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Arqueologia como trad
do passado no pre
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Aula
Aula
gna Magna
dução Arqueologia como tradução
esente do passado no presente
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Silva, F.A.
1999). Povos no mundo todo se valem ção agricultora com uma dieta bastante
da Arqueologia para ajudar a manter diversificada que combina os recursos
a particularidade de seus passados em da roça (p.ex. milho, mandioca, batata,
face à globalização e a dominação oci- feijão, banana, etc) com os produtos
dental, como uma estratégia para driblar da pesca, caça e coleta. Em termos
a monotonia cultural. sociais, eles têm no grupo doméstico
a sua unidade social mais importante
Neste contexto, os arqueólogos são chama-
que tem, também, importância política
dos para fora dos seus laboratórios, gabine-
e econômica. A sua vida ritual é divi-
tes, salas de aula e escavações. Eles são
dida em dois complexos rituais funda-
peças-chave nos debates sobre gerenci-
mentais: O maraka - complexo ritual
amento dos bens culturais, preservação
terapêutico e propiciatório – e o turé
do meio ambiente, identificação de ter-
– complexo ritual em que se realizam
ritórios imemoriais. Enfim, são chama-
os ritos associados à guerra, morte e
dos a opinar na definição de diferentes
iniciação dos jovens. Com relação à
políticas públicas. Assim, o arqueólogo
produção da cultura material, na qual
se torna – como escreveu Hodder
homens e mulheres dedicam grande
(1992) – um intérprete entre o passado
parte do seu tempo, os Asurini são re-
e o presente e entre diferentes perspec-
conhecidos pela maestria artesanal e
tivas sobre o passado.
por um apurado senso estético.
Recentemente, vivenciei mais uma ex-
Esta população indígena foi contatada
periência interessante junto à popu-
em 1971 pelo Pe. Anton Luckesh e,
lação Asurini do Xingu, com quem
em 1972, pela FUNAI. No período do
convivo desde 1996 e que me levou
contato, os Asurini estavam distribuí-
a refletir sobre este novo contexto da
dos em pequenos acampamentos,
pesquisa arqueológica e da importân-
próximos às margens do Igarapé Ipia-
cia de expandir suas fronteiras teóricas,
çava e na aldeia Taiuviaka. Após o con-
metodológicas e temáticas. Não apenas
tato, esta aldeia e acampamentos foram
em termos do diálogo com outras dis-
sendo aos poucos abandonados e eles
ciplinas científicas, mas também, com
instalaram novas aldeias (Akapepungui e
outros coletivos e modos de saber.
Kuatinemu). Em 1982 eles foram trans-
Os Asurini do Xingu, um grupo in- feridos para a aldeia atual, na margem
dígena Tupi, falante de uma língua direita do rio Xingu, também chamada
pertencente à família linguística Tupi- de Kuatinemu. Segundo os Asurini, o
Guarani, ocupa uma Terra Indígena lo- contato com os brancos (FUNAI) foi
calizada no estado do Pará, delimitada uma necessidade de sobrevivência di-
pelos municípios de Altamira e Senador ante do que eles acreditavam ser o fim
José Porfírio. Sua aldeia está localizada à eminente de seu povo. Este motivado
margem direita do rio Xingu, junto ao pelos ataques que eles sofriam há anos
P.I. Kuatinemu, que é auxiliado pela de outros indígenas (p.ex. Kayapó e
unidade da FUNAI localizada em Al- Araweté) e pelas doenças transmitidas
tamira, Pará. Trata-se de uma popula-
pelos brancos (p.ex. gateiros, castanhei- Foram doze dias intensos de viagem
ros, etc) invasores de seu território. A pelo Ipiaçava durante os quais localiza-
história dos Asurini é repleta de belico- mos três antigos assentamentos Asurini,
sidade, baixas populacionais e de deslo- todos sobre antigos sítios arqueológi-
camentos e perdas territoriais. Mesmo cos. Um total de 55 pessoas (homens,
depois do contato, eles continuaram a mulheres e crianças) seguiram nesta
sofrer com as doenças transmitidas pe- jornada (re)visitando locais abando-
los brancos. Isto gerou um desequilí- nados pelos Asurini há pelo menos
brio na sua pirâmide etária, com graves quarenta anos. Um verdadeiro retorno
consequências culturais. ao passado e uma experiência sobre a
memória e significado dos lugares.
Em maio de 2010 realizei mais uma
pesquisa arqueológica e etnoarqueológi- “Eu e Tukura ficamos sentados
ca na T.I. Kuatinemu, como parte das na capoeira próxima da aldeia Tai-
atividades do projeto intitulado Território uviaka e ficamos conversando sobre
e História dos Asurini do Xingu: um estudo como teria sido a vida dos velhos ali
naquele lugar, o que eles teriam pas-
bibliográfico, documental, arqueológico e etnoar-
sado, como deve ter sido difícil para
queológico sobre a trajetória histórica dos Asur- eles ficar fugindo dos outros índios
ini do Xingu (século XIX até os dias atuais), … quase dava para a gente sentir o
coordenado por mim e financiado pela que eles tinham passado ali” (De-
Fundação de Amparo à Pesquisa do poimento de Ajé Asurini, um dos
Estado de São Paulo (FAPESP). Este jovens líderes Asurini e presidente
projeto foi elaborado com o objetivo de da Associação Indígena Awaeté).
contar uma parte desta história e con-
No que se refere à pesquisa arque-
tribuir para a preservação da memória
ológica o aprendizado em campo foi
Asurini e sobre sua trajetória, como le-
imenso, pois a articulação do ponto de
gado às novas gerações.
vista ocidental com o ponto de vista
O projeto de pesquisa foi desenvolvido indígena sobre a arqueologia da área
contemplando vários aspectos e estra- me fez refletir sobre a minha prática
tégias metodológicas da arqueologia co- como cientista e, especialmente, sobre
laborativa: 1) os Asurini participaram na o meu trabalho de quatorze anos com
elaboração da proposta e na definição os Asurini do Xingu.
da logística do projeto; 2) foram os guias
Durante todo o trabalho debati com
na expedição pelo igarapé Ipiaçava, de-
os meus colaboradores índios sobre
finindo os locais de acampamento e in-
temas como a origem e expansão dos
dicando a localização dos sítios a serem
povos Tupi, o surgimento dos Asurini
pesquisados; 3) foram contratados como
do Xingu como população indígena,
auxiliares no levantamento do potencial
a natureza e a autoria dos vestígios
arqueológico da área e na logística da ex-
arqueológicos. Todas as reflexões
pedição pelo Ipiaçava; 4) foram respon-
Asurini foram pautadas em sua filoso-
sáveis pela elaboração de parte do mate-
fia ameríndia sobre a relação entre os
rial audiovisual.
humanos, a natureza e a sobrenature-
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