagiosas; os núcleos masculinos Ulisses Viana (NUV-
CJM) e Rodrigues Caldas (NRC-CJM) e os núcleos femininos Teixeira Brandão (NTB-
CJM) e Franco da Rocha (NFR-CJM). Cada um desses núcleos era composto de pavilhões
para dormitório dos doentes e dispunha de setor de terapêutica ocupacional, gabinete
dentário, cozinha, lavanderia, funcionando de forma autônoma em relação aos demais. Os
Núcleos Rodrigues Caldas e Franco da Rocha possuíam, cada um deles, um pavilhão para
adolescentes. Também compunha a CJM a Seção de Praxiterapia – que organizava e dirigia

151
Além da venda de leite de vaca, verduras, leitões e carne de boi, também eram comercializados cestas e cadeiras
de vime fabricadas pelos internos da CJM (Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 414/Env.3076. Mapa
Demonstrativo dos Produtos Consumidos, Vendidos e Respectiva Renda – CJM/1955. s/p.
131

os serviços de trabalho terapêutico para os doentes internados na instituição, além da


Farmácia que supria com seus serviços os diversos setores da CJM.

Entre as informações contidas no regimento de 1944 e os documentos pesquisados


para a realização deste trabalho não foi encontrada nenhuma menção de que tal estrutura
tenha sido modificada. Ao invés disso, nos relatórios do SNDM e de sua Seção de
Cooperação analisados para esta pesquisa são citados os quatro núcleos (NUV, NRC, NTB e
NFR) e o BMCAR como recebedores de melhorias por parte da Seção de Cooperação.
Entretanto, houve a inclusão de alguns órgãos a partir da inauguração do Pavilhão Hitzig no
Núcleo Ulisses Viana152 e o Pavilhão de Pesquisas, este subordinado ao Centro de Pesquisas
Praxiterápicas, com construção iniciada em 1955 e inaugurado apenas em 1958153. Além
dessas inaugurações também há a menção de que o Pavilhão de Alcoolistas que comporia o
Núcleo Rodrigues Caldas, em 1958 já estava há mais de três anos com as obras arrastadas e
segundo os documentos analisados para esta pesquisa, sua inauguração não teria ocorrido
até o final do governo JK154. Tais fatos demonstram que a expansão dos serviços prestados
pela CJM potencializados a partir da década de 1930 ainda estavam em expansão vinte anos
depois.

Em 1957, o então diretor da Colônia relata de forma sucinta como era a instituição
naquele ano, dando uma visão panorâmica da vida em seu interior:

“A CJM tem 150 alqueires de terra,


acha-se situada em zona rural de difícil
acesso, onde são abrigados cerca de 4000
doentes mentais de ambos os sexos, que estão
distribuídos nos 7 hospitais que a compõem.
Abriga-se também na CJM 200 famílias de
servidores que lá labutam e residem”.155
“Os problemas que afligem a CJM são os
mesmos de uma cidade pequena, pois sua
população já chega a quase 5000 habitantes, e
os problemas de transporte, água, luz,

152
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env.8291. Súmula do Relatório de 1958 – CJM. p.2.
153
Idem.
154
Idem. p. 9.
155 Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 473/Env. 3560. Síntese do relatório da CJM apresentado em 21/11/1957
ao diretor do SNDM. p.3.
132

“familiares médicos”... desviam o foco das


atenções do órgão”.156

“Tem-se na CJM, em funcionamento,


centros de recreação em todos os núcleos,
Clube Social dos Servidores, Cooperativa de
Consumo dos Servidores e a Escola Juliano
Moreira para filhos de servidores. São órgãos
para-hospitalares que contribuem para o
funcionamento da instituição”157.

Além dos pacientes havia toda uma população de funcionários da Colônia que ali
moravam com seus parentes. Segundo documento oficial os familiares dos funcionários
ajudariam no relacionamento entre doentes e funcionários. Ao longo de seu funcionamento,
ao menos até o final da década de 1950, foram realizadas diversas melhorias na instituição,
em muitos casos não relacionadas necessariamente à assistência aos doentes, mas às
condição de vida desses “habitantes sãos”, tais como: a inauguração de órgãos auxiliares
como uma escola municipal, centro de puericultura dirigidos aos filhos dos empregados, a
cooperativa de consumo, curso de educação de adultos e o Clube Atlético da CJM, parque
infantil e igreja (Venancio, 2011, p. 311). A estruturação da Colônia como uma pequena
cidade encravada na zona rural da cidade do Rio de Janeiro contribuiu, por um lado, para o
isolamento dos pacientes lá internados. Mas por outro, criou condições para a criação de
uma dinâmica própria dos relacionamentos interpessoais e sociais que envolviam todos os
seus moradores, funcionários e seus familiares, além dos doentes, possibilitando a formação
de uma comunidade especifica (idem, p. 312).

Embora desde sua fundação a CJM tivesse como carro-chefe de suas diretrizes
assistenciais o trabalho agrícola (Venancio, 2011b, p.41), pelo menos durante a segunda
metade da década de 1950, sua Seção de Praxiterapia também mantinha setores de atividade
não rurais, como artes plásticas, serviços de tecelagem em todos os núcleos, olaria e setor de
recreação ocupacional. Entre 1948 e 1958, a taxa máxima de ocupação de doentes
trabalhando foi de 39,18% em relação ao número total de internos (ver quadro 21). Contudo,

156
Idem.
157
Idem.
133

ao longo da década de 1950 a proporção do número de pacientes que realizavam esta


terapêutica caiu para menos de 25%. Tal fato, não se deve ao aumento do número de
pacientes atendidos pela CJM e a concomitante possível estagnação da oferta de tais
serviços praxiterápicos, mas sim, devido a grave diminuição do número absoluto de pessoas
que tinham ocupação na instituição. Embora, não se tenha encontrado nenhuma informação
sobre os motivos pelos quais houve essa diminuição, é possível presumir algumas
possibilidades, tais como: a falta de profissional para trabalhar neste setor, pois, conforme
relatado anteriormente era uma reclamação contínua do SNDM e seus órgãos; pouca
estrutura material ocasionada pela falta de verba, o que impossibilitaria a entrada de novos
doentes nestas tarefas e a precarização dos serviços já existentes; e por fim, outra
possibilidade era de que o nível de degradação do estado mental dos internos inviabilizasse
qualquer atividade neste sentido.

Quadro 21: Situação ocupacional da CJM no último dia de cada ano: 1948 a 1958.

Total de doentes Total de doentes Percentagem de


Ano na CJM em trabalho ocupação ( %)

1948 3397 1323 38,90


1949 3639 1246 39,18
1950 3699 1359 36,73
1951 3824 1423 37,21
1952 3957 1441 36,42
1953 3853 1415 36,72
1954 3723 1312 34,66
1955 3752 1288 34,31
1956 3963 1148 31,08
1957 3964 1100 27,74
1958 4107 1019 24,81

Fonte: Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env.8291. Súmula do Relatório de 1958 – CJM. p. 35,
1958.

Por outro lado, é possível afirmar que não houve abandono da diretriz assistencial do
SNDM de oferta de praxiterapia. Durante a década de 1950 todos os relatórios por mim
pesquisados fazem referência regular a esta prática. Somado a isso, neste período a
134

publicidade em torno das atividades da psiquiatra Nise da Silveira no CPN garantia que tal
terapêutica continuasse com ótima reputação; prova disso é que em 1958 o CPN tinha 588
pacientes realizando trabalhos praxiterápicos, num total de 1709, portanto 34,40% da
população total. Ademais, deste total, 502 estavam internados no Instituto de Psiquiatria,
órgão que além de ser porta de entrada da assistência do SNDM era também lugar de
triagem e não de tratamento como eram os outros órgãos do CPN; ou seja, de maneira geral
seus pacientes não permaneciam muito tempo em suas dependências, ao contrário da
Colônia, onde pacientes podiam ficar anos ou até mesmo passar todo o restante da vida na
instituição. Portanto, descontando os internados no IP, em 1958 têm-se o total de 1207
internados no CPN, o que aumenta a porcentagem de internos que tinham ocupação
terapêutica na instituição para 41,59%, mais do que o número alcançado pela CJM entre
1948 e 1958.

Além disso, em outubro de 1958, foi inaugurado o Pavilhão de Pesquisas, após três
anos de obras, localizado no Centro de Pesquisas Praxiterápicas da própria CJM, composto
por oficinas de carpintaria, vassoura, tipografia, móveis de vime, ateliê de pintura, cerâmica,
escultura, sapataria e etc. Subordinado a Seção de Praxiterapia, objetivava estabelecer no
local “um estágio superior da terapêutica ocupacional”158. Embora, inicialmente só
comportasse 50 internos, sua inauguração daria continuidade à valorização dos métodos
praxiterápicos no tratamento psiquiátrico. Portanto, diante de todos esses fatos, é possível
afirmar que a queda do número de internos em atividades praxiterapêuticas na Colônia tenha
se dado a partir das suas próprias vicissitudes administrativas e assistenciais, representando
uma diminuição na qualidade dos serviços prestados pela instituição.

158
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env.8291. Súmula do Relatório de 1958 – CJM. p. 3.
135

Quadro 22: Disposição dos doentes em trabalho na CJM, por sexo (1957-1958)
Percentagem relativa
Percentagem relativa ao número de
ao total de doentes doentes do
em trabalho respectivo sexo
lotado na CJM
Anos 1957 1958 1957 1958
Homens 58% 54% 32% 27%
Mulheres 42% 46% 22% 22%

Fonte: Acervo do IMASJM159.

Embora não tivesse a mesma importância estratégica dentro da dinâmica de internação


de novos pacientes na assistência psiquiátrica da cidade do Rio de Janeiro que o CPN, a
CJM prestava cuidados hospitalares a um número muito maior de pessoas (ver quadro 23).
Entretanto, essa diferença numérica de atendimento entre ambas as instituições diminuía
ano a ano ao longo da década de 1950. Uma possível causa seria a superlotação da Colônia,
segundo parte do relatório do CPN de 1957160, o que impossibilitaria a transferência de
doentes do CPN para Jacarepaguá e, consequentemente, causaria a superpopulação também
no Engenho de Dentro, inchando suas unidades de tratamento com o aumento do número de
pacientes internados. Contudo, os números de doentes transferidos do CPN a CJM durante
parte da segunda metade da década de 1950, variavam durante o período sem que
apresentassem qualquer padrão que demonstrasse a diminuição destas transferências. Por
outro lado, referente ao mesmo período, o número de entradas (admissões e readmissões) na
Colônia entre 1956 e 1960 manteve-se praticamente o mesmo – de 1744 para 1730 internos
– também apresentando altos e baixos durante este intervalo. A superlotação da CJM pode
ter dificultado a entrada de novos pacientes crônicos na instituição, ao mesmo tempo em que
a inauguração do edifício do Instituto de Psiquiatria do CPN e mais duas enfermarias de seu
Pronto Socorro Psiquiátrico161, a partir de 1955, teria aumentado sua capacidade de
atendimento e, consequentemente, de internação. Até o final de 1957 também não teria
ocorrido a transferência para a CJM de 250 pacientes crônicos do HGR, remanescentes do

159
Idem, p.36.
160
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 775/Env.6482. Relatório do CPN, s/p.
161
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 417/Env. 3106 . Relatório do SNDM Referente ao Ano de 1957. p. 18.
136

antigo Hospital da Praia Vermelha162, tal fato também contribuiu para o aumento de internos
do CPN. Por fim, cabe destacar a abertura em 1958 de 300 novos leitos no CPN contra
apenas 140 na CJM, embora a previsão fosse de pelo menos 400 leitos com a inauguração
dos Pavilhões de triagem e de Adolescentes em Jacarepaguá163.

Quadro 23: Comparação de internados no CPN e na CJM no último dia dos respectivos
anos (1953-1959)
Diferença
ANO CPN CJM em %
1953 1243 3853 209%
1954 1106 3723 236%
1955 1129 3752 232%
1956 1387 3963 185%
1957 1494 3964 165%
1958 1603 4107 156%
1959 1709 4145 142%

Fonte: Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais / Acervo do IMASJM164.

162
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 570/Env. 4554. Relatório de Atividades do SNDM do Ano de 1956. p. 8.
163
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/Env.4530. Relatório Apresentado Pelo Dr. Jurandyr Manfredini –
SNDM – 1955. pp. 5-6.
164
Botelho, 1955A, p.219; Idem, pp. 233-234; Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 370/Env.2558. Mapa de
Movimentação de Doentes 1956. s/p; Idem, 1956; Idem, IMASJM. Cx. 566/Env.4528. Relatório da Seção de
Cooperação 1960, Vol. II, s/p.
137

Quadro 24: Número de pacientes transferidos do CPN para a CJM (1956-1959)

Transferência do CPN a CJM.


Instituto de Psiquiatria Hospital Pedro II
Ano Homem Mulher TOTAL Ano Homem Mulher TOTAL
1959 59 79 138 1959 99 98 197
1958 80 65 145 1958 128 58 186
1956 10 29 39 1956 101 111 212
Hospital Gustavo Riedel Hospital de Neuro Sífilis
Ano Homem Mulher TOTAL Ano Homem Mulher TOTAL
1959 14 22 36 1959 24 10 34
1958 41 48 89 1958 36 12 48
1956 38 63 101 1956 5 4 9
Bloco Médico Cirúrgico Hospital de Neuro Psiquiatria Infantil
Ano Homem Mulher TOTAL Ano Homem Mulher TOTAL
1959 2 1 3 1958 2 4 6
1958 10 6 16 1956 10 0 10
1956 6 1 7
Total de Transferências do CPN para a CJM
Ano Homem Mulher TOTAL
1959 198 210 408
1958 297 193 490
1956 170 208 378

Fonte: Acervo IMASJM165.

165
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 715/Env. 5912. Órgãos do SNDM/Mapa de Movimentação de Doentes.
s/p; Idem, Cx. 975/ENV. 8289. Relatório do CPN – 1958, pp.14-19; Idem, Cx. 775/ENV. 6482. Relatório do CPN –
1959, pp.12-17.
138

Quadro 25: Número de pacientes admitidos na CJM (1956-1960)


Admissões na CJM
Total de
Ano Tipo de Entrada Homem Mulher TOTAL Entradas

Admissão 209 210 419


1956 1744
Readmissão 1026 299 1325
Admissão 334 225 559
1958 1867
Readmissão 978 330 1308
Admissão 270 259 529
1959 1651
Readmissão 793 329 1122
Admissão 286 291 577
1960 1730
Readmissão 765 388 1153

Fonte: Acervo IMASJM166.

Embora a disposição de seus órgãos internos e suas respectivas funcionalidades


apareça nos documentos analisados recorrentemente, com padrões bem definidos de
atuação, a posição da própria Colônia na lógica assistencial como destino final de pacientes
que tiveram seu estado mental cronificado não condiz com os números contidos nos mapas
de movimentações de pacientes. Segundo o regimento e os relatórios do SNDM e de seus
órgãos locais, nenhum outro hospital além do Instituto de Psiquiatria do CPN internava
diretamente os indivíduos que procurassem ajuda psiquiátrica na cidade ou que fossem
socorridos pelo Pronto Socorro Psiquiátrico do CPN167. Entretanto, ao compararmos o
quantitativo de pacientes transferidos do CPN para a CJM, entre 1956 e 1959 (quadro 24), e
o montante das admissões de internos da própria Colônia (quadro 25), encontra-se uma
diferença numérica crescente 168: tal diferença de 41 pacientes em 1956, passa a ser de 69
em 1958, alcançando o quantitativo de 121 em 1959. Esta diferença se deu pela ação das

166
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env. 4837. Mapas de Movimentos de Doentes – 1956-1967. s/p;
Idem, Cx. 975/ENV. 8291. Relatório da CJM – 1958, s/p; Idem, Cx. 567/ENV. 4535. Relatório da S.C – 1960, Vol.
I, s/p.
167
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.975 /Env. 8289. Relatório que apresenta o Dr. Ignacio da Cunha Lopes,
diretor do CPN, ao exmo Sr. professor H. Lopes Rodrigues Ferreira, diretor do SNDM, concernente ao período de
01 de janeiro a 31 de dezembro de 1958. P.6.
168
Para tal análise levei- em consideração apenas os números de admissões e não das readmissões na CJM, pois
entende-se esta última categoria como referente a de indivíduos que em período pretérito receberam alta, passando a
ser atendidos pelo seu ambulatório de higiene mental, mas que posteriormente apresentaram recaída em seus
quadros de saúde e que, portanto, tiveram que ser reinternados.
139

transferências de pacientes oriundos do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil


(IPUB), do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho (MJHC) e do Ambulatório de Higiene
Mental (AHM) da CJM169. Em relação aos dois primeiros não há nenhuma questão
inconforme, tendo em vista que o IPUB era uma instituição independente do SNDM, ligada
diretamente à Universidade do Brasil. Com relação ao MJHC, embora regimentalmente não
fosse previsto a transferência de seus internos para qualquer outro órgão do SNDM, tais
transferências não desviavam o foco de sua própria atuação, que era assistir e tratar
delinquentes condenados pela justiça com distúrbios mentais.

O AHM de Jacarepaguá, por sua vez, iniciou suas atividades em 11 de agosto de 1948,
e tinha como uma de suas funções a promoção da readaptação de egressos da Colônia, bem
como todos os pacientes passíveis de tratamento ambulatorial, além de orientar as famílias
dos matriculados, de modo que as mesmas não só cooperassem na assistência prestada a
seus parentes, mas que também ficassem sob a influência “benéfica e esclarecedora do
ambulatório”170. Sua outra função, fundamental para esta análise, concernia na assistência e
o tratamento dos candidatos à internação na Colônia e não a triagem de pacientes para o
CPN. Desse modo, consubstanciou-se como outra porta de entrada da assistência
psiquiátrica na cidade, embora, de menor envergadura, pois tinha função específica agir
como órgão auxiliar da CJM.

Neste sentido, o AHM da CJM tinha assim uma tríplice finalidade: a) intensificar as
altas; b) evitar ao máximo a internação indiscriminada dos pacientes que superlotariam
desnecessariamente a Colônia; c) servir de modelo de veículo de orientação e propaganda
psico-higiênica junto à população. Para tanto, a instituição cedia gratuitamente exame
clínico, laboratoriais, medicamentos, tratamentos psicoterápicos e tratamento somáticos171.
Localizava-se a 4,5 KM de distância da sede da CJM, e estava instalada no Largo do
Tanque, onde funcionava das 08:00 às 12:00, nas segundas, quartas e sextas. Tinha como
outras funções em sua sede, servir de posto de vigilância da Seção de Assistência aos
Evadidos e um posto de informações da CJM.

169
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.975 /Env. 8291. Súmula do Relatório de 1958 – CJM. s/p.
170
Idem.
171
Idem.
140

Pelo ofício nº 673, de 03/09/56 da Colônia foi solicitada ao então diretor geral do
SNDM a transferência deste AHM para a Seção de Cooperação, ficando a ela subordinada.
Do ponto de vista do diretor da CJM, Tratava-se de desastrosa estratégia, pois “esse
ambulatório, uma tradição da Colônia, era de real valia aos serviços da Colônia, e servia,
sobretudo, para a assistência aos nossos egressos, e para frear o alto índice de pedidos de
internação”172. Além disso, documentos do próprio ambulatório produzidos entre os anos de
1956 e 1958173, demonstram que a qualidade da assistência prestada declinou
significativamente, devido a problemas estruturais do prédio e à grave falta de
medicamentos, já que todo o material indispensável para o funcionamento do ambulatório
era fornecido pela CJM. Porém, em outubro de 1958, através do ofício 667 da própria
Colônia, foi pedida a reintegração do Ambulatório de Jacarepaguá a gama de unidades de
atendimentos que compunham a instituição. Tal solicitação foi aceita uma semana depois
pelo então diretor do SNDM, Dr. Lopes Rodrigues174 e também pelo chefe da Seção de
Cooperação, que possibilitou que este órgão central ficasse focado, a partir de então, apenas
na assistência em nível nacional, abrindo espaço para a exclusividade das ações dos órgãos
locais na cidade do Rio de Janeiro. A volta do AHM de Jacarepaguá para a subordinação da
CJM foi justificada sob dois pontos de vista: o primeiro da proximidade com a Colônia, e o
segundo da vantagem em desonerar a Seção de Cooperação de mais uma atividade.

“Não há inconveniente em que o AHM de


Jacarepaguá volte a subordinar-se à CJM. Vê-
172
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Diretor da CJM ao Diretor do SNDM - Assunto:
Ambulatório de Higiene Mental- 01/10/1958; ao chefe da Seção de Cooperação – 02/10/1958,. s/p.
173
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Do Chefe do AHM da CJM ao Chefe do Serviço de
Cooperação - Assunto: Vistoria do prédio- 19/12/1956, s/p; Idem, Assunto: relatório - 28/12/1956, s/p; Idem,
Assunto: fornecimento de medicamentos – 09/01/1957, s/p. Idem, 15/02/1957, s/p; Idem, Assunto: Relatório Anual –
30/11/1957, s/p.; Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Diretor da CJM ao Diretor do SNDM -
Assunto: Ambulatório de Higiene Mental- 01/10/1958; ao chefe da Seção de Cooperação – 02/10/1958,. s/p.
174 Originário do estado da Bahia, Lopes Rodrigues, em 1920, se transferiu da Faculdade de Medicina da Bahia para
a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro onde foi aluno de aluno de Henrique Roxo (1877-1969) e discípulo de
Juliano Moreira, se dividindo entre o ambiente acadêmico e o Hospital Nacional. Em 1926 é aprovado no concurso
para professor catedrático de Psiquiatria na Faculdade de Belo Horizonte. Em 1929, torna-se diretor do primeiro
hospital psiquiátrico de Belo Horizonte, o Instituto Raul Soares, inaugurado cinco anos antes. Acumulava, portanto,
os cargos de professor catedrático e diretor de hospital, algo inédito, até aquele momento no estado de Minas Gerais.
Além de ter ocupado tais cargos e, consequentemente ter adquirido grande notoriedade no meio assistencial e
acadêmico da psiquiatria, a grande originalidade do trabalho de Lopes Rodrigues está principalmente localizada na
introdução do tema da esquizofrenia nas discussões acadêmicas da psiquiatria brasileira daquela época, e na
transformação desses conhecimentos em prática assistencial. O psiquiatra tornou-se diretor do SNDM em 1958,
nomeado pelo então ministro da saúde Mário Pinotti (Silveira, 2009, pp. 83-84)
141

se apenas vantagens nesse processo, dada a


proximidade da Colônia, cuja administração
poderá prover com mais presteza às
necessidades daquele centro de psiquiatra
preventiva... Realmente não se justifica que a
S.C já assoberbada de responsabilidade com o
controle direto das atividades assistenciais e
preventivas nos estados, venha a ocupar-se
com a manutenção de Ambulatórios de Higiene
Mental no Distrito Federal175”.

Parece que o retorno do AHM de Jacarepaguá à administração da Colônia não


conseguiu sanar de imediato de imediato o pesado revés ocasionado por sua transferência
anterior para a S.C, tanto no que se refere à qualidade quanto a quantidade do atendimento
ofertado. Ao iniciar o governo JK, em 1956, havia uma tendência de crescimento no
número de atendimentos no ambulatório de Jacarepaguá ao menos desde 1954, entretanto, a
partir do ano seguinte até 1959 houve queda progressiva desses números que somente
voltou a apresentar crescimento em 1960, atingindo de qualquer modo patamares inferiores
aos de 1954176. Consequentemente o mesmo ocorreu no tocante aos diferentes tipos de
tratamentos realizados no ambulatório, estes com resultados ainda mais devastadores, pois
até o último ano do governo JK não apresentou crescimento, apenas queda. Conforme o
quadro 27, enquanto que ao longo do governo JK observa-se uma diminuição de 33,18% no
número de atendidos por este ambulatório, a quantidade de casos tratados apresentou queda
ainda maior, 79,98%.

Por outro lado, a diminuição dos atendimentos no ambulatório não representou uma
sobrecarga na assistência prestada pela Colônia, ao contrário, é possível que tenha ocorrido
o inverso, pois mesmo com o número de transferências entre o CPN e a CJM ter crescido
29% entre 1956 e 1958 ou 7% entre 1956 e 1959, o número de admissões na Colônia
cresceu 7% no primeiro período, enquanto que no segundo período apresentou queda de 5%.
Desse modo, a partir da análise de tais números em conjunto com uma de suas obrigações
legais – a de tratar e assistir candidatos a internação na CJM sem passar pelo Instituto de

175
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Resposta da Seção de Cooperação sobre o pedido de
cessão do AHM à Colônia Juliano Moreira. S/p.
176
Não foi localizado nenhum mapa de movimentação de doentes do Ambulatório de Higiene Mental de
Jacarepaguá anterior ao ano de 1953.
142

Psiquiatria do CPN – é possível interpretar que este ambulatório de Jacarepaguá


consubstanciou-se, de fato, como outra porta de entrada à assistência do SNDM na cidade
do Rio de Janeiro, e que, portanto, fechada, teria influenciado na diminuição do fluxo de
pacientes recebidos pela Colônia.

Quadro 26: Movimentação de doentes do AHM da CJM (1954-1960)

1954 1955
Consultas Homens Mulheres Crianças Total Consultas Homens Mulheres Crianças Total
Primeira 41 95 31 167 Primeira 37 101 36 174
Segunda 307 1020 277 1604 Segunda 336 1122 234 1692
TOTAL 348 1115 308 1771 TOTAL 373 1223 270 1866
1956 1957
Consultas Homens Mulheres Crianças Total Consultas Homens Mulheres Crianças Total
Primeira 36 77 29 142 Primeira 9 43 14 66
Segunda 412 1063 258 1733 Segunda 349 756 163 1268
TOTAL 448 1140 287 1875 TOTAL 358 799 177 1334
1958 1959
Consultas Homens Mulheres Crianças Total Consultas Homens Mulheres Crianças Total
Primeira 19 47 17 83 Primeira 27 58 13 98
Segunda 338 762 145 1245 Segunda 309 592 72 973
TOTAL 357 809 162 1328 TOTAL 336 650 85 1071
1960
Consultas Homens Mulheres Crianças Total
Primeira 42 83 10 135
Segunda 333 711 74 1118
TOTAL 375 794 84 1253

Fonte: Acervo IMASJM177.

177
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Mapa de Movimentação de Doentes 1954– AHM/CJM.
S/p.; Idem - 1955; Idem – 1956; Idem – 1957; Idem – 1959; Cx. 975/Env. 8291. Súmula do Relatório de 1958 -
CJM. S/p; Cx. 567/Env. 4535. Relatório da Seção de Cooperação de 1960. S/p.
143

Quadro 27: Tratamentos realizados no AHM da CJM (1954-1960)

1954 1955
Tratamentos Homens Mulheres Crianças Total Tratamentos Homens Mulheres Crianças Total
Eletrochoque 28 59 7 94 Eletrochoque 28 36 3 67
Cardiazol 0 Cardiazol 0
Insulina 8 26 34 Insulina 7 37 44
Malária 1 3 4 Malária 0
Piretógenos 0 Piretógenos 0
Curativos/Fisioterapia 13 71 3 87 Ondas Curtas 17 17
Injeções 364 1514 71 1949 Injeções 449 1597 60 2106
TOTAL 414 1673 81 2168 TOTAL 484 1687 63 2234
1956 1957
Tratamentos Homens Mulheres Crianças Total Tratamentos Homens Mulheres Crianças Total
Eletrochoque 63 66 52 181 Eletrochoque 33 69 23 125
Insulina 31 0 0 31 Cardiazol 0 0 0 0
Fisioterapia
(infravermelho) 29 23 7 59 Insulina 0 0 0 0
Injeções 890 1722 133 2745 Malária 0 0 0 0
TOTAL 1013 1811 192 3016 Piretógenos 0 0 0 0
Diversos
1958 (infravermelho) 43 10 0 53
Tratamentos Homens Mulheres Crianças Total Fisioterapia 0 20 9 29
Eletrochoque 30 29 7 66 Injeções 705 1167 93 1965
Cardiazol 0 0 0 0 TOTAL 781 1266 125 2172
Insulina 0 0 0 0 1959
Malária 0 0 0 0 Tratamentos Homens Mulheres Crianças Total
Piretógenos 0 0 0 0 Eletrochoque 10 32 1 43
Diversos 0 0 0 0 Cardiazol 0
Injeções 256 833 42 1131 Insulina 0
TOTAL 286 862 49 1197 Malária 0
1960 Piretógenos 0
Tratamentos Homens Mulheres Crianças Total Fisioterapia 8 22 0 30
Eletrochoque 36 32 0 68 Injeções 153 456 1 610
Cardiazol 18 8 0 26 TOTAL 171 510 2 683
Insulina 0 0 0 0
Malária 0 0 0 0
Piretógenos 0 0 0 0
Diversos 0 0 0 0
Injeções 208 301 1 510
TOTAL 262 341 1 604

Fonte: Acervo IMASJM178

178
Idem.
144

Outra questão de necessária análise, ainda no tocante a diminuição da prestação de


serviço do ambulatório de Jacarepaguá refere-se ao destino dos pacientes que seriam
encaminhados a este órgão. Onde essas pessoas passaram a buscar assistência com a
diminuição dos serviços prestados por este ambulatório? Ao observar o número de
primeiros atendimentos no Instituto de Psiquiatria do CPN entre 1955 e 1960 percebe-se um
aumento de 19%, de 2518 internações para 3006179. No mesmo período, o ambulatório de
Jacarepaguá apresentou queda de 22%, de 174 para 135 atendimentos, embora este número
de 135 representasse uma recuperação, pois desde 1958 é possível observar um aumento no
número de atendimentos: 83 (1958), 98 (1959) e 135 (1960)180.

O aumento de atendimentos realizados pelo Instituto de Psiquiatria do CPN em


proporção inversa à queda do quantitativo de atendimentos do AHM de Jacarepaguá num
mesmo período – tendo em vista as atividades semelhantes que desempenhavam – deve ser
melhor analisado. Conforme o quadro 28, é possível perceber que o ambulatório de
Jacarepaguá atendia basicamente a indivíduos oriundos de sua própria região. Entre 1956 e
1958 a média de atendimentos dos pacientes de Jacarepaguá foi de 83%. Portanto, levando
em consideração que a região era predominantemente rural neste período e que, houvesse
dificuldade de locomoção das pessoas, não é possível afirmar que seus pacientes de forma
natural migrassem para o ambulatório do IP/CPN. Outra consideração a ser feita é no
tocante ao aumento da demanda sobre os serviços psiquiátricos na cidade, sobretudo o
próprio CPN, conforme citado anteriormente neste trabalho. Sendo assim, o aumento dos
primeiros atendimentos no AHM do IP/CPN pode ter ocorrido, simplesmente, devido ao
aumento da demanda sobre seus serviços, independente da menor ação de qualquer outro
órgão na cidade do Rio de Janeiro. Portanto, não é possível afirmar que os indivíduos que
seriam atendidos pelo AHM de Jacarepaguá passaram a ser atendidos pelo AHM do
IP/CPN. Além disso, é necessário também considerar a hipótese de que algumas dessas
pessoas não tiveram qualquer tipo de assistência durante este período, o que poderia
acarretar na aceleração de seu processo de cronificação ou na piora de seu estado mental.

179
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Relatório Anual da S.C – 1955. s/p; Cx. 567/Env. 4535.
Relatório da S.C – 1960. s/p.
180
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Mapa de Movimentação de Doentes 1955– AHM/CJM.
S/p.; Idem – 1956; Idem – 1957; Idem – 1959; Cx. 975/Env. 8291. Súmula do Relatório de 1958 - CJM. S/p; Cx.
567/Env. 4535. Relatório da Seção de Cooperação de 1960. S/p.
145

Quadro 28: Doentes matriculados no AHM de Jacarepaguá por bairros de procedência


(1956-1958)

Bairros 1956 1957 1958


Bangu 0 0 2
Bento Ribeiro 1 0 0
Campo Grande 0 1 1
Cascadura 1 0 0
Catumbi 0 1 0
Deodoro 1 0 0
Engenho de Dentro 0 1 0
Inhaúma 1 0 0
Irajá 0 1 0
Jacarepaguá 119 55 65
Madureira 0 1 2
Marechal Hermes 4 1 1
Nova Iguaçu 2 0 0
Nilópolis 1 0 0
Olaria 0 1 0
Olinda 0 1 1
Oswaldo Cruz 0 1 0
Penha 0 0 2
Piedade 0 0 2
Realengo 2 0 1
Ricardo de Albuquerque 0 0 1
Rocha Miranda 1 0 0
Santa Cruz 1 1 0
S. Cristovão 0 0 1
S. João de Meriti 1 0 0
Senador Camará 0 0 1
Turiassú 0 0 1
Vaz Lobo 0 0 1
Vicente de Carvalho 0 0 1
Vila Isabel 1 0 0
TOTAL 136 65 83

Fonte: Acervo IMASJM181

181
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598 /Env.4837. Mapa de Movimentação de Doentes - 1956. s/p; Idem,
1957, s/p; Cx. 975 /Env.8291. Súmula do Relatório de 1958 – CJM. s/p.
146

3.4 A permanência das mazelas assistenciais psiquiátricas na cidade do Rio de Janeiro


A assistência psiquiátrica prestada pelo SNDM no Distrito Federal durante o período
da administração Kubitscheck apresentou graves problemas estruturais, embora por outro
lado, tenha sido um momento de expansão de seus serviços, em relação ao número de leitos
e de atendimentos, tal como, ocorreu nos estados da federação por meio da celebração de
convênios entre o SNDM e os governos estaduais. Os problemas não eram originários do
referido período, mas sim arrastavam-se desde governos pretéritos. No relatório da Seção de
Cooperação referente a 1955, produzido em 07 de janeiro de 1956, portanto, menos de um
mês antes da posse de JK na presidência da república, o chefe desta seção, o Drº Deusdedit
Araújo inicia o relatório dizendo:

“Desta vez, porém, preferimos não nos


deter... sobre os aspectos que consideramos
negativos. Eles já foram apontados várias
vezes e seria enfadonho repetir truísmos.
Diríamos apenas que os fatos persistem, na
sua realidade, na sua insolvência e nas suas
conseqüências”182.

Também sobre o ano de 1955, o relatório do SNDM apresentado por Jurandyr


Manfredini183 e enviado ao DNS, apontava três principais problemas da assistência prestada
pelo órgão: a precária situação do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho (MJHC), a grave
carência de pessoal e a paralisação de algumas obras importantes como a do Pavilhão de
Pesquisas da Colônia Juliano Moreira e do Hospital Psiquiátrico da Praia Vermelha.
Afirmam, contudo, que foram dados importantes passos para a solução destes problemas,
mas sem explicitar quais.

No caso do MJHC, as ações tomadas a fim de recuperá-lo ainda estavam no campo dos
acordos políticos e não da ação em si. Uma “longa” exposição de motivos, feita pela

182
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 540 /Env. 4321 . Relatório da Seção de Cooperação – 1955. p. 1.
183
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566 /Env. 4530. Relatório do SNDM – 1955. p. 2.
147

direção do SNDM, em 18 de março de 1955184, ao diretor do DNS sobre a situação do


Manicômio produziu um entendimento entre os Ministérios da Saúde e da Justiça, sendo
criada uma comissão interministerial para propor várias medidas, entre elas a cessão
definitiva ao Ministério da Justiça de um prédio existente à rua Frei Caneca, na região
central da cidade do Rio de Janeiro, abandonado a vários anos, em que planejava-se instalar
o novo manicômio judiciário. Em contrapartida o Ministério da Saúde receberia a cessão de
ampla área de terreno que ficava à direita do edifício do MJHC que serviria para futura
ampliação do mesmo. Em outubro de 1955185, o diretor do Manicômio, com o apoio da
direção do SNDM, obteve do então ministro da saúde Aramis Athayde, o reaproveitamento
da verba de Cr$ 3.000.000,00 que havia sido cortada do orçamento de obras pelo plano de
economia elaborado pelo DASP no início do referido ano. Com essa importância planejava-
se a construção do Pavilhão anexo ao edifício-sede que teria 42 celas individuais, “similares
as do presídio e da penitenciária”186. Tal verba já teria sido aprovada no momento da
escrita deste relatório, o que possibilitava a projeção de outros feitos visando a melhoria do
MJHC, tais como: a construção de um novo e grande prédio hospitalar na área à direita do
terreno cedido pelo acordo inter-ministerial ao Ministério da Saúde que abrigaria a seção
masculina; e adaptação ou total reconstrução do prédio que funcionava como edifício-sede
para ser a seção feminina (até o final do período JK inexistente). Porém, além da ampliação
do MJHC era necessário também, segundo a direção do SNDM naquele momento, a
construção de um segundo manicômio judiciário de caráter rural na Colônia Juliano Moreira
para os casos crônicos e de internação indefinida. Pois:

“Só dispondo de seções novas e


confortáveis para os dois sexos;
transformando o atual MJ urbano em um
centro de agudos, para o limitado tempo de
observação e perícia (no máximo 3 meses),
criando um Manicômio para crônicos, com
grande espaço e possibilidades praxiterápicas,
- , poderá esse órgão do SNDM ficar em

184
A existência dessa longa exposição é citada no seguinte documento: Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566
/Env. 4530. Relatório do SNDM – 1955. p. 4. Entretanto, na busca realizada por mim no Acervo IMASJM não
consegui localizar a fonte primária que contém tal exposição de motivos.
185
Idem.
186
Contudo, não informa qual penitenciária ou presídio.
148

condições de atender, com real eficiência, aos


seus objetivos”187.

No tocante ao problema de pessoal, constata-se que havia um alarmante déficit em


consequência de vagas continuamente abertas e não preenchidas, ocasionadas devido às
mortes, aposentadorias, demissões, licenças, etc. Tal fato prejudicava cada vez mais o
funcionamento dos órgãos do SNDM, tornando-se urgente a obtenção de pessoal suficiente
para equipar os vários novos órgãos que estavam com suas construções em fase final. A
responsabilidade por este déficit foi atribuída, ainda segundo o relatório do SNDM de
1955188, a dois motivos: a suspensão de todos os concursos pelo DASP e a aprovação e
sanção do decreto 36.209, de 20/09/1954, que proibiu a admissão de pessoal extranumerário
(sem concurso). A partir desses fatores viu-se, portanto, aumentar progressivamente o
número de vagas sem a possibilidade de preenchê-las. “Desse modo, afetou-se a vida
interna dos órgãos nas mais simples tarefas como vigilância e guarda de doentes, como
acontece neste momento no Hospital de Neuro-Psiquiatria Infantil e no HGR”189. Sendo
assim, a diretoria do SNDM, neste relatório, expõem sua insatisfação considerando o
decreto que impossibilitava as contratações, injusto e mal avisado, pois originou embaraços
aos serviços que por sua natureza deveriam ser excluídos de qualquer restrição.
Principalmente porque esse quadro de insuficiência de pessoal era de conhecimento do DNS
ao menos desde 1951, quando em relatório anual do SNDM190 já havia sido informado que
o número de servidores era insuficiente, e estava desfalcado por falta de nomeações, e de
admissão de pelo menos 175 servidores. E que, portanto, a persistir tais condições deixariam
de funcionar serviços que estavam sendo inaugurados durante aquele momento e outros que
estavam prestes a entrar em funcionamento por falta de servidores indispensáveis às
atividades do SNDM. No relatório do SNDM de 1952, Adauto Botelho191 já afirmava que
era demasiadamente penosa essa carência. Com a ampliação dos serviços psiquiátricos, o
pessoal necessário a vigilância e assistência aos doentes vêm declinando, tanto pela

187
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566 /Env. 4530. Relatório do SNDM – 1955. p. 4-5.
188
Idem. pp. 5-6.
189
Idem.
190
BOTELHO, Adauto. Relatórios do SNDM em 1951, 1952 e 1953. In: Arquivos do Serviço Nacional de Doenças
Mentais. 1955A, vol. IV, nº 4, p. 199.
191
Idem. pp. 223-224.
149

limitação de 8 horas trabalhadas diárias quanto pela aposentadoria ou falecimento de


servidores. E aponta com tom de negatividade que tais faltas era o maior pesadelo para o
diretor do SNDM, que não encontrava meios para supri-las, mesmo apelando
constantemente aos órgãos competentes do então Ministério da Educação e Saúde.

Ao longo de 1955, os problemas de pessoal qualificado foram potencializados porque


o déficit ocorria logo no momento em que o SNDM se preparava para por em
funcionamento novas unidades no Distrito Federal: o Pavilhão de Administração do MJHC,
400 novos leitos no Instituto de Psiquiatria do CPN e os Pavilhões de Administração, de
Triagem (masculino e feminino, 100 leitos cada) e de Adolescentes (masculino e feminino,
100 leitos cada) na CJM. O relatório anual de 1955 chegou a citar estudo feito com os
diretores dessas instituições192, que concluiu sobre a necessidade de cerca de 300 servidores
novos (entre médicos, técnicos, mas principalmente guardas, atendentes e trabalhadores).
Neste sentido, no intuito de assegurar o funcionamento dos órgãos, o SNDM teve que
recorrer, “com grande pesar”, a admissão pela verba 3 (sem concurso), que possibilitou a
contratação de 135 novos servidores, fazendo funcionar alguns serviços e a ampliação de
outros193.

Além das contratações em número insuficientes de profissionais para trabalharem nos


estabelecimentos psiquiátricos do SNDM, o déficit de profissionais qualificados era
atribuído a outro viés, isto é, a formação de psiquiatras em número insuficiente, embora a
medicina psiquiátrica vivesse na década de 1950 um período de expansão da sua atuação no
país. As cátedras de clínica psiquiátrica no ano de 1955 somavam 20, entre as faculdades de
medicina no Brasil, e utilizavam-se das sedes dos hospitais psiquiátricos, procurando
ministrar o ensino prático aos seus alunos. O DNS, por sua vez, realizava todos os anos,
cursos de especialização em psiquiatria destinados a médicos que já concluíram sua
graduação. Como vimos as pesquisas psiquiátricas, e também psicanalíticas, eram alvo de
interesse de especialistas e dos serviços oficiais: o projeto para instalarem em São Paulo e
no Rio de Janeiro, verdadeiros centros de pesquisas psiquiátricas era exemplo disso, ainda
que, no Rio de Janeiro, tal centro parece não ter sido instalado. Portanto, embora a

192
Não foi localizado nenhum documento que contivesse tal estudo.
193
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566 /Env. 4530. Relatório do SNDM – 1955. p. 5-6.
150

assistência aos doentes mentais se desenvolvesse a passos largos no Brasil, esse crescimento
não era correspondido na mesma velocidade pela formação de mão de obra qualificada, o
que somado com os poucos recursos materiais e técnicos194, impossibilitavam o alcance da
excelência na assistência prestada a sua população mais necessitada que dependiam dos
serviços públicos psiquiátricos. Ainda em 1951, a oferta de mão de obra não era suficiente
para acompanhar o ritmo da oferta e demanda por leitos. Neste ano, somente na capital o
SNDM carecia de no mínimo mais 150 serventes, 100 guardas, 200 auxiliares de
enfermagem, 100 enfermeiros e 50 médicos, além de artífices, trabalhadores, auxiliares de
praxiterapia, dentistas, farmacêuticos, inspetores e professores195. Dessa forma, já se
alertava para o fato de que as novas unidades não poderiam funcionar por falta de
pessoal196. Quatro anos depois, em 1955 uma análise realizada pelo próprio SNDM
confirmava esse panorama:

“A média de 1 psiquiatra para cada 50


doentes internados, não é ainda suficiente,
entretanto, em países cujo estado financeiro
não facilita melhor distribuição de técnicos,
poderá ser aceitável no momento atual. Nesta
base deveríamos contar no mínimo com 800
psiquiatras para atender aos 40 mil doentes
internados no Brasil. Porém, se atendermos a
necessidade de 120.000 internações, este
número deveria ser 3 vezes maior, isto é, 2400
psiquiatras. Entretanto, o país dispõe, no
momento, de aproximadamente 120
estabelecimentos psiquiátricos, que, por lei,
devem ser dirigidos por médicos que sejam
psiquiatras, desse modo, devem ser acrescidos
120 psiquiatras, num total de 2520, para que
se possa atender 120 mil doentes mentais”197.

Outro problema relatado nos documentos consultados, também com alto grau de
gravidade, estava relacionado especificamente aos serviços do SNDM no Distrito Federal.

194
BOTELHO, Adauto. Necessidades de Psiquiatras Para a Saúde Pública. In: Arquivos do Serviço Nacional de
Saúde Mental. 1955B, 1955, Vol. IV, Nº 1, p. 17
195
Botelho (1955B, p. 202).
196
Idem. p. 203
197
BOTELHO, Adauto. Necessidades de Psiquiatras Para a Saúde Pública. In: Arquivos do Serviço Nacional de
Saúde Mental. 1955B, 1955, Vol. IV, Nº 1. p. 18.
151

Também em 1955, foram expostas as apreensões no tocante ao recolhimento de psicopatas


pela Polícia Civil, a superlotação crescente dos órgãos hospitalares e os transportes dos
órgãos do SNDM na capital federal198. Em relação ao primeiro, a administração do SNDM
por Jurandyr Manfredini sabia da existência destes recolhimentos de psicopatas pobres e
indigentes realizados pela Polícia Civil. Por este motivo, na dotação orçamentária de
1955199, portanto, elaborada ainda em 1954, na gestão de Jurandir Manfredini, o SNDM
solicitava um aumento substancial para a obtenção de veículos que possibilitassem a criação
de dois postos de Pronto Socorro Psiquiátrico, um em Engenho de Dentro e outro na Praia
Vermelha (este provisoriamente no Hospital de Neuro-Sífilis). Porém, criticando
diretamente e de forma veemente o Departamento Administrativo do Serviço Público
(DASP), afirmou-se que tal verba fora reduzida. Manfredini mantinha a esperança de que
conseguiria criar ao menos um Pronto Socorro Psiquiátrico na cidade, o que de fato ocorreu
em 13 de agosto de 1955, no Centro Psiquiátrico Nacional. Fato que contou com a presença
do Ministro da Saúde no momento, Drº Aramis Ataide200.

“infelizmente, o DASP, como sempre


acontece, não compreendeu a importância
dessa inovação e, do alto de sua proverbial
suficiência, reduziu consideravelmente a
dotação pedida. De qualquer modo, ficamos
com a esperança de criar ao menos um posto
de Pronto Socorro Psiquiátrico”201.

Sobre a superlotação nos serviços existentes na cidade do Rio de Janeiro, o relatório


aponta quatro causas: o aumento vertiginoso da população metropolitana em torno da cidade
do Rio de Janeiro; impossibilidade material de aumentar o número de leitos disponíveis em
paralelo com o crescimento de habitantes; extrema dificuldade em mobilizar a enorme
quantidade de doentes crônicos a longos anos “encistados” no Hospital Pedro II e no HGR;
por último, o preço cada vez mais alto dos estabelecimentos psiquiátricos particulares,
tornando proibitiva a internação das classes mais baixas. Por este motivo, procuravam o

198
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566 /Env. 4530. Relatório do SNDM – 1955. p. 7.
199
O número datilografado originalmente era 1956, porém há uma correção feita a caneta indicando que o ano
realmente desta dotação orçamentária foi 1955.
200
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566 /Env. 4530. Relatório do SNDM – 1955. p. 7.
201
Idem.
152

serviço público também pessoas das classes mais altas. Indício das provas da superlotação
foi a inauguração, em agosto de 1955, 100 leitos novos no CPN (1º andar do Instituto de
Psiquiatria do CPN) que em pouco tempo foram todos ocupados, preocupando a direção do
órgão sobre qual destino se daria aos internos que chegassem ao serviço de admissão e
triagem a partir de então202.

Ainda neste relatório sobre as atividades do ano de 1955 é citado um estudo realizado
pelo próprio SNDM203, que conclui que o Distrito Federal precisaria, naquele momento, de
no mínimo de 10.000 leitos, o que corresponderia a 3 ou 4 leitos por mil habitantes.
Contudo esse número deveria ser elevado para 12.000, tendo em vista que os órgãos do DF
recebem pacientes de todas as regiões circunvizinhas do DF (cidades fluminenses limítrofes
e algumas paulistas e mineiras). Na realidade dispunha-se de apenas de 4000 leitos,
concluindo-se que estivessem com um déficit de 7000 a 8000 leitos, o que tenderia a
aumentar se não houvesse intervenção204. Desta forma, a partir deste estudo, concluiu-se que
algumas medidas deveriam ser tomadas no intuito de ampliar a capacidade quantitativa da
assistência na cidade, tais como: a expansão imediata da CJM, criando-se ali mais dois
núcleos pavilhonares, além dos quatro já existentes, de modo a aliviar o peso dos doentes
crônicos imobilizados no CPN; transformar definitivamente o HGR em hospital de agudos,
com iguais características e finalidades que as do Hospital Pedro II (neste momento o HGR
abriga massa considerável de crônicos, antigos pacientes do velho Hospício Nacional de
Alienados); e como última proposta, sugere-se também a criação de outra colônia, pois
previa-se que em breve a CJM teria sua capacidade esgotada e perderia suas características
coloniais se acumulasse um número excessivo de pacientes, a exemplo do que teria ocorrido
com o Hospital do Juquery em São Paulo205.

Portanto, a superlotação desses órgãos causava um duplo prejuízo na assistência, além


de diminuir a qualidade dos atendimentos, também criava a dificuldade de atendimento a
novos pacientes ou aos que regressavam para o sistema psiquiátrico. Este quadro

202
Idem. p. 10.
203
Não foi localizado nenhum documento que apresentasse na íntegra tal estudo.
204
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566 /Env. 4530. Relatório do SNDM – 1955. p. 11.
205
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566 /Env. 4530. Relatório do SNDM – 1955. p. 11.
153

estabelecia-se ao menos desde o final de 1950206, e era denunciado no ano seguinte, em


relatório das atividades do SNDM referente a 1951207. Neste documento, afirma-se que,
naquele momento, continuava em ritmo crescente as atividades do SNDM, tendendo a
crescer ainda mais. O número de leitos aumentava ano a ano forçado pelas necessidades,
não apenas pela ampliação dos hospitais públicos, mas, sobretudo, pela iniciativa privada e,
principalmente com o aparecimento de casas de saúde privadas em todo o território
nacional. Porém, tal expansão estava sendo dificultadas devido à carência de pessoal
necessário à assistência e à vigilância dos doentes nos órgãos hospitalares.

Os problemas na área dos transportes causavam graves embaraços no tocante a


dinâmica dos serviços prestados, sobretudo pelo CPN e a CJM, já que estes eram órgãos
localizados em grandes áreas distantes do centro urbano, precisando, portanto, estar
providos de veículos suficientes não só para transporte dos seus servidores e para atender
aos vários serviços internos de almoxarifado, aprovisionamento, transferência de doentes,
etc. Durante boa parte de 1955 aqueles órgãos não tiveram veículos para transportar
funcionários (sobretudo no caso da CJM). Porém a partir dos últimos meses deste ano, essa
situação foi sendo solucionada pelo menos de forma provisória. A CJM obteve um Jeep e
uma caminhonete e o CPN uma caminhonete. Além disso, obtiveram uma verba de Cr$
5.200.000,00 que o então ministro da saúde Aramis Ataíde, concedeu, possibilitando a
aquisição de 2 ambulâncias, 2 micro-ônibus e mais 1 caminhonete. A dotação orçamentária
de 1956 fornecia Cr$ 1.900.000,00 – a metade do valor solicitado – para a aquisição de mais
alguns veículos, ao menos 2 caminhões e outro micro-ônibus. Tais auxílios também
resolveriam um problema antigo e difícil: o da aquisição de transporte próprio para a Escola
de Enfermagem Alfredo Pinto que, dessa forma, poderia levar seus alunos aos vários
estágios a serem realizados em hospitais208. Este era o quadro da assistência pública
psiquiátrica prestada pelo SNDM na cidade do Rio de Janeiro, no momento em que
Juscelino Kubitscheck assume a presidência da república.

206
Botelho, 1955b, p. 197.
207
Botelho, 1955b, pp. 192-193.
208
Idem. pp. 12-13
154

Ao longo do período da administração JK os relatos acerca dos problemas na


assistência estenderam-se a outras áreas. Ao tomar posse a nova diretoria do SNDM, em 08
de março de 1956, uma das primeiras providências foi a realização de inspeções em
hospitais e ambulatórios de higiene mental em todo o país. No Distrito Federal, o diretor do
órgão, o recém empossado Drº Lysânias Marcelino da Silva ao fazer a inspeção na cidade
teve a companhia do próprio ministro da saúde, o psiquiatra Maurício de Medeiros, ex
diretor do Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil entre 1946 e 1956209. Após tais
inspeções chegaram a seguinte conclusão:

“Não poderíamos dizer com certeza qual


dos magnos problemas que assoberbavam o
Serviço seria o maior. Das deficiências em
pessoal e material aos problemas da
alimentação dos pacientes, do processamento
administrativo ao nível de produtividade
científica-cultural do corpo técnico, estavam
todos a exigir uma revisão de base e o
estabelecimento de diretrizes capazes de
equacionarem a assistência aos doentes
mentais em termos de uma solução senão
completa pelo menos razoável”210.

De acordo com as regulares queixas dos sucessivos diretores do SNDM e seus órgãos
subordinados, é possível afirmar que a falta de pessoal especializado era um problema
crônico dessa assistência, antes e durante a administração JK, pois estava presente em todos
os relatórios do SNDM211 e de sua Seção de Cooperação212 pesquisados para este trabalho.
No entender das autoridades do SNDM a dificuldade de alcançar um modelo de excelência
passava, sobretudo, pela dificuldade de se conseguir preencher de maneira minimamente
satisfatória o quadro de servidores. Tal problemática não foi solucionada, pelo menos até o
final do governo JK. Em justificativa orçamentária do SNDM para o ano de 1960, portanto,
elaborada em 1959, o item 7 desta proposta indicava que era necessário obter o pessoal
necessário (médico, técnico, administrativo e “subalterno”) para dar solução à grave crise

209
VENANCIO, A. T. A.: .Ciência psiquiátrica e política assistencial: a criação do Instituto de Psiquiatria da
Universidade do Brasil. História, Ciências, Saúde . Manguinhos, vol. 10(3): 883-900, set.-dez. 2003. p. 896.
210
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 417 /Env. 3106. Relatório do SNDM – 1956. p. 3.
211
Referente aos anos de 1955, 1956, 1957 e 1959.
212
Referente aos anos de 1955, 1958 e 1960.
155

atualmente que existia em todos os órgãos e que emperrava sobremaneira as rerspectivas


atividades213.

Esta dificuldade em repor os quadros que compunham o SNDM se dava


provavelmente muito em função da vigência de decretos que entre 1954 a 1958 dificultavam
a contratação de profissionais para o órgão. Em 1954, o decreto-lei 36.209, de 20 de
setembro, suspendia por prazo indeterminado a contratação de pessoal extranumerário, ou
seja, sem concurso. Em 1958, o decreto 43716, de 19 de maio, era mais rigoroso que o
referente a 1954, pois vedava a admissão ou nomeação de qualquer natureza ou categoria
remunerada no serviço público da União. Tal ordem vigoraria até o dia 03 de outubro do
mesmo ano, quando um novo decreto, de número 44.606, de 4 de outubro de 1958, o
prorrogaria por mais 180 dias.

. Ao longo do governo JK, os relatórios anuais produzidos pelo SNDM e seus órgãos
subordinados, demonstravam o estabelecimento de um quadro catastrófico, ou pelo menos,
que tal quadro estivesse se formando o que levaria o sistema assistencial psiquiátrico a
entrar em colapso futuramente. Em 1958, a falta de funcionários era generalizada. O MJHC
contava “apenas com uma guarda de 5 homens para manter a vigilância durante 24 horas,
a 160 internados. Torna-se necessário que esse número seja dobrado, para atender a
manutenção da ordem”214. No caso do corpo de enfermagem do manicômio o quadro era
ainda pior, pois não havia “corpo”, já que contavam com apenas “um enfermeiro para
atender o mesmo número de paciente, durante 24 horas”215. Faltava ainda pessoal na
secretaria e no setor pericial216.
Também em 1958, a o relatório anual da Colônia Juliano Moreira enviado ao SNDM,
ao definir suas “necessidades e aspirações” para o ano seguinte217, pontua como o mais
importante a situação do quadro de pessoal daquela instituição assistencial. Apontava ainda

213
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 616 /Env. 5014. Justificativa da Proposta Orçamentária – 1960. s/p.
214
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env. 8290. Relatório do Manicômio Judiciário Heitor Carrilho–
1958. p. 4.
215
Idem.
216
Ibidem.
217
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env. 8291. Súmula do Relatório da Colônia Juliano Moreira– 1958.
p. 6, 1958.
156

a incapacidade dos órgãos gestores da saúde pública na década de 1950 em solucionar esse
problema.

“Pessoal, deficientíssimo em número e já


com boa parte dos servidores atingindo a
idade limite para se aposentar, aliado a super-
lotação de enfermos; as necessidades neste
capítulo foram circunstanciada em 1954
(relatório anual); apesar de março de 1956
termos atingido a cifra de 672 servidores, esta
fica distante do mínimo exigido que pediu-se
naquele relatório - 1074 servidores. Este é o
problema nº 1 da Colônia”218.

A falta de pessoal atingia ainda a Clínica de Orientação da Infância (COI) que ao


longo da década de 1950 também passava por um processo de expansão de suas atividades e
encontrava limites impostos tanto pela carência quantitativa e qualitativa de pessoal quanto
pela pequena dotação orçamentária219. Problemas esses, relatados ainda nos anos anteriores
ao período JK que perduraram ao longo desta administração.

Dois episódios distintos relacionados à percepção da baixa qualidade dos serviços


prestados na cidade demonstram que para os dirigentes do SNDM e suas instituições o
modelo vigente se toranva insustentável sob aquelas condições materiais, as quais não
correspondiam às reais demandas da sociedade que deveriam servir. Diante do quadro
caótico de suas instalações, por exemplo, a direção da EEAP resolveu não abrir inscrições
para alunos que desejariam fazer a primeira série dos cursos de enfermagem e auxiliar de
enfermagem durante os anos de 1956220 e 1957221. No ano seguinte, em relatório anual da
COI de 1958, assinado por sua diretora, Dr. Rosita Teixeira de Mendonça, relata-se uma fila
de espera de 130 crianças esperando atendimento na Clínica. Até então, o trabalho do órgão
funcionava “nos moldes das clínicas infantis inglesas”, em bases de tratamento

218
Idem.
219
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 366/Env. 2526. Relatório Anual da Clínica de Orientação da Infância –
1956. p. 1.
220
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 417/Env. 3106. Relatório Anual do SNDM – 1956. p. 9.
221
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 920/Env.7738.– 1957. Relatório da EEAP, referente aos meses de janeiro,
fevereiro e março de 1957. s/p.
157

individual222. Percebe-se, então, que esse modelo não poderia satisfazer as necessidades da
comunidade a qual assistiam caso não mudassem de orientação. Desse modo, ao invés de
somente atenderem os casos de desajustamento escolares, tomaram a iniciativa de não
recusarem os “pacientes” portadores de doenças mentais. Essa estratégia apoiava-se na
percepção de um quadro geral da assistência psiquiátrica infantil defeituosa na cidade, pois
a população não tinha opção ao buscar tratamento para seus filhos. Neste sentido, “se a
comunidade dispusesse de fartos recursos... seria compreensível tal tipo de clínica, digna
dos padrões universitários”223. No entanto, a realidade objetiva mostrava-se mais perversa
com os que mais necessitariam de ajuda estatal, pois ao recusar “tais doentes, ficavam eles
desprovidos de quaisquer possibilidades de tratar-se, pois nem mesmo os chamados
depósitos de loucos existiam para crianças doentes mentais”224. Entretanto, a concretização
desta nova política da COI, esbarrava exatamente no ponto que empobrecia a qualidade da
assistência prestada pelo SNDM, a falta de pessoal. No momento desta inflexão, a clínica
contava apenas com uma única médica que cumpria as funções de pediatra, psiquiatra, chefe
de clínica, supervisora “e, por que não dizer? De dona de casa encarregada que é da
conservação do material”225.

Ao referir-se aos hospitais psiquiátricos como “depósito de loucos”, conota-se a ideia


de local inapropriado para a prática médica. Situação imposta pelas vicissitudes das políticas
públicas do campo psiquiátrico ao longo dos anos. Certamente que não se pode tomar tal
pronunciamento como a verdade absoluta, pois seria necessário observar essa mesma
percepção exposta por outros membros do corpo de funcionários do SNDM, e isso não foi
localizado, embora em todos os relatórios analisados para a presente pesquisa, tenham sido
encontradas reclamações acerca da falta de estrutura assistencial em geral. Porém, é
fundamental pontuar que a opinião de uma diretora de um órgão que faz parte do sistema do
SNDM e que sofre as consequências diretas pela falta de políticas públicas para a
assistência psiquiátrica infantil tem um peso importante. Sobretudo, pelo fato de que tal

222
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 779/Env. 6501. Relatório Anual da Clínica de Orientação da Infância –
1958. p. 1.
223
Idem.
224
Ibidem.
225
Ibidem.
158

pronunciamento foi realizado em relatório destinado ao principal responsável pela


formulação das políticas públicas para a assistência psiquiátrica, o diretor do SNDM.

Como não poderia ser diferente, a crise de pessoal também atingia o Centro
Psiquiátrico Nacional (CPN) e suas diversas unidades de tratamento. A diversificação de
suas atribuições unida à especialização cada vez maior de cada setor que compõe o Centro,
e o afã de acompanhar os desenvolvimentos científicos e terapêuticos da psiquiatria, exigia
um número cada vez maior de servidores. A situação era mais desfavorável no Bloco
Médico Cirúrgico e em quase todas as clínicas especializadas nele contidas. O mesmo
ocorria aos diversos ambulatórios que compõem o CPN. Para melhor ilustrar a situação, em
relatório do CPN referente ao ano de 1957226, faz-se uma comparação do órgão com o
Hospital do IPASE, que dispunha naquele momento de 600 leitos e ambulatórios, 1700
servidores, 400 médicos e 40 médicos residentes. O CPN, por sua vez, disponibilizava 1700
leitos distribuídos por 6 hospitais, ambulatórios, serviço especializado de ocupação
terapêutica com 15 seções e pronto socorro psiquiátrico, mas que dispunha apenas de 750
servidores e 78 médicos, não contando com nenhum médico residente. Além da falta de
profissionais o CPN também apresentava um quadro de superlotação, criando uma
combinação trágica para o conjunto da população que fazia uso ou necessitava de tais
recursos públicos, pois, diminuía a qualidade do serviço aos já atendidos e dificultava ou
impossibilitava o atendimento daqueles que procuravam os serviços pela primeira vez. Em
1959, Dr. Ignácio da Cunha Lopes, diretor do CPN, diagnostica que estavam superlotados,
mais ostensivamente, o Hospital Pedro II, o Hospital de Neuro Psiquiatria Infantil e o
Pavilhão de isolamento (Pavilhão Braule Pinto) anexo ao Bloco Médico Cirúrgico (BMC).
Para Lopes, esta superlotação decorria do fato de que a região metropolitana do Rio de
Janeiro cresceu muito e “os órgãos locais de assistência não tiveram igual crescimento. E,
todavia, possuímos no Distrito Federal uma capacidade assistencial das maiores no
país”227.

226
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 779/Env. 6501. Relatório Anual do Centro Psiquiátrico Nacional – 1957.
s/p.
227
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 579/Env. 4659. Relatório Anual do Centro Psiquiátrico Nacional – 1959.
p. 7.
159

3.5 A expansão da assistência na cidade do Rio de Janeiro na administração


Kubitscheck e suas características

Conforme supracitado, a capacidade em assistir a doentes mentais, de fato crescia ano


a ano durante a década de 1950, tanto nos serviços públicos quanto nos privados. Havia a
percepção de que o país estava atrasado no tocante a suprir a demanda de pessoas com
distúrbios mentais que necessitavam de assistência. Ainda no início desta década o próprio
SNDM salientava que o número de leitos existentes ainda estava muito aquém das
necessidades mínimas228. Em 1951, o Brasil dispunha de pelo menos 35 mil leitos e
precisaria de 80 mil, o que forçaria as atividades do órgão a continuarem a crescer ao longo
deste ano229, “tendendo a crescer ainda mais”230, o que de fato ocorreu.

Entre os anos de 1951 e 1959 a quantidade de pessoas internadas em hospitais


psiquiátricos, públicos e particulares, que fazia parte das estatísticas de movimentação de
doentes em todo o Brasil aumentou em 35% durante o período, saindo de 33.703231
(33797)232 para 45.557233. Porém, grande parte deste salto ocorreu antes de iniciar-se o
governo JK, entre 1951 e 1955, com um aumento de 23,63%, alcançando-se a marca de
41.663234. Durante a administração Kubitscheck além do ritmo de crescimento ter freado,
logo no primeiro ano deste governo houve uma retração do número de pessoas internadas,
caindo para 39823235. Após essa redução inicial, houve grande aumento logo no ano
seguinte, com o total de pessoas internadas em 1957 atingindo a marca de 45.419236. Tal

228
BOTELHO, 1955A, p. 203.
229
Portanto, já estava em processo de crescimento antes mesmo de 1951.
230
BOTELHO, 1955A, p. 192.
231
BOTELHO, 1955A, p. 218.
232
Ambos os números estão contidos nos Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais de 1955, Vol. IV, Nº 4.
Porém, na página 218 a informação consta como o total de internados em 31/12/1951 em todos os hospitais
psiquiátricos do Brasil 33.797. Já na página 248 do mesmo periódico o número é referente a mesma questão é
33.703. Portanto, sem a utilização de nenhum critério específico, apenas pela necessidade organizacional, sempre
que for necessário utilizar estes números ou o resultado de contas nas quais estejam inseridos, utilizarei como valor
de referência no texto o menor valor, ou seja, 33.703, sempre mencionando o maior valor, 33.797 e seus respectivos
resultados contábeis em notas de pé de página.
233
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/Env. 4528. Relatório Anual da Seção de Cooperação – 1959. p. 1.
234
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 370/Env. 2558. Mapas estatísticos Relativos ao Ano de 1956. p. 1.
235
Idem.
236
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 154/Env.1606. Relatório da Seção de Cooperação Vol.II - 1959. p. 1.
160

recorde foi superado em 1958 com 45.925237 doentes internados e novamente havendo
diminuição no ano seguinte. Embora durante a administração Kubitscheck tenha sido
estabelecido um processo de inconstância na oferta de leitos psiquiátricos em todo o
território nacional, a tendência certamente era de alta nesta oferta durante o período.

Quadro 29: Mapa de Movimentação de Doentes Mentais no DF (1951-1959)238.


Nº de Outras
Internados Instituições
ANO Total
em Órgãos (particulares
do SNDM e IPUB)
1951 5174 897 6071
1952 5274 1031 6305
1953 5196 - -
1954 4934 - -
1955 4988 1404 6392
1956 5188 1550 6738
1957 5573 1805 7378
1958 5864 1832 7696
1959 6029 1826 7855
Fonte: Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM; Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais239.

A quantidade de doentes internados em leitos públicos e particulares na cidade do Rio


de Janeiro também aumentou no mesmo período. Em 1951 o número de internados era de
6071240 e em 1955 chegou a 6392241, um aumento de apenas 5,28%. No ano seguinte,
primeiro do governo JK, o total já saltara para 6738242, e continuaria elevando-se ano a ano
até 1959 quando atingiu a marca de 7.855243, o que representou um aumento de 22,88% em
relação ao ano imediatamente anterior ao início do governo JK, em 1955, e de 29,38% em

237
Idem.
238
Não foi possível localizar qualquer documento que se referisse ao número total de doentes internados no DF nos
anos de 1953 e 1954.
239
Sobre 1951 e 1952: Botelho, 1955A, p.219; Sobre 1953: Idem, p. 243-244; Sobre 1955 e 1956: Fundo:
Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 370/2558. Mapa de Movimentação de Doentes. s/p, 1956; Sobre 1958 e 1959: Idem.
Cx. 566/ Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação: Vol. II. s/p, 1960.
240
BOTELHO, 1955A, p. 219.
241
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 370/Env.2558. Mapas estatísticos Relativos ao Ano de 1956. s/p
242
Idem.
243
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação – 1960. s/p.
161

relação a 1951. Já em relação ao número de internados apenas nos órgão do SNDM no


Distrito Federal entre 1951 e 1959 o aumento foi de apenas de 16,52%, saindo de 5.174244
para 6.029245. Durante o governo JK o aumento foi de 16,21%246. Por outro lado, as demais
instituições que realizavam internações psiquiátricas na cidade do Rio de Janeiro durante
este período – o Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil (IPUB) que era público, e
os hospitais e casas de saúde particulares – apresentaram crescimento maior. Entre 1951247 e
1959248 o número de leitos ocupados destas instituições cresceu 103,56%. Porém, esta
elevação considerável deveu-se principalmente ao período de 1951 a 1955, que obteve alta
de 56,52%, enquanto que, entre 1956 e 1959 o aumento tenha sido apenas de 17,80%.

Ainda seguindo o quadro 29, a probabilidade do número de internados em instituições


não subordinadas ao SNDM serem predominantemente de pacientes de hospitais privados
deve ser seriamente considerada. Não se tem com exatidão os números de internados no
IPUB durante o período estudado pelo presente trabalho. Entretanto, foi possível localizar
seu movimento de pacientes relativos aos anos de 1957 e 1958249. No último dia do ano de
1957 estavam internados 109 pacientes e um ano depois, 58 doentes, montantes bem abaixo
dos respectivos números totais de 1.805 e 1.832 pacientes internados em instituições não
pertencentes ao SNDM no Distrito Federal. Desse modo, observamos que antes do governo
JK a oferta de leitos psiquiátricos na cidade crescia, principalmente, devido ao setor
privado. Contudo, observamos que, ao longo do governo JK a tendência diminuiu
abruptamente, com os órgãos do SNDM na capital aumentando a oferta de leitos em
proporções muito semelhantes as do setor privado. Os órgãos oficiais, proporcionalmente,
passaram a internar mais doentes ao longo do governo em questão e, embora não tenham
conseguido igualar o percentual relativo às demais instituições, chegaram muito próximo
disso. Portanto, além da expansão da assistência psiquiátrica pública incentivada nos estados
por meio da formulação dos convênios de construção de novos hospitais, de manutenção

244
Botelho, 1955A, p. 219.
245
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação – 1960. s/p.
246
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 370/Env. 2558. Mapa Estatístico Relativo ao Ano de 1956 - SNDM. s/p.
247
Botelho, 1955A, p. 219.
248
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação – 1960. s/p.
249
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 154/Env. 1606. Relatório da Seção de Cooperação, Volume II – 1959.
s/p.
162

dos já existentes e para o fomento à praxiterapia, na cidade do Rio de Janeiro, a


administração Kubitscheck também agiu no sentido de aumentar a oferta de internações nos
órgãos subordinados ao Ministério da Saúde, na mesma proporção ou muito próximo dos
percentuais da iniciativa privada.

Mesmo diante da oferta de internações em seus órgãos na cidade do Rio de Janeiro,


uma das principais preocupações do SNDM era exatamente a de que não fossem necessárias
tantas internações. A estratégia utilizada era de investir na promoção da higiene mental
entre os brasileiros, o que permitiria progresso material, humano e consequentemente social
ao povo, além de possibilitar economia nos cofres públicos, já que evitaria que grande parte
das pessoas adoecesse e precisasse dos serviços psiquiátricos.

O SNDM seguia assim as diretrizes programáticas de seu primeiro diretor, conforme


citação abaixo:

“Não basta o esforço para cuidar do


psicopata depois que ele revela sua doença
mental; é necessário que se evite esta psicopatia e
que se combata a doença mental para a felicidade
e para o progresso de um povo. Trata-se de
medida social, humanitária e econômica: social
porque o homem é uma célula da sociedade e,
quando transviado em sua razão tem efeito nocivo
para o meio em que vive. Humanitária porque
trata-se de um doente que perdeu possibilidades
de raciocínio e de inteligência para se defender
contra um mal que ignora e para conseguir meios
de recuperação social e hígida, carecendo de
auxílio alheio e de apoio dos que com ele
convivem . Econômica porque o doente mental
que como indivíduo representaria um potencial
produtivo para a nação, perde tais qualidades
pela doença mental, torna-se nocivo pelo que
destrói em virtude das condições da própria
doença e ainda impede o trabalho dos que o
cercam em ambiente familiar, trazendo como
consequência desperdício de atividade produtiva,
acarretada pela vigilância que exige. E, portanto,
163

um grande fator que deve ser encarado em


economia política” 250.

Para esta finalidade preventiva, Adauto Botelho destinava os Ambulatórios de Higiene


Mental (AHM)251, que concorreriam para a diminuição das internações e para a cura
precoce dos doentes, evitando que estes passassem a cronicidade. Este investimento nas
ideias preventivas pode ser também visualizado no segundo governo Vargas, quando
Adauto Botelho, a frente do SNDM, sugere era a substituição do nome do órgão para
Serviço Nacional de Saúde Mental, pois não desejava a limitação das ações do órgão à
assistência aos doentes, visando também, a prevenção por meio da profilaxia e higiene252.

Estas ideias preventivas permaneceram vivas ao longo do restante da década de 1950


entre os dirigentes da assistência psiquiátrica pública brasileira. Em 1956, o SNDM
elaborou um documento propositivo253 que seria reapresentado, desta vez com a ajuda de
técnicos do DASP, no relatório do ano seguinte254, no qual sugeria um novo regulamento
para o próprio SNDM, que se passaria a chamar Departamento Nacional de Saúde Mental.
De acordo com esta proposta a estrutura organizacional do órgão seria dividida em quatro
partes: formulação de políticas públicas para a o setor, ensino, assistência a cidade do Rio de
Janeiro e assistência aos estados255. Esta proposta, portanto, demonstra o quanto o SNDM
tinha como meta a promoção da saúde mental, inclusive como meio de diminuir a
necessidade de tratar doentes, que neste momento era considerado um “peso morto” na
sociedade, alguém que não produziria mais riqueza para a nação, mas que viveria, caso não
obtivesse recursos próprios, a margem da sociedade e à custa do Estado. A continuidade da
ampliação dos ambulatórios de higiene mental, mecanismo primordial para a promoção da
saúde mental no Brasil na administração Kubitscheck, demonstra a permanência das
diretrizes do SNDM. Para então ampliar de maneira correta e mais objetiva a sua rede

250
Botelho, 1955a, p. 200.
251
Idem, p. 203.
252
Idem, p. 204.
253
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 417/Env. 3106. Relatório das Atividades do SNDM - 1956. P. 13.
254
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 570/Env.4554. Relatório das Atividades do SNDM - 1957. P. 2.
255
Esta mudança de paradigma do SNDM, aparentemente priorizando a promoção da saúde mental, seria apenas
uma mudança conceitual, pois na prática o SNDM já realizava este trabalho, desde sua criação não se detinham
apenas na tarefa de assistir, mas também de zelar pela proteção dos cérebros ainda não acometidos pelas doenças
mentais. sadios.
164

ambulatorial, concomitantemente à ampliação da assistência em todo o Brasil, tornava-se


necessário a realização de duas etapas anteriores: a avaliação nosocomial dos doentes
mentais em todo o Brasil, e em seguida, a realização do estudo de suas causas256, pois
“profilaxia sem assistência psiquiátrica torna-se teórica e mais difícil”257. Outra estratégia
de promoção da higiene mental eram os cuidados psiquiátricos com a infância e juventude
que tornavam-se fundamentais para o intuito de evitar a cristalização de terrenos
“psicopáticos” e a fomentação de neuroses, que por sua vez, requeria ampla articulação com
outros setores da atividade social, estranhos a medicina, tal como a pedagogia258.

Ao utilizar esses ambulatórios como meio de promoção da higiene mental, o SNDM


defendia que tais órgãos possibilitariam a diminuição do número de internados nos hospitais
psiquiátricos. Para isso municiou a cidade do Rio de Janeiro com essas instituições de
consultas externas, sem internação, com mecanismos de tratamento, e que constituíram-se
no Brasil, para o SNDM, como a melhor via para a prática da higiene mental. Por vezes
surpreendendo psicopatias ainda em fase inicial, visava, sobretudo, a infância e o combate
ao alcoolismo259.
No tocante a assistência, a estratégia utilizada pelo SNDM para melhorar a qualidade
terapêutica de seus serviços era fomentar a terapia ocupacional, através da praxiterapia ou
da arte terapia. Porém, isto não inviabilizava o uso dos demais tratamentos que, em 1957
consistiam basicamente no uso do choque hipoglicêmico, da clorpromazina, da psicoterapia,
do eletrochoque, do tratamento eletro convulsivo e das neurocirurgias260. A terapia
ocupacional estava em grande evidência durante o período do governo JK, sobretudo,
devido a repercussão do trabalho de Nise da Silveira, que juntamente com psiquiatras do
SNDM (Dênis Malta Ferraz e Heitor C. Peres) fez parte da comissão organizadora do I
Simpósio de Terapia Ocupacional261 patrocinada pela Associação Brasileira de Educação,
que realizou-se em outubro de 1956. Outra evidência do status conseguido pela praxiterapia
foi a participação de Nise da Silveira no Congresso Internacional de Psiquiatria em Zurich,

256
Botelho, 1955A, p. 207.
257
Idem, p. 225.
258
Idem.
259
Botelho, 1955C, p. 46.
260
Revista de Revistas. In: Revista Brasileira de Saúde Mental. 1957, Vol. II, Nº 1, p. 107.
261
Noticiário. In: Revista Brasileira de Saúde Mental. 1956, Vol. II, Nº 2, p. 143.
165

realizado em setembro de 1957, onde foi exibido um filme que mostrava o trabalho de
terapia ocupacional realizado na CJM e no CPN naquele momento. Ao obter grande
sucesso, este vídeo foi também exibido na Itália, França, Inglaterra, Suiça, Uruguai e
Rússia, além de ser solicitado por outros países262.

Embora a praxiterapia fosse prática sistemática na assistência psiquiátrica prestada a


doentes mentais no Brasil antes da criação do SNDM263, apenas em 1952 a função “auxiliar
de praxiterapia” compôs o quadro de cargos do órgão, sendo possível a partir de então, a
contratação de profissionais que atuariam especificamente nesta função264. Em 1960, em
ofício265 do então diretor do SNDM, Profº. Hermelindo Lopes Rodrigues Ferreira, ao diretor
do Departamento de Administração do Ministério da Saúde é solicitado a concessão de
suprimento financeiro de Cr$ 1.100.000,00 para atender ao pagamento de salários aos
internos que prestaram serviços nos setores de praxiterapia dos órgãos do SNDM relativos
ao primeiro semestre de 1960. Tal valor já teria sido aprovado pelo presidente da república
no momento da escrita deste ofício, demonstrando que, embora recente, a
institucionalização desta terapêutica estava consolidada já no final do governo JK: em um
intervalo de 8 anos transformou-se o quadro onde a função não tinha sequer oficialidade
dentro do próprio SNDM para a utilização de substantiva verba federal a ser utilizada para
internos que prestassem serviços de praxiterapia266. Em quadro demonstrativo dos valores
recebidos pelo SNDM para este fim, referente aos primeiros quatro meses de 1960 percebe-
se, no entanto, que apenas os órgãos do CPN receberam tais verbas. Foram pagos Cr$
40.000,00 para os internos do Hospital Pedro II e outros Cr$ 40.000,00 para os do Instituto
de Psiquiatria, Cr$ 20.000,00 do Hospital Gustavo Riedel e Cr$ 150.000,00 para os da
Seção de Terapia Ocupacional, somando Cr$ 250.000,00267.

262
Noticiário. In: Revista Brasileira de Saúde Mental. 1957, Vol. III, Nº 1, pp. 161-163.
263
Ver Engel (2001, p.214) referente às oficinas existentes no antigo Hospício Pedro II, durante a segunda metade
do século XIX.
264
Botelho, 1955A, p. 223.
265
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 395/Env2862. Processo Nº 27 053/60 de 09 de junho de 1960. s/p.
266
Embora tais verbas já fossem utilizadas desde o final da década de 1940, quando a psiquiatra Nise da Silveira
assume a chefia do Setor de Psiquiatria Ocupacional do CPN, conforme veremos a seguir.
267
Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 395/Env2862. Quadro Demonstrativo do Suprimento de Cr$ 250.000,00,
Para ocorrer às Despesas de Salários a Presos, Internados e Educandos, Durante o Primeiro Quadrimestre de 1960.
s/p.
166

* * *

Conforme ressaltado, a assistência psiquiátrica na cidade do Rio de Janeiro obedecia a


uma lógica na qual o Centro Psiquiátrico Nacional correspondia à principal porta de entrada,
através do seu Instituto de Psiquiatria, de um indivíduo que necessitasse de cuidados
psiquiátricos na cidade. Além disso, era a instituição responsável pelo tratamento dos casos
agudos e sub-agudos. Embora fosse a Colônia Juliano Moreira a instituição que mais tinha
internos sob seus cuidados, mais que o dobro de internados do CPN. No campo da higiene
mental, ambas as instituições trabalhavam por meio dos seus ambulatórios, na tentativa de
fazer a triagem dos novos pacientes e evitar o grande número de internações. Além disso, o
período JK representou um aumento do número de leitos públicos, e também dos privados,
na cidade do Rio de Janeiro, dando continuidade a uma tendência já presente no campo da
assistência psiquiátrica desde, aos menos, o primeiro governo Vargas.

Entretanto, mesmo com o aumento do número de leitos no Engenho de Dentro e em


Jacarepaguá, as direções dessas instituições continuavam a reclamar em seus relatórios da
superlotação em suas instituições, além da crônica falta de mão-de-obra. As dificuldades
estruturais dos serviços psiquiátricos se mostraram bastante nocivas para o conjunto de
órgãos que compunham o SNDM e que eram responsáveis pelo atendimento à população.
Não foi possível aliar, em alguns momentos qualidade com quantidade de atendimento,
embora esforços fossem realizados em todos os momentos para solucioná-los. Além disso,
essas tentativas quase sempre estavam fundamentadas na idéia de que o Estado brasileiro,
por intermédio do SNDM, deveria prover a melhor assistência psiquiátrica possível às
pessoas que dela necessitavam. A única referência sobre o atendimento psiquiátrico na
cidade do Rio de Janeiro que indica ações relativas à privatização de espaços públicos de
saúde mental, diz respeito ao convênio entre o Instituto de Psiquiatria do CPN e o IAPC
firmado em 1957, conforme já citado. Entretanto, o Centro Psiquiátrico Nacional teria
recebido pagamento sobre as internações oriundas de tal acordo, ao invés do dinheiro
público ter sido usado para pagamento a instituições privadas. Portanto, ainda durante a
administração Kubitscheck o objetivo de levar plena assistência psiquiátrica à população
carioca passava indubitavelmente pelas mãos do Estado brasileiro.
167

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma das perguntas iniciais que motivaram este trabalho ganhou parte de sua resposta.
Ao nos dedicarmos a um período da história da psiquiatria no Brasil ainda não investigado
profundamente – o governo JK –, nos perguntávamos como a assistência psiquiátrica em
plena expansão na década de 1940, pode se deteriorar tão profundamente já no final da
década de 1970? Podemos responder agora, ao final deste trabalho, que no período JK a
expansão da assistência psiquiátrica pública além de manter-se, potencializou-se, tanto no
DF quanto em todo o Brasil. Porém, concomitantemente mantiveram-se suas mazelas: a
falta de mão de obra e a superlotação. Aumentava-se, portanto, a capilaridade assistencial
psiquiátrica do Estado brasileiro, mas não necessariamente seu nível de qualidade.

A filosofia pública do governo JK, assim como as ideias programáticas para a área
psiquiátrica tiveram raízes em governos anteriores, em especial o primeiro de Getúlio
Vargas (1930-1945). Esta filosofia pública nacionalista voltada para a defesa da integração
nacional, por meio de ações estatais nos campos econômico e social, permaneceu ativa na
segunda metade da década de 1950, ainda que apresentasse particularidades próprias. O
mesmo ocorreu com uma das principais ideias programáticas do governo Vargas –
centralização normativa e descentralização executiva – que se transformaram em políticas
públicas psiquiátricas também executadas na administração Kubitschek.

Desde a criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), em 1941, forjou-se


uma estratégia de ação em que cabia a este órgão federal a normatização da assistência
psiquiátrica nacional e aos estados a execução descentralizada dessas normas. O órgão
interno do SNDM responsável por tal política – a Seção de Cooperação – ganha, a partir da
administração Kubitschek funções exclusivamente nacionais, tendo em vista o desligamento
de sua responsabilidade de órgãos localizados na cidade do Rio de Janeiro. Desse modo,
potencializou-se a principal diretriz do SNDM, que, desde sua criação, objetivava expandir
para todo o território nacional os cuidados psiquiátricos sob sua orientação. Convergia-se,
portanto, a filosofia pública integracionista nacional de JK, com a defesa das diretrizes
originárias do SNDM, transformando-as em políticas públicas efetivas, com a implantação e
desenvolvimento dos meios administrativos que possibilitariam tal expansão: diferentes
168

tipos de convênios e os Ambulatórios de Higiene Mental (AHM´s) cujo foco era a


prevenção por meio da promoção dos preceitos da higiene mental. Estes meios
administrativos somaram-se a outros mecanismos de expansão da assistência psiquiátrica
desenvolvidos na década de 1940 e também ao longo de toda a década de 1950: a
necessidade de isolamento dos doentes mentais crônicos em hospitais colônias, o incentivo à
praxiterapia e a necessidade de construir manicômios judiciários.

Os convênios entre o SNDM e os governos estaduais revelam que ao primeiro cabia


normatizar, financiar e fiscalizar a maneira pela qual a verba doada por ele seria utilizada,
enquanto que aos estados cabia também a doação de parte dos recursos para a assistência
psiquiátrica e a execução das medidas “impostas” pelo SNDM. Isto possibilitou maior
amplitude federal no campo da assistência psiquiátrica e a expansão de tais serviços em todo
o país. Ao longo da administração Kubitschek, observa-se uma maior efetividade do SNDM
nos estados com a continuação e implantação de três tipos de convênios. Os convênios para
realização de obras de expansão e/ou construção em instituições psiquiátricas locais,
iniciados a partir de 1946, são incrementados na administração Kubitschek, por meio do
aumento do valor ofertado pela União, havendo consequentemente também, um aumento do
número de leitos psiquiátricos públicos em todo o país. Nesse tipo de acordo cabia às
entidades federativas a contrapartida de recursos financeiros, sem os quais o convênio não
se concretizava. A partir de 1953, o SNDM passou a realizar convênios para manutenção
dessas instituições localizadas nos estados, os quais também foram alvo de maiores
investimentos durante o governo JK. Os recursos para este segundo tipo de acordo
advinham integralmente da esfera federal. Por fim, um terceiro tipo de convênio
estabelecido entre o SNDM e os estados iniciou-se exatamente no primeiro ano de
Kubitschek na presidência, embora tenha sido projetado em 1955. Seu objetivo era
incentivar as práticas praxiterápicas em instituições psiquiátricas nos estados, sendo o
SNDM o único órgão responsável por seu financiamento.

Para fiscalizar a aplicação dos recursos desses três tipos de convênios, o SNDM
mantinha profissionais médicos denominados inspetores psiquiátricos que, além da função
fiscalizadora, davam consultas à população nos ambulatórios de higiene mental mantidos
pelo órgão federal nessas unidades federativas. Esses ambulatórios tinham como principal
169

missão promover a higiene e a profilaxia mental em todo o Brasil, objetivando diminuir a


necessidade de internação em hospitais psiquiátricos especializados. Tais unidades de
tratamento eram vistos como fundamentais, pois embora na década de 1950 a expansão
numérica de leitos psiquiátricos tenha continuado, também crescia, e em proporção ainda
maior que a oferta, a demanda por atendimento nas instituições de internação, como
hospitais e hospitais colônias. Entretanto, conforme fontes consultadas, alguns desses
ambulatórios, em especial os localizados fora da cidade do Rio de Janeiro, não operaram
com sua capacidade plena de consultas, já que os inspetores psiquiátricos, sob a alegação de
baixos salários, acabavam utilizando parte de seu tempo de trabalho em outras instituições.

Em relação à assistência prestada pelo SNDM na cidade do Rio de Janeiro também


pode-se afirmar que houve um aumento no número de atendimentos e de leitos disponíveis
para a população que demandava tais serviços, tanto de instituições públicas quanto de
particulares. Entretanto, durante a primeira metade da década de 1950, portanto, antes do
governo JK, o aumento do número de leitos particulares era proporcionalmente maior do
que os leitos públicos. Contudo, como vimos, esta tendência se inverte ao longo do referido
governo, não pelo aumento no ritmo de crescimento de vagas em órgãos públicos do SNDM
no DF, mas sim pela diminuição do ritmo de propagação de leitos particulares na capital.

O trabalho executado pelo órgão na cidade do Rio de Janeiro obedecia a uma dinâmica
que consistia em dividir as funções assistenciais entre duas grandes instituições
psiquiátricas: o Centro Psiquiátrico Nacional (CPN) e a Colônia Juliano Moreira (CJM). À
primeira cabia realizar as triagens e a assistência aos doentes mentais adultos que
apresentassem casos agudos ou sub-agudos, ou de sífilis, bem como às crianças que
apresentassem algum distúrbio psíquico. Já a segunda, mantinha sua função original de
internar apenas doentes mentais crônicos, embora, por meio de seu AHM, também
realizava-se a triagem de pacientes, o que na prática representava também ser uma das
portas de entrada da assistência psiquiátrica pública na cidade. Tal estratégia de ação criava
uma interdependência entre a o CPN e a CJM. Se por um lado essa correlação poderia
aprimorar o serviço prestado à população, devido a um possível aperfeiçoamento do
intercâmbio entre ambas as instituições, por outro, criava dificuldades quando uma delas
apresentasse problemas em seu funcionamento. A superlotação na CJM poderia acarretar na
170

impossibilidade de transferir pacientes crônicos oriundos do CPN, causando a sua


consequente superlotação. Por outro lado, o mal funcionamento do órgão CPN poderia
aumentar a quantidade de pacientes em estados crônicos, aumentando por conseguinte a
demanda por internação na colônia de Jacarepaguá.

Defendida e utilizada no Brasil desde o século XIX, a praxiterapia, foi amplamente


incentivada durante a gestão de Juscelino Kubitschek. Com relação a sua utilização nas
instituições públicas psiquiátricas no DF, observa-se a publicidade em torno dos resultados
obtidos pela psiquiatra Nise da Silveira na Seção de Terapia Ocupacional do CPN, bem
como o aumento do número de internos do Engenho de Dentro que realizavam atividades
praxiterápicas. Com relação a CJM, embora tenha diminuído seu número de internos que
realizavam tais práticas terapêuticas, tal fato não significou, entretanto, um menor empenho
do SNDM em levar a efeitos essa diretriz assistencial psiquiátrica, já que em 1958 foi
inaugurado o que deveria ser um centro de excelência nesta atividade, o Centro de Pesquisa
Praxiterápicas da Colônia Juliano Moreira.

Assim como as diretrizes assistenciais psiquiátricas da administração Kubitschek


foram forjadas nos governos anteriores, muitos problemas a elas relacionados também
advinham de governos anteriores, permanecendo no cenário da segunda metade da década
de 1950. Os principais eram a carência de mão de obra qualificada e a superlotação. Juntos
criavam um ambiente que direcionavam a qualidade dos serviços psiquiátricos na cidade à
patamares baixíssimos. Eram críticas históricas que os dirigentes da assistência psiquiátrica
no país faziam a décadas, mas que permaneceram durante a segunda metade da década de
1950.

Embora este trabalho por meio dos dados apresentados no seu decorrer possa levar luz
a algumas informações até então desconhecidas e, portanto, responder de maneira inicial
algumas perguntas acerca do caminho percorrido pela assistência pública psiquiátrica
brasileira na década de 1950, faz-se necessário, entretanto, a realização de futuras pesquisas
acerca do tema e da temporalidade tratada aqui. Abre-se aqui, por exemplo, a possibilidade
de futuramente melhor compreendermos as especificidades dos acordos entre União e cada
estado. Fica também em aberto a possibilidade de compreendermos de modo mais
171

aprofundado também a relação de interdependência entre o Centro Psiquiátrico Nacional e a


Colônia Juliano Moreira, suas terapêuticas, seus pacientes e seus cotidianos.

Para tanto, é fundamental que o acervo localizado no Centro de Documentação e


Pesquisa do IMASJM seja amplamente utilizado por pesquisadores da história da psiquiatria
e ciências afins. Nem toda documentação lá armazenada está catalogada. Conforme já
citado, até o final desta pesquisa eram 1000 caixas catalogadas de um total de 1500, cada
uma contendo uma média de 5 envelopes que contém diversos documentos distintos em
cada um, o que nos possibilita enxergar um enorme potencial que tal acervo tem para nos
oferecer. A utilização sistemática deste acervo potencializará quantitativos e qualitativos,
sem dúvida, o campo da história da psiquiatria no Brasil.
172

BIBLIOGRAFIA

Fontes Primárias

• Legislação

BRASIL. Decreto 206-A, de 15 de fevereiro de 1890. Aprova as instrucções a que se refere


o decreto n. 142 A, de 11 de janeiro ultimo, e crêa a assistência medica e legal de
alienados.

BRASIL. decreto 8.834, de 11 de julho de 1911. Reorganiza a Assistência a Alienados.

BRASIL. Decreto 13.538, de 9 de abril de 1919. Reorganiza o Serviço de Prophylaxia


Rural.

BRASIL. Decreto 17805, de 23 de maio de 1927. Aprova o regulamento para execução dos
serviços da Assistência a Psychopathas no Distrito Federal.

BRASIL. Decreto 24559, de 03 de julho de 1934. Dispõe sôbre a profilaxia mental, a


assistência e proteção á pessôa e aos bens dos psicopatas, a fiscalização dos serviços
psiquiátricos e dá outras providências.

BRASIL. Decreto-Lei 3.171, 2 de Abril de 1941. Cria o Serviço Nacional de Doenças


Mentais.

BRASIL. Decreto-Lei 3.497, 13 de Agosto de 1941. Cria o Hospital de Neuro-Psiquiatria


Infantil do Serviço Nacional de Doenças Mentais.

BRASIL. Decreto 17.185, 18 de Novembro de 1944. Aprova Regimento do Serviço


Nacional de Doenças Mentais do Departamento Nacional de Saúde do Ministério da
Educação e Saúde.

BRASIL. Decreto-Lei 7.055, 18 de Novembro de 1944. Cria o Centro Psiquiátrico Nacional


e extingue o Conselho de Proteção aos Psicopatas e a comissão inspetora, e dá outras
providências.
173

BRASIL. Decreto-Lei 8550, de 3 de janeiro de 1946. Autoriza o Ministério da Educação e


Saúde a celebrar Acôrdos, visando a intensificação da assistência psiquiátrica no
território nacional.

BRASIL. Decreto 36.209, de 20 de setembro de 1954. Suspende a admissão de pessoal


extranumerário e dá outras providências.

Brasil. Decreto 43716, 19 de maio de 1958. Veda temporariamente, nomeações e admissões


no serviço público federal e nas autarquias.

BRASIL. Decreto 44606, de 4 de outubro de 1958. Prorroga a vigência do Decreto número


43.716, de 19 de maio de 1958 e dá outras providências.

BRASIL. Lei 1920, de 25 de julho de 1953. Cria o Ministério da Saúde e dá Outras


Providências.

BRASIL. Decreto 37990, de 27 de setembro de 1955. Dá a denominação de Heitor Carrilho


ao Manicômio Judiciário, do Serviço Nacional de Doenças Mentais.

BRASIL. Decreto 791, de 27 de setembro de 1890. Crêa no Hospicio Nacional de Alienados


uma escola profissional de enfermeiros e enfermeiras.

BRASIL. Decreto-Lei 4725, de 22 de setembro de 1942. Reorganiza a Escola Profissional


de Enfermeiros criada pelo decreto n. 791, de 27 de setembro de 1890, e dá outras
providências.

• Acervo do IMASJM

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 715/Env. 5912. Ofício 238/S.T./91 – Do presidente


da CRIFA ao chefe da Seção de Cooperação do SNDM. 1954.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 356/ Env.2452. Relatório da Seção de Cooperação.
1955.
174

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 414/Env.3076. Mapa Demonstrativo dos Produtos


Consumidos, Vendidos e Respectiva Renda – CJM. 1955.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 540/ Env. 4321. Relatório Anual do Dr. Percy
Menezes: inspetor psiquiátrico do SNDM em Manaus-AM. 1955.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 540/ Env.4321. Integra do Relatório do Dr. Mario
Morcerf de Barros. 1955.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 540/ Env. 4321. Relatório Anual do Dr. João da
Costa Machado: inspetor psiquiátrico do SNDM em Natal-RN. 1955.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 540 / Env. 4321. Relatório da Seção de Cooperação.
1955.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 566 / Env. 4530. Relatório do SNDM ao DNS. 1955.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Relatório Anual da S.C. 1955.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Mapa de Movimentação de Doentes


AHM/CJM. 1955.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 201 / Env. 1792. Ofício nº 1314. 1956.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 201/Env.1792. Termos de Convênios Entre o


Ministério da Saúde e os Estados.1956.

Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 282/Env.2066. Relatório das Atividades da Seção
de Cooperação: Vol. II. 1956.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 366/Env. 2526. Relatório Anual da Clínica de


Orientação da Infância. 1956.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 370/Env. 2558. Mapas estatísticos. 1956.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 417 / Env. 3106. Relatório de Atividades do SNDM.
1956.
175

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 442 / Env. 3298. Relatório ao Dr. Oswaldo
Camargo. 1956.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 566/Env.4530. Relatório do SNDM. 1956.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 570/Env. 4554. Relatório de Atividades do SNDM.


1956.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Do Chefe do AHM da CJM ao Chefe


do Serviço de Cooperação: Vistoria do prédio. 1956.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598 /Env.4837. Mapa de Movimentação de


Doentes. 1956.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 417/ Env. 3106. Relatório de Atividades do SNDM.
1957.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 473/Env. 3559. Síntese do relatório do Manicômio


Judiciário Heitor Carrilho. 1957.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 473/Env. 3560. Síntese do relatório da CJM. 1957.

Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 570/Env.4554. Relatório Anual do SNDM. 1957.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 579 /Env. 4659. Relatório do SNDM. 1957.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918. E.M. Nº 353. 1957.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 779/Env. 6501. Relatório Anual do Centro


Psiquiátrico Nacional. 1957.

Fundo DINSAM/ Acervo IMASJM. Cx. 920/Env.7738. Ofício da Diretora da EEAP ao


Chefe da Seção de Cooperação do SNDM. 1957.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 154/Env.1605. Relatório da Seção de Cooperação.


1958.
176

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 165 / Env. 1605. Dados Estatísticos Sobre o
Movimento Geral dos Ambulatórios de Higiene Mental. 1958.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 570 / Env. 4554. Relatório do SNDM: referente a
1957. 1958.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 580/Env. 4760. Processo Nº 18.554/58 do M.S.
1958.

Acervo IMASJM; Cx. 589 / Env. 4757. Aplicação de Recursos Concedidos em Convênios.
1958.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589 / Env. 4760. Aplicação de Recursos Concedidos
em Convênios. 1958.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589/Env.4761. Aplicação de Recursos Concedidos


em Convênios. 1958.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Ofício do Diretor da CJM ao


Diretor do SNDM - Assunto: Ambulatório de Higiene Mental. 1958.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env.4837. Resposta da Seção de Cooperação


sobre o pedido de cessão do AHM à Colônia Juliano Moreira. 1958.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607 / Env. 4918. Demonstrativo dos Auxílios
Concedidos aos Estados da União Através de Convênios Destinados à Construção.
1958.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607/ Env. 4918. E.M. Nº 353. 1958.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 607 / Env. 4926; Quadros Demonstrativos dos
Auxílios Concedidos Através do SNDM Para Praxiterapia e Manutenção. 1958.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 779/Env. 6501. Relatório Anual da Clínica de


Orientação da Infância. 1958.
177

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 951/ Env. 8051. Processo Nº 16.594/58 do
Ministério da Saúde / Presidência da República Nº 36.207/58. 1958.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 951/ Env. 8051. Ofício do SNDM s/nº direcionado ao
diretor do DNS. 1958.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM: Cx. 975/ENV. 8289. Relatório do CPN. 1958.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env. 8290. Relatório do Manicômio Judiciário


Heitor Carrilho. 1958.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 975/Env. 8291. Súmula do Relatório da CJM. 1958.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 154/Env.1606. Relatório da Seção de Cooperação


Vol.II. 1959.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 414/ Env.3077. E.M. 1227- DASP. 1959.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx.428/Env. 3173. Processo Nº 11.724/59 do M.S; Nº


17736/59 da P.R, E.M 870. 1959.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 442/ Env. 3298. Relação dos Estados Que Ainda Não
Depositaram Suas Quotas. 1959.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 442/ Env.3298. Sem título.1959.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 442/ Env. 3298. SNDM - Convênios. 1959.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/Env. 4528. Relatório Anual da Seção de


Cooperação. 1959.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 579/Env. 4659. Relatório Anual do Centro


Psiquiátrico Nacional. 1959.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589 / Env. 4761. Empenho Nº 17/59; Pr. M.S. –
40.322/59 – 47.520/59. 1959.
178

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 589 / Env. 4762. Ofício Nº 801/59 da Secretaria de
Saúde e Assistência Social do Estado do Maranhão ao SNDM. 1959.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.674 /Env. 5583. Relatório do CPN. 1959.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 756 / Env. 6354. Plano de Aplicação de Dotação
Orçamentária, para manutenção de Serviços Psiquiátricos nos Estados. 1959.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM: Cx. 775/ENV. 6482. Relatório do CPN. 1959.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 395/Env. 2862. Processo Nº 27 053/60 de 09 de


junho de 1960. 1960.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação.


1960.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 566/ Env. 4528. Relatório da Seção de Cooperação:
Vol. II. 1960.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 567/ Env. 4535. Relatório da Seção de Cooperação:
Volume I. 1960.

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 616 /Env. 5014. Justificativa da Proposta


Orçamentária. 1960.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627 / Env. 5126. Proposta Orçamentária. 1960

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM; Cx. 627/Env 5126. Proposta Orçamentária do SNDM.
1961

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx.674 /Env. 5583. Justificativa da Proposta


Orçamentária Para o Exercício de 1961 – 2º via. 1961.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM. Cx. 560/Env. 4473. Quadro de Auxílios Concedidos aos
Estados nos Exercícios de 1956 a 1964. 1964.
179

Fundo: Dinsam/Acervo: IMASJM. Cx. 598/Env. 4837. Mapas de Movimentos de Doentes.


1967.

Fundo Dinsam; Acervo IMASJM, Cx. 607/ Env. 4474. Quadro de Auxílios Concedidos aos
Estados nos Exercícios de 1953 a 1964. 1967.

• Periódicos

Arquivos do Serviço Nacional de Doenças Mentais, 1955, Volume IV – N° 4.

Revista Brasileira de Saúde Mental, 1955, Vol. I, N° 1.

Revista Brasileira de Saúde Mental, 1956, Vol. II, N° 1.

Revista Brasileira de Saúde Mental, 1956, Vol. II, N° 2.

Revista Brasileira de Saúde Mental, 1957, Vol. III, N° 1.

Revista Brasileira de Saúde Mental, 1957, Vol. III, N° 2.

Revista Brasileira de Saúde Mental, 1958, Vol. IV, N° 1 e 2.

• Artigos em Periódicos

ARAÚJO, Deusdedit. Atividades da Seção de Cooperação: dados estatísticos. In: Arquivos


do Serviço Nacional de Doenças Mentais. Vol. IV, Nº 4. pp. 247-256, 1955.

ATAÍDE, Aramis. Apresentando. In Revista Brasileira de Saúde Mental. Vol. I. pp. 1-2.
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BOTELHO, Adauto. Relatório relativo ao ano de 1943. In: ASNDM. 1945, Vol. 1. pp. 5-
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BOTELHO, Adauto. Relatórios do SNDM em 1951, 1952 e 1953. In: Arquivos do Serviço
Nacional de Doenças Mentais. Vol. IV, nº 4, pp. 192-246, 1955A.

BOTELHO, Adauto. Necessidades de Psiquiatras Para a Saúde Pública. In: Arquivos do


Serviço Nacional de Saúde Mental. Vol. IV, Nº 1. pp. 17-19, 1955B.

BOTELHO, Adauto. Dados Sobre as Atividades Psiquiátricas e de Higiene Mental no


Brasil. In: Revista Brasileira de Saúde Mental. Vol. I, Nº 1. pp. 43-56, 1955C.

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Brasileira de Saúde Mental. 1955, vol. I, Nº 1. p. 188.

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