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Redes de trocas e cadeias produtivas -

limites e alternativas
Euclides André Mance*

Resumo Abstract
Apresentamos neste texto uma síntese da exposição realiza- We present in this text a synthesis of a detailed paper to be
da em detalhes em trabalho a ser publicado nos próximos meses.1 published in the next few months. The criticisms and suggestions
As críticas e sugestões que fazemos aqui se referem especifica- which we bring here refer specifically to the exchange networks
mente às redes de trocas e não às redes de economia solidária and not to the solidary economy networks in general, since there
em geral, uma vez que há muitas outras formas de redes de eco- are many other forms of solidary economy network which are not
nomia solidária que não se organizam como redes de trocas. Inici- organised as exchange network. Initially, we point out a summary
almente, apontamos sumariamente algumas debilidades estraté- of the strategic weaknesses typical of such practice, taking as
gicas peculiares a essa prática, tomando por referência básica a reference the Global Exchange Network, and following that, also
Rede Global de Trocas, e, em seguida, também sumariamente, in a summarised form, we show some alternatives which aim at
apontamos algumas alternativas que visam – respeitando-se os solving the observed weakenesses – taking into account the
princípios advogados nessas redes – sanar as debilidades perce- principles advocated by those networks. Finally, we clarify the
bidas. Por fim, explicitamos como a remontagem solidária das ca- way the solidary resetting of productive chains, with the correction
deias produtivas, corrigindo fluxos de valores, viabiliza a expan- of flows of values, can allow for viability of a sustained expansion
são sustentável de uma economia pós-capitalista. of a post-capitalist economy.
Palavras-Chave: redes de troca, moeda, cadeias produtivas, Key-words: exchange networks, currency, productive chains,
fluxos de valores, empresas solidárias. flows of values, solidary companies.

ALGUNS LIMITES E DEBILIDADES DAS REDES A produção do valor é realizada com o trabalho
DE TROCAS que gera produtos e serviços que se concluem no
consumo. Na sociedade capitalista, os fluxos de va-
As redes de trocas são um meio eficiente para lor realimentam o processo de concentração da ri-
gerar renda complementar para seus participan- queza, produzida pelo trabalho, nas mãos daqueles
tes e, em alguns casos, permite às pessoas so- que detêm o capital. Caso as redes não corrijam os
breviverem com as atividades econômicas que fluxos de valor inerentes a seu processo produtivo,
nelas realizam. Contudo, as trocas simples – mes- elas acabam sendo subsumidas no movimento de
mo que multirrecíprocas – mediadas por qualquer acumulação capitalista.
moeda, social ou não, não produzem valor. A inviabilidade de cambiar a moeda social pela
moeda oficial do País, conforme normatização da
* Euclides André Mance é filósofo, mestre em Educação, sócio-fundador do rede de trocas, implica que todos os prossumidores
Instituto de Filosofia da Libertação (IFiL) e colaborador da Rede Brasileira
de Socioeconomia Solidária. Trabalhos do autor estão disponíveis em necessitem de alguma atividade externa às redes
www.euclidesmance.pro.br.
de trocas ou de outra fonte de renda como forma
1
Cf. MANCE, Euclides André. Algumas considerações sobre redes de trocas.
In: MANCE, Euclides André. Redes de colaboração solidária – Aspectos eco- de obter tais moedas para atender suas necessida-
nômico-filosóficos: complexidade e libertação. Petrópolis: Vozes (no prelo). des não-cobertas por essas redes.

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REDES DE TROCAS E CADEIAS PRODUTIVAS - LIMITES E ALTERNATIVAS

A impossibilidade de, solidariamente, acumula- moeda social circular – em tese – somente dentro
rem-se excedentes nas redes de troca, inviabiliza das redes de trocas cria a ilusão de que a riqueza
um processo de reinvestimento, coletivamente ge- nelas produzida se mantém dentro delas, quando,
renciado, que permita completar solidariamente as de fato, a maior parte dessa riqueza continua sen-
cadeias produtivas, evitando a acumulação capita- do acumulada por empresários capitalistas, o que
lista dos valores nelas gerados quando da aquisi- se percebe claramente ao se fazer um diagnóstico
ção de insumos, maquinários, equipamentos, etc. do conjunto das cadeias produtivas, nas quais as
No processo de produção nas redes de trocas ações produtivas integradas por essas redes estão
são utilizadas moedas não-sociais como única con- inseridas como momentos parciais e sob as quais
dição para a obtenção de insu- essas mesmas redes não têm au-
mos e de outros elementos de- No processo de produção tonomia, e de como ocorre a con-
mandados no processo produtivo nas redes de trocas centração de capital nos diversos
que não estão disponíveis nas re- são utilizadas moedas segmentos dessas cadeias produ-
des. Isto é, todos os insumos e não-sociais como única tivas sob o controle do capital. Por
outros itens necessários ao pro- condição para a obtenção exemplo. Grande parte da riqueza
cesso produtivo que não são co- de insumos e de outros produzida pelos empreendimentos
mercializados no interior das re- elementos demandados que atuam no setor de confecção
des de trocas precisam ser no processo produtivo no campo da economia solidária é
adquiridos no mercado convenci- que não estão acumulada por fornecedores capi-
onal com moeda oficial. Embora, disponíveis nas redes. talistas de tecido e outros insumos,
aparentemente, não se permita posto que as redes de economia
cambiar as moedas sociais e não-sociais, no fluxo solidária não têm domínio sobre toda essa cadeia
real de produção e circulação de valor tais inter- produtiva. O ato de confeccionar é apenas um dos
câmbio e integração ocorrem, com parcelas de va- momentos parciais da cadeia produtiva no setor do
lores produzidos na rede de trocas sendo acumula- vestuário. Se por um lado, no interior das redes de
das fora dela em outros segmentos das cadeias trocas, o intercâmbio do produto final é feito com a
produtivas não-cobertos por ela mesma. moeda social, por outro lado, para comprar os insu-
A introdução de moedas sociais que reimplantam mos e outros itens não disponíveis no interior das
trocas simples, visando reinserir empreendimentos redes, mas requeridos para a produção, o inter-
no mercado formal, não é condição suficiente para câmbio é feito com moeda oficial. Nesse momento,
enfrentar os problemas da exclusão social e dos/as o produtor solidário fica sujeito à lógica do mercado
trabalhadores serem submetidos a relações de pro- e o valor econômico por ele despendido na aquisi-
dução injustas, sendo necessária uma estratégia que ção dos materiais necessários ao novo giro de sua
viabilize a conversão de todo o modo de produção e produção é acumulado pelo fornecedor capitalista,
consumo para uma economia solidária.2 que opera sob a lógica do lucro e não da solidarie-
A análise dos fluxos de valor mostra não apenas dade. O mesmo ocorre com os outros ramos de
que, no processo de produção, as redes de trocas
JLC12.PDF onde se lê que a troca no interior da rede também pode ser
operam com dois tipos de moedas, a social e a ofi- injusta, pois: “...pode haver intercâmbio desigual (como quando alguém
cial – embora nas trocas circule apenas a moeda aproveita a extrema necessidade de outro para forçá-lo a aceitar propor-
ções não-eqüitativas de intercâmbio, ou ainda por falta de informação
social – como também que é possível se reprodu- adequada a respeito do valor dos bens e serviços intercambiados) ou
zir, com a moeda social, práticas injustas similares pode esse intercâmbio ser veículo de relações de exploração de classe,
gênero ou geracional (nas relações de produção dos produtos intercambi-
3
às existentes no mercado capitalista. O fato de a ados), de valores considerados negativos (droga, prostituição, etc.)”. Re-
centemente, a estratégia de trocas mediadas por moedas não-oficiais –
2
mas que também não podem ser consideradas sociais – deu origem a re-
Sobre isso veja-se MANCE, Euclides André. A revolução das redes – a des capitalistas entre empresas de grande porte, listadas entre as maio-
colaboração solidária como uma alternativa pós-capitalista à globalização res do mundo. Duas grandes organizações que atuam desse modo,
atual. Petrópolis: Vozes, 1999. gerenciando redes de trocas entre multinacionais, são a Argent Atwood e
3
Veja-se CORAGGIO, José Luis. Las redes de trueque como institución a Tradaq. Veja-se: WILNER, Adriana. O escambo voltou. Carta Capital,
de la economia popular. Out. 1998, p. 10 Disponível em: http:// Ano VIII, n. 159, p. 50, 3 out. 2001. Pelo menos 100 entre as 500 maiores
www.educ.ar/educar/servlet/Downloads/S_BD_POLITICASOCIAL/ empresas do mundo participam de alguma rede de troca multirrecíproca.

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produção. Daí a importância das redes remonta- Suponhamos que uma participante da rede de
rem solidariamente as cadeias produtivas, isto é, trocas necessite comprar uma máquina de costura
montarem novos empreendimentos que forneçam especial para acabamentos. Deverá fazê-lo no mer-
os insumos demandados pelas redes ou utilizarem cado, pois aquele meio de produção não está à
insumos alternativos que permitam substituir os for- venda na rede de trocas. Suponhamos que ela não
necedores capitalistas por outros fornecedores que tenha o dinheiro necessário para pagá-la à vista.
já operem sob os princípios da economia solidária. Terá então de fazer um crediário por um ano, o que
Enfim, não é a adoção de um novo tipo de elevará bastante o preço final da máquina em ra-
monetarismo ou a crença nos poderes das moedas zão da taxa de juros cobrada no mercado.
– quaisquer que sejam elas – o Entretanto, se aquela rede im-
que permitirá romper com os flu- Não é a adoção de um plantasse uma Bolsa de Negócios,
xos de acumulação de valor que novo tipo de monetarismo haveria uma outra alternativa. A
operam sob a lógica do capitalismo. ou a crença nos poderes costureira apresentaria na Bolsa a
Cabe avançar na colaboração so- das moedas o que sua demanda pela máquina, o va-
lidária entre distintas redes, possi- permitirá romper com os lor total à vista, as condições e o
bilitando tanto a superação de de- fluxos de acumulação de número de parcelas em que fará o
bilidades peculiares às diversas valor que operam sob a pagamento; por exemplo, dez par-
práticas de economia solidária lógica do capitalismo. celas. Outros membros do clube,
quanto o compartilhamento de ca- que dispusessem de alguma pou-
racterísticas e procedimentos que nelas contribuí- pança em dinheiro e pudessem, assim, adquirir a
ram a bons resultados. máquina à vista no mercado, poderiam então fechar
um negócio com essa pessoa, estabelecendo um
POSSIBILIDADES DE SUPERAÇÃO DAS certo volume de produtos ou serviços – preferencial-
LIMITAÇÕES APONTADAS mente oferecidos no clube – como forma de recebi-
mento das dez parcelas. Na prática, as coisas
Pretendemos aqui apontar algumas alternativas funcionariam da seguinte forma. Uma pessoa com-
que permitam às redes de trocas corrigir seus fluxos pra a máquina no mercado à vista. Oferece-a no
reais de valor, organizando empreendimentos produ- clube de trocas para a pessoa com quem já havia
tivos que, paulatinamente, reconstruam, sob práticas fechado o negócio a ser pago em dez parcelas. Du-
de economia solidária, as cadeias produtivas dos rante dez meses o comprador paga mensalmente
bens e serviços que elas produzem e consomem. Es- as parcelas com os produtos que havia se compro-
sas alternativas permitirão: a) a poupança de exce- metido a oferecer (sejam produtos elaborados por
dentes que possam ser reinvestidos coletivamente, ele mesmo ou por terceiros, sejam do clube ou de
mesmo com os prossumidores gastando o que rece- fora dele). Vendedor e comprador poderão negociar
bem pelos produtos e serviços seus que nelas comer- um valor pela máquina que seja satisfatório para
cializam; b) a aquisição de máquinas, equipamentos ambos. Por exemplo: se a máquina fosse comprada
e outros instrumentos de produção, geralmente não- no mercado em prestações, o preço final subiria em
disponibilizados nessas redes de trocas – que pode- 30%. Se o poupador deixasse seu dinheiro em uma
rão ser feitos com os créditos dos prossumidores, caderneta bancária, teria 5% em rendimentos. Po-
preservando-se o princípio de que os créditos não derão estabelecer então que a máquina será vendi-
devem ser cambiados em moedas oficiais. da a prazo no clube de trocas, 20% mais barato do
O modo de alcançar esses objetivos é a rede de que o seria no mercado a prazo e 10% mais caro do
trocas organizar uma Bolsa de Negócios, como que o seria à vista. Assim, o comprador da máquina
uma das ferramentas de seu funcionamento, cujo economiza 20% e o poupador que financiou a ope-
papel é facilitar transações de compra e venda a ração recebe 5% a mais do que receberia se dei-
prazo entre participantes da rede, valendo-se de xasse o seu dinheiro no banco, alimentando a
moeda social. ciranda financeira. Trata-se de um negócio vantajo-

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so para ambos e para a rede, que permite incorpo- fabricados e recebidos futuramente. Essas opera-
rar novos meios de produção ao clube de trocas. A ções, que são vantajosas a todos/as, permitem às
rigor, para manter-se o princípio de que não se ne- redes de trocas remontar progressivamente as ca-
gocia moeda a juros no interior da rede de trocas, o deias produtivas, corrigindo os fluxos de valor que
poupador poderia receber apenas a correção mo- deságüem na acumulação de empresas capitalis-
netária referente à inflação do período, sem ne- tas. Por sua vez, os excedentes gerados nos empre-
nhum tipo de ganho por ter financiado essa endimentos podem ser integralmente investidos na
operação. Bolsa de Negócios, visando financiar a montagem
Suponhamos que, na Bolsa de Negócios, um de outros empreendimentos, incorporar novos mei-
grupo de produtores se reúna os de produção à rede, à aquisi-
para comprar insumos em conjun- Tendo em vista que ção conjunta de insumos, etc.
to. Ao totalizar um grande volume, empresas capitalistas No momento em que as redes
eles conseguem fazer essa com- também começam a de trocas passassem a operar des-
pra no mercado com uma signifi- operar em redes de trocas se modo e volumes muito maiores
cativa margem de economia. Com com moedas próprias, de riqueza fossem comercializa-
isso, uma quantidade menor de nada impediria que esses dos em seu interior, ainda restaria
valor – gerado no interior da rede empreendimentos o problema de que o único modo
– dela escapará. Imaginemos solidários participassem aparente de adquirir bens externos
que, em seguida, uma parte deles taticamente dessas outras a elas seria com moedas oficiais e
proponha na Bolsa a realização redes capitalistas, que, portanto, seria necessário
de um negócio visando montar um permutando seus também incrementar as vendas
empreendimento que produza produtos e serviços por externas às redes como forma de
aquele insumo. Os poupadores in- equipamentos, insumos e obter tais moedas que possam ser
teressados em investir nesse em- meios de produção nelas poupadas e financiar a sua expan-
preendimento poderão negociar oferecidos, até que as são. Contudo, tendo em vista que
tal como indicado anteriormente. próprias redes de trocas empresas capitalistas também co-
Nesse caso, o prazo de recebi- solidárias tenham a meçam a operar em redes de tro-
mento poderia ser dilatado, por capacidade de produzi-los. cas com moedas próprias, nada
exemplo, para 24 meses. Do mes- impediria que esses empreendi-
mo modo, as parcelas seriam pagas com produtos mentos solidários participassem taticamente des-
oferecidos no clube – nesse caso, entre outros, o sas outras redes capitalistas, permutando seus
próprio insumo a ser produzido no empreendimen- produtos e serviços por equipamentos, insumos e
to instalado. meios de produção nelas oferecidos, até que as pró-
Empreendimentos desse tipo podem ser organi- prias redes de trocas solidárias tenham a capacida-
zados visando não apenas produzir insumos e ou- de de produzi-los. O problema não está em permu-
tros materiais de manutenção demandados no tar com empresas capitalistas, mas nos termos
processo produtivo ou bens de consumo final, degradados de intercâmbio que desfavoreçam os
como também meios de produção demandados no empreendimentos solidários – pois, do ponto de
interior do conjunto das redes solidárias, ampliando vista da circulação do capital, não há diferença en-
o seu grau de autopoiese. tre comprar à vista com dinheiro no mercado ou
No caso dos poupadores, essas operações – permutar com mercadorias em uma rede capitalis-
quando lhes geram algum excedente – podem ser ta. Em ambos os casos a questão é o valor que se
consideradas como uma espécie de aplicação pré- oferta em relação ao valor do que se recebe e o
fixada com resgate parcelado, recebida em produ- prazo de conclusão da operação – que acaba imo-
tos e serviços. Ou ainda como uma espécie de bilizando o valor econômico temporariamente nela
operação em mercado futuro, uma vez que estão aplicado – face a outros processos de sua possível
antecipadamente comprando produtos que serão valorização nesse período.

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Seja como for, no contexto atual, a maioria das ainda compram no mercado capitalista, evitando-
empresas solidárias que integram redes de trocas se, assim, que a riqueza nelas produzida realimen-
não conseguiria sobreviver vendendo toda sua pro- te a acumulação capitalista ao girar a produção do
dução em troca de moedas sociais. Em sua estru- capital4 pela aquisição de produtos e serviços capi-
tura de custos há uma série de itens que somente talistas no mercado.
podem ser cobertos com moedas oficiais. Assim, Na prática, quando os consumidores realizam o
ou os participantes das redes de trocas aceitariam consumo solidário, consumindo os produtos de uma
comprar uma parte da produção das empresas so- empresa solidária que não explora os trabalhado-
lidárias em moedas oficiais para viabilizar o seu res e protege o meio ambiente, essa empresa ven-
giro produtivo ou essas redes teriam de vender de toda a sua produção e gera um excedente que,
seus produtos nos mercados buscando tal volume na lógica capitalista, seria lucro. Entretanto, esse
de moedas. Novamente aqui, entretanto, o expedi- excedente, na lógica da solidariedade, é reinvesti-
ente da bolsa de negócios poderia funcionar. Um do na construção de novas empresas, gerando no-
conjunto de poupadores que tenha moeda oficial vos postos de trabalho, diversificando a produção e
poderia assumir o pagamento mensal das contas melhorando o padrão de consumo de todos os que
da empresa em troca do recebimento de produtos participam da rede.
variados ofertados nas redes com alguma vanta- Por isso, em uma rede solidária que opera sob
gem ou não. essa lógica – paradigma da abundância –, quanto
Como se vê, todos esses mecanismos permitem mais se reparte a riqueza, mais a riqueza dos parti-
resolver algumas das debilidades inerentes às redes cipantes aumenta. Como vimos, o que gera a ri-
de trocas que se valem de moeda social. A prática queza é o trabalho. Com o trabalho são feitos bens
de outras redes, que usam somente moedas oficiais e serviços para atender às necessidades e desejos
em seus processos de comercialização, chega a es- das pessoas. Após a comercialização desses bens,
ses resultados com percursos menos complicados. obtém-se um valor excedente. Ora, quanto mais se
Seja como for, com essas interfaces torna-se possí- reparte essa riqueza gerada pelo trabalho, tanto mais
vel conectar redes que usam moedas sociais com as pessoas podem comprar os produtos e serviços
redes que não as usam (uma vez que empresas so- das redes. E quanto mais elas compram, mais
lidárias que não usam moedas sociais podem ope- oportunidades de trabalho elas geram para outras
rar nessas bolsas de negócios das redes de trocas) pessoas que ainda estão desempregadas. Assim,
e avançar de maneira estratégica em reinvestimen- quanto mais se distribui a riqueza nas redes, mais
tos coletivos que permitem remontar as cadeias pro- os seus produtos são consumidos, mais oportuni-
dutivas e corrigir fluxos de valor, visando realimentar dades de trabalho que gera riqueza são criadas e
o próprio processo de produção e consumo no interior um número maior de pessoas passa a integrar as
das redes solidárias. redes como produtores e consumidores. Trata-se
de um circulo virtuoso que integra consumo e pro-
REMONTANDO CADEIAS PRODUTIVAS E dução sob parâmetros ecologicamente sustentá-
CORRIGINDO FLUXOS DE VALORES veis. Uma das melhores maneiras de distribuir essa
riqueza é criar novos empreendimentos solidários e
Quando os excedentes obtidos pelos produto- remunerar mais trabalhadores, produzindo uma di-
res e prestadores de serviços com a venda de seus versidade maior de produtos à disposição do bem-
produtos e serviços nas redes são nelas reinvesti- viver de todos.
do para que se gerem mais cooperativas, grupos de Assim, conforme a rede vai crescendo ela vai in-
produção e microempresas, criam-se novos postos tegrando um número cada vez maior de produtores
de trabalho e aumenta-se a oferta solidária de pro- 4
Girar a produção significa converter o valor econômico abstrato em ele-
dutos e serviços em seu interior. Isso permite incre- mentos produtivos que, por sua vez, consumidos no processo de produ-
ção, serão convertidos em produtos finais, os quais, ao serem comerciali-
mentar o consumo de todos, ao mesmo tempo em zados, se convertem novamente em valor econômico abstrato – neste
que diminui volume e o número de itens que as redes caso particular, em capital.

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e vai remontando de maneira progressiva e solidária lhões de dólares e que cobrem inúmeros setores
as partes das cadeias produtivas sobre as quais ela das cadeias produtivas. A construção de interfa-
ainda não tem autonomia. Por exemplo: se um gru- ces que permitam conectar as diversas práticas
po produz macarrão, ele precisa comprar ovos e fa- de economia solidária em redes de colaboração
rinha. Pode ocorrer que na rede não haja produtores avança rapidamente. O incremento dos fluxos de
desses bens e que esse grupo tenha que comprar informação, valores, produtos e serviços entre
esses insumos no mercado capitalista. Entretanto, elas, acompanhado de uma difusão maciça do
assim que for possível montar uma nova cooperati- consumo solidário – condição fundamental para o
va ou microempresa, será dado preferência a mon- sucesso da economia solidária – possui um poten-
tar-se uma granja ou moinho para cial de engendrar um forte movi-
produzir-se os ovos ou a farinha de As redes de economia mento sinérgico de transforma-
trigo que são usados para fazer o solidária integram ção estrutural da economia glo-
macarrão. Depois organiza-se a empresas que faturam bal que, considerado também em
produção de milho para fazer ra- anualmente milhões de suas dimensões políticas e cultu-
ção e alimentar as galinhas. E as- dólares e que cobrem rais, podemos corretamente de-
sim sucessivamente, progressiva e inúmeros setores das nominar revolução das redes.
tendencialmente, vão sendo com- cadeias produtivas.
pletadas as cadeias produtivas. A construção de interfaces
Desse modo, o lucro que os capita- que permitam conectar as REFERÊNCIAS
listas acumulavam nas diversas diversas práticas de BIBLIOGRÁFICAS
etapas das cadeias produtivas economia solidária em
passa, agora, a financiar o surgi- redes de colaboração CORAGGIO, José Luis. Las redes de
mento de outras cooperativas ou avança rapidamente. trueque como institución de la economia
microempresas em favor do bem- popular. Out. 1998, p. 10. Disponível
em:<http://www.educ.ar/educar/servlet/
viver de todos e não apenas do enriquecimento de
Downloads/S_BD_ POLITICASOCIAL/JLC12.PDF>.
alguns. Com isso, progressivamente, essas redes
vão substituindo as relações de produção, comerci- MANCE, Euclides André. A revolução das redes — a colabora-
ção solidária como uma alternativa pós-capitalista à globalização
alização e consumo de tipo capitalista e vão criando atual. Petrópolis: Vozes, 1999.
melhores condições para o exercício das liberdades
públicas e privadas de todos/as. ______. Euclides André. Algumas considerações sobre redes de
trocas. In: _______. Redes de colaboração solidária — aspectos
Que ninguém, entretanto, se confunda com a econômico-filosóficos: complexidade e libertação. Petrópolis:
simplicidade dos exemplos didaticamente escolhi- Vozes. (no prelo).
dos neste texto. As redes de economia solidária
WILNER, Adriana. O escambo voltou. Carta Capital, v. 8, n. 159,
integram empresas que faturam anualmente mi- p. 50, 3 out. 2001.

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