Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ROGÉRIO TADEU ROMANO
Procurador Regional da República
O crime de furto cujo objeto de tutela jurídica é a propriedade e a posse, tem
ação típica que consiste em subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel(artigo 155).
Discute‐se o momento consumativo do crime.
Sabe‐se que a consumação dos delitos de furto e de roubo é permeada por
quatro diferentes teorias: a) teoria da contrectatio, pelo qual a consumação se da pelo simples
contato entre o agente e a coisa alheia; b) teoria da apprehensio ou amotio, segundo a qual se
consuma esse crime quando a coisa passa para o poder do agente; c) a teoria da ablatio, onde
a consumação ocorre quando a coisa além de apreendida é transportada, mediante posse
pacífica e segura de um lugar para outro; d) a teoria da illatio exige, para ocorrer a
consumação, que a coisa seja levada ao local desejado pelo ladrão para tê‐la a salvo.
A doutrina clássica da amotio, segundo o qual o furto se consuma com o
deslocamento da coisa, do lugar em que estava situada, foi defendida por Carrara.
Por sua vez, Pessina1 formulou a teoria da ablatio, entendendo que, para a
consumação do furto, era necessário não só a apreensão da coisa, como ainda seu transporte
a outro lugar.
O Supremo Tribunal Federal(RTJ 155/194) já entendeu que se a coisa subtraída
saiu da esfera de vigilância da vítima, está consumado o roubo próprio, pois este fato e a posse
tranquila do objeto roubado, ainda que por breve tempo, dão a tônica entre o roubo
consumado e o roubo tentado. Para tanto, dizia Nelson Hungria2 que a doutrina clássica
considerava que se após o emprego da violência pessoal não puder o agente, por
circunstâncias alheias à sua vontade, executar a subtração, mesmo o ato de apreensão da
coisa é simples tentativa. A consumação se dava com o deslocamento da coisa, mas de modo
que esta se transfira para a posse exclusiva do ladrão.
1
PESSINA, Enrico. Elementi di diritto penale, II, 212.
2
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal, volume VIII, n.23.
Para Heleno Claudio Fragoso3, a consumação do crime de roubo se daria,
sempre, com a efetiva subtração. Haveria tentativa se a vítima resiste, impedindo a
subtração(RT 405/140). Para essa corrente, exige‐se a retirada da coisa da esfera de vigilância
do proprietário ou possuidor. Nessa linha de pensar, veja‐se: Damásio de Jesus4, Magalhães
Noronha,5 dentre outros. Para Oscar Stevenson6 o critério da subtração não é espacial, porém,
como que pessoal. Se, ao tirar a coisa, o agente é perseguido e, finalmente preso, não haverá
furto consumado, pois não chegou a estabelecer o seu poder de fato sobre a coisa, o que exige
a detenção mais ou menos tranquila.
Já se entendeu que há tentativa de furto no fato do agente esconder em suas
roupas a coisa que quer subtrair e é detido ao tentar passar pelo caixa de
supermercado(RJDTACRIM 2/179, 6/78). Há tentativa se o agente não obtém a subtração uma
vez que houve instalação de dispositivo antifurto no automóvel(RJDTACRIM 5/98).
Em verdade, superada esta a fase de aplicação do entendimento segundo o
qual consumava‐se o crime no simples contato do agente com a res objeto de subtração,
como havia no direito romano.
Todavia haverá tentativa se a ausência da coisa é apenas acidental e relativa,
como no caso do ladrão que encontra vazio o bolso da vítima ou o cofre arrombado. Tal não é
crime impossível.
Ora, o delito de roubo assim como o de furto é de cunho material e não
formal. O roubo é, além disso, um crime comum(aquele que não demanda um sujeito ativo
qualificado ou especial); comissivo, especialmente comissivo por omissão; instantâneo, de
dano, plurissubsistente, admitindo tentativa.
Até meados de 1987, o Supremo Tribunal Federal adotava a teoria da ablatio,
segundo a qual os requisitos para a consumação seriam: apreensão da coisa; afastamento da
disponibilidade da vítima e posse tranquila do objeto.
Louvável o voto do Ministro Moreira Alves ao aduzir que ¨para que o ladrão se
torne possuidor, não é preciso, em nosso direito, que ele saia da esfera de vigilância do antigo
possuidor, mas, ao contrário, basta que cesse a clandestinidade ou a violência, para que o
poder de fato sobre a coisa se transforme de detenção em posse, ainda que seja possível ao
3
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal, 7ª edição, parte especial – arts. 121 a 212 CP‐ pág.
267.
4
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal, parte especial, 4ª edição, São Paulo, Saraiva, 1982,
volume II, pág. 353.
5
NORONHA. E. Magalhães. Direito penal, 13ª edição, São Paulo, 1977, volume II, pág. 261.
6
STEVENSON, Oscar. Direito penal comum, 1945, 13.
antigo detentor retomá‐la pela violência, por si ou por terceiro, em virtude de perseguição
imediata.¨
Daí correto dizer que a fuga com a coisa em seu poder traduz de forma
inequívoca a existência de posse(Recurso Extraordinário 102.490 – SP, 17 de setembro de
1987).7
Aplicou‐se o entendimento de que deve ser dispensado, para a consumação do
crime de roubo, o critério da saída da coisa da ¨chamada esfera de vigilância da vitima¨,
contentando‐se com a verificação de que cessada a clandestinidade ou a violência, o agente
tenha a posse da coisa furtiva, ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata(HC
89.959 – SP, Primeira Turma, Relator Ministro Carlos Ayres de Britto, 29 de maio de 2007).
Nessa linha, ainda podemos encontrar: RE 102.490/SP, DJU de 16 de agosto de 2001; HC
89.958/SP, DJU de 27 de abril de 2007, dentre outros julgados.
Ganha, desta forma, no Supremo Tribunal Federal força a orientação de que
não basta que a coisa saia da esfera de disposição da vítima, bastando que cesse a violência
para que o poder de fato sobre ela se transforme de detenção em posse, consumando‐se o
delito(RT 677/428).
Para alguns, então, o crime de furto, tal como o roubo, se consuma quando a
coisa sai de vigilância da vítima(JSTJ 4/292) Por sua vez, a Sexta Turma do Superior Tribunal de
Justiça seguia a doutrina da amotio, como se lê de julgamento no REsp 407.162 – SP, Relator
Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 26 de novembro de 1993 e ainda no EREsp 229.147 – RS,
Relator Ministro Gilson Dipp, julgado em 9 de março de 2005, dentro de precedentes no EREsp
197.848 – DF, DJ de 15 de maio de 2000 e ainda no EREsp 78.434 – SP, DJ de 6 de outubro de
1997.
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.220.817 ‐
SP, DJe de 28 de junho de 2011, em que foi Relator o Ministro Og Fernandes, reafirma esse
correto entendimento no sentido de que o crime de roubo – da mesma forma que o crime de
furto – se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da coisa alheia, ainda
7
RT 135/161.
que não seja a posse tranquila, fora da vigilância da vítima. Veja‐se ainda: Recurso Especial
932.031/RS, Relator Ministro Félix Fischer, DJ de 14 de abril de 2008.
De toda sorte, há julgamento no sentido de que estará consumado o crime,
porém, se agente, antes de ter a posse tranquila da coisa, se desfaz dela quando perseguido,
não a recuperando a vítima(RT 674/359).
O crime de furto é material a se consumar com a subtração, podendo se falar,
por óbvio, em tentativa, quando o agente inicia a execução, de forma dolosa, se o agente
penetra na casa alheia(RT 175/355).
A pena in abstrato é de prisão, de seis meses a três anos.
Mantém‐se o furto privilegiado(artigo 155, § 3º, I) se o agente é primário e for
de pequeno valor a coisa subtraída, o juiz aplicará somente a pena de multa. Para a
jurisprudência, pequeno valor é aquele que não chega a atingir um salário‐mínimo(RT
394/114).
O parágrafo segundo do artigo 155 do Anteprojeto aponta como causas de
aumento de pena de um terço até a metade, se o crime é cometido: com abuso de confiança
ou mediante fraude; com invasão de domicílio; durante o repouso noturno; mediante destreza
ou mediante o concurso de duas ou mais pessoas. Por sua vez, são hipóteses de furto
qualificado, se a subtração: for de coisa pública ou de domínio público; ocorrer em ocasião de
incêndio; naufrágio; inundação ou calamidade pública ou for de veículo automotor com a
finalidade de transportá‐lo para outro Estado ou para o exterior(parágrafo quarto). Se houver
emprego de explosivo ou outro meio que cause perigo comum a pena será de quatro a dez
anos(artigo 155, § 5º).
Há ainda a previsão do furto de coisa comum(artigo 156).
No caso do caput do artigo 155 e ainda dos parágrafos primeiro(furto de
documento de identificação pessoal, a energia elétrica, a água ou gás canalizados, o sinal de
televisão a cabo ou de internet ou item assemelhado com valor econômico) e segundo, há
previsão: a) se o agente for primário e for de pequeno valor a coisa subtraída, o juiz aplicará
somente a multa; b) se houver reparação do dano pelo agente, aceita pela vítima, até a
sentença de primeiro grau, a punibilidade será extinta; somente se procede mediante
representação.
Chama a atenção: que no crime de furto simples e ainda com as causas de
aumento de pena(parágrafo segundo do artigo 155), somente se procederá mediante
representação e ainda que pode ocorrer extinção da punibilidade, se houver reparação do
dano pelo agente, se aceito pela vítima, até a sentença de primeiro grau. Com isso, a ação será
pública condicionada, podendo dar‐se a retratação até antes do recebimento da
denúncia(artigo 100), sendo que o ofendido decai do direito de representação se não o exerce
dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime.
Por outro lado, no furto, diante do exposto no artigo 155, § 3ª, II, do
Anteprojeto, ficará sem efeito a figura do arrependimento posterior, previsto no artigo 16, nos
crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a
coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, reduzindo‐se
a pena de um terço a dois terços. e que é causa obrigatória de diminuição de pena. Tal ainda
se dará com relação aos crimes de apropriação indébita e de estelionato.
Por sua vez, na apropriação indébita(artigo 165 do Anteprojeto), que é crime,
cujo objeto de tutela jurídica é a inviolabilidade do patrimônio, no particular aspecto da
proteção da propriedade contra a apropriação ilícita de quem tem a posse de coisas móveis
alheias, tem ação que consiste em apropria‐se de coisa alheia móvel, de que o agente tem a
posse ou detenção. Pressuposto do fato é que o agente tenha, anteriormente à ação
criminosa, a posse lícita da coisa. É nessa circunstância que reside que se distingue a
apropriação indébita do furto e do estelionato. O furto consiste em subtração, com a qual o
agente viola a posse alheia, tirando a coisa contra a vontade do possuidor. No estelionato, a
coisa é entregue ilicitamente ao agente pelo lesado, induzindo em erro em consequência da
fraude.
Não se exige, na apropriação indébita, que a coisa tenha sido confiada ao
agente, não se constituindo elemento essencial do crime o chamado abuso de confiança. O
certo é que na apropriação indébita a posse do agente deve ser exercida em nome alheio,em
nome de outrem, seja ou não em beneficio próprio.
Pela atual redação do Código Penal, haverá furto qualificado(artigo 155, § 4º,
II, CP) e não apropriação indébita, no caso de empregado doméstico ou de estabelecimento
comercial, que não tenha poder de disposição sobre a coisa.
A materialidade do fato, no crime previsto no artigo 168 do Anteprojeto
consiste o agente de apropriar‐se no todo ou em parte da coisa alheia móvel, isto e, dela
assenhorar‐se; em fazê‐la própria; em praticar sobre ela atos de disposição, como se
proprietário fosse.
Se tratar‐se de coisa fungível e se o agente a tiver recebido em depósito ou
por empréstimo com obrigação de restituir equivalente em espécie, em qualidade e
quantidade, não haverá apropriação, pois, nesses casos, transfere‐se a propriedade.
O crime, pelo Anteprojeto, está sujeito a pena de prisão de seis meses a três
anos.
Há previsão de causa de aumento de pena, de um terço até a metade, se o
agente recebe a coisa: em depósito necessário; na qualidade de tutor, curador, sindico,
comissário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial ou em razão de ofício.
Como no furto, se a lesão patrimonial for de pequeno valor, o juiz somente
aplicará a multa(artigo 168, parágrafo segundo).
Mas, da mesma forma que no furto, há previsão de extinção da punibilidade,
parágrafo terceiro do artigo 168, se a reparação do dano pelo agente se der até a sentença de
primeiro grau, ou decisão em foro por prerrogativa de função, extinguindo‐se a punibilidade,
desde que a vitima aceite.
Pelo novo regime, artigo 165, § 4º, a ação penal somente se procede por
representação.
Por sua vez, o estelionato é ¨obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita,
em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou
qualquer meio fraudulento¨. A pena, prevista no artigo 171 do Anteprojeto, é de um a cinco
anos de prisão.
Tal como no furto, na apropriação indébita, o estelionato é delito instantâneo,
que se consuma com a lesão patrimonial.
Trata‐se de conduta diversa da fraude informática(artigo 170 do Anteprojeto),
que consiste em obter, para sim ou para outrem, em prejuízo alheio, vantagem ilícita,
mediante a introdução, alteração ou supressão de dados informáticos, ou interferência, por
qualquer outra forma, indevidamente ou sem autorização, no funcionamento de sistema
informático, com pena de um a cinco anos de prisão, podendo aumentar de um terço se o
agente se vale de nome falso ou da utilização da identidade de terceiros para tal prática. São
crimes que hoje são cometidos pela internet, em detrimento do patrimônio alheio.
Mas o Anteprojeto traz a novidade do estelionato massivo(parágrafo segundo
do artigo 171), nos casos dos antigos crimes contra a economia popular, quando a vítima é
uma coletividade, um número expressivo de vítimas, quando a pena é aumentada de um a
dois terços.
Pelo parágrafo primeiro do artigo 171, a pena poderá ser aumentada de um
terço até a metade, se o crime é contra a União, Estado, Distrito Federal e Município,
autarquia, fundação instituída pelo Poder Público, sociedade de economia mista ou empresa
pública e mediante abuso, engano ou induzimento de criança, idoso, adolescente ou pessoa
com deficiência mental.
Mas, tal como no furto e na apropriação indébita, o estelionato pode ter
extinta a punibilidade, se a reparação do dano se dá até a sentença de primeiro grau, ou
decisão em foro por prerrogativa de função, desde que a vítima aceite(artigo 171, parágrafo
quarto), sendo a ação penal procedida mediante representação(artigo 171, parágrafo quinto).
Aponta‐se, por fim, que, num erro técnico, o Anteprojeto aduz que não há
crime(quando, em verdade se trata de exclusão da tipicidade, que se afasta da aplicação da
adequação social), artigo 28, § 1º, quando, de forma cumulativa, ocorrerem as seguintes
condições: mínima ofensividade da conduta do agente; reduzidíssimo grau de reprovabilidade
do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. É a bagatela própria. Quem
furta coisa absolutamente insignificante, não age nas mesmas condições de quem está fora da
ilicitude penal como legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito e
estrito cumprimento do dever legal.