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ACOSTA, Aberto.

O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos /


Alberto Acosta; tradução de Tadeu Breda.- São Paulo: Autonomia Literária, Elefante,
2016.

Apenas colocar o Bem Viver na Constituição não será suficiente para superar um
sistema que é, em essência, a civilização da desigualdade e da devastação. Isso, no
entanto, não significa que o capitalismo deve ser totalmente superado para que, só
depois, o Bem Viver possa se tornar realidade. Valores, experiências e práticas do Bem
Viver continuem presentes, como tem sido demonstrado ao longo de cinco séculos de
colonização constante. (p.25)

Para trilhar um caminho diferente, é preciso superar o objetivo básico e os motores do


modelo ocidental de desenvolvimento. Deve-se propiciar uma transformação radical das
concepções e linguagens convencionais do desenvolvimento e, sobretudo de progresso,
que nos foram impostas há mais de quinhentos anos. Wolfrang Sachs disse, em 1992:
“A flecha do progresso está quebrada e o futuro perdeu seu brilho: o que temos pela
frente são mais ameaças que promessas.” (p. 29)

Compreende-se, paulatinamente, a inviabilidade do estilo de vida dominante. O


crescimento material sem fim poderia culminar em suicídio coletivo. A concepção-
equivocada- do crescimento baseado em inesgotáveis recursos naturais e em um
mercado capaz de absrover tudo o que for produzido não tem conduzido nem conduzirá
ao desenvolvimento. Pelo contrário. O reconhecido economista britânico Kenneth
Bouldig, ao encontro do matemático romeno Nicholas Georgescu-Roegen, tinha razão
quando exclamava: “Qualquer um que acredite que o crescimento exponencial pode
durar para sempre em um mundo finito ou é louco ou economista”. (p.34)

Até quando vamos esperar que o progresso técnico resolva nossos enormes problemas?
Não se trata de conservadorismo diante da ideia do progresso tecnológico, mas de
questionamentos acerca de seu sentido. (p.37)
Para cristalizar o processo expansionista, a Europa consolidou uma visão que colocou o
ser humano figurativamente falando por fora da Natureza. Definiu-se a Natureza sem
considerar a Humanidade como sua parte integral, desconhecendo que os seres humanos
também somos Natureza. Com isso, abriu-se caminho para dominá-la e manipulá-la.

Francis Bacon (1561-1626), célebre filósofo renascentista, resumiu esta ansiedade em


uma frase, cujas consequências vivemos na atualidade, ao reivindicar que “a ciência
torturea Natureza assim como faziam os inquisidores do Santo Ofício com seus réus,
para conseguir revelar até o último de seus segredos”. (p.55)

Desde então, para sentar as bases do mercado global, forjou-se um esquema extrativista
de exportação de Natureza nas colônias em função das demandas de acumulação do
capital nos países imperiais, os atuais centros do então nascente sistema capitalista.
(p.57)

O que interessa, portanto, é recuperar algumas experiências e lições desse mundo


marginalizado, ao que ainda hoje se nega a possibilidade de contribuir conceitualmente.
Alguns saberes indígenas não possuem uma ideia análoga à de desenvolvimento: não
existe a concepção de um processo linear de vida que estabeleça um estado anterior e
outro posterior, a saber, de subdesenvolvimento e desenvolvimento, dicotomia pela qual
deveriam transitar as sociedade para a obtenção de bem-estar, como ocorre no mundo
ocidental. Tampouco existem conceitos de riqueza e pobreza, determinados,
respectivamente, pela acumulação e carência de bens materiais. (p.71)

O bem viver não nega a existência de conflitos, mas também não os exacerba, pois não
pretende que a sociedade se organize em torno da acumulação permanente e desigual
dos bens materiais, movida por uma interminável competição entre seres humanos que
se apropriam destrutivamente da Natureza. Os seres humanos não podem ser vistos
como uma ameaça ou como sujeitos a serem vencidos e derrotados. E a Natureza não
pode ser entendida apenas como uma massa de recusos a ser explorada. Estes são
pontos medulares. (p.76)

Ambas ideias- os direitos da pacha mama e o buen vivir- se baseiam em noções de vida
em que todos os seres (humanos e não humanos) existem sempre na relação entre
sujeitos, não entre subjeitos e objetos, e de nenhuma maneira individualmente. (p.79)
“A suspeita que o desenvolvimento foi um empreendimento mal concebido desde o
começo. Na verdade, não é o fracasso do desenvolvimento que devemos temer, mas seu
êxito. Como seria um mundo completamente desenvolvido? Não sabemos, mas
certamente seria monótono e repleto de perigos. Posto que o desenvolvimento não pode
ser separado da ideia de que todos os povos do planeta estão se movendo em um mesmo
caminho rumo a um estágio de maturidade, exemplificado pelas nações que conduzem
esta visão, os tuaregues, os zapotecos ou os rajastães não são vistos como se vivessem
modos diversos e não comparáveis de existência humana, mas como povos carentes do
que foi obtido pelos países avançados. Em consequência, decretou-se que alcançá-los
seria sua tarefa histórica. Desde o começo, a agenda secreta do desenvolvimento não era
nada mais que a ocidentalização do mundo”. Wolfgang Sachs (p.80 e 81)

Para construir o bem viver é preciso outra economia que se reencontre com a Natureza e
atenda às demandas da sociedade, não às do capital. (p.98 e 99).

O crescimento não pode ser o motor da economia e, menos ainda, sua finalidade.
(p.117)

Não apenas existe um intercâmbio comercial e financeiramente desigual, como propõe a


teoria da dependência, mas também se registra um intercâmbio ecologicamente
desequilibrado e desequilibrador. (p.119)

A economia deve submeter-se à ecologia. Por uma razão muito simples: a natureza
estabelece os limietes e alcances da sutentabilidade e a capacidade da renovação que
possuem os sistemas para autorrenovar-se. Disso dependem as atividades produtivas.
Ou seja: se se destói a natureza, destroem-se as bases da própria economia. (p.121)

Nos direitos da Natureza, o centro está na natureza, que, certamente, inclui o ser
humano. A Natureza vale por si mesma, independentemente da utilidade ou dos usos
que se lhe atribua. Isto representa uma visão biocêntrica. Estes direitos não defendem
uma Natureza intocada, que nos leve, por exemplo, a deixar de cultivar a terra, de
pescar ou de criar animais. Estes direitos defendem a manutenção dos sistemas de vida-
do conjunto da vida. Sua atenção se volta aos ecossistemas, às coletividades, não aos
indivíduos. Pode-se comer carnes, peixes e grãos, por exemplo, desde que se assegure
que os ecossistemas sigam funcionando com suas espécies nativas. (p.131)

Os direitos da natureza não provêm de uma matriz exclusivamente indígena. Todo


esforço por tradizí-los é uma reiteração da mestiçagem. (p.136)

Crítica a Adam Smith e livre mercado (p.163)

O Bem viver, enquanto alternativa ao desenvolvimento, exige outra economia. Uma


economia sustentada naqueles principios fundacionais desta proposta pós-
desenvolvimentista, entre os que destacamos a solidariedade e a sustentabilidade, além
da reciprocidade, a complementariedade, a responsabilidade, a integralidade (todos os
seres vivos somos necessários ao planeta), a suficiência (e, de alguma maneira, também
a eficiência), a diversidade cultural e a identidade, as equidades e, claro, a democracia.
(p. 164)

Parece que somos pobres porque somos ricos em recursos naturais. (p. 178)

O que está em jogo não é simplesmente uma crescente e permanente produção de bens
materiais, mas a satisfação das necessidades dos seres humanos, vivendo em harmonia
com a Natureza. O Bem Viver, no entanto, possui uma transcendência maior do que
apenas a satisfação de necessidades e o acesso a serviços e bens materiais. (p.200)

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