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Resumo:
Este trabalho discute questões teóricas e metodológicas
que hoje desafiam a pesquisa em Educação. Examina
as atuais circunstâncias que prendem a experiência
docente à negatividade intrínseca das pedagogias do
“aprender fazendo” e tolhem a pesquisa educacional
na apreensão das relações funcionais dos fenômenos
empíricos. Em contraposição ao predominante ceticis-
mo epistemológico, recorre às idéias de Thompson,
historiador inglês, ressaltando seu interesse em inves-
tigar os procedimentos mais adequados e confiáveis
para se transitar entre teoria e empiria. Nesse contexto,
prioriza dois aspectos de suas propostas de pesquisa:
sua base onto-metodológica, a lógica histórica, e a ca-
tegoria de experiência, articulada à de cultura. Argu-
menta-se que ambas interessam de perto às pesquisas
que se desenvolvem no complexo educativo, que é
social em sua essência – histórico, portanto. Argumen-
ta-se, também, que a experiência educativa em seus
vários níveis só ganha inteligibilidade articulada a suas
determinações concretas.
Palavras-chave: Pesquisa educacional; Pesquisa
**
Professora Titular do Centro social; História
de Ciências da Educação da Uni-
versidade Federal de Santa
Catarina. Doutora em Ciências
Humanas (Educação) pela PUC/
Rio. Pesquisadora do CNPq.
***
Professor Adjunto do Depar-
tamento de Ciências Sociais da
Universidade Federal de Santa
Catarina. Doutor em História
Social pela USP.
Introdução
Nos últimos anos, pesquisadores (DUARTE, 2002, 2003; MORAES,
2001, 2003; EVANGELISTA; SHIROMA, 2003) vêm buscando ofere-
cer elementos objetivos para a compreensão do projeto político que, em
sua cruzada cultural para desfertilizar a escola, tem investido na forma-
ção de um docente desintelectualizado (SHIROMA, 2003), pouco adep-
to ao exercício do pensamento. Tal projeto articula-se a uma disposição
que promove o achatamento do mundo reduzindo o horizonte cognoscível
à experiência sensível. Avilta, assim, as pesquisas educacionais por propô-
las como simples levantamento de dados empíricos, como desenvolvi-
mento de instrumentos de controle desses dados com vistas a descrever
seu provável comportamento futuro, como estratégia de intervenção ou,
ainda, em suas versões “pós”, como narrativas fragmentadas, descri-
ções vulgares das múltiplas faces do cotidiano escolar. Duarte (2003, p.
1) precisa a questão que nos preocupa: “uma pedagogia que desvaloriza
o conhecimento escolar e uma epistemologia que desvaloriza o conheci-
mento teórico/científico/acadêmico”. A insolência de alguns chega a ponto
A lógica histórica
Se o complexo educativo é social em sua essência, ou, dito de outro
modo, é histórico em sua dinâmica, articulações, diversidade e funções,
as formulações de Thompson acerca do “método lógico de investigação
adequado a materiais históricos”, têm muito a ensinar. São oito os pontos
para a discussão da “lógica histórica” apresentada por Thompson (1978,
p. 231-242) em The Poverty of Theory3 , aqui resumidos:
a) “O objeto imediato do conhecimento histórico (...) compreende
‘fatos’ ou evidências certamente dotados de existência real, mas
só se tornam cognoscíveis segundo procedimentos que são e de-
vem ser a preocupação dos vigilantes métodos históricos.”
(THOMPSON, 1978, p. 231).
b) Por sua própria natureza, o conhecimento histórico é provisório e
incompleto; seletivo (mas nem por isso inverídico); limitado e defi-
nido pelas perguntas dirigidas à evidência (e os conceitos que infor-
mam tais perguntas) e, dessa forma, só é “verdadeiro” no interior
do campo assim definido.
c) A evidência histórica possui determinadas propriedades e, nesse sentido,
embora “lhe possam ser formuladas quaisquer perguntas, apenas algu-
mas serão adequadas” (THOMPSON, 1978, p. 231-232). Sendo assim,
são falsas todas as teorias que não estiverem em conformidade com as
determinações da evidência. Em outro momento do texto, ele especifica:
Experiência e cultura
A categoria de experiência, em sua articulação com a de cultura, tal-
vez seja um dos marcos teóricos mais controversos no âmbito da obra
thompsoniana. Alguns intérpretes a compreenderam como sendo de nature-
za superestrutural: a ênfase exagerada na experiência teria conduzido
Thompson a descuidos em relação a categorias econômicas e à
sobrevalorização de aspectos culturais, como se ele se esquivasse das deter-
minações materiais. Outros, como Stuart Hall, por exemplo, enxergam um
caráter empiricista na experiência que comprometeria a discussão teórica
no interior do marxismo. Há ainda os que vêem nele o ponto inicial de um
traço culturalista na historiografia (PEDRO; FLORES, 1995), hipótese par-
tilhada por Bryan Palmer para quem Thompson teria contribuído para a
progressiva “instalação” dos estudos culturais na História Social (PALMER,
1990). Há até os que estranhamente descobrem “que durante todo o tempo
ele foi um pós-estruturalista clandestino” (SCHWARZ, 1995, p. 24-25) e os
que, contrariamente, em vista da repercussão de sua obra, consideram os
referenciais teóricos de Thompson como uma “engenhoca” a ser superada
pelo giro lingüístico e, ao mesmo tempo, desqualificam esses referenciais
como uma “fórmula familiar que seduziu toda uma geração” (JOYCE, 1994,
p. 3-4). Algumas dessas leituras favorecem a “desmarxização” de suas
idéias (MÜLLER, 2002, p. 17), o que, a nosso ver, força uma reorganização
ontológica e epistemológica de seu pensamento.4
Em um debate realizado sobre The Poverty... em dezembro de
1979, um ano após sua publicação na Inglaterra,5 Thompson oferece
importantes esclarecimentos sobre a relação entre experiência e cultura
em resposta às críticas dos demais debatedores. Resumiremos, nesse
espaço, os aspectos por ele pontuados no debate, associados, quando
necessário, a seus argumentos em The Poverty....
Thompson é incisivo ao refutar o suposto caráter culturalista de sua
obra e a reafirmar a categoria de experiência nos termos materialistas
originalmente por ele propostos. Não aceita a acusação de Richard Johnson
de que teria interpretado à luz da cultura a categoria marxista de consciên-
cia de classe e contribuído para fortalecer os estudos culturais com seu
The Making of the English Working Class (1963). Em suas palavras:
“Rejeito, incondicionalmente, o título de ‘culturalismo’ dado à tradição
historiográfica marxista da qual sou considerado representante.”
Palavras finais
É fecunda a proposição thompsoniana de que é tarefa do pesquisa-
dor explicar um evento em como e por que ele se moveu em uma determi-
nada direção e também os princípios e tendências fundamentais deste pro-
cesso. A nosso ver, suas reflexões sobre a pesquisa e sobre a importância
do desvelamento das determinações concretas do objeto a ser pesquisado
constituem um protocolo apropriado às ciências sociais e humanas.
É estimulante pensar, por exemplo, que uma experiência singular –
a prática e o saber docente, o currículo, as políticas educacionais, o coti-
diano escolar, entre outras – não “permanece submissa” ao ser
investigada, mas agita-se dentro do ser social e, neste movimento, irrompe-
se contra a consciência social prevalecente; que a experiência surge
sem anúncio, exerce pressões, propõe novas questões e oferece os da-
dos a serem lidos pelos exercícios intelectuais; que o conhecimento é
provisório e incompleto, seletivo, limitado e definido pelas perguntas
dirigidas à evidência (e os conceitos que informam tais perguntas) e que
a verdade só pode ser pensada no interior do campo assim definido; que
sempre surgirão novas formas de interrogar o objeto ou de evidenciar
aspectos até então desconhecidos e que, por isso mesmo, o produto da
investigação estará sempre sujeito a modificações.
Desta compreensão não decorre, no entanto, qualquer relativismo ou
negação da ontologia ou “que os acontecimentos passados se modifiquem
ao sabor de cada interrogação investigativa ou que a evidência seja
indeterminada”. Como destacamos no início do trabalho, o pensamento
thompsoniano é contraponto ao ceticismo epistemológico corrente, à visão
relativista que nega a possibilidade do conhecimento objetivo e ao atual
anti-realismo. Para concluir, vale sublinhar a convicção de Thompson acerca
da possibilidade do conhecimento objetivo, cuja efetivação se dá na conju-
gação e no diálogo entre teoria e prática. Vale lembrar, ademais, seu dis-
curso de demonstração, a ser conduzido nos termos da lógica histórica.
Por esta razão, ele afirma, a teoria tem conseqüências, o que não deve ser
indiferente aos que pensam a pesquisa em educação.
Notas
* Texto aceito para apresentação no GT Filosofia e Educação, XXVI
Reunião Anual da ANPEd, Poços de Caldas, MG, outubro de 2003.
1 A miséria da teoria foi publicada no Brasil em 1981 e A formação
da classe operária inglesa apenas em 1987.
2 Os principais eventos políticos de 1956, o discurso de Khruschev
no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (e a
divulgação de um relatório sobre o período de Stalin), as crises do
Canal de Suez e a de Chipre e a invasão soviética da Hungria,
levaram vários filiados a abandonar o Partido Comunista Britânico,
inclusive muitos historiadores, entre eles Thompson.
3 Como o descreve Müller (2002, p. 150), trata-se de um texto
construído “contra o estruturalismo de Louis Althusser (‘o Aristóteles
do novo idealismo marxista’).”
4 Vale lembrar, a esse respeito, que também Gramsci, Vigotski e
Bakhtin sofreram investidas similares.
5 Esse debate fez parte da programação de um Seminário, sob a
coordenação de Raphael Samuel, promovido pelo Ruskin College e
pelo grupo “History Workshop”. Participaram Stephen Yeo, como
presidente do painel; Stuart Hall, com o trabalho “In Defense of
Theory”; Richard Johnson, com o texto “Against Absolutism” e E.
P. Thompson, com “The Politics of Theory”, com o qual responde
aos dois debatedores. Cf. Samuel (Ed.) (1981). O debate é repro-
duzido no capítulo “Culturalism: Debates around The Poverty of
Theory”, p. 375-408. Cf. Müller (2002, p. 190 et passim).
6 Para Müller (2002), a noção de junction-concepts é resultado de
um conjunto de discussões entre Thompson e Raymond Williams,
como também o conceito de determinação e o conceito de “estru-
turas de sentimento”, desenvolvido por Williams e incorporado por
Thompson. Cf. Williams (1979, p. 89 e 134-135).
Referências
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Abstract: Resumen:
The aim of this article is to discuss some El presente trabajo discute cuestiones te-
theoretical and methodological issues that óricas y metodológicas que hoy desafían
challenge educational research nowadays. a la investigación educativa. Examina las
It examines the circumstances that constrain actuales circunstancias que amarran la
teaching experience to the intrinsic experiencia docente a la negatividad in-
negativity of the principle of the “learning trínseca de las pedagogías del “aprender
by doing” of pedagogical practices and haciendo” y obstaculizan a la
restrain educational research to the investigación educativa en la aprehensión
apprehension of empirical functional de las relaciones funcionales de los
relationships. The arguments stand in fenómenos empíricos. En contraposición
opposition to the current epistemological al escepticismo epistemológico predomi-
skepticism and within this framework put nante, se recurre a las ideas de Thompson,
forward the ideas of the British historian E. historiador inglés, señalando el interés del
P. Thompson and his preoccupation in autor en investigar los procedimientos más
finding the most adequate and reliable adecuados para transitar entre la teoría y el
procedures to relate theory and practice. campo empírico. En ese contexto, el artícu-
The text underpins two of his most lo prioriza dos aspectos: su base onto-
important concepts: the onto- metodológica, la lógica de la historia, y la
methodological basis, the logic of History, categoría de experiencia, articulada a la de
and the category of experience articulated cultura. Se argumenta que ambas interesan
with that of culture. The article argues that a las investigaciones que se desarrollan
those concepts are of deep importance to en el ámbito educativo, que es social en su
educational research, which is essentially esencia – y por lo tanto histórico. También
social and historical, and that educational se discute que la experiencia educacional,
experience can only attain intelligibility if en sus diferentes niveles, solamente gana
articulated to its concrete determinations. inteligibilidad articulada con las
Key words: Educational research; So- determinaciones concretas.
cial science research; History Palabras-claves: Práctica de la
enseñanza; Investigación educativa;
Ricardo Gaspar Muller Investigación social
Caixa Postal 5205
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ricardogmuller@uol.com.br
Maria Célia Marcondes de Moraes
Rua Maria Flora Pausewang 245 apt. 501
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mcmm@uol.com.br Aprovado em: 21/10/2003