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Abstract. In this article, I propose some questions about printmaking and contemporary art, with
reference to Manoela Afonso’s work on Brasilia. The series of prints named Brasilia Gravada was
subject of Master's thesis in Visual Culture, in which the artist discusses his process of creation,
the contemporary poetics, and the insertion of artistic research in the university.
Keywords: printmaking, Brasília, contemporary poetics, university.
Resumo. Neste artigo são levantadas algumas questões sobre gravura e arte contemporâneas,
tendo como referência o trabalho da gravadora Manoela Afonso sobre Brasília. A série intitulada
Brasília Gravada foi tema de dissertação de Mestrado em Cultura Visual, em que a artista discute
seu processo de criação, alguns aspectos das poéticas contemporâneas e a inserção da pesquisa
artística na universidade.
Palavras chave: gravura, Brasília, poéticas contemporâneas, universidade.
Impressões iniciais
A arte, no mais das vezes, não é percebida como campo no qual fermentem processos
de construção de conhecimento. Prevalece a noção de que as emoções sejam sua principal
matéria. Mas, século XXI adentro, as inquietações que movem artistas abrem espaços para
trânsitos e interlocuções que ultrapassam antigas fronteiras. Os fazeres da arte se imiscuem
com os quotidianos, se entrelaçam com outras questões, estabelecem redes, perguntam, ou
simplesmente buscam tecer caminhos, percursos singelos de expressão, fundados nas
relações entre as pessoas e seus contextos de viver.
O trabalho Brasília Gravada, desenvolvido pela artista Manoela Afonso, sugere
algumas reflexões a respeito dessas questões, além das poéticas que se entrecruzam em sua
realização. Neste artigo, o propósito é recuperar um pouco desse percurso, retomar
algumas perguntas e trazer à pauta um trabalho em gravura contemporânea que se deixa
marcar pelos vazios de uma cidade modernista, dialoga com um poeta marginal, um artista
plástico, e encontra, na academia, o espaço para refletir sobre si mesmo.
Figura 2: Construção. Exposição Brasília Gravada, Galeria da FAV/UFG, 2008. Manoela Afonso. Carimbo
de borracha sobre papel Torchon, Van Gelder Zonen 190g/m2. 55,5 x 76 cm. Fonte: acervo da artista.
Figura 2: vazios urbanos. Exposição Brasília Gravada, Galeria da FAV/UFG, 2008. Manoela Afonso.
Carimbo de borracha sobre papel Fabriano 300g/m2. 50 x 70 cm. Fonte: acervo da artista.
O artista na universidade
A área de artes tem avançado no sistema de pós-graduação brasileiro. São muitas as
conquistas para qualificar a produção de artistas pesquisadores e pesquisadores sobre arte,
bem como divulgar os resultados das pesquisas, em publicações, exposições, eventos
científicos e artísticos, em iniciativas chanceladas pelas agências oficiais financiadoras.
Contudo, o que, no discurso institucional, aparenta relativa tranquilidade, de fato oculta
impasses e paradoxos ainda por ser mais bem explicitados (Martins & Rocha, 2007).
Uma questão está nas linhas de pesquisa voltadas para a pesquisa artística
propriamente dita. Se as artes demarcaram território dentro das universidades, também é
fato que as instituições universitárias não constituem solo exclusivo para a formação e
atuação de artistas. Ao contrário, no decurso da história ocidental, é recorrente a
constatação de que as artes têm experimentado transformações mais significativas em
movimentos deflagrados à revelia das instituições acadêmicas formais e normativas.
Nesses termos, é importante que se discuta o papel do artista nos cursos de pós-graduação,
e a orientação, ou orientações das pesquisas em poéticas visuais, com ênfase nos processos
de criação artística. Frequentemente, artistas e pesquisadores dedicam-se a descrever seus
fazeres, sem necessariamente avançar nas reflexões propiciadas pela pesquisa artística, em
particular no tocante aos suportes e aportes poético-conceituais. Incluídas, aí, as fontes de
conflito, dúvida, tensões, além das escolhas formais, estéticas e expressivas.
O que motiva os artistas nos programas de pós-graduação, sobretudo em artes
visuais? Muitos deles encontram, na universidade, a chancela para o seu trabalho artístico
– para docentes, ou discentes. Ao abrigo da academia, sentem-se mais fortalecidos para
enfrentar os desafios do sistema e do mercado das artes. A mais, a docência propicia uma
arena de atuação que, aos mais acomodados, pode parecer mais amena. O risco é que o
artista-professor desenvolva suas atividades sem maiores abalos às suas convicções.
Nem uma nem outra possibilidade seduziu Manoela Afonso. Ao contrário, suas
dúvidas e angústias desestabilizaram convicções mais ou menos arraigadas nos modos de
inserção da arte na universidade. Contribuiu, assim, para reiterar a necessidade de se
aprofundarem as reflexões a respeito.
Figura 3: ... e o Plano bateu Asas e voou. Exposição Brasília Gravada, Galeria da FAV/UFG, 2008.
Manoela Afonso. Carimbo de borracha sobre papel Torchon, Van Gelder Zonen 190g/m2. 38 x 54 cm. Fonte:
acervo da artista.
Figura 4: qual é o Plano, Piloto? Exposição Brasília Gravada, Galeria da FAV/UFG, 2008. Manoela
Afonso. Carimbo de borracha sobre papel Torchon, Van Gelder Zonen 190g/m2. 38 x 55,5 cm. Fonte: acervo
da artista
Na galeria, as gravuras foram organizadas como pequenos módulos ritmados, a
ocupar, na linha de horizonte, o espaço vazio das paredes-suporte. Em cada gravura-
módulo, pequenas imagens gravadas em carimbo repetiam-se, configurando uma unidade
interna. Cada gravura constituiu cópia única: a impressão manual da mesma matriz –
carimbos de borracha – multiplicava a imagem em composições únicas. Como se
multiplicam os blocos residenciais e comerciais na cidade-pássaro-avião... Como se
multiplicam os vazios entre-asas, entre-quadras, entre-blocos, entre-gentes...
A obra única desafia a noção de tiragem, da gravura clássica. Nos processos
exaustivos de impressão com o carimbo, as imagens não se repetem. Como a cidade-
inspiração que, embora ao incauto pareça sempre igual, de fato, experimenta variações
sutis em tonalidades, posicionamentos, sequenciamento, caminhos...
Os versos do poeta Nicolas Behr provocaram imagens, suas metáforas formataram
sensações, e os carimbos entintados, comprimidos contra as folhas de papel, recriaram
ritmos, repetições, quebras, respirando a brisa que toca os mosaicos de Athos Bulcão em
quantas construções-monumentos de Brasília, a dar-lhes fisionomias próprias.
Figura 5: Painel de azulejos do artista Athos Bulcão, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, a Igrejinha,
inaugurada em 1958, na EQS 307/308. Brasília. Foto: André Dusek/AE