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Por um lado são garantias para que se conteste as condutas de um governo segundo a

amplitude da oposição pública e da competição política

Considerando estas duas dimensões, a da competição política e da inclusividade nela permitida,


Dahl coloca o direito ao voto como pertencente a ambas. Tendo direito ao voto somente alguns
dos cidadãos, isto poderá levar a uma maior contestação política; o aumento, no entanto, do
número de cidadãos portadores de tal direito significa um regime mais inclusivo. Ainda assim, vê
a variação destas duas dimensões como relativamente independentes entre si no curso
da história, mostrando exemplos em que uma dimensão tenha se desenvolvido anteriormente a
outra.

Sob seu ponto de vista, no entanto, é mais democrático um regime que seja menos inclusivo e
mais tolerante à contestação do que a contestação sendo restrita ou inexistente ainda que a
inclusão seja praticamente plena. O exemplo que tem em mente muito provavelmente é o da
União Soviética que detinha um regime hegemônico, fechado à contestação e, mesmo assim,
com grande parcela da população participando da condução desta política. O que ocorre, no
entender de Dahl, é que a participação apenas legitima a administração de políticas que já foram
deliberadas, não há espaço para que se conteste de fato os abusos por parte do regime nem
que se lhes dê outro rumo. Além do mais, com um alto poder de manipulação, na medida em
que se restringem, por exemplo, fontes alternativas de informação, uma população poderá muito
bem não estar fazendo pleno uso de suas faculdades decisórias e sim apenas outorgando aquilo
que lhes é imposto

O autor, então, atenta para o fato de sua análise ser limitada na medida em que sua escala seja
classificatória e não relacional podendo por isso desconsiderar algumas nuances. Assim faz a
escolha por uma terminologia mais adequada à realidade que seja a da poliarquia em detrimento
da democracia já que esta jamais teria se concretizado plenamente. Seus limites práticos
estariam expressos no esquema classificatório entre hegemonias fechadas (regimes que
careçam quase ou totalmente de oposição pública e, portanto, de competição pelo poder
político), inclusivas ou não (tendo alta ou baixa taxa de inclusão da população na política desses
regimes), oligarquias competitivas (regimes em que a participação seja restrita a uma pequena
parcela da população, mas que seja altamente tolerante à oposição pública e permita assim a
competição política) e poliarquias (regimes que alcançaram graus substanciais de inclusão tanto
quanto de competição políticas). Estas quatro classificações expressam as linhas gerais de
regimes que Dahl quer discutir analisando suas transformações. Elas seriam casos extremos em
que a região média entre eles conteira provavelmente a maior parte dos regimes existentes. Os
termos devem então ser considerados como úteis, ainda que arbitrários.

Após este trabalho de conceituação e tipificação, a questão inicial adquire novos elementos e
poderá ser formulada da seguinte maneira: Que condições favorecem ou desfavorecem a
democratização de um regime hegemônico? O que aumentam as chances de contestação
política neste regime? O que favorece a constituição de uma poliarquia, ou seja, de um regime
competitivo e inclusivo?

Qualificações
É preciso considerar a democratização como um processo histórico. No caso do ocidente, como
constata Dahl, o percurso recorrente foi de oligarquias competitivas para poliarquias, ou quase-
poliarquias.

A análise do autor, é preciso ressaltar, foi tomada a partir do Estado-nação. As unidades sub-
nacionais têm sim relevância na consideração do grau de democratização de um regime, mas
pelos limites da obra só serão consideradas na medida em que sofrerem mudanças por conta da
classificação da unidade nação.

Hipóteses

Dahl sugere nesta seção algumas hipóteses com que irá trabalhar no desenvolvimento de seu
trabalho. São elas:

 O avanço da poliarquia aumenta o número de indivíduos, grupos e interesses cujas


preferências deverão ser levadas em conta nas decisões políticas. Isso abre precedentes
para que haja conflito no poder e também que os grupos que o detêm sejam substituídos.
Quanto maior o conflito maior será o esforço de cada parte em negar à outra a oportunidade
de participação nas decisões políticas e, assim, maiores serão as dificuldades para a
tolerância.
 Quanto maior o conflito maior a tendência dos governos restringirem a participação de seus
opositores na política. A tolerância entre as partes será mais difícil na medida em que se
tenha um maior conflito e com a oposição, precisando do controle do estado para suprimir os
governantes.

O autor parte assim para a formulação de axiomas a partir destas suas hipóteses.

Axioma I:

A diminuição dos custos da tolerância propicia uma maior chance de sua efetivação para
com a oposição por parte do governo. Suprimir a oposição pode também ser muitos
custoso, ou melhor, ter graves consequências para o governo e sua estabilidade. É
preciso levar isso em consideração para contra balancear com os custos da tolerância.

Axioma II:

Um governo será tolerante com altos custos de supressão. Desta forma sistemas
poliárquicos dependem de um novo axioma:

Axioma III:

Com custos da supressão maiores que os da tolerância maior a possibilidade de um


regime competitivo.

Desta forma podemos sintetizar: Tolerância menos custosa significa maior


segurança para o governo. Supressão mais custosa significa maior segurança para
a oposição. É preciso, portanto, caminhar para um sistema de garantias mútuas e
com alto grau de contestação e participação.

O capítulo coloca, então, duas questões tendo em vista todas as considerações até
agora levantadas:

 Como garantir uma segurança mútua entre governo e oposição?


 Antes o autor quer saber: Qual a importância da poliarquia?

CAPÍTULO II – Qual a importância da


poliarquia?[editar | editar código-fonte]
Serão agora consideradas as diferenças entre regimes:

Pessoas que viveram ou não sob regimes ditatoriais tendem a divergir sobre as
diferenças entre regimes. Por exemplo, a liberdade pode parecer ser permanente
aos que não viveram sob ditaduras fazendo-os serem críticos em relação a regimes
quase-poliárquicos.

A verdade é que uma população pode ser privada da liberdade mostrando o quanto
pequenas mudanças fazem diferença. Para demonstrar tal asserção Dahl apontará
elementos constitutivos do processo de democratização:

 Existência de fato das liberdades liberais clássicas;


 Participação ampliada e mais competição política. Mudanças na liderança
política - os setores antes excluídos passam a ocupar cargos públicos. Não
necessariamente o legislativo passará a representar equitativamente as frações
da sociedade, mas o aumento do sufrágio vincula mais o representante à base,
o torna mais responsivo aos cidadãos que o elegeram;
 Dando continuidade ao elemento anterior, quando há mais competição e/ou
inclusão, mais os políticos buscam apoio de grupos que têm, agora, mais
facilidade na participação da vida pública provocando mudanças no próprio
sistema partidário;
 Há contestação pública de um padrão de se fazer política quando há transição
no sentido de regimes mais poliárquicos durante um período considerável, ou
estável;
 Os partidos se modificam: eleitorados maiores necessitam de organizações
partidárias modernas. As relações não podem mais se dar na informalidade. Os
partidos agora devem chegar a âmbitos mais empíricos, cotidianos da
sociedade (como bairros, núcleos, células, etc.). Os resultados da competição
política mais acirrada e através de sufrágio amplo também acarretam numa
participação eleitoral provavelmente mais alta em distritos eleitorais com
partidos concorrentes;
 Oportunidade de expressar, organizar e representar preferências políticas
fazendo com que mais interesses possam ser contemplados na representação
política fazendo das instituições políticas locais de disputa e não perpetuação da
ordem. As hegemonias, como apontado anteriormente, são o contrário disso,
mesmo que inclusivas;

Apesar da importância da instância política que vem sendo destacada até agora, as
implicações políticas de uma determinada orientação do regime tem menos efeito
sobre a participação do que fatores sócio-econômicos de uma sociedade. Às
pessoas que se encontram excluídas da política de um país, nem mesmo as
poliarquias oferecem algum tratamento diferenciado. É preciso, no entanto, levar em
consideração o nível de coerção física a grandes parcelas da sociedade.

É possível, por outro lado, que em períodos prolongados diferenças de regime


produzam mudanças nas crenças, cultura, atitudes de uma população. Não é o caso
somente de ver na sua cultura uma predisposição a certos regimes. Estes também
produzem consequências diversas. Daí a importância da política no
desenvolvimento social.

Em fim, Dahl considera que o caminho para poliarquias não é inevitável, suas
condições não são comuns e nem fáceis de se criar como pode-se concluir ao se ter
em mente as variáveis citadas até agora. São antes frutos de um processo
frequentemente frágil e dependente, segundo o autor, de sete condições principais,
quais sejam: sequências históricas, grau de concentração na ordem sócio-
econômica, nível de desenvolvimento sócio-econômico, desigualdade, clivagens
sub-culturais, controle estrangeiro e crenças de ativistas políticos.

CAPÍTULO X – A teoria: resumo e


qualificações[editar | editar código-fonte]
Estas sete condições para a construção da poliarquia serão utilizadas pelo autor
para construir uma escala de 1 a 10 significando condições menos e mais favoráveis
à poliarquia respectivamente.

Não necessariamente hegemonias fechadas têm todas as suas condições


homogeneamente distribuídas na escala como menos favoráveis à poliarquia. As
variações podem ser grandes. Também os caminhos a se chegar a uma poliarquia
não são lineares, e mesmo quando alcançada não há garantias de estabilidade.

CAPÍTULO XI – Pós-escrito: algumas


implicações para estratégias de
mudança[editar | editar código-fonte]
A perspectiva aqui adotada é a de que as mudanças de regimes são graduais, parte
de um processo instável tanto quanto incerto. Deve-se, portanto, levar em conta os
fundamentos, as bases sobre as quais se sustentam as poliarquias, principalmente
as recém criadas. Se constituídas por meio de revoluções, provavelmente serão em
sociedades com tradições hegemônicas ou não-inclusivas em que não haja espaço
para mudanças graduais. Neste caso, seus fundamentos serão por demais frágeis e
facilmente suscetíveis de retrocesso com relação à perspectiva de se ter a
democracia como norte, isto porque com tradição de hegemonias, as poliarquias
podem parecer deveras lentas em suas tomadas de decisões ou até mesmo
inoperantes, ainda mais quando são implantadas sem qualquer preparo no conflito e
na tolerância entre posições políticas divergentes.

De outra forma, as revoluções serão apenas momentos de um processo que já


vinha ocorrendo. Num tal caso, obviamente, as poliarquias terão bases mais sólidas
para se sustentar. De qualquer maneira nada garante no caso dessas
transformações acentuadas, que terão êxito em seus objetivos mais diretos, não
excluindo a percepção de que tenham consequências a longo prazo e estas
imprevisíveis dum ponto de vista científico.

Implicações para a ajuda externa

No caso da ajuda externa no intuito de iniciar um processo de democratização em


outro país é preciso conhecimento dos nexos causais que vão da ajuda externa às
mudanças de fato do regime. Se o país detém todas as sete condições, citadas ao
fim do capítulo II, em estado favorável à poliarquia mas estiver sob o regime de uma
ditadura impopular, o que constitui uma raridade estatística, como coloca o autor,
mudanças ou decisões drásticas serão imprescindíveis. A ajuda econômica, no
entanto, é necessária geralmente em países que não tem tais condições satisfeitas.

Dahl irá, portanto, indicar três estratégias principais e analisá-las:

1. Invadir o país e afastar o governo pela força em favor de uma poliarquia e


protegê-la depois.
2. Apoiar movimentos democráticos revolucionários no interior do país.
3. Apoiar o governo existente e pressioná-lo à mudança.

A primeira teve alguns êxitos no passado, mas muitos fracassos. Como exemplo, o
autor lembra que o colonialismo desapareceu após a 2ª Guerra Mundial e o
neocolonialismo igualmente se mostra incapaz de obter êxitos significativos. E mais,
o caso da invasão norte-americana ao Vietnã foi um fracasso total.

A segunda também tem poucas chances de sucesso. As relações dentro de um país


com seguimentos revolucionários são muito complexas e provavelmente fugirão à
compreensão dos países que tentarem tal intervenção. Se o movimento
revolucionário detém aceitação popular de pouco servirão recursos externos uma
vez que o êxito de tal movimento estará amplamente amparado, se não detiver tal
apoio raramente terá êxito mesmo que tome o poder. Isto somado ao fato de que
movimentos revolucionários geralmente acabam substituindo regimes hegemônicos
por outros de mesma natureza.

A terceira estratégia parece a Dahl como a menos provável de ter sucesso. Líderes
de regimes hegemônicos dificilmente destruirão seus próprios regimes em favor de
ajuda externa. Além do que, historicamente não parece haver caso nenhum de
sucesso com base numa tal estratégia.

Em quais casos, portanto, a ajuda externa poderá ser necessária e desejável,


pergunta-se Dahl? Distingue, então, para responder a esta questão, quatro bases
argumentativas sobre as quais a ajuda poderá ser prestada:

1. Base humanitária: esta levaria em conta o argumento moral e altruístico de


que ricos detêm interesses próprios e racionais para prestar ajuda aos
pobres, e isto sendo válido no caso de países nas mesmas condições em
questão. Num tal caso, diz Dahl, de pouco importam as preferências
ideológicas do país que presta ajuda, logo, esta, mais facilmente, deveria
ser concedida por organizações internacionais ou multilaterais em lugar de
organizações puramente nacionais.
2. Base desenvolvimentista: podendo ser considerada como parte da primeira,
o argumento levado em consideração neste caso seria o de que o
desenvolvimento sócio-econômico de uma sociedade, a longo prazo,
favoreceria à poliarquia. Esta, no entanto, como explicitado anteriormente, é
uma das condições para o desenvolvimento da poliarquia e, como tal, é
insuficiente por si só para tanto. Novamente, a ajuda a um ou outro país não
poderia ser defensável de antemão com base neste argumento e, portanto,
não poderia ter como fundamento uma ideologia, logo, sendo
preferivelmente executada por órgãos internacionais.
3. Base moral: neste caso, os cidadãos de uma poliarquia bem sucedida
materialmente deveriam prestar ajuda externa a países que a solicitassem
se estivessem estes em franco processo de democratização, ou melhor, de
liberalização e participação, como aponta Dahl. Este argumento parece ser
o mais razoável entre os demais.
4. O último argumento não parece se assentar sobre qualquer lógica, a não
ser a crença de que a ajuda por si só será a causadora de mudanças num
regime hegemônico. Como já dito anteriormente, esta crença não tem
sustentação empírica ao passo que historicamente tem sido falha em suas
tentativas. Para Dahl, a perspectiva da ajuda externa deve ser a moralidade
e a compaixão, ou então o interesse próprio racional e não uma crença
insustentável lógica e empiricamente.

Implicações da ação política

Nesta seção Dahl irá apontar para o que entende como sendo contribuições de seu
trabalho à ação política no interior de um país em que se deseja uma transformação
do regime. A contribuição, diz, será própria a questões estratégicas e não táticas.

A primeira conclusão a que se chegará após as considerações feitas neste livro é a


de que as possibilidades para uma transformação são limitadas. Muitas vezes
restará pouco espaço para ação fazendo-a depender mormente de um
desdobramento histórico mais favorável. O que para o autor se encontra ao alcance
da escolha humana deliberada é o aumento de oportunidades para a contestação
pública de que dispõem os opositores de um governo, não tanto quanto a
possibilidade destes efetivarem seus objetivos. O alcance desta escolha humana, é
claro, estará restrito aos limites impostos pela classificação na escala com base nas
8 garantias anteriormente citadas.

Outro ponto a ser considerado pela perspectiva da ação política são as garantias
mútuas. Os custos da tolerância tanto dos governos para com seus opositores como
o contrário devem ser reduzidos implicando isto em garantias mútuas contra a
destruição, a coerção extrema e danos graves. A liberalização dos regimes,
portanto, diz Dahl, requer que se busquem tais garantias. Estas são de extrema
importância em nações que apresentem clivagens culturais, devendo estas serem
respeitadas para que se possam estabelecer tais garantias e assim favorecer à
poliarquia. A tolerância às clivagens poderia levar ao imobilismo político, como diz o
autor. Porém, a longo prazo uma tal condição poderia criar um respeito mais amplo
às instituições de participação e contestação públicas fortalecendo a ação dos
governos a nível nacional.

Com respeito a esta última asserção é que se coloca o problema da autoridade


executiva. A crença na democracia representativa e a consideração de que regimes
parlamentares seriam os únicos detentores da legitimidade de ação por serem a
representação dos interesses do povo deixando a autoridade executiva subordinada
em demasia à assembléia legislativa não teve, até então, grandes êxitos. A
incapacidade do poder executivo em enfrentar problemas pode levar ao apoio de
governos hegemônicos que sejam mais eficazes e atuantes. Desta forma faz-se
necessário uma ponderação entre a independência e a dependência (também para
que não se criem situações opressivas) da autoridade executiva.

Quando tratando das garantias, a liberalização defendida pelo autor é agora


ponderada pelo mesmo na medida em que poderia causar, em determinados graus,
a emergência excessiva de clivagens tornando-as insolúveis e, assim, aumentando
os custos da tolerância. Deve-se, no caso, levar em consideração a homogeneidade
de uma nação para a formulação de seu sistema partidário mais ou menos
fragmentado, respondendo assim às suas necessidades. Mas é preciso ter em conta
que mesmo no caso da fragmentação o intuito deverá ser a integração nacional para
que não se criem conflitos insolúveis e, portanto, um alto custo da tolerância.

E finalmente o autor se coloca a frente do problema dos governos locais, ou das


unidades sub-nacionais. Sua existência na condição de serem representativos
favorece, com certeza, ao desenvolvimento da tolerância e da capacidade de
resolver conflitos. Como vê, é mais prudente liberalizar, numa situação de
democratização de um regime hegemônico, unidades sub-nacionais na medida em
que levaria a oposição a enfrentar problemas concretos e não tanto abstrato-
ideológicos. Assim também haveria menos ameaça à liderança política que ainda
enfrenta uma situação hegemônica, de oposição restrita e em que, provavelmente,
se terão fortes sentimentos contrários ao regime se a liberalização for abrupta e
inconsequente.

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