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Nota de Aula

Habermas e a teoria discursiva do direito

HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade . Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1997. pp: 113-240

Capítulo 3 - Um primeiro enfoque reconstrutivo do Direito


o sistema de direito

1. Uma teoria social que pretenda ser "crítica" não pode se limitar a descrever, da ótica de um observador, a
relação entre norma e realidade.
2. Ponto de partida os direitos que os cidadãos devem concordar em reciprocamente se reconhecerem, se
desejam regular de forma legítima o seu viver conjunto por meio do Direito Positivo.
3. O sistema de direitos como um todo é perpassado por aquela tensão entre faticidade e validade que
caracteriza o modo ambivalente da validade jurídica.
4. O conceito de direito subjetivo corresponde ao conceito de liberdade subjetiva
5. Os direitos subjetivos definem as mesmas liberdades para todos os indivíduos ou sujeitos jurídicos
compreendidos como titulares de direitos subjetivos.
6. Kant formula seu princípio universal do Direito – é jurídico qualquer ato que se conforme à máxima de
que o livre arbítrio de uma pessoa há que se conjugar com a liberdade de todos consoante uma lei universal.
7. Rawls - primeiro princípio de Justiça: "cada pessoa há de ter um direito igual a mais extensa liberdade
básica compatível com similar liberdade para os outros".
8. O conceito de lei explicita a ideia de tratamento igualitário já contida no conceito de Direito: na forma de
leis universais e abstratas todo sujeito recebe os mesmos direitos
9. O Direito Moderno desloca as expectativas normativas dos indivíduos moralmente desobrigados para leis
que assegurem a compatibilidade das liberdades.
10. Essas leis retiram sua legitimidade de um procedimento legislativo que, por sua vez, funda-se no
princípio da Soberania Popular.
11. O paradoxo da legitimidade como legalidade – por um lado são direitos subjetivos, esses direitos gozados
pelo cidadão revelam, por um lado, a mesma estrutura de todos os direitos que garantem ao indivíduo esferas
de livre arbítrio. Por outro lado, os procedimentos legislativos democráticos hão de confrontar seus
participantes com as expectativas normativas de orientação no sentido do bem comum;
12. O Direito só pode cumprir a função de estabilizar expectativas de comportamento se ele preservar uma
conexão interna com a força da ação comunicativa socialmente integradora.
13. conexão problemática entre as liberdades subjetivas privadas e a autonomia cívica com a ajuda do
conceito discursivo do Direito e relação entre Direitos Humanos e a Soberania Popular na tradição do
Direito Racional

I - A autonomia privada e a pública, Direitos humanos e Soberania Popular.

1. Teoria do direito subjetivo e a filosofia idealista do Direito – Savigny - uma relação jurídica assegura "o
poder devido à pessoa individual: a vontade impera e o faz com o nosso consentimento” - vinculação das
liberdades subjetivas ao reconhecimento intersubjetivo dos coassociados jurídicos
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2. Puchta - o Direito é essencialmente direito subjetivo: "o Direito é o reconhecimento da liberdade devida
em igual medida aos seres humanos enquanto sujeitos do poder de vontade - os direitos subjetivos são
direitos negativos que protegem os reinos de ação individual;
3. Kant - a concha protetora do "poder de império individual" é subtraída do cerne normativo de uma
liberdade da vontade legítima e merecedora de proteção.
4. Windscheid - os direitos subjetivos são considerados reflexos de uma ordem jurídica que transfere o poder
de vontade nela objetivamente incorporado para os indivíduos: "direito é um poder ou domínio de vontade
conferido pela ordem jurídica."
5. Utilitarismo de Jhering - o interesse e não a vontade constitui a substância do Direito - " o direito
subjetivo é um poder jurídico - uma capacidade jurídica - atribuído ao indivíduo pela ordem jurídica”;
6. Hans kelsen caracteriza o direito subjetivo em geral como interesses objetivamente protegidos pelo
Direito e como livre arbítrio, ou "desejos permissíveis", objetivamente garantido por lei, provida de validade
normativa
7. Kelsen desvincula o conceito jurídico de pessoa não apenas da pessoa moral, mas, inclusive, da pessoa
natural, porque um sistema jurídico plenamente autônomo deve prosseguir mediante suas ficções
autoproduzidas - abre caminho para que a dogmática jurídica conceba os direitos consoante linhas
puramente funcionalistas.
8. Raiser e reinterpretação funcionalista - buscou corrigir o enfoque individualista por meios sócio-jurídicos
e, assim, restituir ao Direito Privado o seu conteúdo moral.
9. O Estado de Bem-estar-social restringe o conceito de direito subjetivo, preservado sem alteração, às
liberdades clássicas - os direitos fundamentais são pensados para assegurar "a autoafirmação e a
responsabilidade individual da pessoa na sociedade" e suplementados por direitos sociais - retoma o sentido
intersubjetivo do direito subjetivo
10. Os direitos "subjetivos" surgem contemporânea ou equiprimordialmente com o Direito "objetivo" – não é
suficiente o acréscimo de uma maneira meramente aditiva dos direitos sociais. 11. Problema real dos direitos
civis - a fonte da qual o Direito positivo retira sua legitimidade não é suficientemente explicada – a fonte de
toda legitimidade reside no processo de elaboração legislativa democrática que reclama o princípio da
soberania popular;
12. Hobbes – o problema deveria ser diretamente resolvido com a constituição da autoridade do Estado - a
tensão entre faticidade e validade construída no interior do próprio Direito é dissolvida se a dominação
juridicamente constituída puder ser retratada como a manutenção de um sistema de egoísmo preferido por
todos os participantes – reconstrói o ato como um contrato para o comando, para a dominação política, para
a soberania, celebrado por todas as partes em favor de um soberano instalado no vértice da organização
política por essas mesmas partes.
13. Kant - os direitos subjetivos não podem ser fundados mediante a retomada de um modelo do Direito
Privado - Hobbes não nota a diferença estrutural entre o fundamento de legitimação encontrado no contrato
de estabelecimento das relações sociais e o do contrato privado
14. Kant vê o direito humano primordial como fundado na autonomia da vontade dos indivíduos que,
enquanto pessoas morais, têm precedentemente à sua disposição a perspectiva social de uma razão que
escrutina as leis – o direito humano deve se diferenciar em um sistema de direitos subjetivos mediante o
qual tanto "a liberdade de cada membro da sociedade, enquanto ser humano," quanto "a igualdade de cada
membro em relação aos demais, enquanto súdito", assumem conformação positiva.
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Digressão
1. As duas ideias de Direitos Humanos e de Soberania Popular determinam até hoje a autocompreensão
normativa dos Estados Democráticos de Direito.
2. A história da teoria é um componente necessário, em que se reflete a tensão entre a faticidade e a validade
construídas no interior do próprio Direito, entre a positividade do Direito e a legitimidade por ele pretendida.
3. A racionalização do Mundo da Vida torna cada vez mais difícil que se confie à tradição e às convenções
éticas assentadas a satisfação da necessidade de legitimação do Direito promulgado, que descansa sobre as
decisões mutáveis do legislador político.
4. A trilha dos desenvolvimentos é a da racionalização do Mundo da Vida – 1º passo: tematização das
tradições culturais e os processos de socialização e 2º passo - auto-realização e autodeterminação -
questões éticas e questões morais assumem um novo sentido, subjetivista;
5. Heidegger usou a fórmula "projeto em aplicação-lançado" para expressar a expectativa dessa apreensão
exploratória das possibilidades factualmente dadas e moduladoras da identidade.
6. Novo tipo de tensão entre a consciência da contingência, a auto-reflexão, e a responsabilidade de cada um
por sua própria existência.
7. Schleiermacher, Droysen, Dilthey e Gadamer - a hermenêutica filosófica - historicismo, a identidade pós-
tradicional e o parentesco entre o historicismo e o nacionalismo, o dogmatismo histórico-nacionalista, o
pluralismo nas formas de se ler as tradições ambivalentes ocasionou recorrentes discussões voltadas para
uma autocompreensão, o que vem esclarecer que as partes em disputa devem conscientemente escolher as
continuidades em que querem prosseguir a viver, ou seja, com quais tradições querem romper e quais as que
querem reforçar o seu curso.
8. o significado das expressões "autolegislação" ou "autonomia moral" corresponde, na esfera de conduta da
vida pessoal, à interpretação jurídico-racional da liberdade política, ou seja, à autolegislação democrática
para a constituição de uma sociedade justa.
9. A racionalização de um Mundo da Vida é medida pelo grau de penetração nas estruturas do Mundo da
Vida dos potenciais de racionalidade construídos na ação comunicativa e liberados no discurso, firmando
essas mesmas estruturas e dando-lhes curso.
10. A substância ética, a eticidade, das formas coletivas de vida recolhe seus padrões, por um lado, das
utopias de uma vida em comum solidária e não alienada no horizonte das tradições autoconscientemente
apropriadas e criticamente repassadas.
11. Os componentes do mundo da vida: a "cultura", as "estruturas de personalidade" e a "sociedade",
enquanto totalidade das ordens legitimadas,
12. As alterações nos dois primeiros componentes do Mundo da Vida são capazes de explicar porque as
ordens jurídicas modernas devem encontrar sua legitimação, em um grau crescente, tão só em fontes que não
conduzam (o Direito) ao conflito com os ideais e as ideias de justiça da vida pós-tradicional que previamente
tenham se tornado oficialmente imperativos para a conduta pessoal de vida e para a cultura.
13. Os Direitos Humanos e o princípio da Soberania Popular constituem as únicas ideias à luz das quais o
Direito moderno pode ainda se justificar – resultam da "filtragem" levada a efeito pela justificação pós-
tradicional da substância normativa de um ethos fixado nas tradições metafísicas e religiosas.
14. Liberais e republicanos: liberal – moral-cognitivo - Direitos Humanos como algo dado, fixado em um
fictício estado de natureza - republicanos (ético-valorativos) a vontade ético-política de uma auto-
atualização coletiva não pode reconhecer algo que não corresponda ao seu projeto próprio e autêntico de
vida.
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15. Rousseau e Kant buscam conceber a noção de autonomia como a unificação prática da razão e da
vontade soberana de tal modo que a ideia de Direitos Humanos e o princípio da Soberania Popular
interpretem-se mutuamente.
16. A conexão entre DDHH e Soberania popular permanece oculta tanto para Kant quanto para Rousseau -
as premissas da filosofia do sujeito permitem que se articule conjuntamente razão e vontade em um conceito
de autonomia, tal articulação apenas pode ser feita atribuindo-se essa capacidade de autodeterminação a um
sujeito, seja ao ego inteligível da "Crítica da Razão Prática", seja ao "povo" do "Contrato Social".
17. A legitimidade do Direito, em última instância, depende de um determinado arranjo comunicativo:
enquanto participantes no discurso, os coassociados jurídicos devem se encontrar aptos a examinar se uma
norma contestada merece ou não a aquiescência de todos os possíveis afetados –
18. a almejada conexão interna entre Soberania Popular e Direitos Humanos consiste no fato de que o
sistema de direitos postula precisamente as condições sob os quais as formas de comunicação necessárias
para um procedimento legislativo politicamente autônomo possam ser juridicamente institucionalizadas.
19. O sistema de direitos não pode ser reduzido nem a uma leitura moral dos Direitos Humanos, nem a uma
leitura ética da Soberania Popular, porque a autonomia privada dos cidadãos não pode ser posta acima e nem
subordinada à sua autonomia política.
20. As instituições normativas que associamos aos Direitos Humanos e à Soberania Popular só alcançam
efeito pleno no sistema de direitos se admitimos que o direito a iguais liberdades subjetivas não pode ser
imposto como um direito moral de tal modo que simplesmente estabeleça uma barreira externa à atividade
do legislador soberano, nem instrumentalizada como um requisito funcional para as finalidades do
legislador.

II - Moral e normas jurídicas: da relação complementar entre o juízo moral e o Direito positivo.

1. A conexão interna entre o direito "subjetivo" e o "objetivo", por um lado, e entre a autonomia privada e a
pública, por outro, apenas se revela quando consideramos seriamente tanto a estrutura intersubjetiva dos
direitos quanto a estrutura comunicativa da autolegislação e as explicamos apropriadamente.
2. Kant - o conceito basilar da lei moral de liberdade e por esta obtém as leis jurídicas - a teoria moral
fornece os conceitos dominantes: vontade e arbítrio, ação e motivação, dever e inclinação, lei e elaboração
legislativa – servem para caracterizar a ação e o juízo morais.
3. O princípio do Direito limita o princípio moral em três aspectos: a legislação moral reflete-se na
legislação jurídica, a moralidade na legalidade, os deveres de virtude nos jurídicos.
4. O princípio do discurso explica o ponto de vista segundo o qual as normas de ação em geral podem ser
fundamentadas de forma imparcial - fundamentação do próprio princípio nas formas de vida
comunicativamente estruturadas em relações simétricas de reconhecimento, de inclusão.
5. O princípio da democracia deve estabelecer um procedimento de elaboração legislativa legítimo - apenas
leis jurídicas podem pretender a validade legítima capaz de merecer o acordo de todos os coassociados
jurídicos através de um processo discursivo de elaboração legislativa que, por sua vez, foi juridicamente
estabelecido
6. Princípio moral - opera como uma regra de argumentação para que as questões morais sejam
racionalmente decididas
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7. o princípio da democracia pressupõe a possibilidade de se decidir racionalmente as questões morais,
pressupõe claramente a virtualidade de todas as justificações que devem ser alcançadas no discurso (e nas
negociações procedimentalmente reguladas) e que suprem as leis com a sua legitimidade.
8. O princípio moral opera ao nível da constituição interna de um jogo específico de argumentação,
enquanto o democrático refere-se ao nível da institucionalização externa.
9. A forma jurídica moderna não é de nenhum modo um princípio que se possa "fundamentar", quer
epistêmica, quer normativamente.
10. Kant caracteriza a juridicidade ou a conformação jurídica dos modos de ação através de três abstrações
referentes aos destinatários e não aos elaboradores do Direito: o direito faz abstração da capacidade dos
destinatários de vincularem sua vontade ao próprio acordo que perfizeram; o Direito se abstrai da
complexidade do Mundo da Vida e dos planos de ação envolvidos em cada caso e o Direito se abstrai do tipo
de motivação, satisfaz-se com o efeito da ação conforme a regra e não lhe importa o modo pelo qual essa
conformidade possa surgir.
11. Contra Kant - não devemos compreender as características da juridicidade como limitações da
moralidade, há relação de complementaridade entre o Direito e a moralidade sugerida por uma abordagem
sociológica.
12. A constituição da forma jurídica torna-se necessária para compensar os déficits decorrentes do colapso da
eticidade tradicional.
13. O Direito é duas coisas a um só tempo: um sistema de conhecimento e um sistema de ação – é um
conjunto de textos que compreendam proposições normativas e interpretações - é instituição, ou seja, como
um complexo de reguladores de ação.
14. As normas jurídicas são dotadas da efetividade imediata de que se ressentem as normas morais porque no
Direito, enquanto sistema de ação, os motivos e as orientações de valor se intermesclam reciprocamente.
15. As instituições jurídicas diferem das ordens institucionais naturalmente emergentes em razão de seu grau
de racionalidade comparativamente mais alto; pois atribuem contornos nítidos a um sistema dogmaticamente
elaborado,um sistema articulado de conhecimento elevado a um nível científico combinado com uma
moralidade principiológica.

III - Fundamentação discursivo-teorética dos Direitos Fundamentais: o princípio do discurso, a forma


do Direito e o princípio democrático.

1. Fundamentação de um sistema de direitos que atribua um igual peso tanto à autonomia privada quanto à
pública do cidadão - deve contemplar precisamente os direitos basilares que os cidadãos devem
reciprocamente se reconhecer se pretendem regular legitimamente o seu viver conjunto por intermédio do
Direito positivo.
2. Um conceito de autonomia capaz de revelar a conexão interna entre os direitos humanos e a soberania
popular.
3. A relação complementar entre o Direito e a moralidade de modo a esclarecer as características formais que
especificam e distinguem as normas jurídicas no gênero das normas de ação.
4. Os direitos garantem uma autonomia privada que também pode ser descrita como a liberação das
obrigações decorrentes da liberdade comunicativa.
5. Klaus Günther - "liberdade comunicativa" é a possibilidade mutuamente pressuposta pelos participantes
engajados no esforço de alcançarem um entendimento;
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7. A autonomia privada avança até o limite em que o sujeito jurídico não tenha que prestar contas aos outros
ou fornecer razões publicamente aceitáveis para os seus planos de ação.
8. A ideia de uma auto-legislação da cidadania requer que os submetidos ao Direito enquanto seus
destinatários possam a um só tempo ser compreendidos também como os autores desse mesmo Direito.
9. O Direito legítimo só é compatível com um modo de coerção jurídica na medida em que não destrua os
motivos racionais de obediência ao Direito;
10. O princípio da democracia só pode surgir no cerne de um sistema de direitos. A gênese lógica desses
direitos compreende um processo circular em que o código do Direito e o mecanismo de produção do Direito
legítimo - e, portanto, o princípio democrático - são cooriginariamente constituídos.
11. O direito vai do abstrato para o concreto – o sistema deve precisamente conter os direitos que os
cidadãos precisam conceder um ao outro se querem regular legitimamente o seu viver conjunto por
intermédio do Direito positivo.
12. "Direito positivo" e "regular legitimamente" conceitos de forma jurídica, que estabiliza as expectativas
de comportamento social da maneira anteriormente examinada, e com o princípio do discurso - as categorias
de direitos em abstrato constitutivas do status dos sujeitos jurídicos enquanto tais e da geração do próprio
código jurídico:
I - direitos fundamentais que resultam do desenvolvimento politicamente autônomo do direito a iguais
liberdades subjetivas que requerem os seguintes direitos basilares necessários e correlatos:
II - direitos fundamentais que resultam do desenvolvimento politicamente autônomo do status de membro
de uma associação voluntária de coassociados sob o Direito.
III - direitos fundamentais que resultam diretamente da acionabilidade dos direitos e do desenvolvimento
politicamente autônomo das medidas jurídicas
14. As três categorias de direitos decorrem da aplicação do princípio do discurso ao meio do Direito
enquanto tal, ou seja, às condições para a configuração jurídica da associação horizontal em geral, que não
podem ser compreendidas como direitos liberais contra o Estado, pois apenas regulam as relações recíprocas
que entre si mantêm os cidadãos livremente associados
15. Para os sujeitos jurídicos conquistarem também o papel de autores de sua ordem jurídica e que se
configura mais precisamente pelos seguintes direitos basilares:
IV - direitos fundamentais à igual oportunidade de participação nos processos de formação de opinião e de
vontade nos quais os cidadãos exercem sua autonomia política e mediante os quais produzem leis legítimas.
16. Para consecução dos direitos até aqui elencados decorrem os seguintes direitos basilares:
V - direitos fundamentais ao provimento do bem-estar e da segurança sociais, à proteção contra riscos
sociais e tecnológicos, bem como ao provimento de condições ecologicamente não danificadas de vida e, é
claro, na medida em que se faça necessário, sob as condições prevalentes, o direito de igual oportunidade de
utilização dos direitos civis elencados de (1) a (4).
17. "O" sistema de direitos não existe em estado de pureza transcendental.

Capítulo 4 - Um segundo enfoque reconstrutivo do Direito: o princípio do Estado de Direito

1. Os direitos reconstruídos são constitutivos de qualquer associação de coassociados livres e iguais sob o
Direito, que refletem a associação horizontal dos cidadãos
2. As cooriginárias constituição e a interpenetração conceitual do Direito e do poder político resultam em
uma necessidade mais ampla de legitimação;
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I - A Interpenetração Constitutiva do Direito com a Política

1. o Direito em termos de sua função específica de estabilizador de expectativas de comportamento é um


sistema de direitos - só podem ser efetivados e impostos por organizações capazes de tomar decisões
coletivamente vinculantes.
2. As decisões retiram sua força coletivamente vinculatória da forma na qual são protegidas.
3. as implicações dos direitos para com o Direito refletem a conexão interna do Direito com o poder
político.
4. O direito a igual liberdades concretiza-se em direitos fundamentais que na qualidade de Direito positivo
que são reforçados por ameaças de sanção e sua observância pode ser imposta contra as violações
normativas ou os interesses opostos.
5. O direito a iguais direitos de pertinência a uma associação voluntária de coassociados sob o Direito
pressupõe uma coletividade delimitada no espaço e no tempo com a qual seus membros possam se
identificar e à qual possam atribuir suas ações como partes de um mesmo complexo de interações.
6. A coletividade só pode se constituir como uma comunidade jurídica se dispuser de uma instância central
autorizada a atuar pelo e em nome do todo – o Estado
7. o meio de formação de vontade política fixado como uma legislatura depende de um poder executivo
capaz de levar adiante e implementar os programas adotados.
9. O poder político só pode se desenvolver através de um código jurídico institucionalizado na forma de
direitos basilares - constitucionalismo concebe o Estado de Direito moderno de um modo que vincula
diretamente os direitos de liberdade individual e o poder estatal organizado.
10. O Direito não recebe o seu pleno sentido normativo de per se, através de sua forma, nem de um
conteúdo moral A PRIORI, mas através de um procedimento de elaboração legislativa que gera
legitimidade – sendo a "lei" regra geral e abstrata que surge com a aprovação do corpo representativo do
povo em um procedimento caracterizado pela discussão e pela publicidade.
11. Não é a forma jurídica enquanto tal que legitima o exercício da dominação política mas tão só o vínculo
com a lei legitimamente promulgada. E, em um nível pós-convencional de justificação, só são consideradas
legítimas as leis passíveis de serem racionalmente aceitas por todos os coassociados em um processo
discursivo de formação de opinião e vontade.
12. no Estado Democrático de Direito o poder político se diferencia nas formas comunicativa e
administrativa - a soberania popular não mais se concentra em um coletivo, ou na presença fisicamente
tangível dos cidadãos unidos ou em seus representantes reunidos, mas só se efetiva na circulação de
deliberações e decisões racionalmente estruturadas.
13. Os fenômenos: a aglutinação, a centralização, do poder administrativo, a positivação do Direito, o
surgimento da dominação jurídica geraram as condições iniciais sob as quais surgiu a autoridade estatal
14. A resolução do conflito refere-se à estabilização de expectativas de comportamento na hipótese de
conflito, a formação de uma vontade coletiva à escolha e à efetiva realização de finalidades ou objetivos
consensuais.
15. "Consenso" e "arbitragem" são rótulos para dois tipos de resolução de conflitos. O emprego de um
mediador que zela pelo avanço das negociações e se move entre as partes, mas que não pode tomar decisões
vinculantes porque não se encontra acima das partes, corresponde à estrutura dessa solução.
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16. As técnicas de "arbitragem" e de "constituição de compromisso" dependem das posições sociais de poder
que se desenvolveram através dos hiatos de prestígio entre os grupos familiares hierarquicamente
estratificados, bem como através da diferenciação, em tempos de guerra ou de paz, dos papeis dos mais
velhos, dos sacerdotes e dos líderes.
17. O poder social era distribuído segundo um sistema de status que compreende uma rede de normas
firmemente ancoradas nas visões religiosas de mundo e nas práticas mágicas.
18. Apenas as técnicas - a resolução de conflitos através do consenso e uma formação de vontade coletiva
ortodoxamente dependem imediatamente de um complexo normativo no qual costumes, moralidade e
Direito ainda se interpenetrem simbioticamente.
19. O Direito empresta uma forma jurídica à dominação política e serve à constituição de um código binário
de poder - o Direito funciona como um meio, um instrumento, de organização da autoridade estatal e o poder
garante a observância das decisões dos tribunais - os tribunais decidem o que é legal ou ilegal.
20. as normas jurídicas devem assumir a forma de determinações compreensíveis, consistentes e precisas,
como a de uma regra formulada por escrito; elas devem se tornar conhecidas de todos os destinatários, e,
assim, serem públicas; não devem pretender validade retroativa; e devem regular as circunstâncias dadas em
termos de suas características gerais e vinculá-las a consequências jurídicas de um tal modo que sejam
aplicáveis da mesma forma a todas as pessoas e a todos os casos comparáveis.
21. O Direito é composto de normas comportamentais, normas que se prestam à organização e à orientação
do poder estatal, regras constitutivas que garantem a autonomia privada e a pública dos cidadãos e as que
geram as instituições de governo, procedimentos e competências
22. Direito e poder comunicativo - Hanna Arendt - o poder deflui de entre os homens quando atuam
conjunta ou coletivamente, e se desvanece no momento em que se dispersam - Direito e poder comunicativo,
têm sua fonte cooriginária
23. O poder político emerge em sua forma mais pura naqueles momentos em que os revolucionários
assumem o poder deitando-se nas ruas; quando uma população comprometida com a resistência passiva
resiste aos tanques estrangeiros de mãos nuas; quando minorias convencidas de seus direitos questionam a
legitimidade do Direito vigente e se engajam na desobediência civil; quando o "puro prazer de atuar" emerge
nos movimentos de protesto - íntima relação de parentesco da ação comunicativa com a produção do
Direito legítimo

II - Poder Comunicativo e positivação legítima do Direito

1. Os direitos de participação política referem-se à institucionalização de um processo de formação de


opinião e vontade públicas que termina em decisões acerca de políticas e de leis, num processo público que
deve ocorrer sob as formas de comunicação que consubstanciem o princípio do discurso em um duplo
aspecto: presunção de aceitabilidade racional e o procedimento democrático deveria fundamentar a
legitimidade do Direito.
2. Os pontos de vista teleológicos ou finalísticos que penetram nos conteúdos jurídicos através de
componentes volitivos tornam-se mais evidentes na medida em que uma sociedade concentre a busca pela
consecução das finalidades coletivas no Estado;
3. As normas jurídicas não revelam o alto grau de abstração encontrado nas normas morais. Em geral não
dizem o que é igualmente bom para todos os seres humanos; regulam o contexto de vida dos cidadãos de
uma comunidade jurídica concreta;
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4. O instrumental (Medium) do Direito é chamado a atuar em situações problemáticas que exigem a busca
da consecução de finalidades coletivas e a salvaguarda de bens coletivos. Daí a exigência de que os discursos
de justificação e de aplicação do Direito encontrem-se também abertos para as razões pragmáticas e, ainda
mais, para um uso ético-político da razão prática.
5. A igualdade material no Direito não coincide plenamente com a justiça, porque o material regulado
pelas leis frequentemente não permite o grau de abstração que reduz as coisas tão só às questões de justiça. A
matéria jurídica alcança finalidades e bens coletivos de tal modo que possibilita o surgimento de questões
portadoras da forma de vida concreta, senão também questões da identidade compartilhada.
6. Os participantes não devem apenas esclarecer o que é igualmente bom para todos, mas ainda determinar
quem são e como gostariam de viver. Mais ainda, à vista dos objetivos escolhidos à luz de firmes valorações,
enfrentam a questão de como melhor poderiam atingir essas finalidades.
7. A igualdade material no Direito configura o padrão normativo para boas leis no sentido de que essas leis
não sejam simplesmente destituídas de uma visão voltada para a certeza do Direito;
8. A validade jurídica tem o significado de uma declaração: a autoridade estatal declara que uma norma
promulgada foi suficientemente justificada e que é de fato acolhida.
9. As normas jurídicas são válidas se podem ser justificadas não só com base em razões morais, mas também
com fundamento em razões pragmáticas e ético-políticas;
10. A ideia de autolegislação, que implica a de autonomia moral no nível da vontade individual, assume o
significado de autonomia política no nível de formação da vontade coletiva;
11. A formação da vontade política termina em decisões acerca de políticas e de leis que devem ser
formuladas na linguagem do Direito. O que em última instância torna necessário um controle judicial em que
os novos programas são examinados no que toca à sua habilidade de se enquadrar no sistema jurídico
vigente.

III - O Princípio do Estado de Direito e a Lógica da Divisão de Poderes

1. A ideia de Estado de Direito requer uma organização da autoridade pública que obriga a dominação
política juridicamente constituída a se legitimar mediante o Direito legislado legitimamente promulgado;
2. as relações de intercâmbio alimentam uma elaboração legislativa legítima que avança de mãos dadas com
a formação do poder comunicativo.
3. Direito é constitutivo para o código do poder, que rege os processos administrativos e representa ao
mesmo tempo o instrumental (Medium) para a transformação do poder comunicativo em poder
administrativo.
4. Princípio da soberania popular - toda autoridade estatal vem do povo, o direito "subjetivo" à participação
política reúne-se à autorização "jurídico-objetiva" de uma práxis de autodeterminação cívica - constitui o elo
de ligação entre o sistema de direitos e a construção de um Estado democrático de Direito
5. A interpretação teorético discursiva do princípio da soberania popular resulta no princípio da ampla
proteção jurídica garantida por um judiciário independente para os indivíduos; no princípio da legalidade e
do controle judicial da administração e no princípio da separação do Estado da sociedade, que busca evitar
que o poder social se converta diretamente em poder comunicativo, ou seja, sem primeiro passar pelos
canais de formação do poder comunicativo.
6. o princípio da separação entre Estado e sociedade se refere à garantia jurídica genérica de uma
autonomia privada social assegurada a cada pessoa, enquanto cidadão de um Estado,
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7. A organização do Estado de Direito deve, em último termo, servir à auto-organização politicamente
autônoma de uma sociedade que se constituiu com o sistema de direitos enquanto uma associação de
coassociados livres e iguais sob o Direito.
8. O conceito de institucionalização se refere de forma imediata ao comportamento normativamente
esperado, no sentido de que os membros de um coletivo social sabem quando e em quais situações qual o
comportamento que eles podem reciprocamente exigir uns dos outros.
9. A institucionalização jurídica tem também o sentido, no dizer de Rawls, de enxertar nos discursos e em
sua racionalidade procedimental incompleta uma quase-pura justiça procedimental.
10. A regra da maioria exerce um papel diferente nos compromissos - na negociação, os resultados de
votação fornecem os indicadores de uma dada distribuição de poder.
11. O procedimento democrático que institucionaliza as formas de comunicação necessárias à formação da
vontade política racional deve levar em conta a um só tempo várias condições de comunicação.
12. A produção legislativa é efetivada por uma rede complexa de processos de se alcançar o entendimento e
de práticas de negociação.
13. O consenso que deflui de uma autosegurança/certeza/confiança coletiva bem sucedida não expressa um
arranjo como nos compromissos negociados, nem é exclusivamente uma convicção racionalmente
fundamentada como o consenso discursivamente alcançado sobre fatos e problemas de justiça - duas coisas a
um só tempo: autoconhecimento e decisão acerca de uma forma de vida.
16. O modelo de comunicação - a relação do parlamento com a esfera pública assume uma forma distinta
da encontrada nas visões representativas ou plebiscitárias clássicas - a teoria plebiscitária parte do
pressuposto voluntarista de que existe uma vontade popular hipotética que expressa o interesse geral
corrente, mas que sob as condições de autodeterminação democrática essa vontade equiparara-se em grande
medida com a vontade popular empírica.
16.1. A teoria da representação, em contraste, inverte o aforisma de Hobbes ao partir do pressuposto
racionalista de que o bem comum hipotético pode ser conhecido ou determinado mediante deliberação
apenas no nível das assembleias representativas mobilizadas a partir da vontade popular empírica.
16.2. A circulação da comunicação pública nos vários níveis da esfera pública política, dos partidos políticos
e das organizações, bem como das assembleias parlamentares e do governo que se intermesclam entre si
16.3. A unidade de uma razão completamente procedimentalizada retrocede para a estrutura discursiva da
comunicação pública - a razão recusa-se a garantir caráter coercitivo e, portanto, força legitimadora a
qualquer consenso que não surja sob a condição da falibilidade e sobre as bases de liberdades comunicativas
anarquicamente liberadas - na liberdade não há mais qualquer ponto fixo exterior ao próprio procedimento
democrático - um procedimento cujo significado já se encontra sintetizado no sistema de direitos.
17. A lógica da separação de poderes só se explica pelo fato de que a distinção funcional assegura tanto a
prioridade de uma elaboração legislativa democrática quanto a vinculação do poder administrativo ao
comunicativo.
18. A lógica da separação de poderes requer que à Administração seja atribuído um poder de realização de
suas tarefas de forma a mais profissional possível e sempre condicionado a premissas das quais não possa
dispor: o ramo executivo há de se limitar à aplicação do poder administrativo no interior do quadro legal.
19. Outro mecanismo de limitação do poder – a divisão regional e funcional do poder administrativo em uma
administração federativamente estruturada, ou a subdivisão do executivo em uma instância geral e em
instâncias específicas segue o padrão dos "pesos e contrapesos" - a distribuição de poder no interior de uma
separação funcional de poderes já estabelecida.
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20. O ponto do Direito racional que opera com a ideia rousseauniana e kantiana de auto-determinação é o de
unificação da razão prática com a vontade soberana que, ao recuperar o exercício da dominação política para
o exercício da autonomia política dos cidadãos, despe de tudo que seja quase-natural a dominação política.
21. O conceito de lei - norma geral que adquire validade a partir do acordo dos representantes do povo em
um procedimento caracterizado pela discussão e pela publicidade - unifica dois momentos - o do poder de
uma vontade intersubjetivamente constituída e o da razão inerente ao procedimento legitimador.
22. As leis regulam a transformação do poder comunicativo em poder administrativo mediante a qual surgem
como acordes com um procedimento democrático;.
23. O judiciário não pode fazer qualquer uso que pretenda dos fundamentos ou motivos enfeixados pelas
normas legais; mas esses fundamentos exercem um papel distinto quando, com vistas à coerência do sistema
jurídico como um todo, faz-se uso dos mesmos em um discurso jurisdicional de aplicação voltado para uma
tomada de decisão consistente.
24. As normas dadas à Administração vinculam a persecução de finalidades coletivas às premissas
positivadas e limita a atividade administrativa ao horizonte da racionalidade intencional.
25. A lógica da separação de poderes deve se realizar, portanto, em estruturas alteradas - ou seja, mediante o
estabelecimento das formas de participação e de comunicação correspondentes, ou pela introdução de
procedimentos quase-judiciais, parlamentares, de formação de compromissos.

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