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Vozes da Educação

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Volume VI

VOZES DA EDUCAÇÃO
Volume VI

Ivanio Dickmann
(organizador)

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Vozes da Educação

CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Editor Chefe - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth Teixeira – Brasil

FICHA CATALOGRÁFICA

________________________________________________________

D553v Dickmann, Ivanio


v. 6 Vozes da educação, volume VI / Ivanio Dickmann (org). –
São Paulo: Dialogar, 2018. (Coleção Vozes da Educação, 6)

8 volumes.

ISBN - 9788593711183

1. Educação. 2. Metodologias da educação. 3. Teorias da


educação. I. Título.
CDD 370.1
________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos – CRB 14/1056

EDITORA DIALOGAR
dialogar.contato@gmail.com

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Volume VI

Ivanio Dickmann
(organizador)

VOZES DA EDUCAÇÃO
Volume VI

Dialogar
São Paulo – SP
2018

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Vozes da Educação

ÍNDICE

APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 7

DOENÇAS DO MAGISTÉRIO: CAUSAS E EFEITOS


Armando Ferreira Gens Filho, Adriana Braga da Silva, Ana Paula do
Nascimento Rodrigues, Elaine Maria Fonseca Simões, Elisiene de Melo Barbosa,
Raquel Fraguas Rangel ..................................................................................... 9

O ESTATUTO EPISTEMOLÓGICO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA


FORMAÇÃO DE DOCENTES
Liliani Hermes Cordeiro Schvarz ..................................................................... 25

A MÚSICA COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR NA


ALFABETIZAÇÃO
Lindéia Alves Saraiva Pavioti ......................................................................... 41

EDUCAÇÃO, AUTONOMIA E JUVENTUDE: REFLEXÕES SOBRE O


PROCESSO FORMATIVO DOS JOVENS NUMA PERSPECTIVA
FREIREANA
Bruna Carvalho dos Santos ............................................................................. 53

A PEDRA ANGULAR PARA UMA EDUCAÇÃO SÓLIDA E DURADOURA


Luciane do Rossio Leal Correia ....................................................................... 75

MEMÓRIA, LITERATURA E EDUCAÇÃO: CAROLINA MARIA DE JESUS E


BERNARDINA SALÚSTIO
Luciane Silva ................................................................................................. 83

A ESCOLA DA INCLUSÃO E A ESCOLA DA SUPERAÇÃO APRENDENDO


A APRENDER: UMA BREVE CONSTATAÇÃO DE QUE, NA INCLUSÃO, É
A PRÁTICA QUE GERA A TEORIA
Manuel Vázquez Gil ................................................................................... 106

A EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES NO ENSINO MÉDIO:


SIGNIFICADOS DO TRABALHO DOCENTE
Marcella da Silva Estevez Pacheco Guedes ..................................................... 119

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Volume VI

EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: VANTAGENS E DESVANTAGENS


Márcia Soares Loureiro, Valéria Moreira Rauber .......................................... 140

O PAPEL DAS AVÓS NAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO PROGRAMA


BOLSA FAMÍLIA
Márcia Oliveira Ferreira, Fabíola Andrade Pereira ........................................ 148

GLOBALIZAÇÃO VERSUS EDUCAÇÃO


Márcia Weimer ............................................................................................ 168

A APLICAÇÃO DE UMA FERRAMENTA DO CAMPO DA


ADMINISTRAÇÃO NO EXERCÍCIO DOCENTE E OS BENEFÍCIOS DA SUA
APLICAÇÃO
Marcio Carapeto Silveira Faria ..................................................................... 182

CONVERSAS À SOMBRA DAS MEMÓRIAS: AVENTURAS PARA


REPENSAR A INFÂNCIA COM AS EDUCADORAS
Márcio Xavier Bonorino Figueiredo, Rita de Cássia Tavares Medeiro .............. 216

ABORDAGEM SOBRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS ESCOLAS


PÚBLICAS DE FLORESTA – PE
Maria Aparecida de Sá Martins Menezes, Júlia Maria de Sá Carvalho Guimarães
..................................................................................................................... 239

O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL: UM OLHAR A PARTIR DOS DOCENTES DE UMA
ESCOLA DA BAIXADA FLUMINENSE DO RIO DE JANEIRO
Maria José Machado Costa ........................................................................... 238

ECONOMIA SOLIDÁRIA E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA EXPERIÊNCIA


COM A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
Maria Luisa Carvalho, Marilene Zazula Beatriz .......................................... 262

PIBID: ENTRE-LUGAR DE PESQUISA E AUTO(TRANS)FORMAÇÃO


PERMANENTE COM PROFESSORES
Maria Rosângela Silveira Ramos, Celso Ilgo Henz, Doris Pires Vargas Bolzan
..................................................................................................................... 281

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Vozes da Educação

PERSPECTIVA PEDAGÓGICA EM ESCOLAS RURAIS PARA O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AGRICULTURA FAMILIAR
Mariane Cetenarski de Souza ........................................................................ 301

ELABORAÇÃO E FORMAÇÃO DE CURRÍCULO


Marilene Carvalho Ricciardi, Martha Staub .................................................. 321

A ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO SOCIAL E DEMOCRÁTICA: UMA


QUESTÃO DE GESTÃO
Maristela Ferrari Neves ................................................................................ 336

AS INTER-RELAÇÕES ENTRE DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DE GÊNERO E


EXCLUSÃO SOCIAL NA TRAJETÓRIA DE MULHERES NEGRAS
Maristela Pereira Leal .................................................................................. 357

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Volume VI

APRESENTAÇÃO

Dar voz a educadores e educadoras de todo o Brasil que se


dedicam a produzir reflexões sobre seus espaços pedagógicos, sejam eles
formais ou informais: este é o objetivo desta coleção de livros que acolhe
a escrita de homens e mulheres comprometidos e comprometidas com a
educação. Uma coletânea que abre espaço para quem escreve e não tinha
onde materializar seus textos, para quem gostaria de compartilhar seus
saberes e não tinha um canal para expressar suas ideias.
Nossa editora tem como missão criar um caminho para este
grupo de pesquisadores e estudantes que fazem o esforço de colocar em
palavras suas análises sobre os mais diversos campos da educação e
desejam dialogar com seus leitores e leitoras sobre suas palavras. Suas
palavras que estão abertas a crítica para avançar, que querem contribuir
para uma visão madura dos espaços educativos, dos métodos
pedagógicos e, assim, construir uma comunidade que debate dia a dia o
fazer dos educadores e educadoras.
Quando iniciamos a mobilização para esta coletânea
imaginávamos que iríamos receber alguns textos, e que, da união deles
faríamos um livro para compartilhar. Para nossa surpresa a adesão dos
interessados foi tanta que resultaram oito livros e isso demonstrou como
ainda faltam espaços acessíveis para a publicação da produção acadêmica
no nosso país. Esperamos que nossos livros sejam uma luz para mais
pessoas produzirem seus textos e imprimirem de forma coletiva suas
obras.
Recebemos textos de todas as regiões do Brasil. Então, o que
você tem nas mãos reflete também a diversidade cultural e regional do
nosso amado país e as lutas dos educadores e educadoras para
transformar e dinamizar os espaços pedagógicos de norte a sul, de leste a
oeste. E isso enriquece esta coletânea, pois, pluralizamos as visões da
forma de educar em diferentes culturas e em diferentes condições sócias
e econômicas.

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Vozes da Educação

Temos textos sobre a educação indígena, educação em


LIBRAS, educação em sala de aula, fora da sala de aula, enfim, uma
pluralidade que pode ajudar a dar uma nova dinâmica no jeito de educar
de cada um que tiver contato com estes artigos que compõe estes livros.
É importante ressaltar que a educação tem esta multiplicidade de lugares,
de jeitos e, de certa forma, nossa coleção contempla este elemento.
Oxalá possamos exercitar os ensinamentos compartilhados e tornar mais
dinâmicos nossos espaços pedagógicos.
A distribuição gratuita dos e-books desta coletânea visa dar
visibilidade a cada autor e autora destes artigos e, também, disseminar o
conhecimento partilhado em cada obra. A autoridade de cada escritor e
escritora aumenta a cada publicação e, desta forma, nossa editora se
sente orgulhosa de contribuir com a melhoria contínua dos currículos de
cada uma e cada um dos participantes destes livros que preparamos com
tanto cuidado e carinho para que seja utilizado em seleções de Mestrado
e Doutorado, na participação em eventos ou, até mesmo, em seleções de
trabalho. Um livro faz a diferença!
A cópia impressa desta coletânea pode ser adquirida junto a
nossa editora e com os autores e autoras. Para mais informações sobre
como adquirir seu exemplar impresso de um dos livros ou de toda a
coleção basta entrar em contato conosco através dos telefones e e-mails
na orelha deste livro. Bem-vindos e bem-vindas a coletânea VOZES DA
EDUCAÇÃO! Desejamos a todos e todas bons estudos e boa leitura!

Com carinho.

Ivanio Dickmann

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Volume VI

DOENÇAS DO MAGISTÉRIO: CAUSAS E EFEITOS

Prof. Dr. Armando Ferreira Gens Filho1


Profa. Ma. Adriana Braga da Silva2
Profa. Ma. Ana Paula do Nascimento Rodrigues 3
Profa. Ma. Elaine Maria Fonseca Simões 4
Profa. Ma. Elisiene de Melo Barbosa5
Profa. Ma. Raquel Fraguas Rangel6

RESUMO
Este trabalho propõe a investigação de causas e efeitos de doenças que têm
afetado o magistério. Para tanto, através de um questionário online
respondido por docentes, objetiva relacionar as causas dessas doenças e suas
consequências para a educação. Também é parte estrutural desta pesquisa
investigar como o imaginário coletivo gera desconforto no magistério.
Pretende-se, então, refletir sobre as exigências sociais e institucionais que
levam o professor a padecer e, como decorrência desta reflexão, contribuir
para desmitificação de um sistema de crenças que contribui para que o
professor viva um conflito psicológico diário.

Palavras-chave: Educação. Doenças do magistério. Docência.

1Mestre em Letras pela UFRJ (1981) e doutor em Literatura Brasileira pela USP (2000).
Aposentou-se como professor associado da UFRJ (2014). Atualmente é professor adjunto da
UERJ. Tem experiência nas áreas de Letras e Educação, ênfase em poesia brasileira e
formação de professor.
2Graduada em Comunicação Social/Jornalismo (2001) e em Letras (2008), pela UNESA.

Especialista em Jornalismo Cultural (UNESA/2003) e mestra em Letras pela URFJ (2018).


Atualmente atua na rede municipal do Rio de Janeiro, onde participa regularmente de
capacitações.
3Graduada em Letras pela UEMG (2001), especialista em Português pela FIJ/RJ (2003) e em

Pedagogia pelo CUBM (2016). É mestra em Letras pela UFRJ (2018). Atua nas redes públicas,
em Cabo Frio/RJ. Pesquisadora nas áreas de educação, ensino de língua portuguesa e leitura.
4Possui graduação em Letras pela Universidade Gama Filho (1995). É mestra em Letras pela

UFRJ (2018). Atualmente, atua nas redes estadual e privada, no Rio de Janeiro. Possui mais de
25 anos de experiência no magistério.
5Gradou-se em Letras pela UFRJ (2008). É mestra em Letras, pela mesma instituição (2018).

Atualmente, é professora de Língua Portuguesa do município do Rio de Janeiro. Na iniciação


científica, participou de projetos na área de variação linguística, sociolinguística e dialetologia.
6Graduada em Letras (2007) e especialista em Leitura e Produção Textual (2016), ambas pela

UNESA. É mestra em Letras pela UFRJ (2018). Atualmente, é professora de Língua Portuguesa
na rede estadual do Rio de Janeiro. Tem interesse pelo ensino da literatura e a formação do
leitor.

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Vozes da Educação

ABSTRACT
This work proposes the investigation of causes and effects of diseases
that have affected the teaching profession. Therefore, with an online
questionnaire answered by teachers, aims to relate the causes of these
diseases and their consequences for education. It is also a structural part
of this research to investigate how the collective imaginary generates
discomfort in the teaching profession. It is therefore intended to reflect
on the social and institutional demands that lead the teacher to suffer
and, as a result of this reflection, contribute to the demystification of a
belief system that contributes to the teacher living a daily psychological
conflict.

Keywords: Education, diseases of teaching, teaching.

Tema e justificativa
Percebe-se que educação não tem sido a prioridade dos
governantes do estado e municípios do Rio de Janeiro, com baixos e
irregulares investimentos, desconectados das reivindicações dos
docentes, o que precariza as condições de trabalho do professor, que vê
suas necessidades colocadas à margem das discussões político-
educacionais.
Em paralelo, existe uma expectativa socialmente construída que
vê o trabalho do professor como salvação social, demanda obviamente
impossível de ser realizada somente pelo professor. Com argumentos
fundados nesta redenção inviável, a atuação docente é questionada
constantemente. Assim, criam-se falácias sobre a atuação docente, aceitas
socialmente como verdade, oportunizando que muitos sintam-se
autorizados a opinar sobre como resolver problemas da educação, sem
competência técnica ou conhecimento de causa.
Neste contexto de mal-estar, o professor continua atuando,
tendo suas requisições ignoradas politicamente e suas opiniões diluídas
num sistema de crenças que espera dele o inviável: redenção.
Acreditando que este cenário desenvolve um ambiente
patológico de trabalho e observando que há muitos docentes com
históricos de doenças, esta pesquisa se propõe a, por meio das vozes de

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Volume VI

professores regentes de escolas públicas dos municípios e estado do Rio


de Janeiro, investigar as causas e as consequências de doenças que
assolam o magistério.

Objetivos da pesquisa
Preconceberam-se três objetivos para esta pesquisa.
Primordialmente, objetiva-se relacionar as causas das principais doenças
que afetam o magistério com as diversas consequências que esse quadro
traz para a educação, delineando um panorama do quadro de saúde dos
docentes e verificando quanto o exercício da profissão contribui para a
presença do mal-estar do educador. Também pretende-se investigar de
que modo o imaginário coletivo gera desconforto no magistério e, assim,
colaborar para desmistificação de um sistema de crenças que contribui
para o adoecimento do professor.

Teoria aliada
De acordo com Esteve (1999), não há razão clara para a
valorização do trabalho docente, sendo as opiniões da sociedade o
veículo principal do reconhecimento do trabalho do professor. Para ele,
“a valorização do trabalho do professor poucas vezes se baseia em uma
razão clara. O boato e a reputação, tanto em sentido positivo como
negativo, são o veículo habitual do reconhecimento de seu trabalho”
(ESTEVE, 1999, p.34).
Um estudo de Gens (2006) mostra que os símbolos escolhidos
pelos professores para representar a profissão misturam força e fraqueza;
forças intelectual e física; magnanimidade e dominação. Acredita-se que
estas escolhas sejam reflexos dos sentimentos dos professores ao se
sentirem incapazes de realizar tudo que deles se espera. Como aponta
Garcia (2006), os professores se encontram numa posição impossível de
conciliar o que aprenderam na universidade com a função redentora
dada pela sociedade.
Martins (2015) destaca duas consequências, para ela nefastas, de
se centralizar o processo educacional na figura do professor. Segundo
ela, essa descentralização desloca a atenção do conhecimento para o
autoconhecimento e tira o foco da questão principal da crise do sistema
educacional, que é a função social da escola. Assim, quanto maiores as

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Vozes da Educação

cobranças e a indicação de sucesso e fracasso legadas ao professor,


maiores são as demandas internas desse profissional e maior é o
distanciamento de soluções efetivas para os verdadeiros problemas. A
busca pelo autoconhecimento acaba por levá-lo a questionar sua
capacidade – e a consequente diminuição da autoestima – e a relativizar
seu papel nesse cenário difuso.
Segundo Violi (2002), há, pelo menos, três possíveis causas
dessa baixa autoestima: uma pedagogia nociva; um mecanismo de
sobrevivência e um condicionamento do meio. As três nascem de uma
mesma motivação pretensamente positiva: moldar a criança para que se
adeque à sociedade em que vive.
A pedagogia nociva está na base de uma educação tradicional,
conservadora, autoritária, limitadora e punitiva que tem pais e
professores, também formados por essa pedagogia, como principais
representantes. Sair dessa dinâmica, portanto, significa optar por outras
possibilidades de atuação e se permitir crescer como pessoa e como
profissional. De acordo com Violi,
Quando o professor se dá conta disso, toda sua personalidade se
abre. Aceita que ele mesmo, aqui e agora, em sua atuação pessoal e
educativa, pode sair da rotina e dispor-se a buscar e encontrar
formas alternativas e mais efetivas de viver. Sente-se melhor consigo
mesmo, elevando sua autoestima, realçando seu valor, importância,
assim como sua responsabilidade como pessoa e como docente no
desenvolvimento de nossa sociedade (VIOLI, 2002, p. 113).
O mecanismo de sobrevivência e o condicionamento do meio
decorrem da luta pela sobrevivência pela qual os seres humanos sempre
passaram. Segundo o autor, é preciso “nos conscientizar de nosso
próprio condicionamento como pessoas que se limitam a sobreviver em
lugar de viver. Só assim estaremos em condições de buscar e encontrar
alternativas e de dirigir nossas estratégias para níveis educativos mais
motivadores” (VIOLI, 2002, p. 107).
Assim, a baixa autoestima acarreta vitimização, vergonha, culpa,
necessidade de controle, co-dependência, ressentimento e medo do
julgamento alheio. Vale ressaltar que a situação psíquica do docente
interfere sobremaneira na sua motivação vocacional e no seu estado geral
de saúde.

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Volume VI

Metodologia
Para alcançar os objetivos pretendidos, foi elaborado um
questionário para ser respondido online por professores atuantes em
diversos níveis de ensino e que fazem parte do quadro de servidores de
Municípios e do Estado do Rio de Janeiro. As respostas objetivas eram
obrigatórias, porém, viabilizando privacidade, foram facultados o
preenchimento do nome e as respostas às questões discursivas. Como
suporte, utilizou-se a plataforma Google Forms e, para divulgação, foi
escolhido o WhatsApp.

Análise dos dados da pesquisa


Os dados foram agrupados em quatro seções: Contexto de
Pesquisa, Saúde do Professor, Condições de Trabalho do Professor e
Experiência e Expectativas no Magistério, conforme descritas abaixo.

Contexto da pesquisa
A pesquisa contou com um total de 43 participantes (18
preferiram não se identificar), sendo 76,7% mulheres e 23,3% homens. A
média de idade dos decentes foi de 41 anos e o nível de instrução varia
de graduandos a doutores, sendo registrado um predomínio de pós-
graduados, 51,2%.
Em relação ao tempo de magistério, há a predominância de
professores mais experientes: 30,2% possuem de 16 a 20 anos; 25,6% de
11 a 15 anos; 18,6% mais de 20 anos; 18,6% de 6 a 10 anos e 7% de 3 a 5
anos.
Quanto à carga horária, 34,9% trabalham de 30 e 40 horas
semanais; 23,3% de 40 e 50 horas; 23,3% de 20 e 30 horas; 11,6% de 50
e 60 horas e 7% trabalham até 20 horas semanais.
Registrou-se que 79,1% dos professores trabalham apenas em
escolas públicas e 20,9% em escolas públicas e particulares e que 39,5%
dos professores atuam em duas escolas; 32,6% em apenas uma; 14% em
três e 14% em mais de três escolas.

Saúde do professor
Foi questionado primeiramente se o docente já havia entrado de
licença médica em decorrência de doenças relacionadas ao magistério.

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Vozes da Educação

44,2% dos professores declararam que ‘sim’. Embora não seja a maioria
dos entrevistados, é um quantitativo expressivo.
O maior número de ocorrências nos pedidos de licenças
médicas foram perturbações psiquiátricas (estresse, estresse pós-
traumático, depressão e ansiedade). Na sequência, problemas
otorrinolaringológicos (afecções na garganta, afonia e faringite);
ortopédicos (dores na coluna e tendinite) e cardiológicos (hipertensão
arterial). Também foram citados medo da violência e contágio de doença
a partir do contato com um aluno.
Questionou-se também sobre a concessão da licença médica.
Um participante revelou que, apesar de manifestar problema na voz, não
se licenciou, pois, segundo ele, “a burocracia foi tanta que preferi
continuar trabalhando”. Dos 19 professores que já obtiveram a licença, 9
apontaram o processo como fácil ou sem maiores problemas; 3
revelaram ter sido “muito difícil”, “complicado” ou “nada fácil”. 8
professores indicaram problemas de saúde, mas não descreveram o
processo da licença.
Posteriormente, os professores foram questionados sobre
tratamentos psicológicos ou psiquiátricos. 83,7% afirmaram não estar em
tratamento atualmente, enquanto 16,3% afirmaram estar. Alguns
dissertaram sobre problemas de acesso ao tratamento, como mudança de
plano de saúde. Quando indagados sobre o uso de medicação
controlada, 51,2% afirmaram não fazer uso enquanto 48,8%
confirmaram a utilização.
Dentre os que utilizam ou utilizaram medicamento, perguntou-
se sobre como eles se sentem em relação a isso: 14 professores relataram
ter uma visão negativa e utilizaram palavras como “péssimo”,
“prejudicada”, “mal”, “deprimida”, “impotente”, “ruim” e
“desmotivado”; 3 professores, ao contrário, apontaram um lado positivo,
ao usar expressões como “aliviado”, “grata” e “necessária”. Três
participantes demonstraram-se indiferentes e uma garantiu não fazer
mais uso de medicamentos controlados.
Subsequentemente, perguntou-se quais doenças causadas pelo
magistério tiveram. Dos 43 participantes, 16% não responderam e 7%
responderam que não tiveram nenhuma doença. Os demais professores
sinalizaram alguma doença, tendo a maioria citado problemas

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Volume VI

psiquiátricos (ansiedade, depressão e estresse). Em seguida, os problemas


com a voz (21%) e físicos (8%), como traumas ortopédicos, musculares e
articulatórios. Demais problemas, como hipertensão, alergias e varizes
figuraram em menor número (Figura 01).

Figura 01: Doenças causadas pelo magistério

Do grupo que declarou não ter nenhuma doença causada pelo


magistério, um respondeu que “por enquanto” não tivera nenhuma
doença, e outro, apesar de não ter respondido qual doença, relatou que
houvera doenças pelo trabalho. Essas duas respostas são indícios de que,
apesar de não declararem terem sido afetados por doenças causadas pelo
magistério, os professores não estão alheios a essa situação e são
afetados pela realidade enfrentada pelos colegas.
Como consequência dos problemas de saúde citados na
pergunta anterior, 65% dos docentes sinalizaram sentimentos negativos
diversos, como falta de ânimo, de estímulo e de prazer. Apenas 5% dos
respondentes citaram questões diretamente relacionadas ao reflexo
dessas doenças na prática pedagógica, apontando a queda na qualidade
das aulas como a consequência imediata dos problemas de saúde
enfrentados (Figura 02).

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Vozes da Educação

Figura 02: Consequências das doenças causadas pelo magistério

Esses sentimentos negativos dialogam com Giesta quando


afirma que:
As condições de trabalho nas escolas são, por vezes, tão pouco
gratificantes, que impedem a motivação para a identificação clara e
isenta dos problemas escolares e, muito mais, para inovar a prática
educativa. Isso muitas vezes serve como elemento que justifica, no
educador, uma representação negativa das possibilidades de êxito
com mudanças em sua atividade no magistério, diminuindo ou
anulando a vontade de agir no sentido de transformar a sua
realidade, afetando sua satisfação de viver a profissão (GIESTA,
2005)
Quando foram pedidas sugestões para melhorar as condições
de trabalho, o maior número de apontamentos se referiu ao número de
alunos em sala, aparecendo em 25% das respostas. Em seguida (18%),
aparecem questões básicas de infraestrutura, como quadra na escola,
quadro branco, acústica e limpeza. Também aparecem a valorização
profissional (pela sociedade e pelos colegas), o comprometimento e a
disciplina dos alunos e práticas de saúde e bem-estar na escola (11%).
Questões pedagógicas, como apoio e autonomia, aparecem em 7% das
respostas assim como a reivindicação por melhor remuneração. Logo
depois, aparecem a participação das famílias (4%), não extensão do
trabalho para casa (3%) e reivindicação por trabalhar perto de casa (3%)
(Figura 03).

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Volume VI

Figura 03: O que poderia melhorar nas condições de trabalho

Condições de trabalho do professor


Sobre os incômodos no trabalho docente, apareceu como
principal o desinteresse de pais e alunos (37%), seguido de falta de
infraestrutura escolar e baixa remuneração (16%), violência (14%),
desinteresse governamental (12%) e carga horária laboral excessiva (5%).
Nenhum professor sinalizou localização da escola como incômodo,
assim como nenhum assinalou não haver incômodo no trabalho docente
(Figura 04).
Figura 04: O que mais incomoda no trabalho docente

Em seguida, os professores foram questionados sobre qual


suporte recebiam. 67% responderam não receber suporte e 33%
sinalizaram receber. Os que sinalizaram receber suporte especificaram:
apoio da equipe diretiva e/ou técnico-pedagógica (42%), livro didático e

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Vozes da Educação

material de trabalho (25%) e recursos tecnológicos (17%). Um professor


citou a oferta de formação continuada, outro destacou caderno de apoio
pedagógico.
Em relação à indisciplina 7, foi perguntado se os professores recebiam
algum tipo de ajuda para lidar com o problema e a maioria alegou que
sim, com a intervenção da direção (72%).
Quando questionados sobre violência, 58,1% afirmaram ter
passado por situações de violência na escola. Dentre elas, mencionaram-
se, majoritariamente, agressões verbais (29%), seguido de briga entre
alunos (17%), desrespeito a professores e funcionários (15%), ameaça ou
intimidação (12%) e tentativa de agressão ao docente (12%), tiroteio nos
arredores da escola (6%), tiroteio dentro da escola (3%), agressão física
(3%) e carro arranhado (3%). Algumas dessas situações levaram docentes
a saírem da escola em que lecionavam, evidenciando o extenuante
trabalho do professor.

Experiência e expectativas no magistério


67,4% dos professores entrevistados se disseram insatisfeitos
com o trabalho, com causas diversas convergindo para dois sentimentos
preponderantes: desvalorização e desrespeito. Citaram a violência, salário
defasado, estresse e cansaço, falta de capacitação profissional devido ao
escasso tempo livre, descaso da sociedade, do governo e dos alunos.
Mencionaram, ainda, a descrença no sistema educacional, o
posicionamento dos pais, a falta de perspectiva, a indisciplina muitas
vezes impune e a falta de recursos adequados. Mesmo os que se disseram
satisfeitos, no momento em que foi pedido que comentassem a
satisfação, enumeram alguns desses problemas relatados e apontaram
como causa da sua satisfação bons resultados do seu trabalho na vida
dos alunos, fazendo, na voz de um deles, “o que podem” e se realizando
em sala de aula.
Quase 70% dos entrevistados responderam pensar em
abandonar o magistério. Como causas, a maioria cita os mesmos motivos
elencados como causadores de insatisfação: salas lotadas, preocupação

7Pode-se entender indisciplina como: “procedimento, ato ou dito contrário à disciplina;


desobediência; desordem; rebelião” (FERREIRA, 1986, p. 595); “desordem proveniente da
quebra das regras estabelecidas pelo grupo” (ESTRELA, 1992, p. 17).

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Volume VI

demasiada do sistema com a aprovação do aluno e não com a qualidade


do ensino e a visão de sacerdócio atribuída ao professor. Os
aproximadamente 30% que não pensaram em abandonar enumeram
razões como falta de formação em outra área, idade, esperança na
profissão, realização pessoal ao fazer o que gosta e crença na capacidade
de fazer a diferença na educação.
Quanto à remuneração, 93% afirmaram sentirem-se
injustiçados, pois acreditam que: o professor ganha menos que outros
profissionais, apesar de ser formador de outras profissões e da grande
demanda de responsabilidade; são vistos como se fizessem trabalho
voluntário; políticos desmerecidamente ganham mais; há um
investimento acadêmico desproporcional ao retorno financeiro. Esta
última fala dialoga com os dados da seção “contexto de pesquisa” que
revelam o nível de instrução dos participantes, podendo-se inferir que
um dos motivos para os professores não darem continuidade à carreira
acadêmica é a falta de retorno financeiro.
Outro sentimento convergente dos entrevistados diz respeito à
valorização que recebem da sociedade. 97,7% dos participantes sentem-
se desvalorizados. A maioria argumentou que a sociedade põe a
educação em segundo plano, desprestigiando, portanto, o trabalho do
professor. Também houve concorrência nos temas dos comentários
sobre a frequente atuação do professor em desvio de função, o
desrespeito da família, a culpabilização do docente (por exemplo: “O
professor é sempre o primeiro a ser apontado como culpado de tudo de
errado e o último a ser reconhecido quando alguma coisa é certa” e “a
sociedade requer cada vez mais a atuação da escola nos mais variados
temas e problemas sociais e, por estes não serem resolvidos,
retroalimenta o discurso de culpabilização do professor presente na
grande mídia”), a nítida comiseração que a sociedade sente pelo
professor (“a sociedade tá condicionada a achar que ser professor é
sinônimo de “morrer de fome”, “ouvi isso uma dúzia de vezes ao longo
da vida”) e a comparação com o respeito que os “professores de
antigamente” desfrutavam.
Mais um exemplo de mal-estar na profissão foi percebido
quando 60,5% dos entrevistados declararam não acreditarem em
mudanças positivas para o magistério, reforçando o ceticismo com

19
Vozes da Educação

argumentos que remetem, principalmente, às insatisfatórias políticas


públicas para educação, por exemplo: “vivemos um processo de
sucateamento da educação nas redes públicas” e “não percebo intento
verdadeiro por parte dos que governam em mudar realmente a estrutura
educacional. Tudo é JUST FOR SHOW!”. Dos 39,5% que acreditam em
mudanças, alguns mencionaram ter esperança e outros acreditam nas
positivas mudanças proporcionadas por lutas. Numa perspectiva mais
individual, a maioria (79,1%) acredita que pode contribuir para mudar o
magistério positivamente. Os temas dos comentários mais frequentes
discorrem sobre dedicação, engajamento político, orientações
ministradas aos alunos e experiências bem-sucedidas em sala que se
multiplicam. Isso revela que a maioria dos professores entrevistados
sente que faz uma força individual e constante contra as políticas
públicas para a educação que citaram, nos dados anteriores, como
insatisfatórias (Figura 05).

Figura 05: Temas das respostas dos que acreditam contribuir positivamente para o magistério

Os 20,9% que acreditam não poder contribuir positivamente


para o magistério citaram: sentimento de desestímulo e incapacidade (por
exemplo: “não tenho forças”), necessidade de haver políticas públicas
para permitir um bom trabalho, e percepção da falta de engajamento da
sociedade (por exemplo: “individualmente, não há como melhorar. Isso
só é possível por meio de uma luta coletiva, que precisa ser
compartilhada e almejada pela sociedade”). Nota-se que esses
professores não desacreditam de si, mas percebem que são uma força

20
Volume VI

isolada e, portanto, sucumbida em meio às adversidades que dificultam o


exercício de sua função.
Foi pedido aos participantes para descreverem uma situação
bastante desagradável pela qual tivessem passado na escola. 50% não
responderam. A princípio, acreditou-se que a metade dos participantes
não vivenciara uma situação desagradável de fato. No entanto, como um
participante respondeu “prefiro não falar sobre isso”, percebe-se que
essa questão pode gerar algum desconforto emocional e pode ser este o
motivo para a grande abstenção de resposta.
Dentre as descrições, houve relatos de ameaças diretas de
morte, agressão física e verbal, desrespeito de alunos, danos a bens
pessoais, perseguição profissional e falta de profissionalismo dos colegas.
Alguns relatos dos entrevistados chamaram a atenção pelo teor de
violência: “Já fui ameaçada de morte através de uma mensagem escrita
no vidro do meu carro”, “Ano passado, uma mãe me ameaçou de morte.
Ela me ameaçou porque, segundo o filho dela, eu rasguei a mochila dele.
Fico muito triste mesmo sabendo que a mãe do menino tem problemas
psiquiátricos” e “Fui chamada de vaca por um aluno e ao conversar com
seu pai, este riu da situação e só mudou a postura quando eu disse que
faria um boletim de ocorrência”.
Ao serem perguntados sobre o que é necessário para que um
professor se sinta valorizado, 45,5% dos participantes citaram salário
adequado, o que, segundo Souza et al (2003), é um problema da
atualidade, pois até os anos de 1960, a maior parte dos trabalhadores do
ensino gozavam de uma relativa segurança material, de emprego estável e
de um certo prestígio social. No entanto, no contexto atual, o docente
precisa trabalhar em várias escolas, pois não consegue se manter com
apenas um emprego. Temas que também apareceram recorrentemente
nas respostas dos professores foram: respeito, dignidade,
reconhecimento social da profissão, valorização da educação, apoio da
escola e da família, escola com infraestrutura e equipamentos adequados,
melhores condições de trabalho, estímulo à capacitação profissional,
autonomia pedagógica, mudança cultural, políticas educacionais
adequadas à realidade, alunos participativos e jornada de trabalho
adequada. Este último tema é caro a Esteve, que aponta como um dos
indicadores do mal-estar-docente o acúmulo de funções do professor:

21
Vozes da Educação

[...] nos últimos anos, têm aumentado as responsabilidades e


exigências que se projetam sobre os educadores, coincidindo com
um processo histórico de uma rápida transformação do contexto
social, o qual tem sido traduzido em uma modificação do papel do
professor, que implica uma fonte importante de mal-estar para
muitos deles [...] (ESTEVE, 1999, 28).
No entanto, quando questionados sobre as razões que os
mantêm em sala de aula, a maior convergência de respostas (30%)
centraliza os temas amor, paixão, apreço e gosto. Em consonância com
Vasques-Menezes & Codo (2000), estes dados mostram que os
professores não estão alheios às adversidades institucionais, mas, apesar
delas, conseguem usufruir do prazer da atividade docente.
Na questão final, quando foi pedido aos participantes para
resumir o que seria dar aula nos dias de hoje, a maioria ressalta as
dificuldades e a palavra “desafio” foi a mais citada. Ficou também visível
o mal-estar docente, como em “uma missão difícil, quase impossível”,
“uma tarefa complexa, árdua”, “exercer múltiplas funções”, “cansativo”,
“desesperador”, “depressivo” e “constrangedor”. Também apareceram
respostas como “troca, transmissão de conhecimentos”, “sacerdócio”,
“conseguir entender melhor os comportamentos dos jovens, que
formarão uma nova sociedade”, “prazeroso”, “ato de amor”, “meio de
sustento” e “cumprir uma função social”, o que mostra a dualidade de
sentimentos vivida pelos professores já que alguns incorporam em seus
discursos o desejo de cumprir a função redentora que a sociedade
demanda deles, mesmo sendo uma demanda humana que o professor é
incapaz de atingir.

Conclusão
A realidade de trabalho que os professores desenharam nesta
pesquisa é significativamente patógena e sobressalta o mal-estar docente.
Mesmo os mais positivos, esperançosos, ou mesmo os ativistas (que
veem o magistério como uma escolha e lutam por melhores condições
de trabalho) não estão imunes a este ambiente que pode levar ao
adoecimento. Observar que mais da metade dos entrevistados fizeram ou
fazem uso de medicação controlada em decorrência do magistério, por
exemplo, é um dado expressivo de como esta profissão tem sido
negligenciada. Cabe reflexão, em uma próxima pesquisa, sobre os
motivos e as consequências de tal negligência.

22
Volume VI

As respostas dos professores entrevistados tornaram bastante


perceptível o incômodo com que o magistério é vivenciado devido às
condições de trabalho insalubres, mas também ficou nítido o desejo de
continuar na profissão e de lutar por condições de trabalho adequadas
para alcançar uma educação de qualidade. Percebe-se que os professores,
majoritariamente, sabem que não são capazes de mudar a educação
sozinhos, mas acreditam que conseguem fazer uma diferença positiva,
mesmo com as precárias condições de trabalho que os fazem adoecer.
Como soluções, apontam redução do número de alunos por
turma, melhoramento de infraestrutura da escola e valorização do
professor. Sentem, porém, que essas solicitações têm sido desprezadas,
uma vez que políticas públicas educacionais são construídas sem diálogo
com os profissionais da educação. Enquanto se adia esta discussão, os
docentes, mesmo que esperançosos, vivem um quadro de mal-estar em
seus ambientes laborais, enfrentando cotidianamente situações
desfavoráveis à real causa de todos os professores: o aprendizado.

23
Vozes da Educação

Referências Bibliográficas
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professores. Trad.: Durley de Carvalho Cavicchia. Bauru, São Paulo:
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In: AZEVEDO, Nyrma Souza Nunes de(Org.). Imaginário e educação:
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VIOLI, F. A autoestima do professor: manual de reflexão e ação
educativa. Trad.: Yvone Maria de Campos Teixeira da Silva. 2. ed. São
Paulo: Loyola, 2002.

24
Volume VI

O ESTATUTO EPISTEMOLÓGICO DO ESTÁGIO


SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO DE DOCENTES

Liliani Hermes Cordeiro Schvarz 8

RESUMO
Esse estudo aborda a dimensão epistemológica do estágio na formação
do educador. É um estudo bibliográfico baseado em Franco (2012),
Lima e Pimenta (2012), Pimenta (2012) Saviani (2009), Ribeiro (2001),
Vázquez (1968) entre outros que teorizam sobre a temática. Considera-se
a necessidade de revisão de concepções que sustentam as ações
propostas nessa fase de formação do educador, entendendo o estágio
como campo de conhecimento por seu estatuto epistemológico,
prevendo ação educativa para além da prática pela prática, considerando
as categorias histórico-sociais da realidade escolar e suas demandas.

Palavras-chave: formação de professores, estágio, teoria e prática,


conhecimento.

ABSTRACT
This study addresses the epistemological dimension of the internship in
the formation of the educator. It is a bibliographic study based on
Franco (2012), Lima and Pimenta (2012), Pimenta (2012) Saviani (2009),
Ribeiro (2001) and Vázquez (1968) among others that theorize about the
theme. It is considered the need to revise conceptions that support the
actions proposed in this stage of the educator's education, understanding
the stage as a field of knowledge by its epistemological status, providing
for educational action beyond practice by considering the historical-
social categories of the school reality and its demands.

Keywords: teacher training, internship, theory and practice, knowledge.

8Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste. Mestrado em Educação


pela Universidade Estadual do Centro-Oeste.

25
Vozes da Educação

Introdução
O estágio curricular supervisionado como atividade na
formação do professor, por sua proposta, configura-se como o
momento de inserção do futuro educador no espaço escolar. Tal
inserção infere conhecimento sobre os possíveis elementos intrínsecos à
organização do trabalho escolar, nos diversos segmentos de seu formato.
O pressuposto é o de que o conhecimento teórico contribua para que o
futuro educador se situe frente à complexidade do processo educativo e
suas demandas, numa dimensão ampla, cuja totalidade requer
intervenções sólidas na direção da formação em diversos aspectos do
processo educativo.
Para tanto, entende-se que no processo de formação inicial do
educador as ações educativas, por seu conjunto, poderão exercer um
papel com maior expressividade, uma vez que alcance todos os
envolvidos no processo. Assim, o estágio configura-se como momento
de formação e aprendizagem para além de um simples momento de
aplicação de técnicas, transmissão de informações e conteúdos ou
comprovação de habilidades didáticas e pedagógicas.
Nesse sentido, a discussão aqui apresentada trata-se de um
estudo de cunho bibliográfico e traz como objetivo refletir sobre a
dimensão epistemológica do estágio supervisionado enquanto campo de
conhecimento na formação teórico-prática do futuro professor. Tal
discussão traz como suporte teórico, autores como: Franco (2012), Lima
e Pimenta (2012), Pimenta (2012), Saviani (2009), Ribeiro (2001) e
Vázquez (1968), entre outros que contribuíram para melhor
compreender o objeto em questão.
Na primeira seção do estudo a abordagem segue a proposta de
reflexão sobre a dimensão epistemológica do estágio na formação do
educador, problematizando tal dimensão na direção de buscar
compreender os elementos que permeiam o fenômeno. Na sequência,
propõe-se discussão sobre a relação teoria e prática no contexto da
intervenção educativa e pedagógica, por meio do estágio, por seu caráter
epistemológico, buscando compreender a partir da concepção de
inseparabilidade entre a teoria e a prática, a relação dessa característica
com a ação educativa, cuja dimensão transformadora pode ser proposta

26
Volume VI

no processo de intervenção por meio do estágio, enquanto momento de


formação para além da prática pela prática.

A dimensão epistemológica do estágio na formação do educador


A discussão proposta aqui problematiza a dimensão
epistemológica do estágio como campo de conhecimento na formação
do educador. A abordagem tem como objetivo discutir a prática
pedagógica realizada por meio do estágio curricular supervisionado, a
partir da compreensão de que na realização dessa atividade, o futuro
professor, atue para além da mera reprodução de modelos ou exposição
de conteúdos e informações, uma vez que, como afirmam Almeida e
Pimenta (2014, p. 80), “os conteúdos são saberes que não provêm da
prática docente, mas são por ela apropriados, e possuem grande valor
nas tarefas desempenhadas pelos professores.” A transmissão de
conteúdos, se entendida como elemento principal da ação pedagógica,
ocupa significativo espaço nas preocupações do educador, bem como a
forma como deverá expor tais conteúdos, em detrimento de uma ação
educativa comprometida com os aspectos mais relevantes da formação
humana. Compreender sobre as possibilidades de intervenção docente
mediadora na formação humana por meio da ação pedagógica infere
necessária articulação entre o conhecimento e as concepções do futuro
educador sobre a evolução do homem enquanto ser em transformação.
No processo de formação do educador, os princípios fundamentais para
uma ação práxica podem ser efetivamente expressivos quando da
atuação do mesmo no espaço escolar, ainda no processo de formação
inicial, considerando que a complexidade do trabalho educativo exige
articulações para além do saber fazer restrito à sala de aula.
O estágio deve oferecer ao aluno de licenciatura condições para que
perceba que o professor é um profissional, inserido em determinado
espaço e tempo históricos, capaz de questionar e refletir sobre sua
prática, assim como sobre o contexto político e social no qual esta
se desenvolve (ALMEIDA, GHEDIN e LEITE, 2008, p. 36).
Oferecer tais condições ao aluno de licenciatura implica em
refletir sobre os subsídios teóricos propostos em sua formação, que
sendo apropriados pelo mesmo, estarão diretamente relacionados à
coerência e eficácia de sua ação, Saviani (2009), a partir de um
conhecimento substancialmente efetivo e necessário, entendendo que,

27
Vozes da Educação

Enquanto processo de apreensão da realidade, o estágio deve indicar


como o aluno a apreende, deve conduzir o ver do aluno, para que
ele enxergue em cada detalhe ‘o todo, a totalidade, o como agir’ que,
somado ao ‘ver dos outros (...) pode descortinar novos horizontes
para projetos educativos mais audaciosos’ (PIMENTA, 2012, p. 87).
Nessa perspectiva de compreensão, o estágio proporciona ao
educador em formação, uma proposta desafiadora frente às demandas de
uma ação educativa, baseada em princípios fundamentados para além da
reprodução ou apresentação de modelos de atividades, meramente.
Atribuir estatuto epistemológico ao estágio requer compreendê-lo como
práxis, como componente do projeto político pedagógico do curso, não
apenas como atividade complementar com objetivo de comprovar
habilidades.
O estágio entendido como campo de conhecimento propicia
alternativas de intervenção a partir da reflexão crítica sobre elementos
que permeiam a realidade escolar, cuja complexidade demanda ações
inéditas. Portanto, pode ser um momento de expressiva atuação dos
futuros educadores, junto a outros profissionais da educação, teorizando
e propondo ações significativas para a própria formação, bem como para
a escola-campo, ressignificando os objetivos formativos para todos os
envolvidos no processo pedagógico educativo por seu caráter
multifacetado. Assim, “a elaboração do projeto de estágio no interior de
seu plano de curso precisa contar com todos os elementos envolvidos,
inclusive com os professores do campo de estágio [...].” Piconez (1991,
p. 36). Considerar essas relações pode traduzir-se como elemento
importante na superação de uma visão ingênua ou muito reduzida acerca
da prática de ensino por meio do estágio. Liberdade e autonomia para
transitar no processo requerem rompimento com ações autoritárias,
protocolos burocráticos e impeditivos desse movimento, reconhecendo a
importância da atuação coletiva em função de objetivos comuns.
Assim, num primeiro momento faz-se necessário rever as
concepções que orientam as ações dos sujeitos em relação ao estágio.
Isso vale para todos (professores supervisores de estágio, alunos,
professores e equipe pedagógica da escola-campo), que estarão de
alguma forma, envolvidos no processo. Piconez (1991, p. 26), afirma: “E
identifica-se não um sujeito central (ora professor, ora aluno), mas um
conjunto de relações entre pessoas, num contexto social concreto”.

28
Volume VI

Articulações coletivas pressupõem compartilhamento de


responsabilidades, ao mesmo tempo em que atribuem compreensão
significativa sobre os fenômenos problematizados, bem como sobre as
possibilidades ou viabilidade de ações transformadoras. Bordenave e
Pereira (1982, p. 10) apud Berbel (1998, p. 26) “apresentam a solução de
problemas como uma forma de participação ativa e de diálogo constante
entre alunos e professores para se atingir o conhecimento”. Segundo os
mesmos autores, não pode ser qualquer problema, mas “[...] problemas
reais, percebidos pela observação direta da realidade em foco.” É válida a
assertiva em relação aos problemas considerando-os como elementos
intrínsecos à dinâmica escolar, devido às transformações sociais, às
necessidades singulares dos sujeitos, as relações estabelecidas pela
convivência social, aos comportamentos frente à diversidade de situações
que permeiam direta e indiretamente o cotidiano escolar. O educador em
formação inserido no contexto escolar, oportunamente observando os
encaminhamentos educativos, pela lente epistemológica, amplia seu
processo de análise, refletindo de forma aprofundada sobre possíveis
intervenções pedagógicas e educativas.
Cabe pensar também que a formação de professores não se efetua
no vazio, mas deve estar vinculada a uma intencionalidade, a uma
política, a uma epistemologia, a pesquisas aprofundadas dos saberes
pedagógicos. A formação de professores desvinculada de um
projeto político só pode caracterizar uma concepção extremamente
pragmatista, reprodutivista, tecnicista da ação docente (FRANCO,
2012, p. 167)
Na prática docente, por meio do estágio, as consequências de
uma concepção meramente pragmatista, podem resultar na exposição de
informações e propostas de atividades superficialmente planejadas. De
modo que, o que está em pauta é a capacidade ou habilidade do
estagiário em relação ao “saber fazer”, que por sua vez, trata-se também
de uma ação complexa frente à realidade escolar e suas singularidades.
Portanto, entende-se que a revisão das concepções sobre a prática de
ensino e seus objetivos, os pressupostos que a sustentam, torna-se
imprescindível na medida em que se compreende o estágio como campo
de conhecimento.
O desenvolvimento desse processo é possibilitado pela atividade de
pesquisa, que se inicia com a análise e a problematização das ações e
das práticas, confrontadas com as explicações teóricas sobre estas,
com experiências de outros atores e olhares de outros campos de

29
Vozes da Educação

conhecimento, com objetivos pretendidos e com as finalidades da


educação na formação da sociedade humana (FRANCO, 2012, p.
49-50)
Os saberes que se cruzam inferem ação frente aos desafios
apresentados no cenário escolar e educativo. Portanto,
Em sentido amplo, ação designa a atividade humana, o fazer, um
fazer efetivo ou a simples oposição a um estado passivo. Entretanto,
em uma compreensão filosófica e sociológica, a noção de ação é
sempre referida a objetivos, finalidades e meios, implicando a
consciência dos sujeitos para essas escolhas, supondo um certo
saber e conhecimento (LIMA e PIMENTA, 2012, p. 42).
Os objetivos, finalidades e meios têm relação direta com a
concepção do professor sobre o processo de ensino e aprendizagem,
enquanto objeto central da ação pedagógica. É importante ressaltar, que
o ensino e a aprendizagem, são os elementos fundamentais na atuação
docente. Assim, entendemos que,
Esse processo de ensino e aprendizagem é composto de conteúdos
educativos, habilidades e posturas científicas, sociais, afetivas,
humanas; enfim, utiliza-se de mediações pedagógicas específicas
(LIMA e PIMENTA, 2012, p. 42).
As mediações pedagógicas no processo de ensino e
aprendizagem, exigem do professor, conhecimento que se adiante à mera
transmissão de informações que não se efetivam como aprendizagem. A
relação do professor com os saberes pode ser vista como elemento
mobilizador de uma ação educativa consciente, em relação à proposição
dos objetivos e das finalidades, ainda na fase de sua formação inicial.
O pressuposto para tal objetivação implica no reconhecimento
por parte dos sujeitos envolvidos no processo de formação do educador,
de que desde a preparação inicial para inserção na escola, a qual servirá
como campo de estágio, as concepções que nortearão o processo sejam
constantemente objeto de reflexão, com o objetivo de superar equívocos
e trilhar outros caminhos que conduzam à ação práxica do futuro
educador, e a partir dela, sejam alcançados os objetivos em relação ao
ensino e à aprendizagem, efetivamente.

A relação teoria e prática e o caráter epistemológico do estágio


Refletir sobre a relação teoria e prática, no processo de ensino-
aprendizagem, requer reflexão sobre a relação dialética entre esses
elementos, que por sua vez, configura-se como práxis pela fusão teoria e
prática como elementos inseparáveis. Ribeiro (2001, p. 7), afirma que:

30
Volume VI

“[...] sem o domínio crítico da categoria práxis, a compreensão da prática


humana geral ficaria restrita à sua dimensão prático-utilitária”. A autora
nos leva à compreensão do reducionismo da prática como atividade
meramente utilitária, restrita a necessidades momentâneas, mantendo
assim relação direta com o senso comum. E, a mesma autora,
complementa:
Com essa simplificação, os educadores no exercício de sua função
não se constituem em instrumentos de elevação do grau de
consciência do ser humano comum sobre a realidade, e sim em
instrumento de consagração do chamado “senso comum”
(RIBEIRO, 2001, p. 7).
Na esfera do senso comum, os dizeres se diluem em conceitos
equivocados sobre a relação teoria e prática, e assim,
Não é raro ouvir, a respeito dos alunos que concluem seus cursos,
referências como ‘teóricos’, que a profissão se aprende ‘na prática’,
que certos professores e disciplinas são por demais teóricos (LIMA
e PIMENTA, 2012, p. 33)
A afirmação de que a profissão se aprende na prática leva ao
entendimento de que a prática não depende da teoria. Essa constatação
ainda se faz presente entre estudantes de cursos de formação de
professores, inclusive nos cursos de pedagogia. É a concepção de
separação teoria e prática como elementos distintos, baseada no senso
comum de que “na prática a teoria é outra”, Lima e Pimenta (2012, p.
33). A dicotomia expõe a dificuldade de compreensão da relação teoria e
prática, enquanto elementos interdependentes. Para Tardif (2014, p. 23),
“essa visão disciplinar e aplicacionista da formação profissional não tem
mais sentido hoje em dia, não somente no campo do ensino, mas
também nos outros setores profissionais”. Assim, entende-se a superação
de concepções equivocadas acerca da prática de ensino por meio do
estágio na formação do professor, como subsidiária na reconstrução da
compreensão sobre as bases que sustentam a ação educativa nessa fase
de formação do educador.
Podemos considerar importante e significativo problematizar a
formação do educador em relação aos objetivos voltados para a
formação humana, formação científica e metodológica, levantando
questionamentos mais específicos, como por exemplo:
O que significa ser profissional? Que profissional se quer formar?
Qual a contribuição da área na construção da sociedade humana, de
suas relações e de suas estruturas de poder e de dominação? Quais
os nexos com o conhecimento científico produzido e em produção?

31
Vozes da Educação

São questões que muitas vezes não são consideradas nos programas
das disciplinas, nos conteúdos, objetivos e métodos que desenvolve
(LIMA e PIMENTA, 2012, p. 34)
Problematizar a partir das demandas da formação do educador
e sua complexidade, ampliando a compreensão sobre a relação dialética
entre o conhecimento e o exercício de uma prática sustentada pelo
mesmo, não desarticulada dos significados reais da formação humana e
sua relação com a educação escolar, como fenômenos inseridos numa
totalidade, cujas relações poderão ser ressignificadas no contexto
educativo escolar. Problematizar a atuação docente, uma vez que a
mesma se dá, numa realidade de contrastes e contradições que impõem
necessidades relacionadas à formação humana em dimensões amplas.
Nessa perspectiva, o professor entenderá que,
É importante reconhecer que as formas de ensinar têm
consequências que vão além da aprendizagem de um conjunto de
informações, sejam teóricas sejam práticas. Elas estabelecem um
estilo de interação do professor com seus alunos, dos alunos e
professores com os conhecimentos e com o mundo, possibilitando
experiências que podem servir para influenciar outras situações de
vida dos próprios sujeitos (BERBEL, 1998, p. 24).
São articulações que imprimem à ação docente no estágio um
caráter epistemológico enquanto atividade teórica-prática e política.
Nesse sentido, os professores em formação poderão compreender o
estágio como campo de conhecimento e espaço de intervenção que
permite a relação mais próxima junto aos problemas sociais que se
refletem na escola. A ação educativa durante estágio, partindo de
princípios mais amplos, pode se tornar então, mais significativa para o
professor em formação, cuja abrangência de atuação supere possíveis
reducionismos em torno do estágio, como prática pela prática.
Entendendo que a prática pela prática se expressa como
transmissão das informações em forma de conteúdos escolares, também
pela averiguação da apropriação ou abstração dessas informações pelos
estudantes por meio de um processo avaliativo, cujos objetivos estão
relacionados à verificação de habilidades de ensino e capacidades
“didáticas” do futuro educador, que se consideradas como elemento
essencial no processo de ensino, especificamente no que diz respeito à
atuação do educador em formação, podem inferir a expectativa de
padronização ou cultura profissional, conforme Bolívar (2002). Portanto,
cabe aqui refletir sobre o que se espera do professor em formação na sua

32
Volume VI

atuação durante o estágio, uma vez que, as ações propostas na realização


do estágio trazem implicitamente a ideia de por em prática a teoria. Em
Pimenta (2012, p. 45), temos que: “[...] a finalidade do estágio é propiciar
ao aluno uma aproximação à realidade na qual atuará. Assim, o estágio se
afasta da compreensão até então corrente, de que seria a parte prática do
curso”. A concepção de que o estágio é a parte prática do curso, muito
presente no meio acadêmico, pode ser impeditivo de compreender o
estágio a partir de um conceito mais aprofundado.
Para isso entende-se que,
É preciso que os professores orientadores de estágios procedam, no
coletivo, junto a seus pares e alunos, a essa apropriação da realidade,
para analisá-la e questioná-la criticamente, à luz de teorias. Essa
caminhada conceitual certamente será uma trilha para proposição de
novas experiências (LIMA e PIMENTA, 2012, p. 45).
De modo que a proposição de novas experiências seja na
perspectiva de concepções sustentadas pelo conhecimento teórico
necessário para compreensão do estágio, segundo Lima e Pimenta (2012,
p. 45), como atividade teórica “instrumentalizadora da práxis docente,
entendida esta como atividade de transformação da realidade”. Essa
concepção pressupõe o estágio como atividade munida de significados
formativos que proponham transformação. Para isso, os significados da
atividade docente demandam conhecimento sobre a relação dialética
entre a teoria e a prática, compreendendo também a educação como
processo dialético de desenvolvimento. Na perspectiva dialética
compreende-se que os fenômenos estão em movimento pela intervenção
humana na realidade objetiva, como processo dialético de intercâmbio
humano e social (SUCHODOLSKI, 1979), entendendo que “o homem e
seu mundo, pois, são uma entidade dialética unitária e indissolúvel.”
(PIMENTA, 2012, p. 97) e, portanto, para poder intervir de acordo com
as demandas específicas de determinada realidade, faz-se necessário
buscar compreendê-la para poder transformá-la pela educação vista no
conjunto das relações sociais. Isso “significa estudá-la, conhecê-la, tomá-
la intencional e sistematicamente como objeto de investigação. Estudá-la
cientificamente.” (PIMENTA, 2012, p. 98). Estudar a educação
cientificamente para poder intervir na realidade aumentando a
probabilidade de intervenção transformadora. Considerar a
complexidade da realidade social e da formação humana, como elemento

33
Vozes da Educação

chave a ser estudado para ser compreendido e então, a atuação docente


manter relação direta com o processo de transformação por meio da
prática educativa.
Nesse sentido, o caráter epistemológico da ação proposta no
estágio visa aprofundar o conhecimento conceitual sobre a ação
desenvolvida para além de uma concepção superficial desvinculada de
objetivos mais amplos, significativos e coerentes com as necessidades
contextuais.
A complexidade da formação do professor exige tal
aprofundamento para a superação contínua de concepções estagnadas
que sustentam a reprodução de práticas baseadas em modelos idealizados
e sem reflexão. É a educação operando como “[...] uma atividade
humana partícipe da totalidade da organização social” (CURY apud
PIMENTA, 2012, p. 97), podendo ser reconhecida por sua função social
desde o processo de formação inicial do professor. O estágio, nesse
sentido, como prática social e por seu caráter epistemológico contribui
para que o futuro professor, desde então e a partir de sua inserção na
realidade escolar, reconheça a abrangência de tal prática, que por sua vez
configura-se como momento oportuno de acesso e conhecimento da
dinâmica escolar, das contradições e relações que perfazem a realidade
escolar no cotidiano. O conhecimento que sustenta as concepções
educativas, do professor em formação, subsidia sua interpretação da
realidade escolar, bem como a forma como irá propor a intervenção. A
lente dialética permite uma análise sobre as contradições, a partir de
diferentes pontos de vista, rompendo assim com formas estereotipadas
de leitura da realidade escolar, ampliando as possibilidades de uma
atuação que leve a mudanças expressivas na estrutura existente.
Isto significa captar em seu próprio funcionamento as condições
que possam impedir a reprodução das estruturas existentes [isto é,
captar as contradições dessa estrutura]. Como princípio dinâmico de
análise da educação a contradição aponta não só o que pode ser
mudado, mas também para onde o que está mudando pode ser
direcionado (CURY apud PIMENTA, 2012, p. 98).
A análise proposta a partir da categoria da contradição
possibilita melhor compreender a relação dialética entre a teoria e a
prática, como elementos indissociáveis, instrumentalizando a práxis
docente, segundo Vásquez (1968), práxis como uma forma específica de
atividade, expressa como uma forma diferente de ensino. Ou seja, a

34
Volume VI

atividade docente como práxis, caracteriza-se como ação sobre a


realidade presente na perspectiva de uma realidade futura, de acordo com
Vásquez (1968). A perspectiva de uma realidade futura está relacionada à
interpretação dada à realidade presente e às possibilidades de intervenção
docente como atividade com finalidades, como “expressão de certa
atitude do sujeito em face da realidade” Vásquez (1968, p. 189) e que se
materializem por uma ação transformadora da realidade e dos sujeitos,
numa dimensão educativa, cuja complexidade infere significativo
conhecimento sobre atividade humana, tanto sobre a natureza como de
natureza educacional como base da ação educativa a ser proposta.
Em função dessa compreensão, tem-se que,
A dimensão educativa da atividade prática humana decorre da
relação entre esta prática e as finalidades que a dirigem; finalidades
que, além de impostas ao ser humano pelo ‘império das
necessidades físicas imediatas’, são impostas pelo ser humano a si
mesmo, na condição de ser histórico-social, que constantemente vai
se criando no processo de criação de novas realidades (RIBEIRO,
2001, p. 15).
O pressuposto aponta que na condição de ser histórico-social, o
ser humano impõe a si mesmo a necessidade de autocriação e ao mesmo
tempo, a criação de novas realidades. Essa condição nos leva a entender
que não cabe, portanto, a atividade pela atividade, a prática pela prática
como atividade que não contribui com o desenvolvimento histórico-
social. Na perspectiva de tal desenvolvimento, em relação à ação
docente, temos que,
O professor no espaço do estágio tem a possibilidade de se
reconhecer como sujeito que não apenas reproduz o conhecimento,
mas também pode tornar seu próprio trabalho de sala de aula em
um espaço de práxis docente e de transformação humana. É na ação
refletida e no redimensionamento de sua prática que o professor
pode ser agente de mudanças na escola e na sociedade (LIMA e
PIMENTA, 2012, p. 132).
A assertiva sobre o professor no campo do estágio, como
sujeito de sua ação e agente de transformação, corrobora com a
compreensão de que enquanto sujeito histórico-social, o professor pela
práxis, num processo contínuo e progressivo, construirá sua identidade
enquanto educador a partir de sua ação teórico-prática articulada à
configuração da realidade em que atua. Isso se torna muito mais
significativo e produtivo, na medida do reconhecimento sobre a
necessidade de se conhecer a realidade para agir sobre a mesma, não

35
Vozes da Educação

apenas interpretá-la. Alguns determinantes, segundo a autora abaixo,


esclarecem melhor esse pressuposto.
A necessidade-capacidade de conhecimento sobre a realidade –
própria do ser humano – determina, então, diretamente não só a
atividade cognoscitiva (que na sua forma mais rigorosa é a atividade
exercida pelo cientista), como a atividade teleológica (que na sua
forma mais rigorosa é a atividade do filósofo que admite o mundo
não apenas como objeto de interpretação, mas também de
transformação). Determina ainda, diretamente, tanto a unidade entre
tais formas específicas de atividade teórica, bem como a unidade
entre elas e a atividade prática humana. E, mais, determina
diretamente também a atividade educacional e em particular, ou de
maneira particular, a atividade educacional escolar (RIBEIRO, 2001,
p. 16-17).
Os determinantes apontados indicam a indissociabilidade entre
a atividade teórica e a atividade prática, que se consolida como práxis, a
partir da necessidade humana de conhecer a realidade para poder
modificá-la. Modificá-la para atender necessidades nos diversos
segmentos do desenvolvimento humano e suas demandas em relação à
vida em sociedade. O trabalho educativo escolar tem importante papel a
cumprir nesse sentido. Assim, infere-se que toda a ação educativa
escolar, por meio dos profissionais que a exercem e por sua função
social, poderá efetivamente, transpor desafios para além de ações a
serviço meramente da escola, de um sistema, das normatizações e
burocracias.
Percebemos que a educação como fenômeno essencialmente
humano, tem na escola sua sistematização necessária no sentido de
organizar a transmissão do conhecimento científico historicamente
produzido. No entanto, sua dimensão humana requer o discernimento
necessário para atender as necessidades especificamente humanas de
desenvolvimento dos sujeitos enquanto seres sociais. E, nesse sentido, o
reconhecimento da necessária formação dos educadores, implica
reconhecer que tal formação é um processo amplo e complexo, por suas
demandas. A formação não se restringe a habilidades de transmissão das
informações, mas saber articulá-las às reais necessidades da realidade
presente, vislumbrando a realidade futura, antecipando resultados e
considerando os elementos que podem dificultar o processo de
transformação. Para isso, é importante buscar compreender com clareza
os aspectos relacionados sobre o fenômeno educativo e suas implicações,

36
Volume VI

como: conhecimento da realidade escolar, das relações que se dão em tal


realidade, da organização do trabalho pedagógico, do projeto político
pedagógico da escola, da organização da instituição de modo geral. As
perspectivas de análise presentes na realidade em que se irá atuar
contribuem de modo expressivo com a organização da proposta de
intervenção pedagógica educativa.
Avaliar o contexto de ação docente para então buscar
instrumentos que possibilitem a proposição de objetivos desafiantes. Na
direção dos instrumentos, podemos identificar o conhecimento teórico
como saber fundamental na significação e ressignificação dos saberes
docentes. E, nessa direção:
O papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise
para compreender os contextos históricos, sociais, culturais,
organizacionais e de si mesmos como profissionais, nos quais se dá
sua atividade docente, para neles intervir, transformando-os (LIMA
e PIMENTA, 2012, p. 49).
A complexidade da ação docente impõe, portanto, o
reconhecimento de que a mesma não se efetiva de um jeito qualquer,
confirma a necessidade de conhecimento. Esse argumento vai de
encontro ao caráter epistemológico do estágio. A indissociabilidade da
teoria com a prática, já discutida e apontada como práxis por sua relação
dialética, mantém relação direta com a ação docente no estágio, que ao
ser compreendido como campo de conhecimento e não apenas de
comprovação de habilidades, poderá efetivamente contribuir em vários
aspectos com o processo educativo dos sujeitos envolvidos: professores
em formação, professores orientadores do estágio, professores da escola
campo de estágio, como evidentemente, com os estudantes da escola
campo. Romper com concepções equivocadas e reducionistas no que se
refere à atividade a ser desenvolvida no estágio, implica rever toda a
proposta de formação do professor nessa fase, a relação da universidade
com a escola campo, a real participação e concepções dos professores da
escola campo, a atuação do professor orientador do estágio e suas
articulações junto à escola, e claro, as concepções dos professores em
formação em relação ao processo como um todo.
Entende-se que os elementos apontados, formam a base da
articulação da proposta a ser desenvolvida pelos professores em
formação. O estágio por seu caráter epistemológico contribui

37
Vozes da Educação

cientificamente com a proposta de formação inicial e continuada dos


envolvidos no processo.
Assim, o estágio, [...] se caracteriza mais como uma interação do que
como simples intervenção, abrindo-se a possibilidade de uma ação
entre a universidade e a escola, na qual professores-alunos e
professor de estágio também atualizam seus conhecimentos acerca
da profissão docente. Também pode-se considerar a participação
dos professores das escolas que recebem os estagiários nesse
processo formativo, no qual assumem também a função de
‘supervisores’ (ou orientadores) da estágio (LIMA e PIMENTA,
2012, p. 115).
Ribeiro apud Ianni (2001, p. 17), diz que, “é, pois, criando uma
‘complexa trama de relações’, [...] que os seres humanos produzem
objetos e a si mesmos”. Por meio das interações, as possibilidades de
acesso às respostas que correspondem às múltiplas problematizações da
realidade, vão sendo ampliadas, tendo em vista a discussão, o debate, as
proposições diferenciadas a partir de objetivos comuns. E, nesse
processo, o estágio amplia sua dimensão de alcance, ou seja, de uma
atividade meramente comprobatória de habilidades, passa então a ser
visto como momento expressivo de produção de conhecimento,
vivências diferenciadas da sala de aula, do trabalho pedagógico e
educativo, de formação e educação coletiva.

Consideraçãos finais
O estudo discute o caráter epistemológico do estágio na
formação docente. As considerações seguem na direção de superar uma
visão reducionista sobre o papel do estágio na formação docente, ou seja,
buscar compreender que no processo de estágio o professor em
formação poderá atuar como sujeito do processo, cujos objetivos de tal
atuação sejam propostos a partir de uma concepção epistemológica da
intervenção pedagógica e educativa.
Nessa direção, considera-se que o caráter epistemológico do
estágio, está diretamente relacionado à concepção de que tal prática não
está dissociada do conhecimento teórico. Mas, teoria e prática caminham
juntas, constituindo a práxis docente, que por sua vez, trata-se de um
fenômeno que resulta da fusão do conhecimento teórico-prático. Essa
compreensão faz-se necessária para que os sujeitos envolvidos no
processo educativo na fase do estágio, organizem sua ação educativa
formativa, com clareza sobre como se dá o desenvolvimento histórico-

38
Volume VI

social do ser humano, e assim, para além da necessidade de interpretação


da realidade, esta possa ser transformada de acordo com as necessidades
múltiplas do ser humano e em favor desse.
Assim, considera-se que o conhecimento da realidade, bem
como do próprio ser humano, por sua constituição histórico-social, são
elementos imprescindíveis na formação do professor. São elementos que
de acordo com os pressupostos que deram suporte teórico ao estudo,
permitem compreender o processo de desenvolvimento humano por
suas características especificamente humanas. Considera-se, portanto,
que para além da transmissão de informações, a educação e o
conhecimento produzido historicamente, devem ir de encontro às
necessidades humanas de desenvolvimento e evolução. E, nesse sentido,
as ações educativas propostas pela escola, cumprirão melhor seus
objetivos educacionais, se seus profissionais estiverem engajados num
processo consciente, de objetivos comuns voltados à formação educativa
coletiva e a serviço de todos.
O estudo por suas limitações infere continuidade na discussão
sobre o importante papel do estágio na formação docente, enquanto
campo de conhecimento, enquanto momento de inserção do professor
em formação no ambiente escolar, mas também, como momento de
reflexão e revisão de concepções de todos os envolvidos no processo, no
intuito de buscar a melhor formação inicial e continuada com vistas à
qualidade, não apenas no processo de ensino e aprendizagem, mas
também à formação humana, por suas especificidades e necessidades.

39
Vozes da Educação

Referências Bibliográficas
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professores – caminhos e descaminhos da prática. Brasília: Líber Livro
Editora, 2008.
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aprendizagem. 4 e. Petrópolis: Vozes, 1982.
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LIMA, M. S. L. PIMENTA, S. G. Estágio e Docência. 7 e. São Paulo:
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PICONEZ, S. C. B. (Coord.). A prática de ensino e o estágio
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PIMENTA, S. G. O estágio na formação de professores: unidade teoria
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RIBEIRO, M. L. S. Educação escolar: que prática é essa? Campinas, SP:
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SAVIANI, D. Educação - do senso comum à consciência filosófica.
Campinas: Autores Associados, 2009.
SUCHODOLSKI, B. Tratado de pedagogia. 4 e. Barcelona: Península,
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TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 17 e. Petrópolis,
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VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

40
Volume VI

A MÚSICA COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA INTERDISCIPLINAR


NA ALFABETIZAÇÃO

Lindéia Alves Saraiva Pavioti9

RESUMO
Este artigo tem como finalidade apresentar as contribuições que a
música pode oferecer na alfabetização de crianças do primeiro ano do
Ensino Fundamental. Apresenta que a configuração da sala de aula está
diferente e que práticas pedagógicas tradicionais podem não funcionar
devido os alunos ingressarem mais cedo no Ensino Fundamental. Por
fim, esclarece como acontece a alfabetização e traz a contribuição de que
a música pode ser uma prática pedagógica interdisciplinar capaz de levar
as crianças uma aprendizagem lúdica e significativa.

Palavras–chave: Alfabetização. Práticas pedagógicas. Música.

ABSTRACT
This article aims to present the contributions that music can offer in the
literacy of children of the first year of Elementary School. It presents
that the configuration of the classroom is different and that traditional
pedagogical practices may not work due to students joining elementary
school earlier. Finally, it clarifies how literacy happens and brings the
contribution that music can be an interdisciplinary pedagogical practice
capable of taking children a playful and meaningful learning

Keywords: Literacy. Pedagogical practices. Music.

9Especialista em Magistério do Ensino Superior pela PUC-SP. Psicopedagogia Institucional pela


Faculdade Polis das Arte. Graduada em Pedagogia pela Fundação Santo André. Professora de
Ensino fundamental da prefeitura de São Bernardo do Campo. E-mail: lindeiapavioti@gmail.com

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Vozes da Educação

Introdução
O presente artigo tem o objetivo de levar a os professores a
refletirem sobre a necessidade de repensar as práticas pedagógicas no
Ensino Fundamental já que as crianças ingressam a partir de 6 anos, e no
cotidiano na sala de aula a importância da presença da ludicidade, em
especial a música, pode oferecer a alfabetização e letramento no aspecto
de garantir os direitos de brincar e aprender.
Desta maneira, se faz necessário compreender o processo de
aprendizagem, compreender o processo de alfabetização e letramento e
identificar a importância do brincar na aprendizagem de uma criança.
Em qualquer idade toda criança canta. A música faz parte do
universo infantil e é importante para motivação, concentração e cognição
das crianças.
Segundo estudos apresentados por Katsch e Merle-Fishman
apud Bréscia (2003, p.60), é destacado que “[...] a música pode melhorar
o desempenho e a concentração, além de ter um impacto positivo na
aprendizagem de matemática, leitura e outras habilidades linguísticas nas
crianças”.
A música faz com que as crianças aprendem a refletir e
experimentam situações novas. Portanto cabe ao educador planejar
momentos para apreciação das músicas e atividades que envolvam as
letras das mesmas, para que aconteça a aprendizagem significativa,
principalmente no que diz respeito a alfabetização e letramento.
As crianças constroem o conhecimento a partir das interações que
estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. O
conhecimento não se constitui em cópia da realidade, mas sim, fruto
de um intenso trabalho de criação, significação e ressignificação.
(BRASIL, 1998, p. 22)
A criança ao entrar no primeiro ano inicial do Ensino
Fundamental, tem a expectativa de aprender a ler e escrever rapidamente
e porque não garantir este direito de aprender de uma maneira lúdica
garantindo também o direito de brincar da criança por meio da música?

Alfabetização
Os estudos sobre alfabetização obtiveram grandes avanços com
a Psicogênese da Escrita de Emília Ferreiro. No entanto, Soares (2005)

42
Volume VI

propõe reinventar a alfabetização defendendo o trabalho com o sistema


de escrita alfabética através de práticas de letramento.
No entanto, o que é alfabetização e letramento?
Soares (2003) afirma que alfabetizar e letrar são dois processos
distintas, mas não inseparáveis. A autora também diz que prefere chamar
os dois processos de aprendizagem inicial da língua escrita.
Alfabetização é o processo de aprendizagem do sistema de
representação dos sons da fala, ou seja, é quando transformamos os sons
da fala (fonemas) em letras ou grafemas.
Letramento é o processo de aprendizagem em que se
desenvolve as habilidades de uso da tecnologia da escrita, ou seja, a
função social e cultural da escrita em que as pessoas vivem.
O alfabetizar letrando é fazer o aluno aprender construir o
processo de escrita por meio de diferentes portadores e gêneros textuais.
Sendo assim é fundamental o olhar do educador no processo de
alfabetização. Este olhar tem que estar fundamentado em conhecimentos
linguísticos, psíquicos, fonoaudiólogos e psicogenéticos que a criança
precisa vivenciar ou vivencia quando está no processo de construção da
sua escrita.
Na alfabetização é primordial que o professor conheça as
hipóteses de escrita da criança, descritas nos estudos de Emília Ferreira e
Ana Teberosky sobre a Psicogênese da escrita.
Emília Ferreiro e Ana Teberosky, analisaram que a criança passa por um
processo de construção da escrita que podem ser analisadas por
hipóteses de escrita. São elas:
Pré-silábica: O aluno utiliza para escrever letras, números e até
mesmo desenhos: sem variações de quantitativas e qualitativas.
Realiza uma leitura global do que escreveu.
Silábico- O aluno começa a colocar uma letra para cada sílaba.
No entanto, o aluno pode somente colocar uma letra qualquer
para cada sílaba ou até mesmo usar somente as letras do seu
nome para cada sílaba. Esta hipótese chamamos de silábico sem
valor. Já o aluno que atribui uma letra para cada silaba de acordo
com o som da fala, chamamos de silábico com valor. Exemplo:
para a palavra CAVALO o aluno escreve C A O ou C V L.

43
Vozes da Educação

Silábico-alfabético- Nesta hipótese o aluno já começa a


reconhecer algumas silabas e utiliza-as. Exemplo: para a palavra
ACEROLA o aluno escreve A C O LA
Alfabético- Nesta hipótese de escrita o aluno já entendeu o
processo da escrita e escreve a palavra porém aparece erros
ortográficos. Exemplo: para a palavra APONTADOR o aluno
escreve A PO TA DOR.
No entanto, a criança não necessariamente tem que passar por
todas as hipóteses de escrita. Cada criança constrói sua escrita de acordo
como usufrui das atividades propostas pelo professor e claro de acordo
com as boas práticas que o professor desenvolver.
Soares (2003) em seus estudos afirma que para a alfabetização e
letramento aconteça é necessário que três desenvolvimentos ocorram
simultaneamente: o desenvolvimento psicogenético (avançar nas
hipóteses de escrita), o desenvolvimento da consciência fonológica e o
conhecimento das letras.
O primeiro desenvolvimento é o psicogenético a criança
descobre como se representa a fala na escrita.
O segundo desenvolvimento é o da consciência fonológica, a
criança precisa ter a consciência dos sons das palavras e que a escrita
representa os sons das palavras.
O terceiro desenvolvimento é o conhecimento das letras: a
criança precisa conhecer as letras para então conhecer seus sons e
escrever palavras.
A alfabetização e o letramento devem caminhar lado a lado
durante o processo de aprendizagem, uma vez que, de acordo com os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), o ensino da linguagem deve
abordar três aspectos fundamentais: leitura, interpretação e escrita.
O conceito de alfabetização também denota um conjunto de saberes
sobre o código escrito da sua língua, que é mobilizado pelo
indivíduo para participar das práticas letradas. Daí se dizer que um
indivíduo é analfabeto, semi-analfabeto , semi-alfabetizado para
referir-se aos modos, graus ou níveis desses saberes que ele
apresenta (KLEIMAN, 2005, p.13).
Inserir a criança no contexto cultural da sociedade é o objetivo
de alfabetizar letrando, que está fundamentalmente relacionado à leitura
e a escrita. O tempo todo, a criança vê placas nas ruas, cartazes, jornais,

44
Volume VI

revistas, folders de supermercados, televisão, entre outros, portanto a


criança está constantemente em contato com a leitura e escrita.
Para que a criança faça relação com a escrita e que tenha contato
fora da escola e dentro, é necessário apresentar todo tipo de material
escrito que for possível na sala de aula e, em cada classe de
alfabetização, deve haver um canto ou área de leitura onde se
encontram não só livros bem editados e bem ilustrados, mas
também qualquer material que contenha escrita (FERREIRO, 2001,
p.33).
O papel do educador é essencial no processo de ensino-
aprendizagem, pois irá atuar como agente facilitador ao incentivar e guiar
a criança ao longo de sua vida escolar.

Práticas pedagógicas
A cada ano que passa, o desafio do professor em atrair os
alunos para aula cresce demasiadamente.
Esse desafio se dá devido a escola pública, principalmente, estar
cada vez mais longe da realidade de seus alunos.
Sendo assim, os professores precisam ter práticas pedagógicas
que envolvam a interdisciplinaridade, pois os conteúdos das aulas
tornam-se mais significativos e de fácil entendimento para os alunos.
O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se
considera o fato trivial de que todo conhecimento mantém um
diálogo permanente como os outros conhecimentos, que pode ser
de questionamento, de confirmação, de complementação, de
negação, de ampliação, [...] (BRASIL,1999, p. 88)
A interdisciplinaridade também possibilita ao professor ter mais
praticidade em suas atividades dentro da sala de aula, além de torna-lo
um professor pesquisador, pois é preciso pesquisar novas atividades,
elaborar, criar atividades que envolvam duas ou mais áreas de
conhecimento.
O valor e a aplicabilidade da Interdisciplinaridade, portanto, podem-
se verificar tanto na formação geral, profissional, de pesquisadores,
como meio de superar a dicotomia ensino-pesquisa e como forma
de permitir uma educação permanente. FAZENDA (1992, p.49)
Um grande exemplo disso, é a entrada de alunos com a idade de
6 anos no Ensino Fundamental e professores ainda executarem práticas
pedagógicas tradicionais, tratando a criança como se ainda se que se
estivesse na antiga 1ª série.
Esta nova fase do Ensino Fundamental que recebe alunos em
idade onde o brincar é de extrema importância, precisa ser analisada,

45
Vozes da Educação

estudada pelos professores cuidadosamente, ou corrermos o sério risco


de provocarmos uma grande desmotivação por parte dos alunos com
relação a frequentar a escola e consequentemente um esgotamento de
professores que não saberão lidar com tal situação.
É necessário rever as práticas pedagógicas dos professores, em
especial dos que lecionam no 1º ano inicial e que irão lidar diretamente
com a alfabetização.
(...) a alfabetização é um processo dinâmico e contínuo e não se
restringe apenas à leitura e à escrita das palavras e dos textos. É
necessário propiciar às crianças atividades desafiadoras e prazerosas,
a fim de que elas busquem investir na sua produção pessoal e
espontânea, descobrindo e reinventando o mundo a partir de
experiências ativas na cultura. (BOLZAN, 2007, p. 23)
As novas práticas pedagógicas dos educadores devem, além de
dar destaque para a alfabetização e letramento, precisam envolver a
ludicidade, pois são crianças pequenas e que precisam brincar.
no brinquedo, a criança segue o caminho do menor esforço – ela faz
o que mais gosta de fazer, porque o brinquedo está unido ao prazer
– e ao mesmo tempo, aprende a seguir os caminhos mais difíceis,
subordinando-se a regras e, por conseguinte renunciando ao que ela
quer, uma vez que a sujeição a regras e a renúncia a ação impulsiva
constitui o caminho para o prazer do brinquedo. (VYGOTSKY,
1998,p. 130)
A ludicidade na sala de aula, torna a escola prazerosa e divertida
para estes alunos que dependendo do município, pode chegar no 1º ano
inicial com 5 anos e meio, caso a data limite para se fazer 6 anos for em
30 de junho.
A idade destas crianças que ingressam no 1º ano inicial do
Ensino Fundamental, precisa ser estudada pelos professores
alfabetizadores. Estes precisam saber quais são seus interesses e do que
necessitam para estarem preparados antes de aprenderem a ler e escrever.
Os alunos do 1º ano inicial são a base do Ensino fundamental e
se esta não for construída de maneira correta, com segurança, os riscos
de se construir uma aprendizagem com falhas e severas consequências é
muito grande.
Por meio de uma aula lúdica, o aluno é estimulado a desenvolver sua
criatividade e não a produtividade, sendo sujeito do processo
pedagógico. Por meio da brincadeira o aluno desperta o desejo do
saber, a vontade de participar e a alegria da conquista. Quando a
criança percebe que existe uma sistematização na proposta de uma
atividade dinâmica e lúdica, a brincadeira passa a ser interessante e a

46
Volume VI

concentração do aluno fica maior, assimilando os conteúdos com


mais facilidades e naturalidade. (KISHIMOTO, 1994).
Sendo assim, é evidente que a educação destas crianças não
podem ser mais com antigas práticas pedagógicas em que os alunos
ficam sentados em fileiras um atrás do outro.
A ludicidade pode ser utilizada como forma de sondar, introduzir ou
reforçar os conteúdos, fundamentados nos interesses que podem
levar o aluno a sentir satisfação em descobrir um caminho
interessante no aprendizado. Assim, o lúdico é uma ponte para
auxiliar na melhoria dos resultados que os professores querem
alcançar. (BRASIL, 2007)
As práticas pedagógicas precisam ser mais dinâmicas, que
envolvam brincadeiras, jogos e música, tudo que está presente no
cotidiano infantil.

A música como prática pedagógica interdiciplianar para alfabetização.


É inegável a presença marcante da música no cotidiano das
pessoas do século XXI. Ela está presente nos meios de comunicação, no
comércio, na escola, nas instituições religiosas, enfim é muito difícil
encontrar um local em que a música não faça parte da rotina.
Segundo Hummes(2004, p.18) a maneira como uma música é
usada pode determinar sua função. Em seus estudos, cita Merrian, que
descreveu dez categorias das funções sociais da música.
1ª) Função de expressão emocional
2ª) Função do prazer estético
3ª) Função de divertimento
4ª) Função de comunicação
5ª) Função de representação simbólica
6ª) Função de reação física
7ª) Função de impor conformidade as normas
8ª) Função de validação das instituições sociais e dos rituais
religiosos
9ª) Função de contribuição para a continuidade e estabilidade
da cultura.
10ª) Função de contribuição para a integração da sociedade.
Todas essas funções da música, contribuem para que o
professor possa propor práticas pedagógicas diferenciadas dentro da sala

47
Vozes da Educação

de aula, levando as crianças a uma aprendizagem mais prazerosa e


significativa.
A utilização da música como ponto de partida para iniciar uma
conversa sobre um determinado conteúdo ou até mesmo para levar os
alunos no conhecimento das letras ou números, possibilita que o
aprendizado se torne divertido além de fácil compreensão e
memorização.
Desta forma, a música se torna uma importante prática
pedagógica capaz de fazer acontecer a interdisciplinaridade. Cabe ao
professor um olhar apurado para a escolha das músicas e produzir ou
explorar adequadamente tudo o que ela pode oferecer.
Podemos citar como exemplos a Música ABC da turma da
Mônica que pode ser utilizada no reconhecimento das letras do alfabeto;
ordem alfabética das personagens, etc.
Outra música é Lavar Mãos do cantor Arnaldo Antunes e
regrada pelo grupo Palavra Cantada, que pode ser utilizada para levar os
alunos a reconhecer a importância da higiene com as mãos;
reconhecimento do nome dos dedos; reconhecimento dos dias da
semana, etc. Nesta música o professor pode trabalhar as áreas de Língua
Portuguesa, Ciências e Matemática.

Figura 1- atividade da música Lavar as mãos

48
Volume VI

Figura 2- Atividade da música Lavar as mãos

Por fim, cito um último e bom exemplo é a Música Ora bolas


do grupo Palavra Cantada, em que o professor pode explorar os
conteúdos da área de Geografia, especificamente a espaço e localização;
Ciências: com os movimentos da Terra: rotação e translação e Língua
Portuguesa: com a localização de rimas das palavras, etc.
A música tem como finalidade auxiliar o professor em suas tarefas
diárias. Ajuda o aluno em seu desenvolvimento intelectual, motor e
social. Também ajuda a combater a agressividade, pois canaliza o
excesso de energia; ajuda a enfrentar o isolacionismo; desenvolve o
espírito de iniciativa e funciona como higiene mental. Portando, a
música é um grande benefício para a formação, o desenvolvimento
do equilíbrio, da personalidade, tanto da criança como do
adolescente (ZABOLI,1998, p.96).
O professor, ao ter como prática pedagógica o uso da música
em sala de aula, contempla as exigências da lei nº 11.769, sancionada em
18 de agosto de 2008, que determina que a música deve ser
conteúdo obrigatório em toda a Educação Básica e terá o objetivo de
desenvolver a criatividade, sensibilidade, interdisciplinaridade e
integração.
É importante que o professor, por meio da música, direcione sua
ação pedagógica alfabetizadora a uma formação crítica e
sensibilizada e, que a música ajude-o a levar os alunos a aprender a
sentir, expressar e pensar a realidade ao seu redor, desenvolver

49
Vozes da Educação

capacidades, habilidades e competências; criando situações de


comunicação e expressão para que o aluno se conecte ao imaginário
e a fantasia dos processos de criação, interpretação e fruição,
desenvolvendo a dimensão sensível que a música traz ao ser
humano.( SOARES e RUBIO,2012 p.4)
Por fim, o trabalho com a música permite uma infinidade de
práticas pedagógicas pois a mesma é um meio de fazer a
interdisciplinaridade entre as éreas do conhecimento. Assim é possível
alfabetizar e compreender outros conteúdos por meio da música. Um
bom exemplo é o trabalho com cantigas e músicas do folclore brasileiro,
em que o professor resgata a cultura do povo brasileiro ao mesmo tempo
que alfabetiza.
Desta forma, a música como proposta na alfabetização e
letramento estimula as crianças a aprenderem a ler e escrever com
encantamento e diversão.

Considerações finais
Em pleno século XXI, com o domínio da internet na sociedade,
a escola necessita ser mais atrativa para o aluno que ingressa no 1º ano
inicial do Ensino Fundamental.
Continuar com práticas pedagógicas tradicionais, faz com que
os alunos não sintam prazer em querer aprender. Essas práticas, já não
trouxeram grandes resultados na alfabetização de alunos que
frequentavam a antiga 1ª série, como poderão ser suficientes para essa
nova geração de crianças que chegam a sala de aula com idade menor
que as de anteriormente?
Atualmente, a música é uma importante ferramenta para o
professor na sala de aula, para levar as crianças a aprenderem com
facilidade e significação.
A música traz à tona diversos sentimentos e tem a capacidade
de envolver e integrar as pessoas
Na alfabetização, a música é uma das grandes aliadas do
professor que pretende que crianças de 6 anos aprendam de maneira
lúdica a ler e escrever.
O universo de uma criança que frequenta tão cedo o Ensino
Fundamental é de brincadeira, portanto é imprescindível que o educador
permita estas crianças a aprenderem brincando. Por meio da música, o

50
Volume VI

aluno do 1º ano inicial, pode memorizar e relacionar letras e palavras que


vão dando início ao processo de construção de escrita na alfabetização e
letramento.
Cabe ao professor alfabetizador conhecer o universo musical de
seus alunos, oferecer novas músicas e realizar atividades ou projetos que
propiciem o trabalho interdisciplinar entre outras áreas de conhecimento.
Desta maneira, uma prática pedagógica que envolva música e o
conceito de interdisciplinaridade, tem grandes chances de tornar a aula
divertida e com a aprendizagem de vários conhecimentos para os alunos
e que consequentemente, também tornará mais ágil o desenvolvimento
do trabalho do professor alfabetizador.

51
Vozes da Educação

Referências Bibliográficas
BOLZAN, Doris Pires Vargas (org). Leitura e escrita: ensaios sobre
alfabetização. Santa Maria: Ed. UFSM, 2007.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.
Brasília: MEC/SEF, 1998, vol.3.
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Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília:
Ministério da Educação, 1999.
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orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Brasília, DF:
MEC, 2007.
BRÉSCIA, Vera Lúcia P. Educação musical: bases psicológicas e ação
preventiva. São Paulo: Átomo, 2003.
FAZENDA. Ivani. Integração e Interdisciplinaridade no Ensino
Brasileiro: Efetividade ou ideologia? São Paulo: Loyola, 1992.
FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez,
2001.
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Considerações sobre as funções da música na sociedade e na escola.
2004.Disponívelemhttp://www.abemeducacaomusical.org.br/Masters/r
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Livraria Pioneira Editora, 1994.
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KLEIMAN, Ângela. A concepção escolar da leitura. In: Oficina de
leitura. Teoria e Prática. 7ª ed. Campinas: Pontes, 2000.
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Autêntica, 2005.
SOARES, Maura. A. RUBIO; Juliana. de A. S. A Utilização da Música no
Processo de Alfabetização- Revista Eletrônica Saberes da Educação –
Volume 3 – nº 1 – 2012
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1998.
ZABOLI, G. Práticas de ensino: subsídio para a atividade docente. 9ª ed.
São Paulo: Ática, 1998.

52
Volume VI

EDUCAÇÃO, AUTONOMIA E JUVENTUDE: REFLEXÕES SOBRE O


PROCESSO FORMATIVO DOS JOVENS NUMA PERSPECTIVA
FREIREANA

Bruna Carvalho dos Santos 10

RESUMO

Este trabalho objetiva-se a inferir as possíveis contribuições que as


reflexões de Freire, implicam na educação atual, com vistas a apropriação
da autonomia dos sujeitos. Visto que este é um processo de construção
que por meio das interações e situações vivenciadas no cotidiano
possibilita aos sujeitos apropriação e maturação dessa qualidade. Por isso
faz-se necessária uma prática educativa que possibilite aos seus
educandos experiências que propiciem o exercício de decisões e
responsabilidades, visando esse amadurecimento gradual e emancipador.
Neste aspecto encontramos na pedagogia de Paulo Freire princípios que
comungam com esse ideal.

Palavras-chave: juventude, autonomia, educação.

Licenciada em Pedagogia, pela Universidade La Salle - UNILASALLE/Canoas-RS. e-mail:


10

brunacsantos92@gmail.com

53
Vozes da Educação

Educação e formação em Paulo Freire


Sem sombra de dúvidas Freire é um pensador visionário,
revolucionou a educação brasileira. Ele incorporou ao fazer educativo
princípios pedagógicos que até então não eram considerados como
relevantes, tais como: diálogo, conscientização, ética universal,
empoderamento, direitos, deveres, emancipação, curiosidade epistêmica,
entre outros. Suas reflexões possibilitaram uma compreensão mais
humanista e política ao ato de educar.
Antes mesmo da UNESCO elaborar estudos sobre os Pilares
para a Educação11 - aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer
e aprender a viver juntos – por sinal Gadotti12 afirma: “se vivo Paulo
Freire acrescentaria um 5º pilar - aprender perguntar”, visto que a
curiosidade para ele é um dos elementos fundamentais para a produção
de conhecimento.
Curiosidade que em Freire (2007, p. 50), tinha sua origem na
essência inacabada dos seres humanos, essa inconclusão seria própria do
processo vital da existência humana, pois através dela homens e
mulheres puderam conscientizar-se de sua condição e criar sua
existência, intervindo no mundo. Mundo esse que não é
(predeterminado), mas está sendo (mutável), logo é um processo
dinâmico, dialógico e socializador.
Em Freire a formação é uma atitude antropológica, pois para
existir o homem necessita historicizar o seu mundo, por meio da sua
própria palavra. Palavra essa que expressa à capacidade de formulação e
reformulação da sua realidade, construindo a sua existência como sujeito
humano.
A educação reproduz, assim, em seu plano próprio, a estrutura
dinâmica e o movimento dialético do processo histórico de
produção do homem. Para o homem, produzir-se é conquistar-se,
conquistar a sua forma humana. A pedagogia é antropologia. (Fiori,
1967, p. 18)
Mas antes de dizer a sua palavra, o sujeito deve aprender
elaborá-la, e para conseguir elaborá-la, este deve conseguir fazer sua
leitura de mundo. Ler o mundo nesse sentido é muito mais que
simplesmente decodificar a escrita ou códigos, aqui o entendimento de

Conceitos presentes no livro "Educação: Um Tesouro a Descobrir”, 1999 – UNESCO.


11

Moacir Gadotti sobre P.Freire para o documentário: Paulo Freire – Contemporâneo, 2006.
12

54
Volume VI

leitura é a de compreensão da sua realidade e sua forma de organização, a


partir de uma análise crítica e esclarecida.
Assim a conscientização torna-se fator possível e faz-se
fundamental, a partir dela o sujeito inconcluso compreende que sua
presença no mundo não é predeterminada, logo o destino é algo a ser
construído, e do qual também não se pode evitar. Porém por ser um
processo voluntário, e que exige a conscientização de tal condição, o
sujeito pode conforme Freire (2007, p.56) “abrir mão” de sua capacidade
de intervenção no mundo.
Negando o seu potencial criador o sujeito ainda que
inconsciente, renuncia a sua essência para “ser mais”. Esse fator resulta
em uma espécie de anulação da sua existência humana. Esse “abrir mão”
pode vir a nos confundir, pois pode mascarar uma realidade de privação
dessa natureza criadora. Isso ocorre por meio da auto negação da
dignidade ou da condução a recusa da própria liberdade. A partir dessa
realidade, somos apresentados ao conceito de Opressão que em sua
essência é uma forma de desumanização. Essa nada mais é do que a
privação do direito de “existir” dos sujeitos por meio da dominação de
sua liberdade, resultando na privação da capacidade de “ação criadora” no
mundo.
Vocação negada, mas também afirmada na própria negação.
Vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão, na
violência dos opressores. Mas afirmada no anseio de liberdade, de
justiça, de luta dos oprimidos, pela recuperação de sua humanidade
roubada. (Freire, 2011,p.40).
Privados do direito de uso da Palavra, os oprimidos são
excluídos da dialógica construtora do mundo, logo são sujeitos passivos.
Sua existência é conduzida por meio de uma predeterminação do poder
opressor de um outro sujeito.
Por desconsiderar a presença humana do oprimido e ao lhe
impor a sua palavra, o opressor conduz o sujeito oprimido a aceitar tal
condição. Aqui a palavra do opressor é a verdade que condiciona o
existir do oprimido, assim o discurso do opressor passa a ser a palavra
do oprimido. Essa realidade coloca oprimidos e opressores em situação
de desumanização.
A desumanização, que não se verifica apenas nos que têm sua
humanidade roubada, mas também, ainda que de forma diferente,
nos que a roubam, é distorção da vocação do ser mais. É distorção

55
Vozes da Educação

possível na história, mas não vocação histórica. (Freire, 2011, p.40 ).


Essa dominação aliena os sujeitos oprimidos da realidade, e
estes não percebem-se na condição de oprimidos. É notório a existência
de um sistema que assegura a manutenção e continuidade dessa
realidade. Por meio das instituições sociais, os valores e princípios que
legitimam o sistema dominador são repassados aos sujeitos tendo por
finalidade a “domesticação das consciências”. Por isso, faz-se necessário
que a formação técnica, jamais possa dispensar uma formação que
eduque para a consciência ética.
Nesse sentido a educação denominada “bancária” é o modelo de
ensino, que vem ao encontro desse sistema de dominação. Aqui os
papéis “educando-professor” reproduzem a relação opressor-oprimido.
A educação como prática da dominação, que vem sendo objeto
desta crítica, mantendo a ingenuidade dos educandos, o que
pretende, em seu marco ideológico (nem sempre percebido por
muitos dos que a realizam), é doutriná-los no sentido de sua
acomodação ao mundo da opressão. (Freire, 2011, p.92).
O sistema de dominação e opressão ocorre por meio da
“transgressão” da compreensão da ética, presente e necessária na educação.
Neste cenário o educador é o detentor do saber, isto pode ser
interpretado como uma espécie de poder velado, visto que é
“transmitido” ao educando que na teoria nada sabe, este pensar
assemelha-se a teoria da “tabula rasa”13.
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que
se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda
numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão a
absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de
alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no
outro. (Freire, 2011, p.81).
É por meio da alienação que esse modelo se perpetua, negando
princípios humanos e pedagógicos que provocam a criticidade no sujeito,
tais como: diálogo, curiosidade epistêmica, consciência do inacabado e a
esperança de elaboração do novo. Neste aspecto a conscientização é uma
exigência humana, ela é o caminho para a curiosidade epistêmica, isso
implica na inserção do sujeito inacabado num permanente processo
social de busca que ao romper limites, produz conhecimento.

Argumento usado pelo filósofo John Locke (1632-1704). Considera que todas as pessoas
13

nascem sem conhecimento algum, e todo o processo do conhecer, do saber e do agir é


aprendido através da experiência.

56
Volume VI

Ao fazer-se opressora, a realidade implica a existência dos que


oprimem e dos que são oprimidos. Estes, a quem cabe realmente
lutar por sua libertação juntamente com os que com eles em verdade
se solidarizam, precisam ganhar a consciência crítica da opressão, na
práxis desta busca. (Freire, 2011, p.51 e 52).
A Pedagogia do Oprimido nasce na esperança de superação
deste sistema de opressão, por meio de uma “educação
problematizadora” os oprimidos são convidados a questionarem a sua
realidade e tomarem consciência de sua condição. Esse exercício
possibilita que o sujeito possa libertar-se de sua “realidade opressora”,
por meio da reconquista da capacidade de existir e intervir no mundo,
conforme Fiori (1967)
Os caminhos da libertação são os do oprimido que se liberta: ele
não é coisa que se resgata, é sujeito que se deve autoconfigurar
responsavelmente. A educação libertadora é incompatível com uma
pedagogia que, de maneira consciente ou mistificada, tem sido
prática de dominação. A prática da liberdade só encontrará
adequada expressão numa pedagogia em que o oprimido tenha
condições de, reflexivamente, descobrir-se e conquistar-se como
sujeito de sua própria destinação histórica. (Fiori, 1967, p.11).
Logo a educação problematizadora é um processo
emancipador, assim pode-se denominar libertadora. É por meio dela os
sujeitos retomam o uso da sua “palavra”, reconquistam a sua condição
humana de “existir” e de “intervir em seu mundo”, assim assumem o
compromisso ético de “com e por” os demais homens, através da
“boniteza do diálogo”, lutar “com esperança” pela aniquilação dessa
realidade desumanizante.
A realidade, porém, não é inexoravelmente esta. Está sendo esta
como poderia ser outra e é para que seja outra que precisamos, os
progressistas, lutar. Eu me sentiria mais do que triste, desolado e
sem achar sentido para minha presença no mundo, se fortes e
indestrutíveis razões me convencessem de que a existência humana
se dá no domínio da determinação. Domínio em que dificilmente se
poderia falar de opções, de decisão, de liberdade, de ética. "Que
fazer? A realidade é assim mesmo", seria o discurso universal.
Discurso monótono, repetitivo, como a própria existência humana.
Numa história assim determinada, as posições rebeldes não têm
como tornar-se revolucionárias. (Freire, 2007, p.75 ).
Assim a pedagogia freireana, consiste em formar homens e
mulheres conscientes de sua condição humana a fim de que intervenham
no mundo, assumindo e comprometendo-se com a superação das
mazelas, junto aos demais seres, de forma ética e dialógica. Para que
assim, transformando a realidade, (re) construam a história de mundo.

57
Vozes da Educação

Educar para a autonamia


Para iniciarmos faz-se importante conceituarmos o que
entendemos por autonomia, refere-se a condição de pessoa ou grupo que
determina a própria lei a qual se submete. Para Zatti (2007,p. 12) “por ser
condição, envolve a capacidade de determinar a própria lei e também o poder realizá-
la”, assim para existir faz-se necessário dois aspectos: pensar autônomo e
fazer-se autônomo. Porém ela não existe de forma paralela a realidade, é
condicionada pelas leis, normas e convenções do mundo; logo não é
absoluta e por isso jamais deve ser concebida como autossuficiência.
O conceito de autonomia na modernidade, definido por Kant
consiste na compreensão de que é somente por meio do esclarecimento
que o homem é capaz de romper com a sua “menoridade” expressão
utilizada para definir a falta de coragem e de decisão de agir segundo seu
próprio entendimento.
Esclarecimento [<<Aufklärung>>] é a saída do homem da sua
menoridade, da qual ele próprio é o culpado. A menoridade é a
incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direção de
outro individuo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade
se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na
falta decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de
outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso do seu próprio
entendimento, tal é o lema do esclarecimento [<<Aufklärung>>].
(Kant,1985, p.100)
Logo a menoridade é um tipo de heteronomia14 essa fortemente
advertida em seus escritos, conforme Kant,(1985,p.102) “[...] chegou
mesmo a criar amor por ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar
seu próprio entendimento, porque nunca deixaram fazer a tentativa de
assim proceder.” pela dificuldade dos sujeitos de romper com essa
condição, visto que torna-se parte da natureza do sujeito.
É importante ressaltar que esse esclarecimento como razão,
possibilita ao ser humano abandonar a sua ignorância, permitindo a sua
evolução cultural, educacional, emocional e social. Assim a liberdade de
fazer uso público da sua razão é fator fundamental para que possa haver
autonomia de pensamento, de ação ou seja do sujeito poder expressar a
sua palavra no mundo.
Logo, autonomia para Kant, constitui na independência da
vontade em relação ao objeto de desejo (liberdade negada) e sua

Condição da pessoa ou grupo que recebe de outrem a lei a que se deve submeter.
14

58
Volume VI

capacidade de determinar-se em comunhão com a sua própria lei que a


razão (liberdade) positiva. Em sua obra “Sobre a pedagogia” o autor
apresenta que na educação essa relação ocorre por meio da disciplina
como parte negativa e a instrução como parte positiva para a construção
da autonomia dos sujeitos. Pelo fato do homem nascer “um nada” e por
não ter “instintos” que lhe determine, é que precisa ser formado pela
educação, necessita do exercício de agir segundo a sua própria razão para
tornarem-se homem.
Kant considera a autonomia do sujeito como o principal objeto
da educação, a fim de que este possa fazer uso livre da própria razão.
Assim devemos compreender que educação é formação, logo é um
processo emancipador, realizado pelo próprio sujeito. Conforme Zatti
(2007, p.17) para o filósofo [...]a educação deve apenas primar pela
autonomia ético-moral, assim ele desconsidera que os indivíduos
também necessitem de outras condições para uma vida feliz. Sua
concepção é absoluta, pois submete o homem ao formalismo da lei
moral, não considerando as suas tendências sensíveis.
Apesar de possuírem um pensamento bem próximo sobre a
construção da autonomia por meio da formação, não se sabe ao certo se
Paulo Freire inspirou-se em Kant para sua concepção. Conforme Zatti,
(2007,p. 64) “em suas obras, Paulo Freire não citou nenhum livro de
Kant e também não o citou como teórico que o tenha influenciado.”.
Suponho que a relação do “Conceito de autonomia de Kant” e
a concepção da importância da conscientização no processo de
transformação da realidade, ocorreu por meio da influência de outro
teórico. No livro Pedagogia do Oprimido, Freire cita sua concordância
ao pensamento de Luckás,15conforme citação ele exige que o seu partido
“explique as massas a sua ação” para que assim possam conscientizar-se.
De qualquer forma, o dever que Lukács reconhece ao partido
revolucionário de “explicar às massas a sua ação” coincide com a
exigência que fazemos da inserção crítica das massas na sua
realidade através da práxis, pelo fato de nenhuma realidade se
transformar a si mesma. (Freire, 2011, p.55).

Em pesquisa livre constatei que o pensamento de Lukács, na juventude sofreu sua influência
15

no Neokantismo. Ressalto que este aspecto não possui relevância determinante, no


desenvolvimento da pesquisa, porém se faz pertinente em nível de curiosidade, nos possibilita a
contextualização sobre as aproximações dos conceitos de ambos os pensadores.

59
Vozes da Educação

Para Freire(2007) a incessante busca por “existir” como


humano e se desenvolver como sujeito, por meio da construção de sua
história no mundo. História essa que não ocorre de forma individual,
mas em diálogo, mediada pelas relações com os demais homens, e estes
juntos historificam o mundo por meio do diálogo. Diálogo esse que só
se faz possível, mediante a consciência da importância e da elaboração de
sua própria palavra, é a partir dela que ele se torna homem, conforme
Fiori(1967, p.28)“...a palavra humana imita a palavra divina: é criadora.”.
Como vimos anteriormente, por vezes os sujeitos têm essa
capacidade criadora negada. Essa relação castradora da liberdade é um
dos fatores de dominação que oprime e transgride a ética humana. A
superação dessa condição ocorre apenas por meio de um processo que
liberte-os de tal condição.
Assim a educação libertadora é esse processo de formação dos
sujeitos que possibilita a compreensão da realidade e a construção da sua
própria autonomia, assim é um projeto de emancipatório.
[...]um sentido sócio-político- pedagógico: autonomia é a condição
sócio-histórica de um povo ou pessoa que tenha se libertado, se
emancipado, das opressões que restringem ou anulam sua liberdade
de determinação. E conquistar a própria autonomia implica, para
Freire, em libertação das estruturas opressoras.(Zatti, 2007, p.53)
Em Freire, autonomia também é uma conquista. Ela ultrapassa
a capacidade de gestar-se, é a possibilidade de libertar-se de qualquer tipo
de dominação, por meio da conscientização e intervenção no mundo.
Para tal a consciência da incompletude humana é um fator que
estimula a sua necessidade presença no mundo, a capacidade de “ir
além” é um princípio autônomo. Ele gera esperança que move o sujeito
na construção da sua existência humana e de sua realidade de mundo.
Quem dizer, já não foi possível existir sem assumir o direito e o
dever de optar, de decidir, de lutar, de fazer política. E tudo isso nos
traz de novo à imperiosidade da prática formadora, de natureza
eminentemente ética. E tudo isso nos traz de novo à radicalidade de
esperança. Sei que as coisas podem até piorar, mas sei também que é
possível intervir para melhorá-las. (Freire, 2007,p.52).
Existência essa que se faz possível por meio de práticas
educativas libertárias, e de uma consciência de quê por não ser
determinado o homem não é, mas está sendo, logo processo formativo
deve ser permanente e conectar a Teoria e Prática.

60
Volume VI

Uma prática educativa que vise a autonomia deve educar para


uma consciência ético-estética, nessa relação a coerência no discurso do
educador com a sua prática é fundamental, implica no profundo respeito
aos estudantes e resulta na práxis - sua ação reflexiva.
Como a autonomia não se faz pela autossuficiência, estar aberto
ao diálogo com os outros e a sociedade como um todo, indispensável.
Sabe-se que toda a inteligência, se não distorcida é comunicação, assim a
inteligibilidade se insere na comunicação, intercomunicação e
dialogicidade. Assim como o respeito às diferenças se faz fundamental,
assim a educação autônoma rejeita toda e qualquer forma de
discriminação.
Logo educar para a autonomia, requer dos educadores que
fomentem nos educandos a curiosidade e a criticidade para esse fim deve
anular de sua prática a memorização mecânica. Por isso a prática liberta e
motiva os sujeitos envolvidos a comprometer-se nesse processo, isso é
uma atitude de responsabilidade, algo fundamental à autonomia.
Outro fator importante a educação emancipadora é a prática do
ensino-pesquisa, essa é elemento primordial ao fazer docente, e conduz
ao aprimoramento da curiosidade simples e ingênua à uma curiosidade
epistêmica, essa evolução é possível por meio de um rigor metodológico.
Assim conseguimos ir rompendo com a ingenuidade e vamos
conquistando um nível maior de autonomia, considerando que no
pensamento ingênuo podemos, por vezes não identificar elementos de
heteronomia.
A partir das concepções de Freire a educação envolve o movimento
dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer. Práticas espontâneas
produzem geralmente um saber ingênuo. O conhecimento crítico,
necessário para a autonomia, se alcança com rigorosidade metódica.
Mas o que deve ser obra do sujeito é a passagem da curiosidade
espontânea, ingênua para a curiosidade epistemológica. Isso só é
feito com reflexão crítica sobre a prática. Quanto mais a reflexão
crítica ajudar o sujeito a se perceber e perceber suas razões de ser,
mais consciente está o tornado, mais está reforçando a curiosidade
epistemológica, e assim, haverá condições para que ele seja sujeito
autônomo. (Zatti, 2007,p. 59).
O processo de construção da autonomia requer educar para
liberdade com autoridade, esse que não é fator inquisidor, mas é a
compreensão e a promoção da generosidade das relações, assim

61
Vozes da Educação

promover e incentivar o educando à sua emancipação, resultam na


eticidade dessas relações.
Eticidade essa que possibilita o educador comprometido com
uma prática educativa conscientizar-se da necessidade da disciplina,
porém essa sem a necessidade do abuso do autoritarismo ou da
licenciosidade. Esse educador democrático empenha-se em instaurar um
clima de real disciplina e de respeito. Desenvolve o educando para que
fundado na responsabilidade, desenvolva a sua autonomia com
liberdade.
Outro fator, compreende que o estudo é uma exigência que por
ora pode ser difícil, porém deve sempre ter evidenciada a alegria presente
no processo da descoberta do saber. Este é um importante pilar na
construção da autonomia, promotora de uma disciplina respeitosa e
dialógica. Conforme Kant, disciplina da vontade não é uma prática fácil,
porém faz-se necessária, a partir dela que os sujeitos constroem a
autoridade interna, através da autoridade externa. Segundo
Zatti(2007,p.57) “[...]A vontade só de torna autêntica em sujeitos que
assumem seus limites”.
Assim para autonomia faz-se necessário que a partir da
liberdade, os sujeitos possam constituir-se, compreendendo seus limites
de forma crítica. A relação de confronto com outras liberdades, por meio
da autoridade legítima é saudável, pois promove o amadurecimento da
liberdade. O sujeito descobre que a sua autonomia não é autossuficiente,
reconhece que é cercado por outras liberdades e autoridades. Visto que
autonomia se dá ao longo da vida por meio das decisões e das relações,
por isso é importante que os sujeitos assumam a sua liberdade de forma
consciente.
Essa liberdade contribui para que os educandos aprendam a
utilizar responsavelmente o uso da sua palavra, aprendam a falar
autonomamente e a fazer o seu uso de forma democrática. Assim a
escuta do outro é essencial, sem isso a construção da autonomia é
comprometida. O educador que busca criar condições para que seus
alunos criem sua própria autonomia e que não quer ter uma prática
autoritária, deve saber escutar e promover o diálogo.
Em Freire a formação é libertação. E conduz a um processo de
construção da autonomia, visto que para libertar-se os sujeitos devem

62
Volume VI

superar as heteronomias que o cercam. Aqui institui-se a ligação entre


liberdade e autonomia, ao possibilitar a libertação, o indivíduo exerce o
poder de se autodeterminar. Por meio de exercícios de problematização
os homens descobrem-se criadores do próprio mundo, assim (re)
descobrem a essência da sua existência.
Não há um mundo para cada consciência, elas se desenvolvem em
um mundo comum a elas, se desenvolvem essencialmente
comunicantes, por isso se comunicam. A intersubjetividade das
consciências se dá junto com a mundaneidade e a subjetividade. O
sujeito se constitui em sua subjetividade pela consciência do mundo
e do outro. (Zatti, 2007, p. 60 e 61).
A educação libertadora é um processo de formação
problematizadora e dialógica, propicia ao educando reconhecer-se e
assumir-se como sujeito da sua história. Ela opõe-se a concepção
bancária da educação, que transfere conteúdos aos educandos, e têm
nessa relação educador-educando sua essência opressora e antidialógica.
Por isso a educação libertadora é essencialmente emancipadora e
dialógica, pois é composta de ação e reflexão, e implica a transformação
das pessoas e do mundo.
O homem dialógico tem fé nos homens antes de encontrar-se frente
a frente com eles. Esta, contudo, não é uma ingênua fé. O homem
dialógico, que é crítico, sabe que, se o poder de fazer, de criar, de
transformar, é um poder dos homens, sabe também que podem eles,
em situação concreta, alienados, ter este poder prejudicado. Esta
possibilidade, porém, em lugar de matar no homem dialógico a sua
fé nos homens, aparece a ele, pelo contrário, como um desafio ao
qual tem de responder. Está convencido de que este poder de fazer
e transformar, mesmo que negado em situações concretas, tende a
renascer. Pode renascer. Pode constituir-se. Não gratuitamente, mas
na e pela luta por sua libertação. (Freire, 2011, p. 112 e 113).
Freire (2007) considera uma contradição os homens não terem
esperança na mudança, não buscarem a construção de um futuro melhor,
visto não sermos predeterminados, a transformação é possível.
Cabe à educação problematizar o futuro para que a utopia de um
mundo melhor não se perca. Dizer que a educação vai suprimir
todas as injustiças, opressões, e assim mudar completamente a
sociedade suprimindo todas heteronomias, é ingenuidade, da mesma
forma que dizer que a educação não pode realizar mudança alguma.
Temos que estar conscientes do nosso condicionamento, mas não
somos determinados, há possibilidade da transformação. (Zatti,
2007, p. 62).
A educação para autonomia deve considerar o futuro como um
problema a superar e a construção histórica uma oportunidade não

63
Vozes da Educação

definida. Assim certos de que o mundo é mutável, somos desafiados a


assumirmo-nos como agentes de intervenção e transformação da
realidade.
Como parte da autonomia, o repúdio a situações desumanas e
contraditórias, presente na rebeldia devem ser vistos como fatores que
promovem a preservação da autonomia. Sua importância gera a
superação da domesticação do pensamento crítico e alienação da
realidade, contrapondo-se a heteronomia.
A capacidade de transformar o mundo, por meio da
intervenção é uma especificidade humana. E fundamenta-se em um
processo de formação que contribui significadamente para a construção
da autonomia dos sujeitos, a partir de uma consciência crítica,
possibilitando novas elaborações da sua realidade, logo podemos
concebê-la como um exercício verdadeiramente emancipador dos
educandos.

Possíveis implicações para a educação de jovens estudantes


Considerando que este estudo tem por objetivo refletir as
contribuições que a proposta educativa de Paulo Freire pode suscitar no
processo de formativo dos jovens estudantes da educação básica. Somos
conduzidos a um questionamento, nossa reflexão deve considerar esse
sujeito como um jovem ou adolescente? Estas definições são frutos de
construções sociais, históricas, culturais, relacionais e que em diferentes
épocas da humanidade sofreram transformações que podem ter
contribuído na concepção que hoje temos, da condição juvenil.
Para este estudo, utilizaremos definição de Dayrell; Carrano
(2014, p.109) “[...] a adolescência como uma primeira etapa de uma idade
da vida mais ampla que é a juventude”, neste aspecto adolescência é um
período que marca o início da juventude. Têm como característica as
transformações: biológicas, psicológicas e de convívio social, outro fator
determinante são alguns sinais de progresso individual que o indivíduo
começa a apresentar, tais como: assumir pequenas responsabilidades,
necessidade de sociabilidade, exigência de menos proteção familiar,
autossuficiência, entre outros.
A partir dessas constatações nasce uma outra dúvida, o que
seria a juventude, afinal? O senso comum a considera como uma

64
Volume VI

transição da infância para a vida adulta, nesse pensar a vida do jovem no


presente, não teria uma relevância significativa, sua real importância
existiria apenas quando o individuo fosse vir a ser adulto. Nesta
perspectiva o existir do jovem é visto como algo efêmero e transitório.
Para Dayrell; Carrano, (2014, p.106), “Nega-se assim o presente
vivido. (...) Pensar assim é destituí-lo de sua identidade no presente em
função da imagem que projetamos para ele no futuro.”. Fruto desse
pensamento existe a cultura de não considerar a importância do jovem
em participar e contribuir em assuntos que são de interesse ou lhe diz
respeito. O seu existir na condição de presença atuante e pensante no
mundo, é julgado como irrelevante e isso por vezes gera apatia e
desestímulo nesses sujeitos que aceitam tal condição.
Essas compreensões distorcidas da juventude as quais a
consideram como um problema, são prejudiciais, pois negam a beleza e a
riqueza presente no ser jovem. Além disso, elas interferem diretamente
na maneira em que a sociedade concebe e interage com e esses sujeitos.
São essas imagens alternativas ao ‘jovem problema’ que precisam ser
construídas se quisermos, de fato, conhecer os nossos jovens
estudantes. Ao contrário, se nos apegarmos a modelos negativos e
socialmente construídos, correremos o risco de produzirmos
imagens em negativo de nossos jovens. Esse é o caminho que leva à
construção de uma educação pelo caminho da falta. (DAYRELL;
CARRANO, 2014, p.108)
Faz-se necessário superarmos essas concepções midiáticas para
uma legítima aproximação ao jovem e seu universo, isso só é possível
quando se percebe a magnitude e a complexidade da juventude. Visto
que esse é um processo de crescimento integral e global, é moldado a
partir das sociais, pois são elas que propiciam ao jovem uma
autopercepção como indivíduo.
Além das marcas da diversidade cultural e das desiguais condições
de acesso aos bens econômicos, educacionais e culturais, a
juventude é uma categoria dinâmica. Ela é transformada no
contexto das mutações sociais que vêm ocorrendo ao longo da
história. Na realidade, não há tanto uma juventude, e sim, jovens
enquanto sujeitos que a experimentam e a sentem segundo
determinado contexto sociocultural onde se inserem e, assim,
elaboram determinados modos de ser jovem. É nesse sentido que
enfatizamos a noção de juventudes, no plural, para enfatizar a
diversidade de modos de ser jovem existente. (DAYRELL;
CARRANO, 2014, p.112).

65
Vozes da Educação

Devido a essas relações e seus múltiplos contextos culturais,


territoriais e de gênero, além da flexibilidade de vivenciar toda essa
diversidade, somos levados a compreender o jovem a partir dessa
pluralidade. Logo falamos em vários modos de ser jovem e de viver essas
juventudes, assim é possível afirmar que a juventude é uma construção
histórica e um produto socialmente produzido. Conforme
DAYRELL;CARRANO (2014,p.109) “[...]É por meio dessa
compreensão que poderemos reorientar nossas imagens, visões e formas
de lidar com os jovens estudantes com os quais convivemos.”
Por compreender esse processo e a sua amplitude, prima-se
pelo desenvolvimento integral e global do jovem, e considerando-o
como um ser de relações, temos a escola como um grande palco, onde
ocorrerão as experimentações necessárias para um desenvolvimento
pleno. Logo ela é um espaço para o exercício e promoção da autonomia,
é um dos principais locais em que o jovem poderá vivenciar suas
experiências de mundo.
[...]Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia
vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que
vão sendo tomadas. [...] Por que perder a oportunidade de ir
sublinhando aos filhos o dever e o direito que eles tem, como gente,
de ir forjando sua própria autonomia? Ninguém é sujeito da
autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém amadurece de
repente, aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A
autonomia, enquanto amadurecimento todo dia, ou não. A
autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é
vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma
pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências
estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em
experiência respeitosas da liberdade. (Freire, 2007, p.107)
É necessário que primeiramente todos os envolvidos no
processo educativo, possam conceber o que Freire (2007,p.50),
denominou como consciência do inacabado, isso possibilita um melhor
entendimento em relação à transitoriedade dos nossos tempos e da
reestruturação dos paradigmas.
Por ser constituída de seres inacabados, ela por sua vez também
não é um mundo isolado, mas está existindo no mundo e junto dele,
essas mudanças também chegam à escola. Esse processo é
desacomodante, pois exige a reelaboração dos papéis e conceitos
estruturados. Porém faz-se oportuno visto que é mutável, possibilita
respondermos de forma criativa essas mudanças e suas transformações.

66
Volume VI

Ainda nesse aspecto, deve-se refletir sobre a latente importância


das mudanças, “temos uma escola do século XIX, metodologias do
século XX para estudantes do século XXI”, 16 devemos considerar esse
descompasso de tempos entre escola-educadores-educandos.
Necessitamos refletir sobre esses interlocutores suas novas relações, as
ressignificações da aprendizagem e relação do contexto escolar com o
mundo dos estudantes.
Conforme Freire (2007, p.56 a 58), é por meio da compreensão
de sua inconclusão que esses interlocutores motivam-se a assumirem
seus papéis de sujeitos na construção do mundo e por sua vez nessa
reflexão, para a intervenção do processo formativo.
Porém não é necessário que se reinvente ou se recrie tudo do
zero, é preciso uma (re)examinação e avaliação de suas práticas.
Dispondo-se a (re)aprender para que esteja condizente com a real
necessidade de seus estudantes, considerando sua pluralidade e as
especificidades da juventude para que de fato possa estar promovendo
sua autonomia.
Visto que nossa educação não considera a importância dos
tempos de vida dos sujeitos e os seus processos. Temos como
reprodução dessa realidade na estruturação dos níveis de ensino, como
exemplo, se analisarmos a própria nomenclatura Ensino Médio nos leva
a subentendê-lo como um mero preparatório, uma formação mediana 17,
algo momentâneo que só terá sentido quando o sujeito for adulto.
Isso descaracteriza o real sentido da formação, neste aspecto os
jovens preocupam-se em aprender para passar de ano e obter seu
diploma para Arroyo (2014, p.71) As consequências são sérias: as idades,
tempos da vida, carecem de sentido por si mesmas, logo, tempos
humanos desfigurados sem direito à especificidade do viver, pensar,
formar de cada tempo humano.
Weller (2014, p.136) retoma que a juventude não é a transição
da infância para a vida adulta, assim compreende que o ensino destes
jovens também não deve ser encarado como a continuidade do ensino

16Sem fonte confiável, grifo nosso.


17Convidamos a atentarmos para as nomenclaturas dos níveis de ensino: Ensino Fundamental
seria a educação fundante; Ensino Médio subentende-se como ensino mediano, entre o que é
fundamental e o superior; Ensino Superior compreende-se como um ensino elevado.

67
Vozes da Educação

fundamental ou como um ensino capacitador para a obtenção de um


diploma ou uma profissão. Deve-se considerar que além da formação
para o conhecimento científico, também é necessário uma formação
humana que integrada à realidade, comprometa-se ao desenvolvimento
pleno desses indivíduos, não ignorando ou omitindo-se de sua existência.
Integrado ao Plano de Desenvolvimento da Educação, – PDE,
constatou-se a necessidade e urgência de se pensar uma Reforma para o
Ensino Médio que visava à atualização do seu currículo, às necessidades
dos estudantes e da sociedade. Esse processo teve o seu início com o
Programa Ensino Médio Inovador- ProEMI18, sendo construído de
forma democrática pelos diversos setores da sociedade. Porém o
programa foi abortado, logo após o impeachment da presidenta Dilma
Rousseff, em meados de 2015.
A reforma homologada em 2017, foi construída de forma anti-
democrática, por meio de uma medida provisória e acaba por ser um
retrocesso para a educação brasileira. Propaga uma equivoca autonomia
dos estudantes e o fomento de construção dos projetos de vida dos
jovens,contudo sem oferecer reais condições para a sua concretude.
Freire (1996) concedeu uma entrevista onde expôs o seu
posicionamento em relação às diversas realidades que caminham na
contramão do real papel da escola para os jovens19.
Para que a escola tenha significação para o adolescente, ela precisa
compreender esse momento do adolescente, da sua vida, essa
inquietação. Ela tem que compreender não apenas o momento do
adolescente, mas o momento histórico em que ela está às condições
históricas e sociais do contexto em que ela está situada. Nós estamos
vivendo nos centros urbanos brasileiros mais dinâmicos como São
Paulo – uma experiência em que a tecnologia tem de estar presente.
[...] A questão que se coloca não é você pretender, por justaposição,
a convivência dos alunos com a tecnologia, mas é como você
capacita os educadores para que eles também se tornem educadores

18Programa Ensino Médio Inovador- ProEMI, estratégia do Ministério da Educação para a


reestruturação do Ensino Médio. Através do diálogo entre a comunidade escolar e a sociedade
civil, planeja a contemporaneidade do currículo primando pelos requisitos “[...] projetos
pedagógicos que promovam a educação científica e humanística, a valorização da leitura, da
cultura, o aprimoramento da relação teoria e prática, da utilização de novas tecnologias e o
desenvolvimento de metodologias criativas e emancipadoras.”, BRASIL (2009, p.52) e a
formação continuada dos educadores.
19Em virtude da época em que concede a entrevista, em 1996. A compreensão e os estudos

sobre juventude não eram tão significantes, assim consideramos a fala de Freire para a
juventude em geral.

68
Volume VI

de seu tempo, quer dizer, à altura do tempo. Eu acho que um


adolescente que hoje está descrente de uma série de valores
anteriores e que tem uma possibilidade de ver e saber que há
instrumentos tecnológicos que não estão usados pela escola dele,
esse adolescente pode, na verdade, perder o interesse pela escola.
Mas, sobretudo, eu acho que os adolescentes, principalmente das
classes populares, precisam encontrar, na escola, propostas que
avivem ou criem sonhos que eles tenham ou que eles não estejam
podendo ter, sob pena de que a escola perca significado para eles.
(Freire, 1996, p.14)20
Em sua fala Freire, aponta situações como: a falta de
compreensão da escola aos seus jovens, principalmente em relação à
importância das questões típicas desse grupo, considerando seu contexto
e momento histórico. Também retoma sobre o papel da escola como
fonte para os sonhos destes jovens. Considerando ela como proponente
na construção da identidade do indivíduo, por ser em seu espaço que os
sujeitos estabelecem suas relações, além disso, a autoimagem que o
homem cria dele mesmo é reflexo dessas interações.
De acordo com Corti (2014, p.314), escola é considerada a
socialização secundária dos sujeitos21, onde a partir de uma estrutura
social mais elaborada o sujeito interage com os semelhantes em um grau
das relações mais racional, essa interação gera estímulos e respostas que
possibilitam ao sujeito uma experimentação de competências
socializadoras mais complexas.
É por meio dessas relações que o jovem vive a sua juventude e
constitui-se como tal, a partir dessas experiências ele busca romper com
tudo o que o conecta ao universo infantil, assim passa a buscar
referenciais fora do contexto familiar.
Nessa fase que surgem os conflitos, estes são fundamentais para
o desenvolvimento da autonomia do jovem, visto que todas as vivências
favorecem para a nossa formação. Essas situações exigem que sujeito
elabore sua reação frente a uma situação de inconformidade, um
exemplo é a rebeldia22.

20Admirável a contemporaneidade do pensamento de Freire, visto que essa entrevista foi


concedida a mais de vinte anos. Grifos nosso.
21A primeira socialização são as relações familiares.
22Nossa compreensão de rebeldia se dá pelo ato de “rebelar” ou “incitar a transformação” frente

a situações de profundo desrespeito ou afronta.

69
Vozes da Educação

Conforme Freire (1996, p.13), “não é possível ser sem rebeldia.


O grande problema está em como amorosamente dar sentido produtivo,
dar sentido criador ao ato rebelde, e não acabar com a rebeldia.”, logo
devemos superar a tendência da imposição de uma punição repressora.
Um bom exercício é lembrarmos-nos da nossa juventude e dos impasses
que tivemos, e assim procurarmos de forma consciente auxiliar no
esclarecimento dessas situações do jovem em conflito.
[...] Eu acho que a liberdade não se autentica sem o limite da
autoridade, mas o limite que a autoridade se deve propor a si
mesma, para propor ao jovens a liberdade, é um limite que
necessariamente não se explicita através de castigos. Eu acho que a
liberdade precisa de limites, a autoridade inclusive tem a tarefa de
propor os limites, mas o que é preciso, ao propor os limites, é
propor à liberdade que ela interiorize a necessidade ética do limite,
jamais por meio do medo. “A liberdade que não faz uma coisa
porque teme o castigo não está “eticizando-se”. (Freire, 1996, p.14)
Como implicação prática a essa questão, torna necessária a
compreensão da escola sobre a sua importância no desenvolvimento das
aprendizagens intelectuais e sociais, assim deve conceber a relevância do
envolvimento dos estudantes na vida da escola. Uma forma dessa
vivência é por meio dos Grupos Juvenis, estes podem configurar-se
como Grêmio estudantil, Voluntariado, Teatro, Dança, entre outros.
São esses grupos de interesse, onde o jovem vive a sua forma
de intervir na realidade. Neste espaço ele tem vez e voz, sua participação
ativa possibilita o exercício de competências fomentadoras da
autonomia. Neles os jovens estabelecem vínculos que conforme Dayrell
(2003, p. 49), “[...] constituem um espaço e um tempo nos quais esses
jovens podem afirmar a experiência da condição juvenil.”, logo são para
a turbulenta época em que vive o jovem, a correspondência das
necessidades de aceitação, reconhecimento, afetividade e identidade.
Assim como pudemos observar que as relações permeiam o
desenvolver dos sujeitos e a sua construção da realidade, por isso
devemos considerar a importância da relação educador-educando na
formação emancipadora.
Porém essa interação não está eximida de sua complexidade,
devido a diversos fatores, tais como: distinção dos tempos de vida dos
interlocutores, fragilidade nas relações dos saberes, autoritarismo ou
opressão ao direito à liberdade do educando e transgressão a condição
criadora presente nos sujeitos.

70
Volume VI

Conforme Freire (2007, p.84) a vocação humana de “ser


mais”23 que possibilita intervenção da realidade, dentro do mundo da
educação é primordial, pois ela conduz o professor a compreender e
assumir este compromisso em sua prática pedagógica, aqui educar para o
“ser mais” é educar para a autonomia. Neste horizonte educar é uma
prática que requer alteridade, pois o educador deve ser um fomentador
de projetos de vida, assim ele assume o papel de um mediador, tanto em
relação à apropriação dos saberes quanto nos percalços que porventura
poderão surgir.
Por isso, Freire constantemente adverte sobre a importância de
que o professor reconheça e tenha como princípio a prática da
dialogicidade, essa por sua vez deve ser alinhada ao respeito e
responsabilidade pelos educandos. Porém aqui temos um fator
determinante para o diálogo, trata-se do descompasso dos tempos, isso
implica diretamente na relação dos sujeitos. Visto que estamos imersos a
“cultura ciborgue”24 onde as tecnologias digitais são uma constante na
vida dos indivíduos, temos o impasse de professores em comunicação
diária com seus alunos, nativos digitais 25. Esse fato requer compreensão
da intersubjetividade desta relação, e esforço para a aproximação, a fim
de superar possíveis barreiras na comunicação.
Outro fator importante é o empenho do educador no respeito
aos saberes dos jovens, em Freire (2007, p. 81) “[...]não posso de maneira
alguma (...) desconsiderar seu saber de experiência feito. Sua explicação
do mundo de que faz parte a compreensão de sua própria presença no
mundo.”. Para a educação problematizadora os saberes dos sujeitos são
fundamentais para a conscientização crítica dos saberes, assim nega-se a
compreensão bancária da educação que esforça-se a “depositar” nos
estudantes os conteúdos, sem ao menos empregar sentido ou
significância.
Assim, para Freire, (2007, p. 78) “Há perguntas a serem feitas
insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de
estudar por estudar. [...] como se misteriosamente, de repente, nada

23Grifos do autor.
24Conforme Sales (2014,p.232), “[...]nos últimos tempos, a noção de ciborgue tem-se ampliado
para toda pessoa que tem sua existência mediada pela tecnologia digital.”.
25Nascidos após a era da internet.

71
Vozes da Educação

tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora e distante mundo, alheado


de nós e nós dele.”. Tão logo um educador deve ser comprometido em
comprometer seus educandos a compreenderem o real papel do estudar.
Podemos considerar que educar para a autonomia, a partir dos princípios
freireanos, requer:
[...] experimentar com intensidade a dialética entre "a leitura do
mundo" e a "leitura da palavra". "Programados para aprender" e
impossibilitados de viver sem a referência de um amanhã, onde quer
que haja mulheres e homens há sempre o que fazer, há sempre o
que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender. Nada
disso, contudo, cobra sentido, para mim, se realizado contra a
vocação para o ‘ser mais’, histórica e socialmente constituído-se, em
que mulheres e homens nos achamos inseridos. (Freire, 2007, p.84).
Por isso uma educação para o exercício da autonomia, antes de
tudo requer a prática da liberdade, com vistas à promoção da formação
dos sujeitos em sua totalidade.

Conclusão
Podemos concluir que em Freire, educar para o exercício de
apropriação da autonomia, é um processo contínuo e requer a
compreensão crítica de que não somos seres condicionados, assim essa
prática fundamenta-se na emancipação do sujeito, por meio de sua
conscientização e do seu exercício da liberdade e da capacidade de
intervenção na realidade.
Sua relevância encontra-se no entendimento da importância dos
papéis dos interlocutores no processo formativo, visto que ambos são
determinantes para a dialogicidade, essa que é a chave para obtenção
deste ideal. Assim educandos-educadores, bem como a escola em sua
totalidade relacionam-se nesse processo, onde ambas contribuem a essa
finalidade.
Por isso à incorporação dos princípios pedagógicos de Freire na
prática educativa, conforme vistos, caminham de forma qualitativa ao
encontro de um genuíno processo de emancipação dos sujeitos.

72
Volume VI

Referências Bibliográficas
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de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 113 -121.
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Fortalecimento do Ensino Médio e define suas diretrizes gerais, forma,
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Disponível em: < http://pactoensinomedio.mec.gov.br>. Acesso em: 04
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73
Vozes da Educação

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 41. ed. São Paulo: Paz e Terra,
2011.
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1980.
KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: Que é "Esclarecimento"?
(Aufklärung). In:Textos Seletos. 2ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
ZATTI, Vicente. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo
Freire. Porto Alegre, RS:EDIPUCRS, 2007. Disponível em:
<http://www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomiaeeducacao.pdf>.
Acesso em: 21 mai. 2015.

74
Volume VI

A PEDRA ANGULAR PARA UMA EDUCAÇÃO SÓLIDA E


DURADOURA

Luciane do Rossio Leal Correia26

RESUMO

A contribuição dos filósofos gregos que transcende uma esfera de


pensamentos e que chega nos dias atuais, influenciando correntes
educacionais. Paulo como um precur- sor da modalidade a distância,
ultrapassando limites geográficos e culturais, utilizando a escrita como
oportunidade transformadora. Educadores que tem como base a im-
portância do ser, em um contexto social que visa apenas a formação para
realizações materiais. Facilitadores dos saberes motivados por quebrar
paradigmas educacionais existentes, nos quais estes tornaram-se padrões
em países, que em seu contexto social, econômico e cultural,
compreenderia outra forma de ensino.

Palavras-chave: Amor, construção, educação, pedra angular.

26Bacharel em Teologia pela Faculdade Evangélica do Paraná (2009), Segunda Graduação


Licenciatura em Pedagogia (2018) Faculdade Machado de Assis. Especialização: Educação a
Distância com Ênfase em Tutoria, pela Faculdade São Braz (2015), Docência do Ensino Superior
(2016), Pedagogia Cristã (2017), Tecnologia da Informação e Comunicação na Educação (2018),
Teoria Psicanalítica (2018).Mestranda em Educação, Universidad de La Empresa (2017-2018)
Montevidéu, Tutora Graduação em Teologia EaD (2016), Coordenadora de curso de Graduação
em Teologia (2016 a 2018) na Faculdade São Braz.

75
Vozes da Educação

Introdução
Desde os primórdios dos tempos, percebemos que o ser
humano tem se envolvido na busca de abrigo segundo suas possibilidades
e características grupais. Esta busca, uma vez que estes deixaram de ser
nômades, impetrou no desenvolvimento de uma nova ciência a ciência da
construção pois, em tempo, já dominavam alguns aspectos com a
agricultura, caça e pesca, não necessitando mudar de habitas quando as
condições ambientais lhes eram desfavoráveis.
Segundo Abrahan Maslow, as necessidades humanas passam
por vários está- gios, sendo que já na base de sua pirâmide hierárquica,
segundo estágio, ele consi- dera a segurança e a propriedade com uma
forma de auto realização.
Quando falamos em construção, falamos em tudo que ela nos
proporciona sendo a mola impulsionadora de nossas conquistas, assim
como a base de nossas realizações, e da nossa segurança. Mas, pra ela
suprir todos estes desejos, ela própria a construção deve ser segura.
Nas antigas construções, tinha-se o hábito de que a primeira
pedra a ser as- sentada seria em sua esquina, a fim de alinhar sua
estrutura e dar sustentação a um edifício, formando assim um ângulo
reto. Por ter uma grande importância nessa construção seria considerada
como a pedra angular. Esse conceito de pedra angular, nos remete a
diversos contextos nos quais percebemos a importância de uma
estrutura sólida e permanente, tornando-se assim essencial para uma
construção, seja essa física, emocional ou no campo das ideias.
Quando pensamos em educação comparando-a uma
construção precisa-mos visualizar a partir da sua base, ou seja, estrutura
na qual será assentado todo conhecimento, não somente aquele em que
a escola irá transmitir, mas também tudo aquilo que será armazenado ao
longo da sua vida. Para tanto, dá-se a importância de um ensino pautado
no amor. Como uma pedra angular, ela será o principal alicerce em uma
construção emocional, moral e física que poderá resistir a todos os
intempe- res que poderão ocorrer ao longo do tempo.

Contribuições filosóficas da Grécia antiga para educação


Desde os primórdios da civilização, a construção da educação
vem sofrendo periódicas mudanças de acordo com o contexto e

76
Volume VI

concepções pedagógicas predominante em cada época, e cada espaço e


em cada civilização.
Destacamos a Grécia antiga como um celeiro de pensadores
filosóficos e suas grandes contribuições na construção de ideias, que
ultrapassaram séculos influenciando a educação.
Sócrates inventou o método pedagógico do diálogo,
envolvendo a ironia e a maiêutica. O dialogo era o método de
investigação, fazendo do verdadeiro mestre um agente provocador de
pensamentos o despertar do espírito, afim de que esse discípulo ao ser
confrontado, pudesse iluminar sua inteligência e consciência. O método
de conversação tinha como objetivo o poder de pensar.
Segundo Vasconcelos (2011, p. 23), “toda vez que você
questiona o ‘como’ e o ‘porque’ de seus pensamentos e de suas ações, já
está de certo modo, filosofando”. Partindo desse pensamento a natureza
humana se torna filosófica em seus questio- namentos e dúvidas. Ele
ainda destaca que a teoria platônica do conhecimento está baseada na
distinção entre duas ordens de seres, a saber.
As ideias e as coisas. As coisas nos remetem a tudo aquilo que
podemos perceber pelos sentidos: o que podemos ver, tocar,
cheirar, ouvir, degustar. Mas elas estão sempre mudando. O que é
quente esfria, o que é jovem en- velhece, e o que hoje é de um
jeito amanhã já será de outro. O puro pensa- mento, pelo contrário,
permite-nos ter acesso a ideias imutáveis, como a ideia do bem, da
verdade e da justiça. Para Platão, as ideias, sendo eternas, de- vem
ser necessárias superiores as coisas, que são transitórias.
(VASCONCELOS, 2011, p. 27).
Pensando nessa problemática, observamos o quão importante
no campo edu- cacional a valorização do “ser”, do indivíduo como
único em suas ideias e sua liber- dade de expressão.
Aristóteles, segundo Vasconcelos (2011, p. 29), “ao rejeitar a
teoria platônica do mundo das ideias, corria o risco de não admitir nada
de permanente, uma vez que as coisas estão em perpétua mudança”.
Entende-se que a moderação para esse filósofo seria a atitude para evitar
o excesso. O idealismo de Platão e o realismo de Aristóteles tornaram-se
um marco para o pensamento ocidental.

77
Vozes da Educação

Uma modalidade de educação surgindo através das mãos de Paulo de


Tarso
Ainda como contribuição para educação destacamos Paulo,
nascido em Tarso, uma cidade com muitos filósofos estoicos
considerados como grandes pensadores.
Não sabemos ao certo se ele teve contato diretamente com
estes filósofos, porém percebemos uma ampla educação grega em seus
discursos, pois dominava o assunto, pleiteando sua causa diante de
homens sábios, e obtendo respeito.
Com cidadão romano por parte de pai, tinha acesso a diversos
lugares, que como cristão o barrariam. Paulo ainda jovem na cidade de
Jerusalém foi instruído aos pés de Gamaliel, um dos maiores rabinos
judeus na exatidão da lei judaica.
Após sua conversão ao cristianismo, na cidade de Damasco,
iniciou sua jornada de ensino, visitando várias cidades da Ásia do
Oriente Médio e Europa. Ao passar por diversas cidades, formava
discípulos na fé cristã, que posteriormente mantinha seus ensinamentos
através de cartas, pois em muitos casos nunca mais retornava nestas
comunidades e em muitas nunca esteve presente.
Compreende-se que a correspondência foi o primeiro método
na educação a distância. Destacamos a figura de Paulo neste artigo, pois
de forma eficiente e eficaz utilizou essa modalidade de ensino com
grande propriedade. Difundiu o cristianismo de uma forma assustadora,
com reflexos até os dias atuais.
No Canon bíblico, encontramos 13 cartas atribuídas ao
apóstolo Paulo. Estas eram enviadas por amigos, navios e diversos
meios de transportes existentes na época. O conteúdo das cartas
formava, informava e transformava o seu leitor, ao ponto destes
transmitirem este conhecimento há muitos, gerando a mesma
transformação.
Em sua primeira carta aos Coríntios, no décimo terceiro
capítulo da Bíblia, Paulo recomenda aos seus leitores a superioridade do
amor referente aos dons, pois esse era o ponto vulnerável daquela igreja.
Esse capítulo é como antídoto para esse contexto no qual estavam
inseridos, a imaturidade e a infantilidade gerada por problemas latentes
só teriam uma única saída, o amor. Sim, o amor pela superioridade,

78
Volume VI

qualidades e pela capacidade de prosseguir depois da história, pois o


amor é trans- cendente e eterno. Esse ensino transformador, penetrante,
que envolve alma e espirito, faz com que seus ouvintes
compreendessem a importância desse combustível, dessa argamassa, na
qual viria a ligar rupturas causadas por desentendimentos e situações
que estavam dividindo a igreja e destruindo os alicerces da construção
de uma boa educação. Esse apóstolo demonstra em suas escritas e
palavras, que a pedra angular de um relacionamento duradouro é uma
educação estruturada em um alicerce sólido e seguro.

Eduacadores e suas contribuiçãos com base na Pedra Angular


Assim como Paulo outros educadores, a saber, Pestalozzi, um
educador suíço, enfatiza que o amor tem o poder de despertar o
sentimento autônomo da criança.
Corroborando com este entendimento, Marcio Ferrari em
seu texto, destaca Pestalozzi como um pensador que lançou
fundamentos para pedagogia moderna.
Para a mentalidade contemporânea, amor talvez não seja a primeira
palavra que venha à cabeça quando se fala em ciência, método ou
teoria. Mas o afeto teve papel central na obra de pensadores que
lançaram os fundamentos da pedagogia moderna. Nenhum deles
deu mais importância ao amor, em parti- cular ao amor materno,
do que o suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827).
(FERRARI, 2011)
Segundo Ferrari (2011) a visão desse pensador é que a criança
se desenvolve de dentro para fora e que o professor deveria respeitar os
estágios de desenvolvimento pela qual ela passa. Paulo e Pestalozzi
acreditavam no amor como força salvadora e idealizava como deveria
ser a escola.
A escola idealizada por Pestalozzi deveria ser não só uma extensão
do lar como inspirar-se no ambiente familiar, para oferecer uma
atmosfera de segu- rança e afeto. Ao contrário de muitos de seus
contemporâneos, o pensador suíço não concordava totalmente
com o elogio da razão humana. Para ele, só o amor tinha força
salvadora, capaz de levar o homem à plena realização moral - isto é,
encontrar conscientemente, dentro de si, a essência divina que lhe dá
liberdade. (FERRARI, 2011)
O lar como um ambiente acolhedor e seguro. Esse conceito se
dá pelo fato de presenciar muitas crianças vivendo a margem, não
somente só de uma sociedade impiedosa como órfãs, lançadas a um

79
Vozes da Educação

futuro inserto e devastador. Neste sentido, Pestalozzi enfatiza três pilares


para educação, compreendendo pontos principais a serem observados: a
cabeça (intelectual), a mão (aspecto físico) o e o coração (afeto ou
moral), portanto os interesses e vontades da criança deveriam ser
considerados e não apenas aquilo que é imposto pelos adultos.
Ainda nesse pensamento, o professor autor Acaño cita em uma
de suas aulas de mestrado datada de 11 de janeiro de 2017 que: “ensinar é,
sobretudo, um processo de aprendizagem em que as crianças
desenvolvem a capacidade de reflexão, não como um produto de mera
aquisição de conteúdo”. Compreendendo a importância da liberdade de
pensamentos, neste sentido andando na contra mão dos currículos atuais
existentes em que as crianças são moldadas por um sistema que visa a formação
para o mercado de trabalho, sem se importar qual é a consequência e quais serão
os resultados dessa imposição. Percebemos uma sociedade insatisfeita, inseridas
em profissões que não teriam como alicerce uma pedra angular de suas emoções.
Durkheim, apud Kant (2014, p. 44), “o objetivo da educação é desenvolver em
cada indivíduo toda a perfeição da qual ele é capaz”.
Já Durkheim (2014, p. 53), cita que “para a sociedade, a
educação é apenas o modo pelo qual ela prepara no coração das crianças
as condições essenciais de sua própria existência”. Também define a
educação como:
Ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não
estão maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e
desenvolver na criança um certo número de estados físicos,
intelectuais e morais exigidos tanto pelo conjunto da sociedade
política quanto pelo meio especifico ao qual ela está destinada em
particular. (DURKHEIM, 2014. p. 53)
Portanto, a pedra angular quando não é fixada na esquina da
construção moral, física e intelectual de uma criança, poderá causar
desastrosos desabamentos ou ra- chaduras irremediáveis na consolidação
dos seus saberes epistemológicos para o de- senvolvimento sadio do ser.
Dinello, em seu livro Pedagogia de La Expresión (2016, p.32),
destaca que num contexto global, “o propósito da expressão e da
educação é oferecer as crianças e jovens a oportunidade para
experimentar, descobrir, dar forma a suas expectativas por sua própria
iniciativa.” Podemos perceber com isto que a finalidade desse autor é
descobrir o potencial que poderá ser despertado através da criatividade

80
Volume VI

lúdica e da interação aluno professor, onde cada um será um tijolo nessa


construção de ideias. (Dinello, 2016).
O filósofo Cortella (2015, p. 76,77), define essa pedra angular
com uma visão ética pedagógica, a saber:
A expressão ‘o amor aceita tudo’ é absolutamente antiética e
antipedagógica. A pessoa que seja capaz de amar é aquela que
recusa aquilo que faz mal, por isso um pai e uma mãe não pode
jamais dizer ao filho ‘é porque eu te amo, então tudo aceito’. É
exatamente o inverso: porque eu te amo é que eu não quero que
você use drogas ilegais; é porque eu te amo que eu quero que você
seja decente; é porque te amo que eu não quero que você banalize
a sua sexualidade livre e bonita; é porque eu te amo que eu quero
que você tenha esforço na sua produção e é porque você me ama
que eu quero que você, meu filho, minha filha, me adverte, também
me apoia, também me cor- rija naquilo que eu estiver equivocado.
Essa relação de cuidado mútuo, só nos faz crescer. Por isso esse
exemplo do cotidiano tem que aparecer como sendo a recusa com
qualquer situação. A ética do amor não é a ética da conveniência
em que as coisas valem a partir de qualquer momento, mas uma
ética que é capaz, também de dizer’ não’ ao que tem que ser
recusado. (CORTELLA, 2015. p.76,77).
Partindo desse conceito, percebemos que essa pedra angular
conduz a um aprendizado capaz de transformação, um amor que
transpassa limites, a fim de transcender o conhecimento e tocar a alma.
Freire, um batalhador da pedagogia fraternal e humana, se
importava com o ser, lutava por uma sociedade igualitária. A prática da
pedagogia como cerne de uma transformação social, a pedra angular
educacional uma busca de um saber transformador. Em seu livro a
pedagogia do oprimido sintetiza em suas últimas linhas.
A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não
podemos temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à
discussão criadora, sob pena de ser farsa. (FREIRE, 2000.11).
Na construção de um ideal, Freire deixa um legado de
transformação educacional em um contexto histórico opressor.

Considerações finais
A história que cada indivíduo irá adquirir ao longo de sua
existência reflete a construção de seu conhecimento, alicerçada e
moldada pelas mãos de artistas que, como uma obra de arte, imprimem
seu talento e amor, no desenvolvimento de suas potencialidades.
A educação é o reflexo dessa história, permeando a estrutura
sólida e permanente para uma vida transformadora em qualquer área da

81
Vozes da Educação

educação é construída com tijolos alinhados em suas emoções, tendo


como pedra angular, o amor, ligados por uma argamassa de
contribuições através de contatos relevante e decisivo com pessoas que
em determinados momentos tocaram a alma, despertando uma mola
pro- pulsora em seus pensamentos, que trará um desejo latente pelo novo,
proporcionando assim um belo edifício que poderá ser referência em
uma cidade caótica.

Referências Bibliográficas
CHAMBERS, Oswald, Obreiros de Deus. Editora Betânia: Belo
Horizonte, 2000. CORTELLA, Mario Sérgio. Educação, convivência e
ética: audácia e esperança! .
Cortez Editora, 2015. Disponível em:<
http://www.cortezeditora.com.br/newsite/primeiraspaginas/educa%C3
%A7%C3%A3o_convivencia.pdf>. Acesso em: 27.fev.2017
DINELLO, Raimundo. Pedagogia De La Expresión. Montevideo:
Nuevos Horizontes, 2016.
DURKHEM, Émile. Educação e Sociologia. Trad. Stephania Matousek.
Quinta edi- ção. Petrópolis: Editora Vozes, 2014.
FERRARI, Márcio. Pedagogia: Johann Heinrich Pestalozzi, 2011.
Disponível
em:<http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/pestalozzi-
307416.shtml>. Acesso em: 27.fev.2017.
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. Trad. Gérson Dudas,
ValériaFontana. São Paulo: Vida Nova, 1993
PLENITUDE, Bíblia de Estudo. Tradução de João Ferreira de Almeida:
Barueri: So- ciedade Bíblica do Brasil, 2001.
STOTT, John R. W . Crer é também Pensar: A importância da mente
cristã. Trad. Milton Azevedo Andrade. Sexta impressão: São Paulo, ABU
Editora,1994.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação. Cartas pedagógicas e outras.
5ª. Reimpressão. São Paulo. Editora UNESP; 2000

82
Volume VI

MEMÓRIA, LITERATURA E EDUCAÇÃO:


CAROLINA MARIA DE JESUS E BERNARDINA SALÚSTIO

Luciane Silva27
Eu gosto da noite só para contemplar as estrelas cintilantes,
ler e escrever. Durante a noite há mais silêncio.
Carolina Maria de Jesus

Esta é, sem dúvida, a lembrança de um tempo


sem nome e sem história [...] e asfixiam
de tanto encanto, ou geralmente,
de tanta impiedade.
Dina Salústio

RESUMO
O artigo procura refletir sobre a questão da importância da memória,
como elemento fundamental na construção da identidade do estudante
negro, abordando a Literatura e apontando a Educação como
constitutivo e determinante nesse processo. Apresentando as narrativas:
Quarto de despejo de Carolina Maria de Jesus e A Louca de Serrano de
Dina Salústio como exemplo da memória como estratégia para novas
subjetividades, novas vivências.
Palavras-chave: Memória, Literatura, Brasil, Cabo-Verde.

ABSTRACT
The article seeks to reflect on the importance of memory as a
fundamental element in the construction of the identity of the black
student, approaching Literature and pointing to Education as a
constitutive and determining factor in this process. Introducing the
narratives: Carolina Maria de Jesus' eviction room and Dina Salustio's
Madness of Serrano as an example of memory as a strategy for new
subjectivities, new experiences.
Keywords: Memory, Literature, Brazil, Cape Verde.

Mestre em Letras, subárea Literatura Portuguesa e Africana em Língua Portuguesa.


27

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, Professora do Estado do Rio de Janeiro e da


prefeitura de Barra Mansa. e-mail: lucianessga_75@hotmail.com

83
Vozes da Educação

Quando optei por licenciatura em Letras (português/


literaturas), o objetivo era descobrir escritores negros, para além da
tríade: – Cruz e Souza, Machado de Assis e Lima Barreto que reverencio
imensamente, e especialmente, escritoras negras, para apresentá-los aos
jovens e especificamente aos jovens negros, com o intuito de valorização
da autoestima do negro e de ampliar suas perspectivas no âmbito
profissional.
Ao término da graduação, foram-me apresentadas, como
opções de monografia a obra da escritora Carolina Maria de Jesus, Quarto
de Despejo: diário de uma favelada e a da escritora Bernardina Salústio, A
Louca de Serrano.
Ambas as escritoras me seduziram por apresentarem traços de
ruptura nos cânones de: gênero, literário e étnico em seus respectivos
países, Brasil e Cabo-Verde. Pelas possibilidades que os textos
caroliniano e salustiano puderam engendrar nas realidades histórico-
social e política nos dois países. Como as personagens se abrigam em
suas memórias e as utilizam como estratégia para criação de novas
vivências, novas subjetividades. E, finalmente, pela palavra combativa,
através do discurso das suas personagens, rasurando a historicidade da
escrita, sobre a personagem feminina e a escrita de autoria feminina.
Carolina, segundo Levi e Meihy, escreve num momento em
que:
Particularmente no caso das mulheres, estava definido um papel de
subserviência em que restava à condição feminina pobre, no
máximo o direito de trabalhar servindo aos brancos como
cozinheiras, babás, faxineiras. (LEVINE, MEIHY, 1994, p.32).
Dina, segundo Almada:
Com o romance A Louca de Serrano, primeiro de autoria feminina
em Cabo Verde, a ficcionista conquista a promoção de importantes
rupturas na atual ficção islenha, marcando assim, de forma assaz
singular, a literatura cabo-verdiana contemporânea. (ALMADA, In:
Jornal A Semana, 2007)
Imbuída pelas possibilidades que a tessitura produzida por estas
escritoras poderia contribuir já no exercício prático da minha profissão,
prossegui simultaneamente no estudo e na pesquisa, detendo maior
aprofundamento e relevância às referidas obras, tendo a dissertação
como concretude dessa caminhada.
Ao longo desse processo de tornar meu ofício melhor e mais
profícuo fui/fomos agraciados com a lei 10.639, sancionada em 2003

84
Volume VI

pelo Presidente da República então, Luiz Inácio Lula da Silva – que altera
a LDB (Lei de Diretrizes e Bases, 1996) e institui a obrigatoriedade no
ensino fundamental e médio, público e particular, do ensino de História
e Cultura Africana e Afro-Brasileira.
Conforme André Brandão:
A Lei n. 10.639/03 possui assim um gigantesco valor na medida em
que questiona mitos e ideologias e aponta para a necessidade de
construção de perspectivas não hierarquizantes de relação entre as
diferenças inscritas no tecido social. Sabemos da importância da
Escola para a produção e reprodução da imaginação nacional ou da
nação como uma “comunidade imaginada” (2007, p.36)
O conhecimento da Lei foi de suma importância para embasar
e fortalecer a minha trajetória, no sentido de trazer para a sala de aula a
escritura negra e suas peculiaridades. No embate cotidiano de
ensinar/aprender e aprender/ensinar a Literatura serve como
metodologia reflexiva para desmonte de estereótipos, preconceitos e
valorização de especificações da cultura negra. Todo o arcabouço da
Escola, dos livros didáticos a fala escrita e oral, tudo é permeado pela
negação ou desvalorização do que advém da cultura negra.
Nesse contexto, as meninas, alunas e mulheres negras abarcam
duplamente essa desvalorização e essa negação. Por sofrerem com o
patriarcalismo e a distorção da sua ancestralidade, sua memória.
Se a memória individual que a criança negra tem de si mesma é
negativa, por tudo que sofre no dia a dia escolar, se a memória da sua
comunidade é distorcida, como nas aulas de história, a História do povo
negro começa a ser contada a partir da escravidão, se a memória que a
Tradição apresenta da sua ancestralidade é inferior em detrimento de
outra cultura, como reverenciar a própria história?
O processo educativo é o caminho para a construção de
imagens positivas de si mesmo, da sua comunidade e reelaboração de
uma Tradição imposta. A Literatura perpassa pela palavra e por ela que
Carolina Maria de Jesus, no Brasil e Bernardina Salústio em Cabo-Verde,
constroem imagens de personagens femininas frágeis, mas fortes na sua
essência de resistência.

85
Vozes da Educação

Escritoras negras na Literatura brasileira: vozes silenciadas

Não tenho força física, mas as minhas palavras


ferem mais do que espada.
Carolina Maria dze Jesus

A presença do negro na literatura brasileira foi tão


marginalizada e silenciada quanto o foi no processo de formação da
sociedade. O projeto de nação não contemplou em nenhum aspecto a
população negra brasileira, portanto não é ilegítimo ponderar que esse
projeto foi pensado e realizado pela e para a população branca
dominante e dirigente, cujo único objetivo era expurgar da dinâmica
social, política e econômica a causa do atraso. Nesse sentido, expurgar a
“cor negra” da conjuntura brasileira. (BASTOS; MERISSI; ALENCAR,
2010, p.4)
Ao longo do processo literário brasileiro, o personagem negro
foi caracterizado por diversos estereótipos reduplicadores. Sob uma
visão preconceituosa, algumas vezes explícitas outras veladas.
Nesse contexto, a representação da mulher negra na literatura
brasileira, desde as obras de Gregório de Matos, século XVII e autores
subsequentes, foi atrelada a estereótipos negativos, no que concerne a
sua etnia e a equidade ao poder masculino. De acordo com Campos:
Em contrapartida, estereótipos literários como os da donzela
casadoura branca, da mulata sensual e fogosa, da negra abnegada,
submissa, máquina de trabalhar, corresponderam respectivamente à
procriação, à questão patrimonial, familiar e sucessória e à
exploração da mão de obra numa sociedade patriarcal, sexista e
racista e na qual a literatura frequentemente reforçou os lugares
sociais assinalados ao gênero feminino e às chamadas raças.
(CAMPOS, 2007, p. 2).
E aliado a essa discriminação sobre o personagem feminino,
ainda se constata na tradição literária brasileira a ausência significativa de
escritoras negras, ressaltando-se o silenciamento de suas obras tendo
como consequência a invisibilidade de sua escritura.
Segundo (PROENÇA, 2007, p. 159-177) podem-se perceber na
trajetória do discurso literário nacional, dois posicionamentos: a
condição negra como objeto, numa visão distanciada, e o negro como
sujeito, numa atitude compromissada. Tem-se, desse modo, literatura
sobre o negro de um lado e literatura do negro de outro.

86
Volume VI

Conforme (MOOT, 1989, p. 1-16), Maria Firmina dos Reis,


nascida em São Luís em 1825 é considerada pelos estudiosos a primeira
mulher negra escritora no Brasil. Dedicou-se ao magistério aos 22 anos,
foi a primeira professora primária concursada no Maranhão, uma das
poucas atividades trabalhistas “designadas” às mulheres de sua época.
Paralelamente às atividades como professora, Maria Firmina teve
participação constante na imprensa local, publicando diversas poesias,
crônicas e contos.
Em 1859, publicou o romance Úrsula, considerado o primeiro
romance brasileiro de autoria feminina e primeiro romance abolicionista
brasileiro. Sob a perspectiva interna e comprometida politicamente em
recuperar e narrar à condição do ser negro no Brasil. Conforme Charles
Martin:
Úrsula não se limita a repintar os negros de alma branca — como
fazem muitos livros de sua época. Mostra como os escravos
buscavam a estima de seus donos e tinham seus próprios padrões de
comparação, os quais derivavam do passado africano.
(...)
Raramente os livros do século XIX trataram da mulher senão como
procriadoras ou amantes. É bastante surpreendente que Maria
Firmina descreva a relação entre marido e mulher como “despótica”
e “tirânica”. (MARTIN, 1988, prefácio).
Maria Firmina, de acordo com Luiza Lobo, escreveu também o
primeiro diário de mulher de que se tem notícia (embora publicado
apenas em 1975, pelo historiador José Nascimento Moraes Filho,
integrando o importante Maria Firmina, fragmentos de uma vida). Neste
livro, Moraes Filho inclui suas composições enquanto folclorista, autora
de charadas e compositora. (LOBO, artigo online).
Em 1880, a escritora funda a primeira escola mista e gratuita do
Estado. No entanto, por misturar meninos e meninas foi considerada um
escândalo, fechada dois anos e meio depois. Adotou cerca de dez
crianças, morreu pobre, cega e esquecida, aos 92 anos, na cidade de
Guimarães, longe da capital.
Teve o privilégio em vida de presenciar a abolição da
escravatura e a proclamação da República, porém, não pode presenciar o
devido reconhecimento da sua obra, revelada ao público apenas na
década de 70.

87
Vozes da Educação

Outra escritora silenciada e esquecida foi Auta de Souza,


nascida em 12 de setembro 1876, no Rio Grande do Norte, na pequena
cidade de Macaíba.
Criada no seio de uma cultura patriarcal e católica bastante arraigada
às tradições e sendo a única mulher no meio de quatro irmãos
homens, para se firmar enquanto escritora, Auta teve de superar
barreiras de gênero e raça em uma época preconceituosa e sexista,
sobretudo para com as mulheres que se dedicavam à escrita
(FARIAS, 2013, p.1).
Estudou em um colégio religioso do Recife destinado ao ensino
de meninas, o que caracteriza que sua formação legitimava a sociedade
patriarcal em que os valores eram imbuídos na preparação das meninas
para serem freiras ou esposas.
Em sua grande maioria, as mulheres oitocentistas brasileiras
eram analfabetas, inclusive as abastadas, sendo tão somente relegadas ao
espaço doméstico e resguardadas pelos pais, irmãos, maridos ou
senhores. (TELLES, 2004, p.401-442).
Em colégio católico, Auta rapidamente aprendeu francês,
literatura, inglês, música e desenho. Em razão do diagnóstico de
tuberculose, aos 14 anos, ela teve que deixar o colégio, mas continuou
sua formação intelectual sozinha, tornando-se autodidata. Ainda sim,
começou a escrever e a declamar, hábito muito comum nas reuniões
sociais da época.
Aos 17 anos iniciou sua produção poética e com 18 estreou na
imprensa publicando poesias em uma revista denominada Oásis, de
circulação restrita, pois era veículo do grêmio literário Le Monde
Marche.
No século XVIII, surgem os primeiros grêmios literários na
Bahia e no Rio de Janeiro. Segundo Gonçalves, no Rio Grande do
Norte:
[...] funcionando como espaços que aglutinavam os intelectuais
potiguares reunidos com a finalidade de produzir literatura.
(GONÇALVES, 2014, p.61).
Os Grêmios ou associações literárias foram excelentes
divulgadores de novos escritores e difusores da Literatura Brasileira.
Dois anos depois, Auta passaria a colaborar no jornal A
República, periódico com maior visibilidade que o primeiro, não só
porque era o mais lido, mas por estabelecer diálogo com a imprensa de
outras regiões. Assim, mesmo vivendo fora do circuito de maior

88
Volume VI

efervescência intelectual, Auta passaria a ser conhecida e ter seus poemas


divulgados no jornal O País, do Rio de Janeiro.
A partir de 1897, Auta passaria a publicar seus versos
assiduamente em A Tribuna, de Natal, um jornal de prestígio, com
participação de vários escritores famosos do Nordeste.
Entre 1899 e 1900, Auta passou a usar os pseudônimos de Ida
Salúcio e Hilário das Neves para assinar seus poemas. Vários deles foram
musicados por compositores regionais e transmitidos oralmente, desde o
final do século XIX.
Além de ser mulher, o fato de Auta querer se integrar aos círculos
intelectuais também era algo complicado naqueles idos, as mulheres
que circulavam pelo espaço público eram mal vistas e criticadas.
Somado a isso, ter a pele escura e descender de africanos era outra
subalternidade a ser derrubada por ela. [...] era grande a carga de
preconceitos sofridos pelas escritoras negras oitocentistas,
sobretudo para aquelas que faziam questão de se dizerem
abertamente que eram negras para termos uma idéia do quanto a
militância e o afimar-se era complicado. (FARIAS, 2013, p.13).
Seu grande e único livro publicado foi Horto, em 1900, que
mereceu prefácio do mais consagrado poeta brasileiro da época, Olavo
Bilac. Em seu texto, Bilac escreve: [...]. Não há nas estrofes do Horto o
labor pertinaz de uma artista, transformando as suas idéias, as suas
torturas, as suas esperanças, os desenganos em pequeninas jóias, [...].
(BILAC, apud. SOUZA, 2009, p. 29).
O texto de Bilac tanto exalta quanto expõe com reservas a obra
de Auta.
Em 1910, O Horto ganha uma segunda edição, em Paris; em
1936, uma terceira, no Rio de Janeiro; uma quarta edição em 1970, pela
Fundação José Augusto, de Natal (RN); e, por fim, uma quinta edição de
2000, em comemoração aos cem anos da obra, agora pela Editora Auta
de Souza (Cf. GOMES, fonte eletrônica: 11). Além disso, em 1961, Luís
da Câmara Cascudo publica a biografia da autora no Vida breve de Auta
de Souza (1876 – 1901), o que passa a conferir-lhe uma maior
visibilidade.
Apesar disso Auta não pode ver sua escrita reconhecida, faleceu
pouco depois da publicação de seu livro, acometida pela tuberculose, em
7 de fevereiro de 1901, com 24 anos.
Podemos ainda citar Ruth Guimarães, Antonieta de Barros,
entre outras... A literatura do negro começa a ter representatividade a

89
Vozes da Educação

partir da década de 70, momento de efervescência dos movimentos de


autoafirmação da etnia, quando o negro ultrapassa os estereótipos e
promove sua assunção como sujeito do seu discurso e sua ação em
defesa da identidade cultural.
No entanto, em 1960, Carolina Maria de Jesus, negra, pobre,
semianalfabeta e catadora de papel tem seu diário íntimo publicado
“Quarto de Despejo: Diário de uma favelada”, obra também silenciada e
colocada à margem na literatura brasileira.

Escritoras crioulas na Literatura Cabo-verdiana: vozes silenciadas

[...] onde tudo seria novo e nada ou ninguém


lhe falaria do passado e do futuro.
Isto sim, era a liberdade.
Dina Salústio

A formação da sociedade cabo-verdiana, diferentemente da que


se concebeu no Brasil, foi pautada originariamente em dois estatutos: o
negro africano e o branco português. Os meandros do processo de
constituição étnica da nação resultaram no mestiço.
Em termos antropológicos, Cabo Verde distinguiu-se das
outras colônias portuguesas porque ali o mestiço e a mestiça, retratados
na figura do mulato e da mulata, não sofreram as injunções raciais
presentes em países como Brasil e Angola, por exemplo. O mulato e a
mulata são, no contexto histórico e antropológico da formação
identitária cabo-verdiana, o mais profundo e estável referente humano
do país, ainda que, por questões de distribuição do elemento português
(e europeu) e do elemento negro nas ilhas, haja aspectos antropológicos
identitários distintos quando se considera cada ilha separadamente.
Conforme Mariano:
Parece-me ter havido em Cabo Verde um certo desvio naquilo que o
português realizou nas áfricas. [...] No Brasil, por exemplo, nota-se
que ao branco coube sempre a função de líder, de mestre na
evolução da sociedade brasileira. Em Angola, Moçambique, Guiné
ou S. Tomé e Príncipe, coube ao português o poder de comandar o
fluir e o refluir dos acontecimentos locais. Em Cabo Verde o
problema parece-me de certo modo diverso, pois aí o mulato
adquiriu desde cedo grande liberdade de movimentos e teria sido
ele, o mulato, quem realizou em Cabo Verde o papel que o
português reinol desempenhou no Brasil. Isto é: ter-se-ia transferido
para o mulato a condição de mestre, de líder na estruturação da

90
Volume VI

sociedade caboverdeana. /.../ Teria sido este quem se encarregou de


receber e recriar elementos da civilização europeia. E teria sido o
funcho, e não o sobrado, o laboratório exacto onde se processou a
síntese de culturas, e a apropriação pelo negro e pelo mulato de
elementos e expressões civilizacionais portugueses. A cultura fez-se
de baixo para cima. Não se fez da Casa Grande para a senzala como
sugere G. Freyre. (MARIANO, 1991, p.53).
Nesse contexto, a literatura cabo-verdiana não trabalha com o
conceito de racismo, a categoria que rege a cultura crioula (cabo-
verdiana) é a crioulidade.
Sobre a cultura cabo-verdiana, Gomes:
A minha visão é a dos historiadores e estudiosos da cultura cabo-
verdiana: a mestiçagem gerada, no início da povoação da ilha de
Santiago, pela posição de Cabo Verde como entreposto de
mercadorias (inclusive escravos), o que facultava o trânsito de
pessoas pelo arquipélago, e a importância dos portos cabo-verdianos
(como o Porto Grande, de São Vicente nas rotas de navegação para
abastecimento de navios a carvão, por exemplo) criou um mundo
mulato, como diz Gabriel Mariano, de ascensão vertical do mestiço
na sociedade, à diferença das outras sociedades coloniais de língua
portuguesa espalhadas na África. Assim, a burguesia mulata forjou a
cultura que hoje conhecemos expressa na música, na literatura, nas
tradições sincréticas.28
E a literatura está imbricada no processo histórico cabo-
verdiano, como país e como nação. A literatura serviu como base de
afirmação, instrumento de combate e realização da cabo-verdianidade,
em diferentes momentos da sua história.
O primeiro romance de temática cabo-verdiana, O Escravo,
publicado em Portugal, em 1856, do português radicado em Cabo-Verde,
José Evaristo de Almeida,
testemunha, em estilo romântico-realista, as atribulações de um
amor camiliano (a escravatura do amor) condenado pelas barreiras
de raça e classe e, ao mesmo tempo, a formação de uma sociedade
com identidade crioula, prestes a se desembaraçar do sistema
escravocrata (a escravatura de condição) e dos seus ranços
racialistas. (GOMES, 2008, p.1).
Retrata a vida social cabo-verdiana dos meados do século XIX,
tem por protagonista João, um escravo negro que se apaixona por sua
senhora, Maria, uma mestiça livre.
O fio condutor urdido por Almeida tece uma narrativa:
[...] não somente pelo cenário político, cultural, geográfico e racial
em que se insere (a colonização, a língua crioula, os costumes, a

Entrevista concedida ao jornal Portal Galego da Língua, em dezembro de 2009.


28

91
Vozes da Educação

flora, a toponímia, o confronto de raças e a mestiçagem), mas


também pelos costumes tradicionais afro-negros [...]. (GOMES,
2008, p.2)
E apesar de Evaristo retratar a cultura cabo-verdiana na sua
essência, construiu personagens femininos negros e mestiços nos moldes
do movimento romântico, com características europeias e reforçando
estereótipos negativos.
O Romantismo cultivava o nacionalismo, que se manifestava na
exaltação da natureza pátria, na criação do herói, na idealização do amor
e da mulher.
A personagem Maria, é descrita na obra:
Maria, dotada de compreensão fácil – de uma penetração de causar
inveja aos mais talentosos – possuía – além dos lisonjeiros dotes
físicos – um coração de têmpera sumamente delicada. Dera-lhe a
natureza uma daquelas almas, fortes na dor, sensíveis na compaixão,
modestas na alegria [...] A ingenuidade da sua alma levava-a a
acreditar nas flores uma sensibilidade igual à sua. (ALMEIDA, 1989,
p. 34).
Alguns pensadores racistas do século XIX (Franz Joseph Gall,
Paul Broca, Gobineau) postularam que a mistura de raças faria qualquer
nação perder suas características essenciais e seu caráter harmonioso e
essa desarmonia daria origem a todos os males sociais, tais como os
abusos do álcool, do fumo, a irritabilidade excessiva, etc.
Segundo o conde Joseph Arthur de Gobineau, no seu ensaio
sobre as desigualdades das raças humanas, publicado em quatro volumes
entre 1853 e 1855:
Todas as civilizações resultam das conquistas arianas sobre os povos
mais fracos; começaram todas a declinar quando o sangue ariano
diluiu-se por cruzamentos. Os brancos ultrapassam todos os outros
em beleza física. Os povos que não têm o sangue dos brancos
aproximam-se da beleza, mas não a atingem. De todas as misturas
raciais, as piores, do ponto de vista da beleza, são as formadas pelo
casamento de brancos e negros. (MUNANGA, 1999, p. 43).
Já a personagem Luiza, uma escrava, que amava João e sofria
por perceber que ele amava Maria é descrita dessa forma:
[...] e ela_ amarrando o pano de maneira a deixar esculpidas as
formas do corpo _ levando as mãos umas vezes à cintura, outras ao
ar, onde faz ouvir os trincos dos seus dedos _ olhando
alternadamente o céu e a terra – ela se inclina, se dobra, se eleva, se
torce, se volta, se arqueia, tudo com agitação febril – com
transportes frenéticos – com furor vertiginoso _ com movimentos
tantos, tão rápidos e lúbricos; que julgareis nela a lascívia
personificada! (D`ALMEIDA, 1989, p. 78).

92
Volume VI

A sociedade colonial, a partir de sua estrutura, relegou ao negro


e a tudo proveniente dele, incluindo o mestiço à condição de
subalternidade e inferioridade.
De acordo com Munanga:
[...] a mestiçagem não pode ser concebida apenas como um
fenômeno estritamente biológico, isto é, um fluxo de genes entre
populações originalmente diferentes. Seu conteúdo é de fato afetado
pelas ideias que se fazem dos indivíduos que compõem essas
populações e pelos comportamentos supostamente adotados por
eles em função dessas ideias. A noção da mestiçagem, está saturada
de ideologia. (MUNANGA, 1999, p.18).
As imagens estereotipadas tanto dos negros quanto dos
mestiços surgiram como resultado de todo um argumento que serviu de
alicerce para a continuidade de um sistema onde um lado se
encontravam colonizadores e de outros colonizados. O colonizador
branco acabou por produzir uma leitura eurocêntrica aos valores e
representação de mundo do negro e do mestiço.
Nos diversos romances do século XIX que tratam da
escravidão no período colonial, observa-se que, grosso modo, ora ela
servirá de pano de fundo, ora será o centro da diegese na forma de
denúncia. Algumas das obras idealizaram as personagens escravas, negras
e mulatas, porém, atribuindo-lhes traços de uma dama da corte ou de um
membro da burguesia, totalmente revestidos de europeidade.
(CASTRILLON, 2011, p. 26).
No caso de O escravo, essa possível leitura se justifica pelo fato
de José Evaristo pretender na tessitura da sua narrativa exaltar os valores
da cabo-verdianidade e alçar os mestiços a um patamar de igualdade ao
branco europeu e colonizador. Elaborando dessa forma, uma
personagem mestiça com características burguesas e europeias, Maria.
Um protagonista, herói, negro e escravo que ao final da narrativa morre
sem conseguir viver o romance com sua senhora e amada, João. Uma
escrava, Luiza, que também morre ao final da narrativa.
A representação da mulher negra ou mestiça nas instâncias
fundadoras e na tradição literária cabo-verdiana foi impregnada de
estereótipos e descaracterizações no que concerne a sua etnia e equidade
ao poder masculino.
A personagem feminina foi descrita conforme Gomes focando:

93
Vozes da Educação

[...] predominantemente temas como a restrição das mulheres ao lar,


ao espaço privado e à maternidade, a santidade feminina versus a
sensualidade, a prostituição, o aprisionamento na beleza e eterna
juventude das Vênus e seu distanciamento do real cotidiano.
(GOMES, 2012, p. 1).
Além dessa descrição da personagem feminina, restringindo o
seu papel ao espaço privado em detrimento do espaço público, é possível
constatar a ausência de escritoras mestiças na tradição literária de Cabo-
Verde e a obliteração de suas obras, assim como no Brasil.
Segundo Ferreira, a literatura colonial foi dando lugar a uma
literatura de sentimento regional e avançando para uma
representatividade nacional e dando lugar a uma literatura africana.
Caracterizada pelos pressupostos de intervenção, na certeza de que à
literatura pode ser atribuída uma particular participação social.
Em Cabo Verde, o marco dessa tomada de consciência foi à
revista Claridade (Publicada entre 1936 e 1960), divisor de águas na
literatura cabo-verdiana, representou a independência intelectual e
cultural da colônia em detrimento da metrópole.
Para Gomes a revista Claridade é a primeira manifestação
intelectual da elite crioula, traçando uma divisória entre a poética
tributária do modelo português e o mergulho nas raízes locais, passando
pela leitura do modernismo brasileiro. (GOMES, 2006, p.165).
Entretanto, as mulheres foram excluídas dos nove números da
revista. E das revistas que se seguiram Certeza, Suplemento Cultural,
Seló, Raízes, Fragmentos, entre outras; somente duas escritoras foram
mencionadas, Orlanda Amarilis e Vera Duarte.
Em 1991, ocorre a publicação da obra Mirabilis de Veias ao Sol,
organizada por José Hopffer Almada, a primeira antologia poética pós-
independência. Que para Secco preconizava:
Notamos que, diante do desencanto advindo do enfraquecimento e
despolitização das utopias revolucionárias, os poetas passaram a
construir novas imagens e metáforas voltadas para o interior do
humano, numa procura de politização dos sentimentos. O
compromisso, dessa maneira, deixa de ser um pacto tramado com
instâncias exteriores aos homens e passa a penetrar na interioridade
destes. Transforma-se, assim, em uma “política dos afetos”, espaço
intervalar entre indivíduos capazes de criar uma cidadania ativa, uma
vez que a liberdade não mais se apresenta como algo messiânico
vindo de fora, mas como um processo tecido entre múltiplas e
diversas subjetividades (SECCO, Algumas tendências da poesia
cabo-verdiana hoje, online).

94
Volume VI

Nesse contexto do sujeito cabo-verdiano voltar-se para si e


pensar em novas subjetividades, desponta Bernardina de Oliveira
Salústio. Poeta e ficcionista, primeira romancista cabo-verdiana, lançando
em 1998, A Louca de Serrano. Uma das poucas vozes femininas em um
cânone literário composto majoritariamente por vozes masculinas
(CAPUTO, 2008, p.202).

O que é a memória?

Mas os rumores eram em voz muito baixa


e os ditos tornaram-se de tal modo débeis
que possíveis pedaços importantes do fio
que cosiam a história acabaram
por desfazer-se na mente [...]
Dina Salústio

À primeira vista, a memória parece uma coisa inerte, presa ao


passado — a lembrança de algo que aconteceu e ficou parado no tempo.
Mas um olhar mais cuidadoso revela que a memória é dinâmica e conecta
as três dimensões temporais: ao ser evocada no presente, remete ao
passado, mas sempre tendo em vista o futuro (Assmann29).
Acrescenta-se ainda, a esse aspecto dinâmico da memória, a
distinção entre dois tipos de memória: a comunicativa, relacionada à
transmissão difusa de lembranças no cotidiano, através da oralidade; e a
memória cultural, referente a lembranças objetivadas e
institucionalizadas, que podem ser armazenadas, repassadas e
reincorporadas ao longo das gerações.
Compreende a memória cultural heranças simbólicas
materializadas em textos, ritos, monumentos, celebrações, objetos,
escrituras sagradas e outros suportes mnemônicos que funcionam como
gatilhos para acionar significados associados ao que passou. Além disso,
remonta ao tempo mítico das origens, cristaliza experiências coletivas do
passado e pode perdurar por milênios. (ASSMANN).
Carolina, a narradora – personagem de Quarto de Despejo, um dos
objetos desse estudo, utiliza-se da memória, que, materializada em texto
– um diário, para criar um entre – lugar e subsistir num interstício.

http://www.iea.usp.br/noticias/memoria-cultural
29

95
Vozes da Educação

A escrita do diário faz com que a escritora se coloque numa


posição de sujeito que observa, analisa e interpreta, a partir de um lugar
entre o espaço físico que a escritura se dá e a materialidade do texto.
A partir dessa perspectiva e desse lugar de sujeito observador e
crítico, Carolina registra o seu cotidiano, instaura uma nova realidade, um
entre - lugar. Dialoga com o passado e entrevê um futuro de
possibilidades melhores. Segundo Moisés (2002): “Porque, se você
percebe que o mundo está desordenado, ou você denuncia, ou a
desordem continua”.
E é também pelo viés memorialístico que Salústio tece A Louca
de Serrano, narrativa que possui como fio condutor a memória. A
escritora nos apresenta personagens que permeiam suas trajetórias entre
o esquecer e o lembrar. Essa articulação na tessitura do texto concede à
narrativa, assim como o diário a caracterização de uma herança
simbólica.
Salústio elabora Filipa, protagonista cuja memória transita entre
as lembranças da infância na aldeia de Serrano e o presente como adulta,
na cidade. Espaços onde a narrativa se desdobra.
Apesar da sua vivência tumultuada onde o futuro lhe parecia sempre
ameaçado por não ter nunca certezas no campo em que se movia
[...] cansada, reconhecia que durante toda a sua vida teve mais medo
do que pudesse chegar do passado do que do futuro e lembrou-se
de Serrano... (SALÚSTIO, p.198).
Filipa apresentava esse temor por não conhecer sua família de
origem, foi abandonada pela mãe que sofreu uma amnésia após um
acidente, acabava por ter como referência afetiva o padrasto Jerônimo.
“Fipa” como ele a chama, permanece na aldeia em sua companhia
escondida da família materna até completar sete anos.
A mãe é submetida a tratamento médico e sequer recorda que
tivera uma filha e a avó, que a conduz à capital, não a reconhece como
neta (por ser filha de mãe solteira e de pai pobre e negro falecido).
Filipa perpassa pela narrativa em busca das suas origens, da sua
identidade, com o auxílio da psicanálise tenta lembrar, recuperar partes
da sua infância. Está prestes a completar 33 anos e sente-se incompleta e
infeliz por não conseguir saber quem é.
Para resolver essa questão, Filipa reúne toda a sua família no
réveillon de 1995, quando sua mãe recupera a memória e lembra-se que

96
Volume VI

teve uma filha. Esse reencontro com a sua família, sua mãe, num ano que
se inicia, concede à protagonista a possibilidade de uma nova vivência. A
recuperação da memória referente a suas origens, a sua infância,
preenche uma lacuna na trajetória de vida da personagem.
A mãe de Filipa, Genoveva San Martin era fotógrafa até sofrer
um acidente já grávida. Quando é encontrada por Jerônimo que sem
saber o seu nome batiza-a de Fernanda (considerada louca estrangeira
pelos serranenses).
Fernanda não tinha a noção de estar acordada ou a dormir, pois
tanto fechava os olhos e desaparecia num sono confuso, como os
abria para não reconhecer nada, boca aberta, numa interrogação,
completamente alheia aos acontecimentos à sua volta. (SALÚSTIO,
p. 71).
Outra personagem que possui um laço com a memória é a
parteira, que possui a memória sobrenatural das parteiras. As sucessivas
parteiras de Serrano eram mulheres escolhidas pelo destino,
desempenhavam múltiplas funções, de grande importância para o bem
físico e psicológico dos homens e das mulheres de Serrano. Eram elas as
responsáveis pelo nascimento de todas as crianças do vale, pela iniciação
sexual dos jovens, pela cura de qualquer doença.
Toda a gente sabia que as parteiras eram bruxas e, naquele
momento, no meio do choro, olhando para os vômitos viu o seu
destino e soube que as mulheres bruxas eram mais felizes do que
as mulheres não bruxas de Serrano. Ou menos infelizes. Entrou
na Casa da Luz, juntou o cabelo num carrapito e, altiva, começou
a dar ordens. Contava trinta e três anos [...] esqueceu o nome pelo
qual era conhecida, perdeu a memória antiga e ficou sem idade.
A outra protagonista, a Louca, possui a memória de Serrano,
por viver lá há duzentos anos, conhece toda a história de Serrano e dos
aldeões.
Apesar da opinião dos serraneses, a jovem louca era a única
personagem que tinha o discernimento de explicar os fatos mais
estranhos que aconteciam na aldeia, ela tinha o poder de prever o futuro,
de saber todos os segredos e medos dos serraneses. Só ela sabia
interpretar os fenômenos que ocorriam na montanha e não mostrava ter
medo da maldição que recaía sobre a aldeia e os seus habitantes.
Uma desconhecida que nunca tentou entrar na igreja, o que levava
os fiéis mais atentos a definir-lhe possíveis laços com o demônio,
continuava a argumentar, em palavras desarticuladas, que os pobres
eram a porcaria que os ricos utilizavam para se tornarem mais ricos,
para pecarem, para desobedecerem aos princípios de igualdade [...]

97
Vozes da Educação

Escarnecia e insultava igualmente os pobres por preferirem andar de


mãos e corpos estendidos a negociar esmolas, a reinventar meios
para ficarem independentes da hipócrita caridade dos outros.
(SALÚSTIO, p. 39)
A escrita testemunhal de Carolina do seu dia a dia na favela do
Canindé e as personagens que Dina nos apresenta pelo fio condutor da
memória, refazem uma historicidade de um sujeito que possui uma
identidade multifacetada. Como salienta Bhabha:
O afastamento das singularidades de “classe” ou “gênero” como
categorias conceituais e organizacionais básicas resultou em uma
consciência das posições do sujeito – de raça, gênero, geração, local
institucional, localidade geopolítica, orientação sexual – que habitam
qualquer pretensão à identidade no mundo moderno. O que
teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de
passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de
focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na
articulação de diferenças culturais. Esses “entre - lugares” fornecem
terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou
coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos
inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria
idéia de sociedade.
É na emergência dos interstícios – a sobreposição de domínios da
diferença – que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação
[nationness], o interesse comunitário ou o valor cultural são
negociados. De que modo se forma sujeitos nos “entre - lugares”, os
excedentes da soma das “partes” da diferença (geralmente expressas
como raça/classe/gênero, etc.)? (BHABHA, 1998, p.19-20).
Coadunando com Bhabha, de que modo se forma
subjetividades nos entre - lugares a partir da memória?
Carolina, autora/personagem, promove, através da escrita de si
que acaba por revelar a voz de outros, uma nova forma de existir, um
deslocamento ao passado, quando possui intrinsecamente a memória
ancestral dos seus antepassados, uma reelaboração do presente, porque
faz análise do que acontece consigo mesma e ao seu redor e uma
escritura do devir, já que a memória cultural atua “preservando a herança
simbólica institucionalizada à qual os indivíduos recorrem para construir
suas próprias identidades [...]” (ASMANN)
Filipa se desloca principalmente pela memória, ela recorda o
passado, quando lembra a sua infância em Serrano com algumas lacunas
nas lembranças e atualiza o presente reunindo a família e preenchendo os
espaços em que as lembranças não eram nítidas reconstruindo assim a
sua história, inaugurando uma nova vivência.

98
Volume VI

O mesmo acontece com a parteira que na sua iniciação recebe a


memória de todas as parteiras e concebe uma nova trajetória de vida.
Com Genoveva que ao receber sua memória de volta, lembra que teve
uma filha, Filipa e recebe uma nova possibilidade de vivência. Também a
Louca, que através da memória conhecia cada espaço de Serrano e cada
vivente daquela aldeia e por essa característica, trazia à tona inúmeras
verdades e segredos que alterava o pensamento e interferia na vida dos
demais.
Tanto Carolina quanto Dina empreendem em suas narrativas
personagens/sujeitos que se abrigam em suas memórias como estratégia
para criação de novas subjetividades.
Apesar de ambas as autoras possuírem ancestralidade africana e
suas escrituras demarcarem essa especificidade notadamente, há o que é
próprio de cada cultura como a língua, o desenvolvimento sócio-
econômico, hábitos e modos de se expressar.
E dentro desse contexto, tanto Brasil quanto Cabo Verde
delinearam em sua trajetória literária, uma representação da mulher
negra/mestiça como personagem, imersa em diversos estereótipos,
colocando-a em condição de subalternidade, inferioridade e objeto, apto,
pronto a ser manipulado. À personagem negra feminina foi destinado o
papel de personagem secundária, sempre agenciada pelo olhar do outro,
o branco, o homem.
Aliado a essa perspectiva estereotipada, impressa na
personagem feminina negra/mestiça, ainda se constata a ausência de
escritoras negras, negligenciadas, silenciadas e tendo suas obras
obliteradas da tradição literária dos seus respectivos países.
O cânone literário brasileiro e cabo-verdiano não inseriu a
escrita feminina negra /mestiça, como aporte no processo de construção
e formação da sociedade e da nação brasileira e cabo-verdiana.
Isso constitui estranhamento na medida em que a Literatura
exerceu papel importante no processo de construção da identidade
nacional desses países, como elemento de cultura, resistência e também
de distorções – no aspecto de privilegiar a exposição de um determinado
grupo ou classe em detrimento de outro.
Segundo Leyla Perrone-Moisés, a palavra “cânone” vem do
grego “kánon”, através do latim “canon”, e significava “regra” ou “vara

99
Vozes da Educação

de medir”, e foi utilizada primeiramente no âmbito religioso no que se


referia ao padrão de conduta moralmente “correta” assumida pelos
primeiros cristãos (PERRONE, 1998, p. 61). No século IV d.C., aparece
um emprego diferente para o vocábulo, mais afim à aplicação posterior
na literatura, a qual coloca a palavra “cânone” como um conjunto de
textos percebidos como autênticos e inspirados por Deus, segundo o
julgamento dos líderes religiosos. A partir da eleição desses textos,
montou-se a Bíblia nos moldes conhecidos até hoje, tendo como base o
que se chamaria de cânone bíblico ou de textos canônicos. E ainda
conforme (MOREIRA, 2011, p. 17):
Com base na essência de suas origens, a palavra “cânone” passou a
significar o conjunto de elementos elitizados ou mesmo uma lista de
merecedores de destaque e, consequentemente, apartados do
“comum” por meio de qualidades que o conferissem distinção.
Intrínseco na definição, percebe-se a legitimação de elementos
canonizados mediante a exclusão de agentes considerados inferiores,
rejeitados ou não aptos. Assim, o processo de definição e
legitimação do cânone implica a existência de relações de poder,
visto que quem faz as escolhas tem autoridade para isso e
logicamente atende aos seus interesses ou aos do grupo que
representa.
Apesar desse contexto de exclusão e silenciamento do cânone
literário brasileiro e cabo-verdiano da escrita feminina, muitas vozes
femininas e negras/mestiças ecoaram seus sons, suas falas, seus cantos,
seus encantamentos, ao longo do processo de formação da identidade
nacional dos seus países e suas tradições literárias.
Tanto Carolina quanto Dina são vozes que provocaram
rupturas nos cânones de gênero, literário e étnico. Dina foi à primeira
mulher a escrever uma narrativa longa, ou seja, um romance em Cabo
Verde. Como salienta Gomes:
Com o romance A Louca de Serrano, o primeiro de autoria feminina
em Cabo Verde, a ficcionista conquista a promoção de importantes
rupturas na atual ficção islenha, marcando assim de forma assaz
singular, a literatura cabo-verdiana contemporânea. (GOMES, 2000,
p. 113)
E Carolina publica seu diário em um período em que os escritos
femininos eram muito restritos. Como salienta Salgueiro:
[...] Carolina, catadora de papel usado, parecia desafiar naquele
momento, no mero gesto de escrever um livro – e ainda mais de
sucesso – todas as normas vigentes instituídas pelos aparelhos de
controle cultural. E abria caminho para tantos escritos femininos
negros.

100
Volume VI

Carolina desafia o cânone literário quando escreve uma


linguagem fraturada com infrações da gramática, da ortografia e da
sintaxe, subvertendo o código dominante. E Dina subverte o cânone
literário quando elabora personagens femininas protagonistas, sujeitos da
sua própria história. Uma negra e outra mestiça, ambas inaugurando uma
era de escritos femininos negros/mestiços brasileiros e cabo-verdianos.
A tessitura Caroliniana e Salustiana produzem textos que
engendram modificações na realidade histórico-social e política brasileira
e cabo-verdiana.
Nas sociedades patriarcais destes países, ao longo da sua
História, a escrita de autoria feminina, assim como a participação da
mulher na esfera pública, foi restrita ao papel de ser coadjuvante da sua
própria história.
A escrita advinda destas autoras rasurou a História,
apresentando personagens femininas que extrapolaram o espaço privado,
sendo protagonistas da suas próprias histórias. Essa escrita também
valorizou o cotidiano das mulheres e a partir dessa perspectiva concedeu
importância aos fazeres comuns que constituem parte da construção do
seu dia a dia e que também constroem uma nação.
Quarto de Despejo: Diário de uma favelada e A Louca de Serrano são
narrativas, conforme REIS e LOPES (1994) em que a personagem é o
eixo em torno do qual gira a ação e em função do qual se organiza a
economia do relato. Carolina, Filipa e a Louca são personagens que
através da memória constroem o fio condutor das narrativas.
A personagem Carolina é a forma de sobreviver da autora
Carolina, escrever para ela, era resistir. “Fico pensando o que será Quarto
de Despejo? Umas coisas que eu escrevia há tanto tempo para desafogar as
misérias que me enlaçavam igual ao cipó quando enlaça as árvores,
unindo todas”. (JESUS, 1997, p. 171).
O registro das memórias do seu cotidiano tornou-se uma
forma de organizar o caos ao seu redor, os encontros e desencontros e
também os sentimentos. Narrar-se era definir-se, ainda que suas
memórias fossem entremeadas com outras vozes, era de si que escrevia.
Dos encontros e desencontros com os outros moradores, da sua
perspectiva dos acontecimentos.

101
Vozes da Educação

A personagem psicanalisada Filipa, duplo da Louca, prestes a


completar 33 anos entra em crise por não se sentir uma mulher plena,
feliz. A infelicidade se devia ao fato de suas memórias serem
entrecortadas, possuía lacunas sobre a sua trajetória de vida, não
conseguia se lembrar da sua infância. Sente-se plena e livre, quando
consegue reunir toda a sua família num réveillon de 1994 e lembrar-se de
toda a sua história. “Serrano chegava ate à sala, trazida pelas pessoas,
suas lembranças e seus gestos.” (SALUSTIO, 2001, p. 210).
A Louca, como as mulheres cabo-verdianas é detentora da
memória de toda a aldeia e de todos que a habitam. E, quando completa
trinta e três anos, morre e renasce no mesmo corpo e assim ciclicamente.
“Por breves instantes lembrou-se da Louca de Serrano que morria aos
trinta e três anos para voltar a nascer, em sítio e data incertos [...]”
Quarto de Despejo e A Louca de Serrano se desdobram em dois
espaços físicos:
Favela/cidade e Aldeia/cidade. Um espaço se contrapondo ao outro
e nestes espaços se desenrolam os dramas das personagens pelo viés
memorialístico, promovem também, o insulamento das
personagens, Carolina na favela, a Louca na aldeia e Filipa na cidade.
A favela do Canindé, uma ilha para Carolina, a deixava isolada
da cidade e cercada por um ambiente inóspito e desconfortável. Não era
possível uma fácil comunicação com os habitantes da favela, porque
Carolina era “diferente” para eles, parte do cotidiano dela era escrever e
ameaçá-los de virarem personagens no diário que um dia se tornaria
livro. E os habitantes da cidade a tratavam com desprezo por ser
moradora de favela e catadora de lixo.
A Louca, que não possuía patologia de loucura, assim
denominada por ser “diferente”, possuir estranhos poderes e saberes
misteriosos sobre tudo o que se passava em Serrano e com os seus
habitantes, vivia insulada na aldeia. Tanto os serranenses quanto os
moradores da cidade tinham por ela medo, repúdio e certo respeito.
Filipa, insulada na cidade, mesmo rodeada de pessoas sentia-se
só. Os sete primeiros anos de sua vida foram na aldeia de Serrano,
marcados pela doença, pela mudez e pelo repúdio dos aldeões. Mais
tarde quando foi viver na cidade, foi rejeitada pela família – que não a
aceitava por ser filha de negro e pobre, viveu com diferentes famílias

102
Volume VI

adotivas, já que sua mãe perdera a memória e não se lembrava de ter tido
uma filha.
Tanto Carolina, quanto Filipa e a Louca transitam por estes
espaços como estrangeiras, Carolina sozinha com os filhos, vinda de
Sacramento, interior de Minas Gerais, Filipa não pertencia nem à cidade
e nem à aldeia e a Louca vinda de não se sabia onde, filha ninguém sabia
de quem.
Muito há ainda, que se pesquisar, analisar e aprofundar nas
respectivas obras, Quarto de Despejo: Diário de uma favelada e A Louca de
Serrano, estudá-las é rever a identidade do povo brasileiro e cabo-
verdiano. A identidade nacional de um povo constrói-se com homens e
mulheres e sendo países antigas colônias, com brancos, negros e
mestiços escrevendo sua nação.
Compreendeu-se então, que as personagens são sujeitos em
trânsito, em deslocamento externo, espacial e interno afetivo, em
autoconstrução numa trajetória entremeada de encontros e
desencontros. E nesses embates, esses sujeitos elaboraram novas
possibilidades de vivências e a memória serviu para ancorar novas
perspectivas de inventar e experimentar a percepção do mundo e como
agir nele.
Carolina e Dina promovem o que segundo Brito (1996, p. 132):
[...] a desmistificação de uma história que aos poucos vai cedendo
lugar a outra e a desconstrução de uma memória que foi forjada
programada e continua veiculada pela voz da História oficial.

103
Vozes da Educação

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105
Vozes da Educação

A ESCOLA DA INCLUSÃO E A ESCOLA DA SUPERAÇÃO


APRENDENDO A APRENDER: UMA BREVE CONSTATAÇÃO DE
QUE, NA INCLUSÃO, É A PRÁTICA QUE GERA A TEORIA

Manuel Vázquez Gil30

RESUMO
A educação inclusiva é um assunto relativamente recente na sociedade
brasileira, embora já estivesse expressamente sedimentada na
Constituição Federal de 1988, nos artigos 205 a 208. Até por tratar de
temas delicados e que mexem com o imaginário das pessoas em relação
às diferentes deficiências e como lidar com esse segmento, que mantém a
idéia básica de que a pessoa com deficiência é alguém com “defeitos”
que devem ser consertados, a maioria das pessoas não sabe o que
significa o termo ‘inclusão’, levando-as a acreditar que pessoas com
deficiência têm que superar os limites que a deficiência lhes impõe.

Palavras–chave: Inclusão, Superação, Cooperação.

ABSTRACT
The inclusive education is a relatively new subject in Brazilian society,
although it was expressly settled in the Federal Constitution of 1988,
articles 205 to 208. Even to treat sensitive issues and mess with images
of people in connection with various disabilities and how to deal with
this thread, that maintains the basic idea that the disabled person is a
person with "defects" that should be repaired, more people do not you
know what the term 'inclusion', it leads them to believe that people with
disabilities overcome the limits required by the deficiency.

Keywords: Inclusion, Overcoming, Cooperation

30Psicólogo e psicanalista clínico, com doutorado em Psicanálise, ênfase em Psicologia


Analítica. Escritor, coordena os projetos Aprendendo a Aprender o O Dom do Autismo.

106
Volume VI

A Declaração de Salamanca, elaborada sob patrocínio da


Unesco na cidade espanhola de Salamanca é de 1994, e incentiva os
países membros da ONU a matricular todas as crianças e adolescentes na
escola regular, independentemente de sua condição social, racial, sexual
ou deficiência. Ainda que tenha sido aprovada por todos os países
participantes da reunião, e por importantes Organizações Não
Governamentais, a Declaração dependia de aprovação de leis nos
Legislativos e de regulamentações pelos órgãos do Executivo.
Talvez em função das dificuldades que legisladores encontram
nesse campo, talvez em função da resistência natural de famílias e escolas
auto denominadas especiais, a universalização do ensino para crianças
com deficiência não decolou no nosso país.
Mas não estava, especialmente porque a Convenção não se
popularizou, ou não foi popularizada o suficiente para esclarecer os
principais envolvidos no processo, que são a escola e as famílias das
pessoas com deficiência. Por simples ignorância do que reza a lei, a
maioria dessas pessoas não superou o modelo médico assistencialista, e
persegue seus princípios a ferro e a fogo. Em função disso, a Convenção
e as leis que a sucederam, em especial a Lei 12.764/2012, popularmente
conhecida como Lei do Autista, e a Lei 13.146/2015, também conhecida
como Lei Brasileira de Inclusão, mais acirraram disputas e esquentaram
ânimos do que propriamente trouxeram luz à inclusão.
Ocorre, primeiro, que há um vício de origem não identificado
nessa contenda: enquanto, como cidadão, basta ao familiar do estudante
com deficiência não descumprir a lei, o gestor escolar tem não só que
cumprir, mas fazer cumprir, agir para que seja obedecida e colocada em
atividade. Numa analogia simples, para compreensão imediata, um
cidadão comum que assiste a um assalto pode ficar quieto vendo o
ladrão fugir com o produto do roubo; um agente policial que assiste ao
mesmo assalto não pode, tem que intervir para evitar o roubo.
Não é do conhecimento de todo familiar, e muitas vezes
encontramos esse desconhecimento até em agentes do judiciário, que leis
são aprovadas no Legislativo, mas têm que ser regulamentadas pelo
Executivo. As duas leis acima citadas, por exemplo, são claras, porém
sucintas, com relação ao procedimento da matrícula e dos cuidados que a
escola deve prover ao estudante com deficiência, porém são as

107
Vozes da Educação

regulamentações dos Ministérios envolvidos no processo que regulam o


funcionamento de escolas, postos de saúde ou de assistência social
durante a inclusão.
O Ministério de Educação e Cultura, por exemplo, elabora e
emite Notas Técnicas regulamentando essa área das deficiências, e todo
gestor escolar tem que, obrigatoriamente, seguir suas recomendações,
sob pena de processos administrativos ou até exoneração.
Voltando alguns parágrafos acima: ao cidadão comum, pai do
estudante com deficiência, basta conhecer as leis da inclusão e exigir que
sejam cumpridas. O gestor escolar precisa, além delas, conhecer também
as Notas Técnicas e fazer cumpri-las. Assim, embora não estejam
exatamente conflitantes, a leitura simples da legislação não esclarece
exatamente para que e como funcionam certos detalhes.
Exemplificando, para esclarecimento: a lei 12.764/2012, no
Parágrafo Ùnico do Artigo 2º, afirma que “em casos de comprovada
necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de
ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2o, terá direito a acompanhante
especializado .Ao afirmar que é em “casos de comprovada necessidade”, a
lei não exemplifica quais exatamente seriam esses casos bem particulares
e específicos.
Contendas intermináveis ocorrem em torno desse ponto, com
efeito importante e determinante das ações de inclusão na escola. Tais
discussões só ocorrem, no entanto, porque essas pessoas não têm acesso,
por algum motivo difícil de explicar, à regulamentação da lei, feita pelo
MEC através da Nota Técnica 24/2013. Observemos o que diz essa
regulamentação, pertinente ao assunto:
No art.3º, parágrafo único, a referida leiassegura aos estudantes com
transtorno do espectro autista, o direito à acompanhante, desde que
comprovada sua necessidade. Esse serviço deve ser compreendido a
luz do conceito de adaptação razoável que, de acordo como art.2º da
CDPD (ONU/2006), são:
[...] as modificações e os ajustes necessários e adequados que não
acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em
cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam
gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
O serviço do profissional de apoio, como uma medida a ser adotada
pelos sistemas de ensino no contexto educacional deve ser
disponibilizado sempre que identificada a necessidade individual do

108
Volume VI

estudante, visando à acessibilidade às comunicações e à atenção aos


cuidados pessoais de alimentação, higiene e locomoção. Dentre os
aspectos a serem observados na oferta desse serviço educacional,
destaca-se que esse apoio:
•Destina-se aos estudantes que não realizam as atividades de
alimentação, higiene, comunicação ou locomoção com autonomia e
independência, possibilitando seu desenvolvimento pessoal e social;
•Justifica-se quando a necessidade específica do estudante não for
atendida no contexto geral dos cuidados disponibilizados aos demais
estudantes;
•Não é substitutivo à escolarização ou ao atendimento educacional
especializado, mas articula-se às atividades da aula comum, da sala
de recursos multifuncionais e demais atividades escolares;
•Deve ser periodicamente avaliado pela escola, juntamente com a
família, quanto a sua efetividade e necessidade de continuidade.
Podemos compreender, a partir da leitura da Nota Técnica, que
os casos de comprovada necessidade atendem às necessidades da
funcionalidade, e não se referem à deficiência. Até porque a pessoa
não deve ser discriminada em função da deficiência. Daí que, à luz da
Convenção, como explica a Nota Técnica, pessoas que não são
autônomas em higiene, locomoção, alimentação e comunicação devem
contar com um auxiliar até que atinjam essa autonomia. Tal auxiliar, no
entanto, não pode exercer as funções de professor.
Quem esclarece esse ponto é a Lei Brasileira de Inclusão, no art.
3º , parágrafo XIII:
profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de
alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e
atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária,
em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas
e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados
com profissões legalmente estabelecidas.
Vemos, então, que o gestor escolar deve cumprir e fazer
cumprir tais normas legais, compreendidas pela Convenção, as leis
ordinárias e as regulamentações ministeriais. Ou seja: ele só pode
contratar o auxiliar em função da falta de autonomia num dos quatro
itens anteriormente citados, e estará sujeito a sanções se o fizer fora
desses parâmetros. Mais: o gestor não pode permitir que o auxiliar exerça
funções específicas do professor, como diz a LBI: excluídas as técnicas e
procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas,
entre as quais, sem dúvida, encontra-se a profissão de professor.
Superado o exemplo, e compreendido o abismo que se interpõe
entre escola e família no processo de inclusão, podemos passar às

109
Vozes da Educação

tentativas de solução. Que, a meu ver, estão ao alcance das mãos de


todos os envolvidos, bastando para isso ler e interpretar a legislação
atual, que deveria, aliás, começar e terminar na Constituição Federal de
1988: no seu artigo 205, ela diz que a escola é um direito de todos e um
dever do Estado e da família, com apoio da sociedade. Ora, se é um
direito de todos, isso bastaria para que nenhuma criança tivesse a
matrícula negada em função da deficiência.
Mas já que precisamos de mais documentos legais, lancemos
mão da mais importante de todas, a mãe de todas as leis de inclusão: a
Convenção. Veja como ela descreve as pessoas com deficiência:
pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo
prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas.
Precisamos ler devagar e cuidadosamente, e interpretar com
justeza: pessoa com deficiência não é uma pessoa que tem um
impedimento de longo prazo, ou uma deficiência. Pessoa com
deficiência é uma pessoa que tem esse impedimento que, em interação
com barreiras, pode obstruir sua plena participação em igualdade de
condições. Tais barreiras podem ser físicas e podem ser atitudinais.
Se considerarmos que a deficiência é um impedimento de longo
prazo, a maioria delas de caráter permanente, e que, portanto, não pode
ser removida do sujeito, podemos concluir que, para que haja uma
inclusão efetiva, precisamos – e só podemos – trabalhar na remoção das
barreiras que o impedem de participar plenamente com as demais
pessoas. Ou seja: adaptações razoáveis que liberem a acessibilidade da
pessoa com deficiência a todos os lugares aonde todos vão.
Podemos, e devemos, criar acessibilidade com rampas,
banheiros adaptados e elevadores para pessoas com deficiência física e
dificuldades de locomoção; guias, informações em Braille e sinais
sonoros para deficientes visuais; oferecimento de Libras para surdos. E
podemos – e devemos – trabalhar os preconceitos estruturais que
impedem a livre participação de deficientes intelectuais. Com quem
trabalhar esses preconceitos? Óbvio: com a comunidade que convive
com a pessoa com deficiência!

110
Volume VI

Ou seja: a escola inclusiva é a que remove barreiras, sejam


físicas, sejam de atitudes, para que o estudante com deficiência possa
atingir sua autonomia e acessibilidade. Isso está claro na Convenção, na
LBI, na lei 12764/12 e nas Notas Técnicas do Ministério de Educação e
Cultura. Só não está claro na cabeça de muitos familiares e gestores
escolares porque, infelizmente, ou não leem, ou não interpretam as leis.
E seria importantíssimo que as lessem, em especial as Notas Técnicas
referentes à educação inclusiva, porque elas são verdadeiros manuais de
inclusão.
E por que persiste esse panorama? Porque a sociedade ainda
opera em função do modelo médico da inclusão, aquele que afirma que
primeiro é preciso “consertar” a pessoa para que depois ela possa
participar da sociedade. Para o modelo médico, a deficiência é um
defeito que precisa ser reparado; para a Convenção, a pessoa com
deficiência é um cidadão de plenos direitos, que deve estar na escola e na
sociedade, independentemente da gravidade de sua deficiência.
Precisamos, para ontem, evoluir do modelo médico para o
modelo dos direitos humanos, ou a inclusão simplesmente fracassará.
Até porque a escola é uma instituição que só pode operar no modelo dos
direitos humanos, já que é, se uma síntese pudesse ser feita, o local onde
se preparam crianças e adolescentes para o exercício pleno da cidadania.
Porque a escola que aceita trabalhar no modelo médico, o de
fortalecer o sujeito em lugar de remover as barreiras, é uma escola de
superação. Nesse modelo, a “culpa” da deficiência é do sujeito, e é ele que
deve superar as barreiras que surgem diante dele. Ainda que essa
superação tenha o auxílio de outras pessoas, não resta dúvida que é o
resultado do esforço da pessoa com deficiência. E mesmo que venha a
superá-las, o que raramente ocorre, o problema persiste para o próximo
estudante que chegar, porque todos os obstáculos permaneceram lá.
Ao contrário, a escola que trabalha no modelo dos direitos
humanos não exige a superação do sujeito, mas privilegia e incentiva a
ajuda de todos os demais estudantes e seus familiares na remoção das
barreiras, em especial as atitudinais. Essa escola, que eu chamo de escola
de inclusão, encontrará ao longo do tempo cada vez menos dificuldades no
processo inclusivo, porque a cultura da remoção de obstáculos persiste e,
em duas ou três gerações de alunos, torna-se natural.

111
Vozes da Educação

Costumo dizer que a nossa geração tem dificuldades no


processo de inclusão de pessoas com deficiência porque não tivemos a
felicidade de estudar com essas pessoas, num tempo em que a escola era
eminentemente excludente. Hoje, com a universalização do ensino, cada
vez mais crianças com deficiência chegam às escolas, e cada vez mais
crianças e adolescentes crescem em comunhão, construindo uma cultura
inclusiva. Nossos filhos e netos serão professores melhores que nós.
Tivemos até hoje duas gerações que podem ser chamadas de
inclusivas: a primeira, alicerçada na Constituição, assistiu as primeiras
crianças com deficiência chegando à escola regular; a segunda,
alavancada principalmente pela professora Maria Teresa Mantoan, da
Unicamp, defendeu e divulga a ideia de que, além das pessoas com
deficiência, todas as minorias (negros, mulheres, homossexuais,
quilombolas, índios) têm direito à inclusão. Advogamos aqui o início da
terceira geração, buscando a compreensão de que toda criança que chega
à escola têm direito à inclusão, não importam cor de pele, deficiência,
estrato social, crenças ou identidades sexuais: o direito à escola e à
inclusão é do menino negro e pobre e do menino branco e rico,
igualmente.
Como fazer isso? Simplesmente trabalhando o grupo todo, toda
a escola (e não podemos esquecer que escola é a união de professores,
funcionários, estudantes e familiares, e que a família é parte do corpo
docente) no processo de remoção de barreiras atitudinais. Ao apresentar
o colega com deficiência e ao colocar a responsabilidade de sua inclusão
e crescimento nas mãos do grupo, todos participam do processo
inclusivo e todos se incluem naturalmente.
Inclusão, afinal, é um processo que vem de dentro para fora,
ninguém inclui ninguém, a pessoa se inclui quando encontra um
ambiente favorável, acessível e acolhedor.
Vivencio esse processo diuturnamente, e é muito agradável lidar
com o modelo dos direitos humanos na inclusão escolar. Ganham todos,
mesmo que inicialmente seja difícil explicar e convencer os atores, em
especial os familiares. Mas, felizmente, assisto culturas sendo
sedimentadas nas escolas: muitas vezes volto um ou dois anos depois
àquela escola que aderiu à filosofia da remoção de barreiras como o

112
Volume VI

substrato intransferível para que o processo de inclusão se concretize, e


observo como tudo ficou no DNA da instituição.
Um projeto é como um filho: você sabe que fez um bom
trabalho com seu filho quando ele cresce e desaparece, e só se lembra de
ligar pra você de vez em quando; sabe que o trabalho não foi tão bom
assim quando ele já fez trinta anos e você ainda frita o ovo e lava a cueca
dele. Pais têm que ter o objetivo de se tornarem dispensáveis. O mesmo
com um projeto: você sabe que fez um bom trabalho quando volta à
escola, anos depois, e tudo está funcionando como você deixou, às vezes
até melhor.
Precisamos, para anteontem, aprender a aprender.
Aprender a Aprender é o projeto criado por nós e descrito no
livro O Dom do Autismo, de minha autoria, editado pela Quicelê, de
Contagem, MG. Nele descrevemos técnicas e ferramentas para a
execução do que chamei de terceira geração da inclusão escolar: uma
escola para todos.
Executada em escolas públicas e privadas de Contagem, MG,
São Vicente, SP e Praia Grande, SP, o projeto mapeia todos os
estudantes de uma escola e detecta alunos com deficiência (com laudo ou
ainda sem), com transtornos do aprendizado (dislexia, disgrafia,
disortografia, disgrafia) e com dificuldades de aprendizagem.
Concluída essa etapa, ajudamos o professor a adequar o
ambiente da sala de aula para melhorar a socialização e o aprendizado;
auxiliamos a adequação de avaliações e trabalhos; capacitamos toda a
equipe escolar, do porteiro ao diretor, para o acolhimento das crianças;
convocamos familiares, individual e coletivamente, para orientá-los com
relação à legislação e à responsabilidade da remoção de obstáculos;
orientamos os alunos para que possam auxiliar e compreender aqueles
que, entre eles, são mais vulneráveis.
Escola é uma palavra originária do grego Skholé, que significa
“tempo de lazer”. Quando o professor compreende que seus alunos vão
à escola com a intenção principal de ver os colegas, contar novidades,
trocar experiências, brincar, jogar, então ele pode favorecer essa
interação para que uns aprendam com os outros, numa troca de saberes
onde ele, o professor, pode também se incluir.

113
Vozes da Educação

Aprendizado é um processo horizontal, e crianças sempre


aprendem melhor com crianças do que com adultos. Ideias, concepção
de mundo, interesses, alcance cognitivo, tudo isso faz que crianças
busquem outras crianças para ensinar e aprender. Facilitar o processo é a
função mais nobre do professor.
Ao facilitar e incentivar essa troca entre pessoas de mesma
idade, o professor estará construindo a tão esperada inclusão: uma
interação espontânea e natural entre crianças, com a mínima interferência
de adultos. A formação de vínculos sem qualquer esforço ou máscaras,
oriundas da natureza simples da infância. A aquisição, sem grandes
problemas, da capacidade de resolver conflitos para não perder a
amizade do outro.
Características infantis que são perdidas ou dificultadas quando
precisam lidar com o mundo dos adultos e suas regras incompreensíveis.
Inclusão, vale sempre lembrar, é um processo (e não um acontecimento
ou uma ação) que verte de dentro para fora, e parece que essa noção
deveria ser compreendida por todos, afinal nós também nos incluímos
em ambientes agradáveis e favoráveis, e evitamos ambientes hostis e
inadequados.
A Psicologia Social muitas vezes se socorre dos estudos e
pesquisas de biólogos com insetos sociais, como formigas, abelhas ou
cupins. Isso se deve às dificuldades de estudos longitudinais com grupos
de seres humanos, voláteis por natureza. Algumas conclusões dessas
pesquisas podem ser usadas no auxílio da convivência entre
componentes de um grupo humano ou entre grupos diversos.
Uma experiência interessante, no estudo de formigueiros,
encontrou uma porcentagem de formigas desinteressadas, que apenas
observavam enquanto as demais trabalhavam, exercendo suas funções
específicas. Os pesquisadores marcaram essas “preguiçosas” e, em
tempo, retiraram todas do formigueiro. Surpresos, descobriram que,
tempos depois, algumas formigas que antes trabalhavam decidiram
cruzar os “braços.
A experiência foi repetida inúmeras vezes, e sempre havia a
conversão de algumas formigas trabalhadoras em indolentes. Estava
claro que esse ritual tinha alguma utilidade para a manutenção da
harmonia do formigueiro.

114
Volume VI

Observações apuradas mostram que, num grupo de pessoas que


convivem durante um tempo, há uma divisão quase invariável: 60% dos
componentes do grupo apresentam um desempenho dentro da média
desse grupo; 20% demonstram desempenho superior à média; 20% têm
desempenho inferior à média.
No processo de inclusão, usamos esses dois parâmetros para
constituir o que chamamos de pares perfeitos: dois alunos
complementares, tanto na personalidade, quando no desempenho
escolar. Constatado o fenômeno de que crianças aprendem melhor com
outras crianças, e que crianças, mesmo as que não demonstram apreciar
os estudos, adoram ser professores, favorecemos a troca de saberes e
competências incentivando esses pares.
Dessa maneira, um aluno que tem dificuldades na leitura, mas
facilidade com os números é convidado a se sentar ao lado do colega
que, ao contrário, encontra dificuldades na matemática, mas lê com
fluência. Da mesma forma, o aluno hiperativo, com dificuldades para se
manter sentado durante algum tempo, é incentivado a ajudar o colega
calado, que se isola socialmente e não tem habilidades para fazer
amizades.
Os pesquisadores que observaram o fenômeno no formigueiro,
descrito alguns parágrafos atrás, entenderam que uma sociedade
harmônica exige que haja pessoas egoístas, que só se satisfazem com o
receber, e pessoas altruístas, que se comprazem em doar. Não seria
harmônica a sociedade onde todos fossem egoístas e, por mais que
pareça estranho, também não haveria harmonia numa sociedade
composta apenas por pessoas altruístas: o prazer de se doar exige que
alguém receba a doação, ou o altruísmo não se concretizará.
Da mesma forma é constituída a sociedade humana, e grupos
reproduzem essa constituição. Uma sala de aula, por exemplo, é uma
amostra viva dessa sociedade, com uma porcentagem de alunos egoístas
e outra porcentagem de altruístas. Embora seja função da escola a
socialização e a inclusão, nem sempre é possível alterar essa constituição
pela via do aprendizado formal.
No entanto, por se tratar de uma idade onde a personalidade
está se formando, e essa formação leva em conta todas as pessoas
percebidas que convivem diuturnamente e durante algum tempo com a

115
Vozes da Educação

criança, haverá mudanças no longo período escolar. Dessa maneira,


egoístas se tornarão menos egoístas ao interagir com altruístas. E
altruístas ganharão pitadas e egoísmo, necessárias à sobrevivência e
competições futuras, típicas do mundo adulto.
Mas, durante sua permanência na escola, os alunos poderão
conviver, se o professor permitir, com alunos de personalidades distintas
e poderão concluir trocas que favorecerão a todos. Da união de todas
aquelas personalidades distintas entre si, e dos conflitos que as diferenças
instituem, surgirá o ambiente da inclusão.
Então, ao sentir que o ambiente é a soma de todas as
personalidades do grupo e, portanto, é seguro e familiar, a criança cresce,
desenvolve-se e se inclui. Ao fim do ano, aquele professor continuará
tendo um grupo 60%-20%-20%, e continuará tendo uma porcentagem
de egoístas e de altruístas, mas todos estarão em patamares superiores.
Nesse ponto, todos os envolvidos, do professor aos alunos, dos
funcionários às famílias, da direção à coordenação, terão aprimorado o
processo de aprender a aprender.
Vale recordar rapidamente os caminhos que a humanidade tem
trilhado para a consecução da desejada inclusão escolar, desde que a
Revolução Francesa decretou que a escola era para todos, e rever, para
comparação, os diversos modelos usados no trato com as pessoas com
deficiência:
1 - O começo dos cuidados com essas pessoas veio no chamado
modelo caritativo, onde as pessoas com deficiência eram
segregadas em instituições e a sociedade contribuía com auxílio
financeiro para mantê-las. Modelo excludente por excelência,
onde as pessoas contribuíam sem jamais conhecer a pessoa
internalizada, desumanizava a pessoa com deficiência e adotava
com autoridade máxima os médicos e profissionais da saúde e
assistência social que administravam a instituição e seus
internos;
2 - Com o crescimento da compreensão das deficiências e o
crescimento tecnológico da medicina, surgiu o modelo médico,
que advogava a participação da pessoa com deficiência, mas
apenas após sua cura. Como as deficiências não são doenças,
portanto não têm cura, na prática pouco mudou na vida

116
Volume VI

cotidiana dessas pessoas, que continuaram segregadas ou em


instituições ou nas residências de familiares. Como se pode
prever, as autoridades seguiram sendo os profissionais da saúde;
3 - A sociedade foi se tornando mais aberta, e as relações foram se
estreitando, já na iminência de uma grande aldeia global. As
pessoas com deficiência foram paulatinamente emancipando-se
e criando redes de comunicação. Surgiu daí o modelo social,
que propugnava o “nada sobre nós sem nós”. Nasceu o
conceito da deficiência social: a deficiência não é do sujeito,
mas da sociedade, do grupo social onde aquela pessoa se insere.
É da sociedade a responsabilidade de remover as barreiras que
impedem a participação plena e em igualdade de condições.
4 - Com o advento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, aprovada em 2006 pela Organização das
Nações Unidas e tornada constitucional no Brasil em 2009, foi
consolidado o modelo dos direitos humanos: toda pessoa, não
importa o nível ou severidade da deficiência, é um ser humano,
com todos os direitos dos demais. Um patamar mais alto em
relação ao modelo social, porque manteve a compreensão das
deficiências, mas concretizou os direitos das pessoas com
deficiência, como partícipes e cidadãos.
Podemos, agora, voltar à escola e à discussão sobre inclusão: se
a escola é uma instituição de direitos humanos, e se todas as pessoas têm
direitos assegurados, já não cabem nela o modelo caritativo ou médico,
não podendo a escola subtrair direitos de nenhum aluno. Ao contrário,
todos, sem qualquer exceção, que estão dentro da escola, possuem a
segurança de tratamento condizente com os pressupostos
constitucionais.
Podemos, também, afirmar que, segundo a Convenção,
deficiência é um impedimento de longo prazo que, em interação com
barreiras físicas ou de atitude, impedem a livre participação em igualdade
de condições.
E, finalmente, fica muito claro: a escola de inclusão é aquela
onde todos os personagens se unem para remover as barreiras e permitir
a livre participação. Que é muito diferente da escola de superação.

117
Vozes da Educação

E voltamos ao princípio: a compreensão do processo de


inclusão é dificultada por dois fatores: 1 – não sabemos o que é inclusão;
2 – não tivemos a ventura de estudar com pessoas com deficiência
quando éramos pequenos. Bem, não podemos voltar no tempo e
precisamos conviver pacificamente agora com essas pessoas
maravilhosas. Já não temos desculpas, agora sabemos o que é inclusão.
Mais: sabemos o que é superação.
Basta-nos a coragem e a vontade de colocar a mão na massa e
ajudar a remover as barreiras, para construir o ambiente acessível e
agradável. A inclusão, a própria pessoa faz, já aprendemos que é um
processo de dentro para fora.

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118
Volume VI

A EXPERIÊNCIA DOS PROFESSORES NO ENSINO MÉDIO:


SIGNIFICADOS DO TRABALHO DOCENTE

Marcella da Silva Estevez Pacheco Guedes31

RESUMO
O presente artigo é fruto de uma pesquisa de Doutorado em Educação
(PUC-Rio) intitulada “Os Sentidos do Trabalho Docente: Atividade, Status e
Experiência de Professores do Ensino Médio em uma Escola Pública do
Estado do Rio de Janeiro” (GUEDES, 2014). Foram entrevistados quinze
professores de uma escola da rede estadual, na zona oeste do Rio de Janeiro.
Os docentes relataram as condições de trabalho, as representações e
expectativas deles em relação aos alunos e o balanço da sua experiência
profissional. Sendo assim, os significados da docência, para esses professores
do Ensino Médio, foram revelados através de suas experiências.

Palavras-chave: trabalho docente, ensino médio, experiência docente.

ABSTRACT
This article is the result of a study by Doctorate in Education (PUC Rio)
entitled "The Senses of Teaching Work: Activity, Status and Experience of
High School Teachers in a Public School in the State of Rio de Janeiro"
(GUEDES, 2014). Fifteen teachers from a state school in the west of Rio de
Janeiro were interviewed. The teachers reported the working conditions, the
representations and expectations of them in relation to the students and the
balance of their professional experience. Thus, the meanings of teaching for
these high school teachers were revealed through their experiences.

Keywords: teaching work, high school, teaching experience

31Doutora em Ciências Humanas - Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de


Janeiro (PUC - Rio). Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É Professora
Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), área de Ensino-Aprendizagem, do
Departamento de Formação de Professores, da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense
(UERJ - FEBF). É professora docente I (Formação de Professores - Ensino Médio), de
disciplinas pedagógicas, na Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC).
Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: formação
de professores, didática e currículo.

119
Vozes da Educação

Introdução

Quando enfatizamos a experiência dos professores do Ensino


Médio estamos, de certa forma, valorizando o trabalho docente que se
expressa nesses anos de magistério. Os professores da nossa pesquisa são
da rede pública estadual do Rio de Janeiro, da zona oeste da cidade. Na
pesquisa de Doutorado (GUEDES, 2014), entrevistamos quinze
professores e através de suas respostas analisamos os sentidos atribuídos
à atividade, ao status e à experiência desses profissionais, à luz do
referencial de Tardif e Lessard (2007). Para o presente artigo, iremos
enfatizar a experiência desses professores. É fundamental que possamos
valorizar a experiência docente como forma de valorização da identidade
profissional, bem como compreender que os conhecimentos adquiridos
ao longo dessa experiência ajudam o professor a desenvolver melhor o
seu trabalho, contribuindo positivamente para um fazer docente que não
está isento de erros ou aspectos negativos, mas pode ser ressignificado a
partir dos saberes que são adquiridos ao longo desse percurso. Tal
perspectiva de análise ressalta problemas e dilemas enfrentados pelos
docentes. No caso específico da nossa pesquisa, enfatizamos três
dimensões: a) as condições do trabalho docente (tensões e medos); b)
representações e expectativas dos professores com relação aos alunos
(quem é o aluno da rede estadual, de forma geral; expectativas dos
professores sobre como estarão os alunos com baixo rendimento escolar
daqui a dez anos; c) balanço que os próprios professores fazem da
experiência como professores (preocupação com a aprendizagem dos
alunos; gosto pela profissão, apesar dos problemas enfrentados).
Existem diversos sentidos de experiência para os professores.
De acordo com Tardif e Lessard (2007), alguns itens são importantes: a)
a experiência se refere à aprendizagem e ao domínio progressivo das
situações de trabalho ao longo da prática cotidiana. É na experiência, no
saber-fazer, nas rotinas de trabalho que se expressam os saberes docentes
necessários para o domínio das situações cotidianas. A vivência e a
personalidade do professor influenciam também esses saberes; b) O
conhecimento de si como pessoa e como profissional está ligado às
dimensões existenciais subjetivas do trabalho interativo. Nessa dimensão
é possível que a identidade do professor seja forjada a partir de algumas

120
Volume VI

situações críticas: choque da realidade, descoberta da capacidade de gerir


uma classe, aprendizagem de reconhecer os próprios limites diante de
alguns alunos desfavorecidos. Para essa dimensão é mais importante o
professor vivenciar os modos de ser e de viver a profissão, conhecendo a
si como pessoa e como profissional; c) A história de vida, as experiências
escolares anteriores, dentre outros fatores, são exemplos de como as
fontes pessoais podem edificar as representações e as práticas pessoais
do professor para com seu ofício; d) Um registro de conhecimentos e
um saber-fazer oriundos do trabalho. Esses são exemplos de
conhecimentos dos professores que se encontram na experiência, o que
torna possível um “conhecimento trabalhado” (working knowledge). A
experiência está a serviço da ação, que marcada pela interatividade, volta-
se não à apropriação cognitiva, mas para a realização de práticas pelo viés
da interação com os alunos; e) A experiência cumpre uma função crítica
que faz com que os professores possam tomar distância em relação aos
programas, às diretivas oficiais, à sua formação universitária, aos
conhecimentos formais. Neste caso, a experiência representa uma certa
contestação das práticas e dos conhecimentos provenientes de outras
fontes, que pretendem substituí-las de alguma forma. Ela pode atuar na
recusa do engajamento em projetos de colaboração com os demais
atores (coordenadores pedagógicos, por exemplo) e pelo interesse
exclusivo pelas turmas, lá onde, justamente, a experiência realmente
conta.
A questão da experiência é central para a análise do trabalho
docente e é por isso que trazemos para a nossa reflexão os relatos dos
professores com relação às suas vivências ao longo da sua carreira, assim
como o que fazem hoje em dia com os saberes docentes acumulados ao
longo dos anos.

Contextualização da pesquisa: A escola e os professores


A pesquisa de campo começou a ser realizada em agosto de
2013, em um colégio estadual na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro.
Realizamos entrevistas semi-estruturadas com quinze professores, com a
finalidade de compreendermos o trabalho que realizam no interior de sua
instituição.

121
Vozes da Educação

A escola foi escolhida devido à sua importância em atender à


demanda de oferta do ensino médio na zona oeste do Rio de Janeiro. A
instituição foi criada em 2002 e funciona em um espaço privado, dentro
de uma escola particular. Além disso, podemos mencionar que, de
acordo com as metas formuladas pelo governo estadual com relação à
GIDE (Gestão Integrada da Escola)32, em 2011 a escola atingiu uma boa
pontuação, o que para a rede significa que a escola está seguindo as
diretrizes exigidas.
A instituição pesquisada fica em uma região de difícil acesso em
termos de condução, já que os ônibus legalizados não passam nos
arredores da escola. A escola possui dois andares e é relativamente
pequena, existem nove salas de aula: quatro salas no térreo e cinco no
segundo andar. Existem também na escola uma sala de professores, um
espaço pequeno no qual ficam a direção e a secretaria da escola, uma sala
que deveria ser uma biblioteca, chamada de sala de leitura, mas que acaba
funcionando como depósito de livros, já que não há estrutura física para
o organização de uma biblioteca (reivindicação de um professor na
entrevista). Nesse mesmo espaço pequeno existem dois computadores,
uma televisão e um aparelho reprodutor de vídeos (dvd). Não existem
refeitório e laboratórios para aulas de biologia, química e física. No
segundo andar existe um laboratório de informática com dez
computadores funcionando. De uma forma geral, a estrutura da escola
atende aos objetivos básicos dos professores, mas o local está longe de
ser uma escola equipada no que se refere à infraestrutura.
Em nossa pesquisa foram entrevistados quinze professores, de
diferentes áreas de conhecimento. A ideia inicial era entrevistarmos ao
menos um professor de cada disciplina pertencente ao currículo do
Ensino Médio da Rede Estadual. Essas disciplinas são: Arte, Biologia,
Educação Física, Filosofia, Física, Geografia, História, Língua

32Os indicadores levados em consideração na GIDE são: a) Resultados (avaliação interna,


avaliação externa, capacidade de auto-sustentação); b) Condições Ambientais – ambiente da
qualidade da escola (estrutura física e serviços, saúde física e mental, convivência); c) ensino-
aprendizagem (meios que influem fortemente nos resultados). No que concerne ao indicador
“ensino-aprendizagem”, temos a dimensão “professor”, cuja avaliação está relacionada aos
seguintes aspectos: 1. Registro das práticas pedagógicas bem-sucedidas na sala de aula; 2.
Execução dos Planos de Curso; 3. Frequência dos Professores; 3. Atratividade das Aulas; 4.
Cumprimento do Currículo Mínimo.

122
Volume VI

Estrangeira, Língua Portuguesa, Matemática, Química e Sociologia.


Conseguimos entrevistar professores de quase todas as áreas. Só não
conseguimos entrevistar professores de Biologia e Filosofia, pois eles
estavam em greve no momento de nossa pesquisa.
A tabela 1 mostra a área de conhecimento do professor ou
professora, informa a faixa etária e o tempo de experiência profissional.
Com relação à faixa etária, oito professores pertencem à faixa etária de
30 a 39 anos. Quatro professores pertencem à faixa etária de 50 a 59
anos e três professores pertencem à faixa etária de 40 a 49 anos. No que
concerne ao tempo de experiência dos professores a média é de 11 anos.
Todos os professores trabalham no turno da tarde, no ensino médio
regular.

Tabela 1 - Perfil dos Professores Entrevistados: Disciplina, Faixa Etária e Tempo de Experiência
Profissional
Tempo de
Experiência
Professor (a) Disciplina Faixa Etária Profissional

Professora Ana Artes De 40 a 49 anos 11 anos

Professora Bruna Educação Física De 30 a 39 anos 6 anos

Professor Carlos Física De 30 a 39 anos 10 anos

Professora Diana História De 30 a 39 anos 11 anos

Professor Eduardo História e Sociologia De 50 a 59 anos 25 anos

Professora Fernanda Língua Portuguesa De 50 a 59 anos 11 anos

Língua Portuguesa e
Professora Gisele Espanhol De 30 a 39 anos 5 anos

Língua Portuguesa e
Professora Helena Espanhol De 50 a 59 anos 16 anos

Língua Portuguesa e
Professora Isabela Francês De 40 a 49 anos 15 anos

Professor Júlio Matemática De 30 a 39 anos 10 anos

Professora Laís Matemática De 30 a 39 anos 11 anos

123
Vozes da Educação

Professor Murilo Matemática De 50 a 59 anos 8 anos

Professor Nicholas Química De 30 a 39 anos 13 anos

Professora Otília Química De 30 a 39 anos 10 anos

Sociologia e
Professora Paula Geografia De 40 a 49 anos 15 anos

Ao longo do artigo iremos perceber de que forma os


professores entrevistados vivenciam a experiência docente a partir das
condições de trabalho, das representações e expectativas dos professores
em relação aos alunos e quanto ao balanço da experiência profissional.

As condições de trabalho dos professores


Um tema que está presente na vida dos professores experientes
é a questão das tensões e dos medos que o trabalho docente pode causar.
Vejamos o que os professores Priscila, Júlio, Carlos, Fernanda, Otília,
Gisele, Ana, Diana e Nicholas disseram quando perguntados sobre
algum tipo de tensão ou medo proveniente do trabalho docente:
Eu acho o excesso de trabalho: de procurar, buscar, buscar... Isso
me dá muito cansaço. Medo não! Mas cansaço, cansaço. (Priscila –
Sociologia)

(...) Em relação à timidez vou te falar que eu sou muito tímido,


assim sou uma pessoa muito tímida e às vezes isso atrapalha um
pouco. (Júlio – Matemática)

(...) Tensão, tensão, tensão é comigo mesmo. É insatisfação...


Insatisfação gera tensão. Eu vivo essa tensão sempre. O magistério
me faz isso. Eu sou, eu vivo isso sempre sabe? Há um tempo atrás
eu disse: vou largar tudo isso, vou abrir uma barraquinha de
cachorro quente ( brincadeira) (...) Então, vou fazer um concurso.
Sei lá! Ah, vou fazer outra coisa da minha vida. Porque é
complicado. Eu vivo essa tensão, entendeu? Magistério não é fácil.
(Carlos – Física)

Medo eu acho que não... Mas assim, tensão a gente sempre fica
porque o professor quer que o aluno aprenda... Você quer às vezes
planejar uma aula, você quer que o aluno tenha vontade de
aprender, e quando você chega, daí você não consegue e você vê
que o aluno não aprende, aquilo acho que vai gerar uma tensão.
Porque às vezes você se esforça, você faz o possível para que o
aluno aprenda e quando você dá uma prova e vê uma nota baixa,

124
Volume VI

você vê que você falhou, o aluno não aprendeu! Gera muita tensão.
(Gisele – Língua Portuguesa)

É esse desafio, que quando você fala em desafio é, na verdade,


quando a gente tem uma questão, que é a falta do interesse dos
alunos (...) às vezes você fala assim: Será que é aqui mesmo que eu
tenho que ficar no magistério? Então entra a questão salarial, entram
dificuldades e mais essa questão do próprio aluno. Pela falta de
interesse que o aluno tem... Às vezes você passa uma atividade, às
vezes o aluno não faz, não traz aquela atividade que você passou. E
aí, isso realmente dá muito desânimo. Muito mesmo. Muito! Dá
vontade de desistir. (Ana – Artes)

Sim! Eu sempre tenho! Justamente porque eu não sei como é que eu


vou encontrar, quem é que eu vou encontrar na minha frente.
Então, até eu sempre tenho. Todo ano, todo início de aula, todo o
início de colégio, colégios novos, eu sempre tenho aquela tensão:
como vou ser recebida? Será que a minha relação vai ser legal com
as pessoas que estão aqui? Será que os alunos vão ser legais? Será
que eu vou conseguir passar a minha ideia, a minha informação?
Será que eles vão receber isso? Então é sempre tensão! Sempre tive!
Eu acho que vou ter sempre! (Otília – Química)

Ah, no início, assim sei lá, nos três, quatro primeiros anos sim... Eu
sentia a cada ano que eu entrava, em cada sala que eu tinha que
entrar, eu achava que eu podia estar sendo avaliada pelos alunos.
Isso me causava um certo desconforto. Mas com o passar do tempo
isso foi acabando. (Diana – História)

(...) sim, muitas das vezes eu ia para casa assim, altamente estressada.
Porque devido às dificuldades que eu passava em sala de aula. Às
vezes, muitas das vezes era a agressividades dos alunos... Era assim,
pela vida até que eles tinham... É, então muitas das vezes eu
somatizei muito esses problemas em minha vida. Chorava, não
conseguia dormir(...) Mas posso dizer que obtive bastante sucesso
na minha carreira profissional. (Fernanda – Língua Portuguesa)

Ah, sim. Tem tensão e tem medo. Porque, é muito mais assim pela
questão de ser, sofrer uma agressão... A gente não sabe com quem
está lidando, de repente é o aluno, às vezes a gente bota um fora de
sala, a gente dá uma bronca no aluno, e ele olha para gente de um
jeito que muitas vezes eu tenho medo de ser agredido. Não pelo
fato, eu não tenho medo em si da agressão. Eu tenho medo da
minha reação... Porque você pegar um aluno, de repente ele te
agredir fisicamente... E às vezes a gente ter o sangue frio para não
regir? Até que ponto que meu sangue é congelado? (Nicholas –
Química)

Quando questionados sobre o que casou tensão ou medo ao


longo da carreira docente, os professores relataram algumas situações.
Priscila afirmou que não sente medo e sim cansaço, alegando que isso a

125
Vozes da Educação

fez ter tensões ao longo de sua experiência. Já Júlio traz à tona a questão
da sua subjetividade: o fato de ser tímido faz com que ele fique tenso.
Para o professor Carlos, a sua insatisfação causa tensão, já que para ele
“magistério não é fácil”. O professor chegou a dizer, ao longo da
entrevista, que já pensou em desistir da profissão, mas disse que ele não
faz isso porque ainda existe amor ao trabalho.
A professora Gisele expressou a sua preocupação na tensão de
não conseguir fazer o aluno aprender. Apesar do esforço para que o
aluno aprenda, às vezes a professora não obtém resultado e isso a
desagrada. Já Ana comentou que a falta de interesse do aluno a faz ter
muito desânimo, a ponto de fazê-la pensar em desistir do magistério.
A professora Otília alegou que sempre fica tensa em início de
ano letivo, pensando como vai ser a sua relação com a turma e demais
profissionais, se o conteúdo será apreendido pelos alunos. Apesar da
experiência, a professora confessou que sempre fica tensa com relação a
essas questões.
Ao contrário de Otília, Diana já viveu tensões nos primeiros
anos da docência e que hoje, com mais experiência, essas preocupações
não existiriam mais. O desconforto estava em entrar em uma nova turma
e ser julgada e avaliada pelos alunos. Com o passar dos alunos, essa
tensão diminuiu e a professora conseguiu lidar melhor com isso.
Os professores Fernanda e Nicholas fizeram alusão à
agressividade dos alunos. Fernanda relatou que de certa forma já
vivenciou isso e que ficava estressada por conta desse problema. Essa
agressividade estava relacionada a questões de comportamento e não
propriamente relacionada a questões de violência física. Já Nicholas tem
preocupação com relação à agressividade, mas de uma outra forma: ele
nunca vivenciou isso, mas se preocupa em vivenciar e tem medo da
forma como possa reagir a essa agressividade.
Percebemos que as tensões e os medos dos professores se
referiram aos seguintes temas: a) cansaço provoca tensão; b) insatisfação
com os problemas do magistério causam tensão; c) não conseguir fazer o
aluno aprender gera tensão; d) falta de interesse do aluno pode causar
tensão; e) início de ano letivo gera tensão por causa da expectativa com
relação ao relacionamento com a turma e ao desempenho de
aprendizado; f) a expectativa com a nova turma só gerou tensão no início

126
Volume VI

da carreira e agora, com mais experiência, essa tensão não existiria mais;
g) comportamento agressivo dos alunos gera tensão; h) a possibilidade
de agressividade dos alunos também causa tensão.
Na maioria dos casos, ainda que todos os professores sejam
experientes, vimos que a tensão permanece até hoje. As preocupações
fazem parte da vida do professor e como cada turma é nova e os alunos
diferentes, é normal que exista um certo receio quando se estreitam os
laços dessa convivência, afinal de contas, é sempre um novo aprendizado
lidar com a turma e suas questões. Os que já não possuem tanta tensão
talvez já desenvolveram “antídotos” para lidar com essas questões ao
longo da carreira.
De acordo com Lelis (2012), alguns desafios são enfrentados
pelos professores contemporaneamente: intensificação e complexificação
da profissão, diversificação das tarefas docentes em decorrência de um
conjunto de transformações sociais, importância da formação de
professores para a efetividade do ensino. As tensões, os medos e os
desafios expressos pelos professores da nossa pesquisa de certa forma
revelam a complexificação e a intensificação do trabalho do professor,
que se sente sobrecarregado para dar conta das muitas exigências da
profissão.
De acordo com Lantheaume (2012), os professores se sentem
hoje coletivamente rebaixados, “menores” do que eram. Devido a uma
dificuldade profissional não superada sentem que perderam a própria
dignidade. Essa dignidade social e simbólica é constituída pelo
sentimento de exercer um ofício que tem valor e é útil à sociedade, pela
consciência de se inscrever em uma história e participar dela, de ser
reconhecido como qualificado e competente, de possuir autonomia e
responsabilidade. Na nova configuração do trabalho do professor,
muitas vezes os recursos necessários e as condições de sua atualização
não correspondem às necessidades.
Os professores entrevistados relataram as tensões, os medos e
os desafios da profissão e com isso a dignidade dos professores parece
ficar comprometida frente a esses muitos desafios da profissão. No
entanto, segundo Lantheaume (2012), embora os professores enfrentem
geralmente essas diversas dificuldades a maioria continua, contudo,

127
Vozes da Educação

sentindo prazer em ensinar. E com certeza tal fato foi observado na


nossa pesquisa. Desta forma:
No estado de desassossego permanente, que se tornou a marca do
ofício de professor, os profissionais encontram soluções para os
problemas a que estão expostos. Soluções no dia a dia visando a
controlar as situações, restaurar uma autoestima maltratada,
compensar uma perda de energia, certo desengajamento e falta de
reconhecimento. Algumas são defensivas, servem para “salvar a
pele”, enquanto outras correspondem a uma tentativa de construção
do sentido do ofício e à renovação do prazer de exercê-lo. Entre as
soluções mais significativas e mais utilizadas, distinguem-se diversas
formas de resistência, a introdução de variações na atividade,
astúcias para trabalhar bem apesar de tudo e reafirmar ou atualizar o
sentido do trabalho, estratégias de “fuga” e um agir coletivo criador,
para trabalhar melhor, suportar as dificuldades do trabalho de
ensino, reconstruir uma dignidade perdida (LANTHEAUME, 2012,
p. 373).
Desta forma, apesar dos problemas e dos desafios enfrentados
pelos professores pesquisados, constatamos que o grupo ainda encontra
motivações para realizar o seu trabalho. Muitos vão além das críticas e
encontram sentido na sala de aula, na qual eles se expressam, possuem
bons relacionamentos com os alunos e dão conta dos planejamentos
feitos para cada turma.
A argumentação de Lantheaume (2012) traz à tona o sentido da
docência, expresso muitas vezes pelo prazer e pelo gosto de ser
professor, ainda que existam problemas a serem enfrentados. Deste
modo, a visão pessimista do trabalho docente é colocada à prova, pois:
a mobilização dos professores contra as dificuldades do ofício se
nutre de sua força e constrói sua grandeza social e simbólica.
Inversamente, a fraqueza do ofício aumenta as dificuldades
profissionais que, consequentemente, são reduzidas ao estatuto de
problemas pessoais e causam diversas somatizações. As soluções
imaginadas no dia a dia tendem a preservar e desenvolver uma
capacidade de agir individual e coletiva, fonte de prazer no trabalho
(LANTHEAUME, 2012, p. 386).
Ficou claro que os professores experientes do nosso estudo
encontram soluções para possíveis obstáculos em seu trabalho e tal fato
contribui para que eles mantenham o prazer de ensinar, apesar de tantos
desgostos e contratempos com relação ao seu trabalho.

Representações e expectativas dos professores em relação aos alunos


No que concerne às representações e expectativas dos
professores em relação aos alunos, analisamos as respostas dos

128
Volume VI

professores quanto a quem é o aluno da rede estadual. Houve também


questionamento quanto às expectativas de futuro para alunos com baixo
rendimento. Quando questionados sobre quem seriam, de forma geral,
os alunos da rede estadual, os professores relataram as seguintes
opiniões:
É um aluno fraco em conteúdo, é um aluno fraco em termos de
cultura, sem interesse, pelas coisas que estão acontecendo, é um
aluno que não tem educação. São poucos os que entram em sua sala
e pedem licença, boa tarde. É um aluno que eu espero estar
enganado, mas não tem futuro profissional. Um futuro profissional
que eu digo é um futuro que todos nós desejaríamos como se fosse
para os nossos filhos. (Nicholas – Química)

É um aluno carente, totalmente carente, principalmente carente.


Tem dificuldade de relacionamento, com certeza é um aluno acho
que talvez por causa da história desse relacionamento problemático,
ele não tem motivação, ele é um aluno desmotivado. Ele vive uma
série de obstáculos. Ele vê ao redor dele: “como é que eu vou
concorrer com aqueles que são mais habilidosos?” Ele acaba se
entregando àquela situação e acaba desmotivado. Esse é o aluno em
geral (Eduardo – História)

De uma forma geral, eles querem só o diploma, sabe? Eles não


querem aprender não! Eles esquecem que eles vão ter que usar o
conhecimento. (...) Eu falo para eles: “O conhecimento é a mudança
de comportamento: quanto mais conhecimento você tem, mais o
seu comportamento muda. Não é só pra ganhar o diploma que você
está na escola, você está na escola para você crescer como pessoa,
ter conhecimento”. (Bruna – Educação Física)

É um aluno que está vindo de uma defasagem muito grande de


ensino no município e ainda a gente tem os resquícios de alunos
daquela época de aprovação automática. É um aluno fraco, é um
aluno que mal sabe ler e escrever. Então, além da gente ter a nossa
disciplina, a gente tem que estar lidando com essa falta de
entendimento. Eles não conseguem fazer uma interpretação de
texto. Muito poucos conseguem, sabe? A gente vê isso claramente.
A gente passa os exercícios, passa os textos. Se você der um tom,
um exercício que tem um texto e o final ele tem que buscar o texto.
Nossa! É uma dificuldade. (Otília – Química)

(...) Então, o jovem que eu recebo hoje, no ensino médio é carente


de tudo. É carente de matemática, é carente de português, é carente
de ciências básicas, é carente de afeto, é carente de carinho,
entendeu? Então é esse o jovem que a gente recebe. É carente de
educação. Não tem limite. E é carente de tudo. Esse jovem que a
rede estadual está absorvendo, um semianalfabeto... Não estou aqui
falando que todos são, mas a sua maioria. E com outras carências a
mais, por razões que a gente não vai resolver... (Carlos – Física)

129
Vozes da Educação

É o aluno que ele não sabe muito o que ele quer da vida dele. É um
aluno que não tem, ele não tem aquele objetivo. Ele está ali e acho
que muitos não sabem nem por que eles estão ali. Alguns até
querem, se esforçam. Estão buscando até fora. Agora tem muitos
que a gente percebe que não sabem o que querem, eles não focam
num objetivo. Eu acho que eles tinham que ser mais focados, ter
mais vontade. (Gisele – Língua Portuguesa)

Quem é o aluno? Setenta por cento deles não têm compromisso


nenhum, vem por vir, não querem saber de nada. (...) Então, é
aquilo que eu falei para você, tem que tentar ser amigo dele, se você
for amigo eles vêm, se você chegar lá, e demonstrar qualquer coisa
que vai prejudicar eles, se eles não fizerem uma coisa e se ele não
souber outra, eles não vão assistir. (Murilo – Matemática)

Não vou dizer que é a grande maioria, mas alguns alunos só querem
pegar o diploma mesmo porque nem todos têm o objetivo de vida e
isso é muito ruim. Hoje mesmo o diretor conversou comigo sobre
isso: só o ensino médio e religião não adiantam muita coisa, mas eu
acho que para a maioria, o objetivo é só terminar o ensino médio e
parar os estudos, então eu acho isso muito ruim. (Júlio –
Matemática)
A grande maioria dos professores possui uma visão muito
negativa com relação ao aluno da rede estadual, com baixo rendimento.
Muitos afirmam que o aluno só está atrás do diploma e que por isso não
tem um compromisso com os estudos. Outros acreditam que existe uma
pequena parcela que se esforça para ir adiante. Otília e Carlos reforçaram
o argumento de que o aluno do ensino médio é o aluno com muita
defasagem de conhecimento, oriundo do ensino fundamental do
Município. Neste caso, para os dois professores fica evidente, nesses e
em outros relatos, o quanto a questão da defasagem incomoda os
professores, oferecendo certos obstáculos à atuação docente.
De uma forma geral, o aluno do ensino médio da rede estadual
é representado e visto pelos professores como aquele aluno que muitas
vezes não tem o compromisso com os estudos, mas precisa frequentar a
escola, de uma certa forma. Tal representação negativa é um dos dilemas
vivenciados pelos professores da rede estadual: eles gostam dos alunos,
mas não podem fazer vista grossa quanto ao baixo desempenho de
aprendizagem ou quanto ao desinteresse pelos estudos.
De acordo com a pesquisa de Lima e Sales (2007), existem três
eixos representacionais que informam de que forma os professores
representam os alunos da escola pública. O primeiro eixo é referente ao

130
Volume VI

aluno. O segundo eixo é referente à escola e o terceiro eixo é referente


aos pares. No primeiro eixo, foi constatado que os professores
representam os alunos como portadores de vários déficits: cognitivo,
cultural, alimentar. Geralmente essas representações são de cunho
negativo e estigmatizam os alunos, em especial os que não aprendem ou
são lentos na aprendizagem.
O segundo eixo se refere à escola e para as autoras esse eixo
representa a escola pública sem qualidade, condescendente, que não
cobra resultados dos professores. A representação é de uma escola
desvalorizada, marcada pela precariedade do ensino que oferece e a
conivência com práticas escolares perniciosas. Essa representação
negativa também afeta as práticas dos professores, que tendem a darem
aulas sem qualidade.
Já o terceiro eixo demonstra que os professores associam seus
pares a profissionais descompromissados, que trabalham de forma
diferenciada na escola pública e na escola particular. Professores que não
planejam e que nem se importam com que os alunos aprendam.
No caso específico do nosso estudo, constatamos a presença do
primeiro eixo representacional (aluno) como um argumento muito
utilizado pelos professores com relação ao desinteresse e à falta de
motivação nos estudos. São atribuídos aos alunos muitos déficits, em
especial o cultural e o cognitivo. Como, por exemplo, a falta de estrutura
familiar e a falta de base de aprendizagem, proveniente dos anos de
escolarização no ensino fundamental. Também constatamos que o
terceiro eixo representacional surgiu na argumentação da professora
Diana. Essa argumentação está mais aprofundada em Guedes (2014),
mas de uma forma geral, a professora comentou, em um momento de
análise sobre o trabalho desenvolvido na escola, que os professores, seus
colegas de trabalho na escola, costumam ser descompromissados com a
escola pública e mais compromissados com a escola particular,
culpabilizando, então, os seus pares.
Não percebemos na nossa pesquisa o segundo eixo
representacional relativo à escola pública, com uma visão também
negativa. Talvez porque a escola pesquisada possui uma imagem de boa
escola pública, apesar de seus problemas e desafios.

131
Vozes da Educação

Para Day (2001), o ensino implica conjuntos complexos de


interações interpessoais diferenciadas com alunos que nem sempre estão
motivados para aprender no contexto da sala de aula. Tal fato envolve
considerações difíceis sobre o currículo e sobre a aplicação de estratégias
e destrezas de ensino, cujo sucesso irá depender da qualidade do juízo
discricionário do professor.
Lidar com os alunos desmotivados com a escola e com a sua
aprendizagem é um dos dilemas enfrentados pelos professores do nosso
estudo. Como desenvolver relações interpessoais positivas com alunos
que não estão se adaptando às exigências do mundo escolar? De acordo
com a forma como cada professor reage a esse dilema, existem visões e
estratégias de trabalho que permitem ao professor enfrentar essas
situações de forma a priorizar os aspectos interativos da docência. Parece
que os professores entrevistados, com base na sua atividade e na sua
experiência, já desenvolveram algumas ações para lidar com essas
questões que provocam alterações no rumo dos trabalhos dos
professores.
No que concerne às expectativas dos professores com relação
ao futuro dos próprios alunos, percebemos algumas diferenças com
relação à avaliação dos professores. Quando perguntados sobre como
imaginavam os alunos com bom rendimento daqui a dez anos, a maioria
aposta em um futuro positivo para os alunos, seja via faculdade, curso
técnico profissionalizante ou até mesmo na conquista de bons empregos.
Os únicos que não tiveram essa opinião foram Júlio (Matemática), pois
ele disse que não conseguiria imaginar esses alunos no futuro e Carlos
(Física), que não respondeu a pergunta diretamente e sim comentou que
o Brasil está sofrendo com a carência de mão de obra especializada na
área tecnológica.
Já com relação às expectativas dos professores sobre como
estarão os alunos com baixo rendimento daqui a dez anos, todos os
professores são unânimes ao dizerem que vislumbram um futuro
negativo para esses alunos, com a reprodução da desigualdade social e a
alocação desses jovens em empregos informais e sem reconhecimento
social. Vejamos alguns exemplos para ilustrar:
Aos com baixo rendimento, a eles são reservados os empregos que
exigem menos. Eles vão para o comercio, eles vão... Enfim, para
trabalhos que nós diríamos assim entre aspas “subalternos”. (...)

132
Volume VI

Então, se você não tem nem o mínimo, você tem um diploma, mas
você, não tem conteúdo, você não vai conseguir bons empregos. E é
isso que acontece. (Priscila – Sociologia)

Eu imagino que muitos só concluirão o ensino médio e vão


trabalhar. Daí no mercado de trabalho, vão trabalhar de repente no
comércio. Eu acho que muitos nem vão ter a oportunidade de se
formar, fazer uma faculdade, porque vão precisar sustentar a família,
etc. (Fernanda – Língua Portuguesa)

É complicado, porque eu já encontro hoje em dia alunos meus, a


gente entra no shopping, estão ali na porta, naquela do shopping
entregando papelzinho, passa em uma loja, não desmerecendo o
trabalho mas, que a gente sabe que não quer realmente, que vai ficar
ali naquela vida porque não quer buscar uma coisa melhor. (Gisele –
Língua Portuguesa)
Os professores da nossa pesquisa, de uma forma geral, possuem
expectativas baixas com relação ao futuro dos alunos. Tal visão pode
estar relacionada ao modo como esses professores representam
socialmente os alunos, a partir de uma visão de déficit cognitivo e cultural,
conforme enfatizaram Lima e Sales (2007). Em nossa concepção, apesar
desse grande dilema, a escola investigada, seus professores e gestores
tendem a utilizar certas estratégias que podem tentar reduzir essas
desigualdades escolares causadas pelos déficits, ampliando a sua visão de
mundo e incentivando os alunos a buscarem novos horizontes. Tais
estratégias são mais aprofundadas em Guedes (2014). Uma delas é o fato
de professores e alunos visitarem espaços culturais constantemente,
como cinemas, museus e teatros.

Balanço da experiência profissional


Enfatizamos no artigo, para a análise do balaço da experiência
profissional, duas categorias de análise: a) preocupação com o
aprendizado dos alunos; b) gosto pela profissão, apesar dos problemas
enfrentados. Essas categorias expressam de que forma os professores
estão avaliando a sua experiência profissional. No entanto, esse balanço
profissional não é feito apenas na avaliação individual do professor em
seu trabalho, mas envolve o relacionamento com o seu público-alvo: os
alunos. Isso porque o trabalho docente é interação por excelência e não
tem como deixar de considerar os alunos e suas interações com os
professores como um fator muito importante para a avaliação da
experiência profissional.

133
Vozes da Educação

A primeira categoria é referente à preocupação com o


aprendizado dos alunos. Dois professores (Carlos e Priscila) relataram
essa questão. Vejamos as falas:
(...) eu acho que vou ser um eterno sonhador. E, quem não for, não
pode ser um professor. Então eu faço um balanço positivo. E no
mínimo com perspectivas positivas. (...) Eu tenho o suficiente para
viver. Graças a Deus, por isso, vivo bem... Foi com o magistério que
eu conquistei. Eu tenho uma casa própria, eu tenho um carro...
Nada disso me faz feliz. (...) A minha felicidade não está ligada
exclusivamente ao material. Mas eu estou dizendo em termos de
dignidade humana. (...) Na questão da realização pessoal, poderia ser
melhor, por tudo aquilo que eu coloquei aqui. Eu poderia ser um
cara mais realizado, nesse sentido. (...) Eu sou um profissional que
me capacitei razoavelmente bem. Então, um aluno que queira
aprender seria muito feliz sendo meu aluno. Tem que ter condições,
não é só querer. Muitas das vezes eles até querem, coitados. Mas eles
têm uma série de questões pessoais que os impedem. Então não sou
frustrado, mas eu poderia ser mais realizado como profissional.
(Carlos – Física)
Carlos começou relatando sobre o seu balanço positivo na
profissão. Ele afirmou que conseguiu, através do magistério, obter bens
materiais e se capacitar bem, tendo muito a oferecer para os alunos. No
entanto, Carlos deixou claro que ele não está totalmente satisfeito com o
magistério por afirmar que poderia ser mais realizado como profissional.
O motivo desse descontentamento está no relato a seguir:
(...)Existem mutilações invisíveis. Quando o camarada é mutilado
por uma mina, o camarada está lá na África, ele pisa sobre uma mina
e perde uma das pernas. Ele sofreu uma mutilação física. É óbvio
que isso vai influenciar as questões emocionais, e por aí vai. Mas é
uma mutilação visível física. Quando a gente vem pra educação. To
te dando um exemplo, que eu acredito nisso, eu vejo isso todos os
dias, no exercício da profissão. Nós temos mutilações invisíveis. Eu
acredito muito que nós temos janelas de aprendizagem. E alguns
pesquisadores, estudiosos acreditam nisso. Nós temos momentos
específicos, do nosso desenvolvimento cognitivo, que eles estão
propícios à entrada daquela informação e à adequação dessa
informação. Quando isso é privado, a nós por n fatores, nós
sofremos mutilações invisíveis. Então, por exemplo, eu pego um
aluno do ensino médio do primeiro ano que eu falo para ele assim:
“Cara, não é possível que você não consiga elevar três ao cubo! Não
é possível, você está no segundo ano do ensino médio!” No inicio
do magistério isso me atormentava profundamente. Eu amadureci.
Eu fui ler mais do que já tinha lido... No início, eu falava assim:
“Meu Deus, o cara está de brincadeira comigo”. Depois eu entendi
que foi tirado dele, no momento que essa estrutura cognitiva dele
estava propícia para entrar essa informação, ela não entrou. Para
entrar essa informação agora, ela pode até entrar, mas é sangue, suor
e milagre. Eu batizei assim... Isso é meu! Eu nunca li em lugar

134
Volume VI

nenhum: os mutilados invisíveis... (...) Sabe, o cara chega para nós


sem condições cognitivas de avançar. Então isso me maltrata muito.
Porque você mutilou o ser humano. (...) Quem mais tem que pensar
isso é a escola pública, porque a massa se encontra na escola
municipal e estadual. (Carlos – Física)
Carlos evidenciou uma questão: a falta de base de aprendizagem
dos alunos, que chegam com muitas deficiências no Ensino Médio. Isso
atormenta a vida do professor e o desagrada muito. O professor até
criou a expressão “mutilados invisíveis”, fazendo referência aos alunos
que perderam a oportunidade da aprendizagem quando eram crianças e
que agora sofrem para recuperar o tempo perdido. Essa argumentação
tem a ver com que enfatizaram Lima e Sales (2007) sobre a questão dos
déficits cognitivos, culturais e alimentares, que podem estar presentes nas
representações que os professores fazem do aluno da escola pública.
Ainda que não haja consenso com relação a essa representação
relacionada ao déficit de aprendizagem, o depoimento de Carlos reforça
a ideia de que garantir a aprendizagem dos alunos é muito importante
para o trabalho docente e quando isso não ocorre, por determinadas
razões, o professor se sente desestimulado e angustiado.
Vejamos a fala da professora Priscila, que também se preocupa
com o aprendizado dos alunos:
Eu gosto sabe? Eu gosto porque eu digo assim: eu me
pós-graduei em educação. Para depois me tornar uma
professora. Porque o fato de eu ter começado com
arte e educação, me deu uma dimensão muito
significativa daquilo que pode ser educação, sem ser a
educação escolar bancária. Eu comecei com a
educação libertadora, artística, livre para depois decidir
o que eu queria fazer com a minha formação (...)
Então, quando eu me licenciei, eu já tinha uma ideia
que eu devia ensinar meus conhecimentos técnicos,
científicos, mas também isso devia ser de uma forma
agradável, lúdica, rica, nunca somente científica,
teórica porque isso não convence ninguém... Nem me
convencia. Quanto mais os alunos. É isso que eu
penso. (Priscila – Sociologia)
A professora evidencia a sua preocupação com o aprendizado
da turma ao enfatizar o estilo pedagógico da sua didática para ensinar aos
alunos. Percebemos que a professora manifesta preocupação sobre de

135
Vozes da Educação

que forma ensinar aos alunos para que eles possam aprender. Segundo a
professora, uma educação mais libertária, lúdica, artística e livre seria
mais eficaz para motivar os alunos para o aprendizado.
As falas de Carlos e Priscila enfatizam a preocupação com o
aprendizado dos alunos. Carlos traz à tona a questão das deficiências de
aprendizagem, enquanto Priscila ressalta o estilo didático como
importante para o processo de aprendizagem. As duas visões são as que
fazem referência à experiência dos professores e seus depoimentos
indicam de que forma eles lidam com o trabalho e seus dilemas.
A segunda categoria está relacionada ao gosto pela profissão,
apesar dos problemas enfrentados. Isabela e Murilo relataram as
dificuldades, mas também reconhecem que permaneceram no magistério
por alguma razão. Vejamos os relatos:
A minha experiência? É eu acho muito boa, é muito prazeroso, a
gente tem um desgaste muito grande, é cansativo, uma profissão
muito cansativa, que a gente se empenha demais. A gente é
responsável por muitas mentes. Eu me considero assim, mas é
muito gratificante também saber que esse peso, essa
responsabilidade, a gente percebe que tem retorno, uns mais, outros
menos, mas é muito gratificante. (Isabela – Língua Portuguesa)
(...) No início eu pensei até em parar. Quando eu cheguei aqui, eu vi
o desinteresse de alguns alunos, cheguei em casa comentei com a
minha mulher: “Eu não vou ficar lá porque não, não dá, os alunos
são muito desinteressados”. Ela via em casa a minha dedicação em
preparar para eles algumas coisas, aí ela falou assim: “Mas se você
sair, quem entrar lá, vai melhorar o que você acha que não
consegue?” (...) daí, eu acabei não saindo e por causa disso estou
aqui há 8 anos. Foi quando a minha mulher falou: “você pelo menos
está tentando fazer alguma coisa, você sai e será se não vai outro
para lá que não vai fazer nem o que você está fazendo?” (Murilo –
Matemática)
Os dois relatos revelam exemplos de superação das dificuldades
do magistério e mostram que os professores permaneceram na profissão.
De uma forma ou de outra, eles aprenderam a gostar da profissão, apesar
dos problemas. E isso significa muito para a experiência profissional
deles. Para Herdeiro e Silva (2014):
Na atualidade, o professor assume um papel preponderante no
processo de ensino e aprendizagem, sendo visto como um
profissional que procura dar respostas às situações com que se
depara, movendo-se muitas vezes em circunstâncias muito
complexas e contraditórias que requerem a aprendizagem e a
mobilização de competências específicas e um quadro de valores
pessoais e profissionais considerados fundamentais no processo de
mudança. (Herdeiro e Silva, 2014, p. 241)

136
Volume VI

Em todos os depoimentos sobre o balanço da experiência


profissional percebemos que os professores revelaram situações e
estratégias que mais marcaram sua vida profissional ao longo da carreira.
Desta forma, os temas trazidos pelos professores foram aqueles que mais
os influenciaram e tiveram significado na sua vida profissional. Para lidar
com esses temas, foi necessário que os professores mobilizassem as
competências específicas e profissionais em um processo de
aprendizagem constante. Essa característica é central para a atividade
docente e sua experiência profissional. É ao longo da carreira, com cada
ano letivo e cada turma com suas demandas específicas, que os
professores se veem diante de várias mudanças e de novos desafios.
Importante, então, perceber que lidar com essas situações requer que os
professores estejam abertos a lidar com o novo, assumindo uma postura
de aprendiz do seu próprio trabalho como professor. Os relatos podem
nos ajudar a compreender de que forma os professores estão
vivenciando a sua experiência no exercício do seu trabalho.

Considerações finais
Com relação às condições de trabalho dos professores
entrevistados, as respostas evidenciaram as tensões e os medos dos
professores. Percebemos que alguns fatores podem causar tensão nos
professores, como cansaço, insatisfação com os problemas do
magistério, não conseguir fazer o aluno aprender, falta de interesse do
aluno, início do ano letivo devido à expectativa de conhecer a nova
turma (tensão causada só no início da carreira ou também vivenciada
pelos mais experientes), comportamento agressivo dos alunos ou
possibilidade de esse comportamento ocorrer.
Quanto às representações e expectativas dos professores em
relação aos alunos, constatamos que um dos grandes dilemas da nossa
pesquisa é o relacionado à baixa expectativa de futuro que os professores
possuem com relação aos alunos com baixo rendimento escolar. Os
docentes gostam dos alunos, mas não fazem vista grossa quando o
assunto é o resultado de seu processo de escolarização no mundo real.
Várias questões estariam por trás desse dilema, mas o que mais é
enfatizado é a incapacidade de um aluno com baixo rendimento escolar

137
Vozes da Educação

possuir condições de vida mais satisfatórias, de acordo com os


professores.
Aonde estaria o problema? Com os alunos, cujos professores
relataram que grande parte não quer saber dos estudos? O problema
estaria com o ensino médio, segmento que não estaria ajudando o jovem
a desenvolver suas habilidades para que possa ter um futuro digno? Ou o
problema estaria nos anos anteriores de escolarização, que não
despertaram no jovem o desejo de aprender e também não ofereceram as
habilidades necessárias para o desenvolvimento de uma vida escolar sem
atropelos? Talvez outras questões se fazem pertinentes. No entanto, não
podemos deixar de considerar que a baixa expectativa dos professores
com relação aos alunos é reflexo do modo como os docentes percebem
o resultado do trabalho docente que desenvolvem e tal fato não deixa de
ser um indício de como os professores vivenciam a sua atividade
profissional.
O balanço que os próprios professores fizeram da sua
experiência profissional foi feito a partir de duas categorias de análise: a
primeira está relacionada à preocupação com o aprendizado dos alunos.
A segunda categoria faz alusão ao gosto pela profissão, apesar dos
problemas enfrentados. De uma forma geral, constatamos que os
professores entrevistados possuem baixas expectativas com relação aos
alunos com baixo rendimento escolar. No entanto, apesar dessas e outras
dificuldades, percebemos que os professores gostam da profissão e
possuem estratégias diversificadas para lidarem com os problemas que
acontecem na rede estadual, nas escolas e em suas salas de aula.
Conforme argumentam Tardif e Lessard (2007), a experiência docente
proporciona um saber-fazer oriundo do trabalho, no qual a experiência
está a serviço da ação, a partir de uma perspectiva de interatividade.
Nessa abordagem, a interação com os alunos diz muito sobre a atividade
docente e sobre de que forma o professor lida com as situações do seu
trabalho, interativo por excelência.
De uma forma geral, percebemos que os professores relataram
o aprendizado que vêm tendo com relação à experiência no magistério e
de que forma eles lidam com as diversas situações e diversos dilemas,
desafios e tensões. Cada professor possui a sua história de vida e
interpreta as situações de acordo com a sua visão de mundo. No entanto,

138
Volume VI

não podemos deixar de comentar que essas experiências são


compartilhadas com um grupo e por isso mesmo ganham novos olhares
e outras dimensões. Os professores do ensino médio da rede estadual da
escola pesquisada relataram as suas experiências e desta forma pudemos
compreender um pouco mais sobre o trabalho docente que
desenvolvem.

Referências Bibliográficas
DAY, C. Desenvolvimento Profissional de Professores – Os Desafios da
Aprendizagem Permanente. Porto, Portugal: Porto Editora, 2001.
GUEDES, M. S. E. P. Os Sentidos do Trabalho Docente: Atividade,
Status e Experiência de Professores do Ensino Médio em uma Escola
Pública do Estado do Rio de Janeiro Tese (Doutorado), PUC-Rio,
Departamento de Educação, 2014.
HERDEIRO, S.; SILVA, A. M. Qualidade e Trabalho Docente: As
Experiências e Oportunidades de Aprendizagem dos Professores. Educ.
Soc., Campinas, v. 35, n. 126, p. 237-254, jan.-mar. 2014.
LANTHEAUME, F. Professores e Dificuldades do Ofício: Preservação
e Reconstrução da Dignidade Profissional. Cadernos de Pesquisa, São
Paulo , v. 42, n. 146, p. 368-387, maio/ago. 2012.
LELIS, I. O Trabalho Docente na escola de Massa: Desafios e
Perspectivas. Sociologias, Porto Alegre , v. 14, n. 29, Apr. 2012.
LIMA, F de F.; SALES, L. C. As Representações Sociais do Aluno de
Escola Pública partilhadas por Professores de Língua Inglesa que
ensinam em Escolas Públicas e Particulares de Teresina. ATOS DE
PESQUISA EM EDUCAÇÃO – PPGE/ME FURB, v. 2, nº 1, p. 106-
122, jan./abr. 2007.
TARDIF, M; LESSARD, C. O Trabalho Docente: Elementos para uma
Teoria da Docência como Profissão de Interações Humanas. 3 ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

139
Vozes da Educação

EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: VANTAGENS E DESVANTAGENS

Márcia Soares Loureiro33


Valéria Moreira Rauber34

RESUMO
O presente estudo consiste em uma revisão bibliográfica, que trata sobre
as influências do avanço tecnológico na educação, apontando e
explanando alguns aspectos relevantes, mostrando os prós e contras
dessa aliança que se faz necessária nos tempos atuais. Não somente
necessária como vantajosa se for utilizada de maneira correta, o objetivo
deste estudo é justamente enumerar maneiras de utilizar a tecnologia a
favor da educação, para facilitar o aprendizado.

Palavras chave: educação, tecnologia, inovação.

ABSTRACT
The present study consists of a bibliographical review that deals with the
influences of the technological advance in education, pointing out and
explaining some relevant aspects, showing the pros and cons of this
alliance that is necessary in the present times. Not only is it necessary as
well as advantageous if used correctly, the purpose of this study is
precisely to enumerate ways to use technology in favor of education, to
facilitate learning.

Keywords: education, technology, innovation.

33Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, IF Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos. E-


mail: marciasoaresloureiro@gmail.com
34Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, IF Farroupilha – Campus Júlio de Castilhos. E-

mail: va9rauber@gmail.com

140
Volume VI

Introdução
Este estudo apresenta uma discussão sobre educação e
tecnologia, dependendo do contexto, a tecnologia pode ser descrita
como uma solução ou minimização de um problema ou a geração de
uma oportunidade, por exemplo. Seguindo este contexto vamos analisar
as vantagens de aliar a tecnologia com a educação.
Estamos diante da era da informação e a escola não tem meios
para competir com as novas tecnologias, muito menos para impedir que
ela chegue até a sala de aula, até porque a maioria dos alunos já teve ou
tem acesso a internet e com certeza vai chegar o dia em que todos terão
essa oportunidade.
Portanto nossa única saída é se aliar a ela, até porque a mesma
pode contribuir muito se for bem aplicada e tiver uma finalidade
definida, um dos pontos positivos é que a aprendizagem virtual age de
forma rápida devido a sua flexibilidade e as grandes possibilidades que
apresentam.
Já a metodologia tradicional de ministrar uma aula há muito
tempo já não chama mais a atenção dos alunos, pois os mesmos podem
ter acesso imediato e ilimitado as informações de seu interesse com
apenas um clique na tela do celular por exemplo.
O quadro negro e o giz na visão dos alunos, se tornaram
ultrapassados, tediosos e maçante, desta maneira, qualquer lugar se torna
mais atraente do que a sala de aula, este fato se comprova diante dos
altos índices de reprovação e evasão escolar.
Sabemos que o professor jamais poderá ser substituído por
meios mecânicos incapazes de trabalhar os valores e as condutas morais
que formam um cidadão crítico, mas perante os fatos, precisamos
encarar a triste realidade e desenvolver novas metodologias atrativas para
assegurar a permanência de nossos alunos em sala de aula e resgatar
aqueles que evadiram.
Nesta busca constante por inovação o professor corre o risco
de se perder na mera instrumentação eletrônica, ou seja, ele utiliza esses
elementos de maneira equivocada, não possibilitando um ensino sólido e
relevante, deste modo os alunos tendem apenas a repetir o que foi
passado e não construir o seu próprio conhecimento.

141
Vozes da Educação

Não basta apenas levar os alunos para uma sala cheia de


computadores e deixá-los pesquisar o que quiserem, sem nenhum
objetivo ou questão, da mesma maneira que um projetor ou outro meio
de multimídia em sala de aula não irá resolver quaisquer problemas de
aprendizagem, se não tiver um sentido.
Cabe ao professor cultivar a curiosidade dos alunos, incentivar a
investigação e além disso mostrar que o conhecimento pode e deve ser
adquirido de diferentes maneiras, pois cada indivíduo aprende de uma
forma particular, portanto nenhum método será 100% eficaz para todo e
qualquer aluno.
Analisando vários relatos e estudos, podemos verificar que a
maioria dos professores se mostram desmotivados, cansados e
desvalorizados, esse é um dos fatores que impedem um maior
envolvimento nesta mudança, pois acreditam que estão fazendo o
melhor que podem, diante de suas condições de trabalho.
Além disso, devemos levar em consideração a carga horária
extensa, que muitas vezes não permite ao professor o tempo suficiente
para planejar uma aula dinâmica e inovadora, capaz de converter
informação em conhecimento real.
Devemos salientar a responsabilidade não somente do
professor, o Estado também tem uma parcela muito significativa neste
processo de inovação, compete a ele a capacitação, o suporte e a
atualização continua dos professores, pois não se pode cobrar excelência
de um profissional que não teve uma formação adequada e eficiente.
Uma das alternativas mais acessíveis para ambos os lados, seria
a promoção do ensino a distância, para facilitar a atualização dos
professores por meio de cursos e especializações, que poderiam ser
realizados independente de horário e local.
O ensino a distância, também pode e deve ser aplicado nos
alunos, que a partir deste instrumento conseguem ter acesso e trocar
informações com os colegas e professores, mesmo estando nos mais
diferentes locais, pois esta flexibilidade apresenta um potencial
considerável no processo de aquisição do conhecimento.
Segundo Delors “o Estado deve assegurar o respeito ao
princípio da igualdade, e assegurar a preservação da qualidade de
ensino”, isso significa que todos devem ter acesso à uma educação

142
Volume VI

satisfatória, com equipamentos e local adequado, independentemente da


situação financeira e cultural na qual se encontram.
O Estado de modo geral, deveria amparar esta nova demanda
da educação, pois tem em suas mãos o poder de motivar os professores e
buscar soluções para que os mesmos possam transmitir o conhecimento
aos alunos da melhor maneira possível, utilizando os recursos
tecnológicos a seu favor para aprimorar o ensino.

O desenvolvimento da tecnologia: prós e contras


O avanço tecnológico operou uma mudança significativa e
abrangente em todas as áreas, inclusive na educação, o desafio lançado
aos professores da atualidade é adquirir a sabedoria para tirar proveito
das ferramentas tecnológicas, pois nada resolve a tecnologia se não
sabemos como empregar.
A partir do momento em que o avanço tecnológico chegou às
escolas, trouxe consigo muitas melhorias e também causou um grande
impacto pela falta de conhecimento sobre as vantagens e desvantagens
destas mudanças, uma vez que se criou o pensamento de que os
professores aos poucos, perderiam seus espaços sendo substituídos
automaticamente pelas máquinas.
Mas tampouco podemos esperar, como anunciam alguns gurus
tecnológicos, movidos pelo afã de protagonismo e poder ou por meros
interesses mercantilistas, que enchendo as classes de computadores ou
outros aparatos mais sofisticados, e aprendendo as linguagens para
manejá-los se produzirá uma mudança no ensino (Carbonell 2002).
Como podemos ver, Carbonell ressalta a importância do
professor nesta era tecnológica, onde ele permanece como agente
fundamental e essencial na aprendizagem, derrubando qualquer hipótese
de substituição por meios mecânicos. Afinal o avanço tecnológico veio
para garantir maior eficácia no desempenho do professor, fortalecendo o
ensino e proporcionando melhores resultados na aprendizagem.
A medida em que o saber e a informação dominam cada vez
mais todos os setores da atividade humana, a aprendizagem torna-se a
chave do progresso, pois o funcionamento das sociedades democráticas
precisa de cidadãos bem informados e sutis. Portanto a aprendizagem

143
Vozes da Educação

torna-se elemento essencial durante toda a vida do indivíduo seja para


uma adaptação na vida profissional ou para uma vida autônoma.

O desenvolvimento da informação e a expansão do conhecimento


Em tese, pesquisa é a atitude do ”aprender a aprender”, e,
como tal, faz parte de todo processo educativo e emancipatório. Cabe e
deve caber no pré-escolar a na pós-graduação (DEMO, 2014). Demo
defende a importância de o processo emancipatório começar desde as
séries iniciais, dando início a uma formação de qualidade, ou seja, o
aluno já vai aprendendo a realizar a pesquisa para buscar os assuntos de
seu interesse.
A educação e a formação inicial têm uma função importante se
queremos que o aprendizado para a vida parta de uma base bem
estruturada. É na formação inicial que os alunos necessitam de uma
maior atenção dos professores, pois é nesta fase que eles se deparam
com um grande leque de informações.
Para converter essas informações em conhecimento é essencial
o apoio e a motivação do professor desde as séries iniciais, uma vez que
os estímulos gerados nesta fase serão lembrados durante todo o período
escolar, vistos como experiências positivas nesta busca pelo
conhecimento, dando impulso à pesquisa.
A criança por si só, já é muito curiosa e possui “alma
investigativa”, basta que o professor tenha a capacidade de instigar essa
curiosidade e fazer eles buscarem as informações ao invés de apenas
copiar do quadro-negro, a partir do momento em que eles começam a
produzir e buscar o conhecimento se torna mais fácil habituar-se com o
hábito da pesquisa.
Aulas diferenciadas e com metodologias inovadoras, que
abusam das tecnologias e dos novos recursos didáticos, tem o poder de
encantar e prender a atenção dos pequenos alunos, que ao final de cada
descoberta já esperam ansiosas a próxima aula, esta é a expressão do
sucesso educacional.
Produzir pesquisas e mostrar os resultados se tornou uma das
melhores alternativas para provocar a curiosidade e induzir um maior
envolvimento dos alunos, pois a evolução tecnológica continuará

144
Volume VI

avançando em ritmo acelerado, e por toda a parte repercutirá em todos


os aspectos da vida.
A pesquisa tem a capacidade de evitar que o ensino seja apenas
um ato de copiar, ela promove a emancipação do aluno, faz com que ele
busque com os seus próprios métodos as respostar que anseia saber, o
que possibilita a verdadeira produção do conhecimento.
O professor assume postura de orientador, definindo-se como
alguém que, tendo produção própria qualitativa, motiva o aluno a
produzir também. Este processo produtivo começa do começo, ou
seja, começa pela cópia, pela escuta, pelo seguimento de ritos
introdutórios, mas precisa evoluir para a autonomia ( DEMO,2014).
O aluno necessita sentir-se instigado para ir em buscar de
respostas, o assunto a ser estudado precisa chamar a sua atenção, de
maneira que o que o professor mostre em sala de aula, não seja o
suficiente, e ao chegar em casa ele sinta vontade de pesquisar outros
aspectos e definições sobre o assunto falado em aula, e assim vai se
edificando o processo de autonomia.
A profissão de professor não se caracteriza apenas pela
vocação, pelo amor e paixão pelo que faz, pelo conhecimento da escola,
dos alunos e da sociedade a sua volta, o professor que se destaca é aquele
que tem produção própria e se apropria do seu domínio para construir
junto com seus alunos o conhecimento que instiga e faz o ato de
aprender uma aventura prazerosa e não cansativa.
O aluno precisa ver competência e autonomia na figura do
professor, pois este é o primeiro passo para liderar e motivar a pesquisa,
pois o professor que apenas repassa conhecimento de outrem sem ter
uma produção própria, corre o risco de ser substituído por meios
eletrônicos.

Metodologia
A metodologia a ser adotada para a realização do trabalho
contempla uma revisão bibliográfica expositiva. Para a elaboração da
presente revisão as seguintes etapas foram percorridas: estabelecimento
de critérios de inclusão e exclusão de artigos e livros (seleção da
amostra); definição das informações a serem extraídas dos livros
selecionados; análise dos resultados; discussão e apresentação dos
resultados.

145
Vozes da Educação

Para guiar a revisão, formulou-se a seguinte questão: quais são


as intervenções da tecnologia na educação? Para a seleção dos dados
foram utilizados três livros como bases, são eles: A aventura de inovar: a
mudança na escola; Educação para o século XXI e Desafios modernos
da educação.
O livro A aventura de inovar: a mudança na escola, cujo autor é
Jaume Carbonell, que pesquisa questões relacionadas a inovação
educativa, foi escolhido justamente pelo vasto conhecimento do autor
sobre as dificuldades enfrentadas pelos professores que tentam inovar e
utilizar métodos diferentes dos tradicionais.
Já o livro Educação para o século XXI, de Jacques Delors,
apresenta um leque de pontos de vista sobre a educação atual, fala sobre
como ensinar na era da informação, sobre os problemas e perspectivas,
por este motivo entrou na lista de amostra.
Por fim o livro Desafios modernos da educação de Pedro
Demo, que faz uma discussão sobre os confrontos entre a educação e a
modernidade. Aborda também temas como a pesquisa, o professor e os
apoios didáticos, este serviu como base principal e imprescindível nesta
revisão bibliográfica.

Considerações finais
Chegamos à conclusão que a aprendizagem seria totalmente
prejudicada sem estes instrumentos tecnológicos, pois garantem
melhores condições didáticas e pedagógicas, sem falar da flexibilidade
que estes recursos promovem, eles transformaram o sistema educacional
que era estático em dinâmico.
Esta flexibilidade, começou a chamar a atenção de estudantes
que evadiram por falta de tempo para estudar, uma das alternativas para
resolver este impasse é o ensino a distância, que só foi possível graças ao
avanço tecnológico e permite várias possibilidades para quem tem
interesse em estudar, mas não possui disponibilidade de horários, devido
ao emprego, família entre outras dificuldades.
Outro fator importante é o computador, que chegou às escolas
como recurso formidável para a modernização do sistema educacional,
pois facilita a produção de trabalhos e permite o acesso à internet, que
trouxe consigo muitas mudanças no processo ensino-aprendizagem.

146
Volume VI

Desta maneira, a inserção desses recursos no ensino é um


processo irreversível e a revolução tecnológica em curso, está se dando
sem que os educadores possam detê-la. Por este motivo a única saída é
se aliar a ela e explorar todos os recursos possíveis para facilitar o
aprendizado.
Assim chegamos ao entendimento de que esta aliança entre a
educação e a tecnologia, é muito positiva, tendo em vista que o fator
negativo é a má utilização destes recursos, que pode ser revertida com
cursos e atualização permanente dos professores.

Referências Bibliográficas
CARBONELL, Jaume. A aventura de inovar: a mudança na escola.
Porto Alegre: Artmed, 2002.
DELORS, Jacques. Educação para o século XXI. Porto Alegre: Artmed,
2005.
DEMO, Pedro. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes,
2014.

147
Vozes da Educação

O PAPEL DAS AVÓS NAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO


PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA

Márcia Oliveira Ferreira35


Fabíola Andrade Pereira36

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre as situações de Pobreza e
Desigualdade social tendo como enfoque principal o papel das avós nas famílias
beneficiarias do Programa Bolsa Família. Pensar no enfrentamento da Pobreza e
da Desigualdade Social a partir dessa ótica nos mostra que a referência familiar
das avós tem sido essencial na vida escolar das crianças, posto que o ato de
cuidar e acompanhar diariamente, tem sido desempenhado pelas avós, pois são
elas que assumem para si a responsabilidade de zelar pela vida escolar dos netos,
uma situação que acreditamos está arraigada na formação da sociedade brasileira,
posto que a questão da vulnerabilização da realidade social, política, econômica
estão culturalmente construídas.

Palavras-chave: Pobreza; Bolsa Família; Velhice; Avós; Escola.

ABSTRACT
The present work aims to reflect on the situations of Poverty and Social
Inequality, with the main focus being on the role of the grandparents in the
beneficiary families of the Bolsa Família Program. To think about the
confrontation of Poverty and Social Inequality from this perspective shows that
the family reference of the grandparents has been essential in the school life of
the children, since the act of caring and accompanying daily has been performed
by the grandparents, assume for themselves the responsibility to watch over the
school life of the grandchildren, a situation we believe is rooted in the formation
of Brazilian society, since the question of the vulnerability of social, political and
economic reality is culturally constructed.

Keywords: Poverty, Bolsa Família, Aged, Grandparents, school.

35Pós graduada em Psicopedagogia. Professora da Educação Básica da Secretaria Estadual de


Educação do Tocantins. E-mail: ferremarcia@hotmail.com.
36Doutora em Educação. Professora do Curso de Pedagogia da UFT no Campus de

Tocantinópolis. E-mail: fabagnes@uft.edu.br.

148
Volume VI

Introdução

A discussão em torno das políticas públicas de proteção social e


dos direitos humanos tem sido algo essencial nos dias atuais. Pensar
acerca de ações que viabilizem a realização de intervenções estatais de
combate à fome e à pobreza no Brasil, significa considerar alguns
elementos históricos que apontam ser esta uma experiência não muito
recente, posto que surge na década de 90.
A literatura aponta que há registros que evidenciam essa
assertiva, a exemplo cita-se a mobilização social conduzida pelo
sociólogo Herbertde Sousa, o Betinho, que resultou numa campanha
profícua criada pela Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela
Vida, que veio perder força no governo FHC (1995-1998 e 1999-2002),
embora o mesmo tenha criado outros como por exemplo a PNAN -
Política Nacional de Alimentação e Nutrição que acarretou na criação de
outros vários programas como o PETI - Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil.
O mundo globalizado nos leva a vislumbrar várias situações de
uma maneira bem ampla, uma delas é a pobreza e a desigualdade
existente em nosso país, nos mostrando que ela não é um caso isolado e
sim uma questão social de grandes proporções.
O PBF - Programa Bolsa Família37criado em 2003 pelo governo
Lula, é um programa de transferência de renda e tem por objetivo ajudar
os indivíduos que vivem abaixo da linha da pobreza a saírem da situação
de vulnerabilidade e miséria e inseri-los na sociedade através da educação
e/ou do mercado de trabalho. Assim, à medida que concede a renda, o
programa tem conseguido diminuirde maneira significativa a condição de
miséria das famílias mais vulneráveis. Essa situação deveria ser
temporária, apenas para que as famílias saíssem da pobreza extrema e
com o apoio recebido se tornassem independentes e autônomos.
Vimos por meio da literatura que a pobreza é vista apenas como
ausência de algo (comida, roupa, educação), quando na realidade ela não

37Uma vez cadastradas no programa, as famílias assumem o compromisso de manter as


crianças na escola e estar em dia com as vacinações e o acompanhamento da saúde de seus
membros (crianças, gestantes e nutrizes) este seria a contrapartida para a manutenção do
recebimento do benefício. (BRASIL, 2008).

149
Vozes da Educação

é. Ela constitui sim um conjunto de faltas, que somadas a outras várias


situações associadas aos aspectos sociais, políticos, culturais, históricos e
econômicos, acabam por afetar de forma direta a vida de todos nós,
sobretudo quando nos permitimos conduzir pelo poder da mídia que age
de acordo como o interesse das classes dominantes, até por que ela ajuda
a veicular um discurso de ódio e discriminação em relação à
pobreza.Diante dessa realidade, vimos que apesar da grande clientela do
Programa serem as mulheres, tem um grupo aí muito importante que são
as avós.
Durante os trabalhos realizados no decorrer do curso, pudemos
olhar mais especificamente a clientela da Escola Estadual Pio XII e
percebemos que muitos dos alunos que estão ali matriculados se
declaram beneficiários do Programa Bolsa Família e desses uma parcela
considerável mora com as avós. Daí surgiu uma inquietação: Qual o
papel dessas avós no programa? Este seria o primeiro passo que
direcionaria nossas ações em busca de um entendimento mais amplo a
respeito dessa questão.
Nesse contexto, ousa-se socializar e revisitar os caminhos que
nos conduziram até aqui, à medida que se tem clareza de que o
aprofundamento dos estudos e trabalhos realizados na especialização
serviram como referência para este estudo, uma vez que vimos neste a
possibilidade de poder entender e talvez ajudar a melhorar a situação dos
alunos com os quais trabalhamos diretamente, pois boa parte deles são
oriundos de programas sociais como o Bolsa Família.
Arroyo (2015) nos lembra que é preciso primeiro reconhecer
que a pobreza e as desigualdades existentes noBrasil, se dão pelo fato
deste ser um país de dimensões continentais. Este segundo o autor seria
o ponto central, e que de certa forma ajudaria a desmistificar essa visão
preconceituosa de que pobre é malandro, bandido ou preguiçoso.
Freire (2011) por sua vez, critica a visão reducionista que se
caracteriza o ser humano. O autor chama a atenção para a ideia de a
adaptação do ser humano não é um fim em si mesma, ao contrário,
constitui apenas um dos momentos para sua inserção no mundo, onde
todos são capazes se tiverem as mesmas oportunidades. Assim afirma
que não é justo julgar um pelo outro se as realidades e as oportunidades
são diferentes.

150
Volume VI

Nesse momento começamos a perceber que muitas vezes nós


enquanto escola, excluímos muito mais que incluímos, pois esperamos
que nossos alunos, oriundos de realidades completamente diferentes,
tenham resultados semelhantes, isso quando não exigimos que sejam
iguais.
Vemos que a escola ainda tem um grande desafio pela frente: a
adequação dos currículos para que sejam trabalhadas questões acerca da
desmistificação da desqualificação da pobreza e do “pré-conceito” criado
em cima do sujeito advindo das classes sociais menos favorecidas, e isso
se faz necessário começar desde nós professores, pois temos em nós
arraigada a cultura de que pobre é menos inteligente ou que só pelo fato
de ser pobre já apresenta alguma dificuldade de aprendizagem.
Como bem apresenta Leite (2015), ainda encontramos no
espaço escolar uma visão muito carregada de moralismo e autoritarismo;
que na dimensão da busca pela transformação do espaço escolar torna-se
um entrave muito significante. Ora os jovens colocam-se como
“desobedientes”, “delinquentes”, com “pouco interesse”, ora se
apresentam como “vítimas” sofredoras das mazelas do mundo que
vivemos. Essas visões, além de deturpar o reconhecimento das pessoas
enquanto agentes de seu tempo e espaço criam um conteúdo carregado
de preconceito e desconstrução da história e cultura de um grupo, uma
comunidade toda. (LEITE, 2015).
A partir das leituras e trabalhos realizados vimos que as
mulheres são maioria absoluta no cadastro do PBF, outro fator
observado foi o grande número de crianças e jovens vivendo sob a
custódia de suas avós, daí a importância de se pesquisar sobre o papel
dessas mulheres na vida dessas crianças e jovens, se elas, as avós, é que
são as beneficiarias do PBF, o porquê dos pais terem deixado os filhos
com elas, e como a escola poderá contribuir para melhorar essa situação.
Dessa maneira, busca-se com este investigar o papel das avós
no Programa Bolsa Família e de forma especifica conhecer as
características das famílias atendidas pelo PBF na Escola Pio XII,
verificar como a atuação das avós tem impactado na vida dos netos por
elas tutelados, e qual a ligação das avós com o PBF e observar se a escola
tem conhecimento da realidade dos alunos que são criados por avós e se

151
Vozes da Educação

a mesma tem trabalhado processos sociais emancipatórios para a


construção dos sujeitos.
Contudo, este texto apresentará no primeiro momento as
características das famílias atendidas pelo PBF na Escola Pio XII, posto
que será apresentado o perfil dessas famílias e sua relação com a escola,
logo situaremos o local da pesquisa falando um pouco da Escola
Estadual Pio XII, em seguida abordaremos a situação da mulher no
Programa Bolsa família. Apresentaremos na sequencia os dados
coletados em conjunto com a análise e por fim as considerações finais,
onde confirmaremos ou não a nossa hipótese sobre o papel das avós no
PBF.

Características das famílias atendidas pelo PBF na Escola Pio XII


O Brasil, apesar de ser considerado um país em
desenvolvimento e de extensões territoriais continentais, tem sido por
meio de seus programas de transferência de renda referência no combate
da pobreza extrema, a exemplo, cita-se o PBF, foco de nossas reflexões.
A escola tem papel fundamental na aplicabilidade do PBF, visto
que um dos objetivos do programa é que os dependentes dos
beneficiários menores de 17 anos estejam matriculados e frequentando a
mesma, uma vez que o programa,
Traz esperança às famílias pobres de conseguir com que os filhos
estudem e não continuem aviver em condições de
precariedade.Assim, apesar de ser uma forma paliativa de resolver a
questão da pobreza no Brasil, no momento,o Programa se constitui
como um meio de garantir a sobrevivência dessas famílias.(SOUZA,
2015 p.12)
Pensar no enfrentamento da pobreza nos leva a refletir sobre
o papel das políticas sociais que neste contexto além de ampliar a
qualidade de vida, deverá desenvolver estratégias de redistribuição de
renda. Porém, mudar as condições de pobreza e vulnerabilidade
historicamente instituídas na sociedade brasileira não é algo simples (que
se faça do dia para a noite). É urgente que essa concepção de pobreza
associada a inúmeras faltas (comida, roupas, etc.), seja superada de
maneira imediata (pela escola e pela sociedade)pois “enquanto não se dá
a centralidade devida às carências materiais da pobreza, a tendência será
reduzi-la a uma questão moral, à falta de valores, a mentalidades

152
Volume VI

primitivas em relação ao trabalho.”(ARROYO, 2013, p.8). Para este


autor:
Há diversas críticas que rotulam de assistencialistas as políticas de
transferência de renda, como o Bolsa Família. Contudo, se a vida é o
primeiro direito do ser humano e garanti-la é o dever mais elementar
do Estado, não pode ser considerado assistencialismo algo que
efetive essa garantia. Nesse sentido, o Programa Bolsa Família
assume como inspiração política que o reconhecimento do direito à
vida é um dever público, logo, a ser traduzido em políticas de
Estado, como uma responsabilidade pública, para além do
tradicional assistencialismo. (ARROYO,2013, p.14)
O que se pode ver na sociedade é uma visão preconceituosa
de que o pobre não trabalha porque não quer, que está cheio de
oportunidades por aí, porém como ele é preguiçoso e participa de um
programa de distribuição de renda é mais cômodo esperar essa “esmola”
todo mês. A mídia é uma das principais veiculadoras dessa mentalidade
trazendo à tona um discurso de ódio e discriminação em relação à
pobreza. Segundo Arroyo (2013), esta visão rotula,
Em realidade, a caracterização dos (as) pobres como inferiores em
moralidade, cultura e civilização tem sido uma justificativa histórica
para hierarquizar etnias, raças, locais de origem e, desse modo,
alocá-los(as) nas posições mais baixas da ordem social, econômica,
política e cultural (ARROYO, 2013, p.12).
É um grande desafio da escola tratar através da reestruturação
do seu currículo essa dívida histórica que se tem com as classes pobres,
pois a mesma além de ensinar conteúdos, tem o dever de abordar essa
temática levando os sujeitos nela inseridos a se perceber cidadãos com
seus direitos e deveres garantidos pela Constituição Federal e a partir
dessa consciência mudar a realidade que o cerca. Nessa direção
comungamos com as ideias do sociólogo e cientista político Jessé Souza,
o qual afirma em suas reflexões que:
[...] em sociedades com alto nível de desigualdade, o processo de
transmissão de saber e de conhecimento superiores permanece
restrito às elites. Enquanto as crianças de famílias pobres recebem,
na escola, uma educação limitada ao tipo de conhecimento básico
exigido para sua futura vida profissional – são alfabetizadas,
aprendem habilidades técnicas rudimentares suficientes para
desempenhar trabalhos não especializados ou com baixo nível de
especialização –, as crianças de classe média e alta recebem na
própria família (não na escola) o tipo de educação que as distinguirá
de seus(suas) colegas mais pobres: é na família que são estimuladas a
ler os livros pertencentes ao “cânone” – isto é, à lista de textos que
se espera que sejam conhecidos pelas pessoas “bem-educadas” –,
que se confrontam com obras de arte, que aprendem a apreciar arte

153
Vozes da Educação

e cultura, e a saber como comportar-se nas diferentes circunstâncias,


mostrando que pertencem ao tipo “certo” de pessoas. (SOUZA,
2009, 18 et seq. e 44 et seq.).
Assim, uma condicionalidade do PBF para o cadastramento das
famílias é a vinculação destas com a educação. Os filhos(menores de 17
anos)precisamestar matriculados, frequentando e apresentando bons
resultados na escola, não apenas no quesito quantitativo, mas, e,
principalmente no processo de construção e formação cidadã, posto que
a educação é vista como meio para a ampliação do conhecimento e da
cultura desse sujeito.

A Escola Pio XII como lócus de pesquisa


Arroyo (2015) procura abordar a relação entre as propostas
curriculares e a inclusão da temática da pobreza e suas vivências no
contexto escolar. Seu debate aponta para a necessidade que existe em
reconhecer a pobreza e as desigualdades sociais no ambiente escolar.
Para ele fundamentalmente, isso significa levar em conta a existência de
pessoas, meninos, meninas pobres, e desenvolver práticas pedagógicas e
políticas para uma gestão educacional verdadeiramente inclusiva; sendo
preciso, segundo o autor, “[...] muito mais que isso, é preciso também
atentar para as exigências que essas vivências da pobreza, da precariedade
material extrema, fazem às nossas práticas” (ARROYO, 2015, p. 22).
Outra questão para o debate acerca da relação entre pobreza,
desigualdade e a educação foi a de reconhecer através da leitura o quanto
estão presentes no nosso meio as concepções acerca das representações
da infância e juventude. Como bem apresenta Leite (2015), ainda
encontramos no espaço escolar uma visão muito carregada de moralismo
e autoritarismo; que na dimensão da busca pela transformação do espaço
escolar torna-se um entrave muito significante. Ora os jovens colocam-se
como “desobedientes”, “delinquentes”, com “baixo interesse”, ora se
apresentam como “vítimas” sofredoras das mazelas do mundo que
vivemos. Essas visões, além de deturpar o reconhecimento as pessoas
enquanto agentes de seu tempo e espaço, criam um conteúdo carregado
de preconceito e desconstrução da história e cultura de um grupo, uma
comunidade toda. (LEITE, 2015).
Nesse mesmo sentido, para Arroyo (2015), a escola, num
reflexo da sociedade em que se encontra, excludente e de classes, muitas

154
Volume VI

vezes tende a desenhar modelos de comportamentos, em que as pessoas


pobres são vistas enquanto carentes; ou são ainda culpabilizadas das
condições em que se encontram. Desse modo, “reforça-se uma
concepção moralista sobre os (as) pobres que se encontra há muito
tempo em nossa cultura política e pedagógica: a pobreza moral dos (as)
pobres produzindo a sua pobreza material” (ARROYO, 2015, p. 19).
Assim a Escola Estadual Pio XII, lócus de nossa pesquisa, está
localizada na Avenida Nossa Senhora de Fátima, nº 1418, Bairro Céu
Azul, no município de Tocantinópolis, extremo norte do Estado do
Tocantins, atende o Ensino Fundamental do 6º ao 9º no período diurno
de 7h15min às 11h40mim e das 13h às 17h25min e a modalidade EJA
também do 6º ao 9º ano no período noturno das 18h30min às
22h05min.
A Escola Estadual Pio XII há 54 anos serve a comunidade
tocantinopolina assistindo aproximadamente 300 alunos do Ensino
Fundamental de 6° ao 9° ano no período matutino e vespertino e de
Educação de Jovens e Adultos- EJA – 6º ao 9º ano no período noturno
distribuídos em 11 turmas no total.
Sua estrutura física é composta por 15 áreas de circulação, 09
salas de aula, 01biblioteca, 01 laboratório de informática (desativado),
01sala de leitura, 01 sala utilizada para AEE – Atendimento Educacional
Especializado, 06 salas administrativas, 01 cozinha, 01 depósito da
merenda, 03 depósitos de material de limpeza e 04 sanitários, sendo 02
adaptados para portadores de necessidades especiais.
Vale salientar que a escola dispõe de sala de vídeo, mas, no
entanto, a mesma encontra-se sem uso em virtude da falta de
equipamentos adequados para a utilização da mesma, além de recursos
pedagógicos tais como: aparelho de som, máquina digital, aparelho de
DVD, retroprojetor, data show, televisão, microfones, caixa amplificada,
biblioteca com um acervo bem diversificado, kit multimídia com lousa
digital portátil. O espaço onde funcionava o laboratório de informática
com acesso internet, hoje funciona como sala de reuniões, pois os
computadores estão sem uso por estarem ultrapassados, quebrados e
sem manutenção a bastante tempo.
No ano de 2010, a escola passou por uma reforma,
melhorando assim o ambiente escolar, mas é importante lembrar que as

155
Vozes da Educação

salas de aulas não são bem ventiladas embora tenham ventiladores, posto
que o calor é excessivo na em nossa região. Convém salientar ainda que
aescola não dispõe de quadra de esporte, o que dificulta algumas
atividades. Assim, quando necessário o deslocamento dos alunos para
outros espaços é realizado para fins de desenvolvimento de aulas práticas
de Educação Física.
Importa frisar que a referida escola recebe verbas dos governos
Estadual e Federal para manutenção do prédio, merenda escolar e para
material de consumo e expediente, porém os mesmos são insuficientes
em todos os setores, competindo a gestão da escola um exercício intenso
para manter a escola funcionando.
Os alunos atendidos pela escola residem em bairros
circunvizinhos, como Alto da Boa Vista I e II, Vilanópolis, Vila Antônio
Pereira, Vila Saboia, Vila Tibério Azevedo, Vila Matilde, Vila Valdenor e
alunos da Zona Rural sendo: Povoado Palmeirópolis (Passarinho), Folha
Grossa, Ribeirãozinho, Ribeirão Grande, Ribeirão Pedro Isaias, Povoado
Olho D’agua, Cinzeiro, Cooperativa, Jenipapo e centro.
A maioria dos alunos necessita do transporte escolar para
chegar até à escola. A renda familiar dos alunos é mista, na sua maioria
sobrevivem da agricultura e programas sociais, como: Bolsa Escola,
Pioneiros Mirins, PETI, os outros são filhos de funcionários públicos ou
aposentados. A escola também atende vários alunos em situação de
vulnerabilidade e não raro se faz necessária a intervenção do Concelho
Tutelar ou da própria Justiça para resolver conflitos familiares, nesse
sentido a escola tem papel importante, pois na maioria dos casos é o
único ponto de apoio ou referência que esses jovens têm.
Apesar da escola estar localizada na região central da cidade, a
mesma parece invisível aos olhos da comunidade, pois ninguém procura
a escola pra nenhum tipo de parceria ou ajuda, ao contrário a escola é
que fica mendigando apoio e colaboração, como se os problemas fossem
única e exclusivamente da escola, como se esses jovens que aqui estão
também não fizessem parte dessa mesma sociedade, só lembram de
procurar a escola quando algum desses jovens causam algum dano ou
transtorno ao patrimônio de algum vizinho da escola. A escola tem sido
incansável na busca de melhorias tanto para sua estrutura física, quanto
pedagógica, no intuito de contribuir para a melhoria da qualidade vida

156
Volume VI

dos jovens que frequentam seu espaço, na tentativa de torna-los cidadãos


de bem, conscientes e responsáveis pelos seus atos.
Percebemos ao lidar no dia a dia com os alunos da escola citada
que a maioria deles vivem em situação de abandono intelectual e familiar,
numa pobreza extrema, em que o Bolsa Família é imprescindível para
complementar a renda familiar, por outro lado, vemos por parte das
famílias um descaso muito grande com a educação de seus filhos, os
mesmos tem uma visão distorcida do que é o Bolsa Família e acreditam
que apenas matriculando o filho na escola já é o suficiente, não
participam da vida escolar deles e muito menos colaboram com a escola
quando a mesma solicita de sua ajuda ou parceria38.
O perfil sócio econômico das famílias atendidas na Escola
Estadual Pio XII que estão cadastradas no PBF, não é diferente da
maioria das famílias da região norte e nordeste, classificadas como sendo
de extrema pobreza, baixa escolaridade e boa parte delas sobrevivem de
sub empregos ou “bicos”, geralmente são famílias com muitos filhos,
mães muito jovens que se separaram dos cônjuges ou tiveram filhos e
continuam na casa dos pais, como também a elevação do índice das
próprias alunas meninas na faixa etária de 12 a 15 anos serem
beneficiárias do PBF, e engravidarem precocemente, tornando seus
filhos outros beneficiários. Nesse sentido, comungamos com o
pensamento de Ripardo e Capibaribe (2015) quando afirmam que:
Se por um lado as singularidades são percebidas em suas mais
diversas formas de expressão, por outro, a coletividade consegue ser
reconhecida na construção de sua identidade que também carrega
consigo todo um conjunto de contradições cujas explicações não
foram objeto do presente estudo, mas que nem por isso foram
ocultadas. (RIPARDO E CAPIBARIBE: 2015, p. 10)

Procedimentos Metodológicos
Na tentativa de ordenar uma base lógica para esta investigação,
tentou-se eleger um caminho metodológico que nos auxiliasse na escolha
dos procedimentos e de investigação.

Esse fato nos fez reportar ao vídeo “Severinas” apresentado no módulo I, o qual apresenta
38

uma realidade familiar bem parecida com a daqueles jovens apresentados no vídeo: famílias
patriarcais, com pais extremante autoritários, na sua grande maioria bêbados, mulheres
submissas, violência doméstica, famílias desestruturadas, desemprego, moradias precárias e
etc.

157
Vozes da Educação

Assim, iniciamos nosso percurso fazendo a realização do


levantamento bibliográfico que nos auxiliou na reformulação dos nossos
objetivos. Estes por sua vez ajudaram a eleger o tipo de pesquisa que
seria desenvolvida a fim de obtermos o melhor resultado. Contudo, este
estudo, traz em sua essência os resultados de uma pesquisa de campo,
que teve como lócus de investigação a Escola Estadual Pio XII,
contando assim com um percentual de 15% dos sujeitos que fazem parte
do PBF. Escolhemos esta vertente metodológica por ter clareza que a
mesma nos auxiliaria em nossas observações dentro daquele espaço.
Para tanto fez-se uso de uso do questionário semiestruturado
contendo 18 questõesque tinham como propósito colher informações e
assim traçar o perfil do público atendido pelo programa em questão.

O Programa Bolsa Família e sua relação com as mulheres: o papel das


avós
A família desde os primórdios da humanidade tem sido lugar
prioritário na questão do cuidado, assistência e proteção social. No que
se refere ao enfrentamento da pobreza não tem sido diferente, sendo a
família o foco principal dos programas de transferência de renda e
assistência social.
O programa Bolsa Família desde sua implantação teve como
característica principal a priorização da mulher no recebimento do
benefício. Ainda hoje o PBF atende cerca de 25% da população mais
pobre do país, o que reforça ainda mais seus dois eixos de
condicionalidade: educação e saúde, visto que essas são as duas principais
dificuldades por que passam o nosso país.
Existem algumas críticas às condicionalidade do PBF no que se refere a
sua exigência maior da beneficiaria do cartão ser mulher, algumas
corrente feministas defendem que essa postura mantém a mulher no
status de submissa, de gerenciadora da família, dando-lhe poucas
possibilidades de emancipação, pois seu tempo com cuidados e
administração da família é ainda maior, apesar de toda essa exigência é
quase consenso entre as mulheres que elas devem sim ser as titulares do
benefício como nos mostra Costa (2008) baseada em uma pesquisa
realizada em 2007, o qual identifica que:

158
Volume VI

A concordância com a titularidade feminina do benefício entre a


ampla maioria das titulares (87,5%), frequentemente justificada sob
o argumento de que as mulheres conhecem melhor as necessidades
da família, ou seja, parece haver um consenso entre o desenho do
programa e as beneficiárias: “essa política constrói-se a partir da
perspectiva sobre o papel feminino na família, e é o desempenho
desse papel, reconhecido pelas beneficiárias como parte de sua
identidade, que lhes habilita a condição de titular do benefício”
(COSTA, 2008, p. 7).
Ao ser incluída no PBF, a mulher assume oficialmente a
representação da família, a mulher é vista ainda como cuidadora, mãe,
provedora, especialmente por ser ela a titular do cartão do PBF. Diante
das dificuldades e mazelas enfrentadas por famílias, percebemos as mais
diversas situações, a mais comum é a junção dos membros de uma
mesma família na casa da matriarca da família e a partir daí viverem as
custas desta idosa.
Muitos são os obstáculos que a família enfrenta para manter-se como
referência social nos dias atuais,as mudanças nas configurações das
famílias têm levado a que várias gerações dividam o mesmo lar, sendo
que a avó, anteriormente vista como dependente das gerações mais
novas, tem assumido cada vez mais um papel importante na formação
do orçamento familiar.
O aumento da longevidade traz à tona uma questão: a situação
das mulheres avós que de acordo com o que estamos observando são
maioria absoluta no cuidado e sustento das famílias, é comum
atualmente vermos as casas cheias. Os filhos que saíram e não
conseguiram sucesso na vida voltam para a casa dos pais, trazendo
consigo seus filhos que são fruto da busca de um viver mais digno não
encontrado. Este retorno acaba promovendo acondição dos avós
ampararem seus filhos e netos principalmente no âmbito financeiro
como aponta (Coelho, 2014 p.1)
Atualmente, ampliou-se o número de lares em que se verifica a
corresidência, nos quais várias gerações residem juntas, assim como
aqueles em que os avós criam seus netos integralmente. Nessa
circunstância, eles são chamados “pais substitutos”, “avós em tempo
integral”, “avós com custódia” (quando detêm a guarda dos netos
judicialmente), “avós cuidadores” e também “avós guardiões” (Dias
et al., 2005; Dias & Costa, 2006; Lopes et al., 2005). Pode-se
perceber que são diversas as situações que, entrelaçadas a uma
multiplicidade de motivações, levam os avós a participar da vida dos

159
Vozes da Educação

netos assumindo papéis de relevância para a família e para a


comunidade (Dias, Aguiar & Hora, 2009).
Paralelo a isso há também, por parte da sociedade, uma
cobrança para que a família recupere a sua função protetora e de
preservadora de seus membros (HERÉDIA, 2006). Porém só se percebe
essa cobrança maior com as mulheres mais velhas, como se elas fossem
às únicas responsáveis pelos membros de suas famílias, vemos aí uma
dicotomia, pois ao mesmo tempo que os jovens cobram liberdade,
autonomia, jogam em suas familiares responsabilidades que são suas.

Resultados e discussões
De acordo com os dados colhidos com as famílias dos alunos
beneficiários do Programa Bolsa Família da Escola Estadual Pio XII,
observa-se que não há perspectiva de mudança, pois já estão arraigadas
em suas famílias que sua condição sócio econômica não é passível de
transformação, desta forma se conformando com tal situação, e nessa
apatia vão levando a vida e a história de suas mães/avós se repetindo,
salvo alguns casos, de raras exceções, o que pudemos constatar através
das falas de algumas das entrevistadas,.
Quando perguntadas sobre onde moram, se zona urbana ou
zona rural todas tem clareza do que caracteriza cada local. Como o
objetivo da pesquisa era saber o papel das avós nas famílias beneficiarias
do PBF, no questionário perguntamos o sexo apenas por questão de
lógica, masas respostas foram 100% femininas. Com relação à faixa etária
varia entre 41anos e 63 anos de idade.Percebe-se através deste dado o
fato das avós nesta condição serem mais novas com relação às gerações
anteriores.
Ao ser indagada sobre sua escolaridade a entrevistada comentou
com uma certa tristeza no olhar sua falta de oportunidade para estudar
pois seus pais não valorizavam o estudo, os filhos eram para ir para à
roça, a segunda e terceira entrevistadas conseguiram concluir o ensino
médio, ambas falaram sobre a dificuldade , pois tinham que trabalhar nas
“cozinhas alheias” durante o dia e estudar à noite; a quarta entrevistada
ainda não terminou os estudos mas diz ter esperança de um dia voltar à
escola; a quinta entrevistada também não teve oportunidade de estudar e
diz não ver muita vantagem nos estudos pois vê muita gente “estudada”

160
Volume VI

sem emprego por ai; a sexta entrevistada declarou não ter terminado
nem a quarta série primária, diz saber somente assinar o nome e ler
algumas poucas palavras; a sexta, a sétima, a oitava e a nona entrevistada
também declararam ter estudado apenas o “primário” e a décima
entrevistada disse ter o ensino médio completo, mas que esse pouco lhe
serviu até o momento preocupou-se em ter filhos e agora em cuidar dos
netos, que a vida tem sido dura, mas que tem esperanças de dias
melhores.
Sobre a renda mensal das famílias constatou-se que de uma
maneira geral elas tem medo de declarar o verdadeiro valor recebido,
mesmo não sendo suficiente para manter a família dignamente, acredito
terem medo de perder o Bolsa Família pois mesmo sendo pouco, ajuda e
muito na complementação da renda dessas famílias. A primeira família
entrevistada declarou não possuir renda; da segunda à quarta declarou
possuir renda de menos de um salário mínimo; a quinta entrevistada
também declarou não possuir renda; a sexta, a sétima e a oitava
entrevistada, menos de um salário mínimo, a nona não possui renda e a
décima apenas um salário mínimo.
Quando perguntadas sobre qual atividade financeira elas
exercem, a primeira entrevistada não quis responder, disse não exercer
nenhuma atividade remunerada e que vive apenas do benefício do Bolsa
Família; a segunda, terceira e quarta entrevistadas disseram que vivem
como autônomas, vendendo rifas, toalhas, lençóis e etc., para crediaristas
a troco de uma pequena comissão e ás vezes também fazem bicos com
trabalhos domésticos; a quinta também se declarou autônoma, a sexta e
sétimas entrevistadas disseram viver de trabalhos de roça; a oitava se
declara autônoma pois vive de bicos e trabalhos sem vínculos; a nona
também vive de roça e a décima é funcionária pública municipal
exercendo a função de auxiliar de serviços gerais em uma repartição
pública do município.
Inquiridas sobre quantos membros compõem as famílias
percebe-se uma divergência nas informações, pois boa parte das famílias
entrevistadas declaram uma quantidade, mas na realidade a quantidade é
bem maior. A entrevistada um declarou que na sua família vivem mais de
cinco membros, a entrevistada dois, dois membros, a entrevistada três

161
Vozes da Educação

mais de cinco membros, a quarta, a quinta e a sexta entre três e cinco


membros, a sétima, a oitava, a nona e a décima mais de cinco membros.
Diante da pergunta sobre há quanto tempo recebem o benefício
do PBF a entrevistada um respondeu que é entre dois e quatro anos, a
entrevistada dois que é entre quatro e seis anos, a entrevistada três que é
entre dois e quatro anos, a entrevistada quatro a menos de um ano, a
quinta e a sexta entre quatro e seis anos, a sétima entre dois e quatro
anos, a oitava a mais de um ano, a nona e a décima entre quatro e seis
anos.
Perguntamos também sobre os principais gastos e a questão
destes com alimentação foi unânime, seguido por energia elétrica e
remédios.
Sobre quem é o titular do cartão do bolsa família também ouve
unanimidade nas respostas: a mãe, até por ser uma exigência do
programa que o titular seja do sexo feminino.
Averiguadas sobre os motivos que as levaram a criar seus
netos, a primeira entrevistada disse que a filha ficou “solteira” e
engravidou, depois que teve o filho não arrumava emprego e foi embora
pra Goiânia tentar a sorte por lá, que voltaria pra buscar o filho,mas que
isso não aconteceu; a segunda entrevistada falou que a filha seguiu o
mesmo destino dela, teve filho muito nova, não casou e moram todos
juntos, não tendo escolha, não ia jogar a filha e os netos na rua; a
terceira entrevistada disse que a filha teve o filho com um rapaz mas a
relação não deu certo, agora casou-se novamente e deixou o filho com
ela enquanto organiza sua nova vida; a quarta entrevistada disse criar a
neta desde o nascimento, nãovendo nada de estranho em avó criar os
netos; a quinta entrevistada disse que a filha mora com ela, nunca teve
marido, a filha nunca quis nada da vida “ foi só engravidando e botando
dentro de casa pra gente cuidar”; a sexta entrevistada disse que a mãe foi
embora pra outra cidade em busca de emprego e deixou as crianças com
ela; a sétima e a oitava estão praticamente na mesma situação, as filhas
são muito jovens, sem perspectiva de vida, apenas “enchendo a casa de
filhos” como disseram as suas mães, a nona entrevistada está criando a
neta porque no interior do Pará onde ela mora as escolas são “fracas” e o
pai dela se preocupa com os estudos dela; a décima, a mãe das crianças
também mora com a avó seguindo um destino nada animador, onde

162
Volume VI

essas mulheres vão se tornando mães e avós cada vez mais cedo, vendo
pouca ou nenhuma possibilidade de mudança em suas vidas.
Sobre a iniciativa da ida dos (das) netos (netas) morarem com as
avós é quase que unânime a influência dessa avó, pois percebe-se nela o
único amparo.Em todas as famílias observamos a preocupação apenas
com a “criação”, com o que comer, vestir, com a moradia, com o
mínimo do mínimo, apenas na entrevistada nove é que percebemos uma
preocupação com a educação e nesta uma esperança de mudança de
vida.
Quando perguntadas sobre qual a maior dificuldade em criar
seus (suas) netos (netas) a falta de emprego foi umas principais
dificuldades relatadas por elas, reclamam que a cidade é pequena, não
oferece oportunidades e por consequência vem a falta de capital; outro
ponto levantado é a dificuldade em comprar materiais escolares, “as
coisas estão muito caras e a vida está muito difícil”, falaram ainda da
questão da desobediência que nos dias de hoje os jovens não obedecem
mais aos pais, não respeitam os mais velhos, que as “coisas estão
mudadas”.
Quanto ao relacionamento com os pais dos netos criados por
elas todas disseram que é bom, que de vez em quando tem brigas, que é
coisa de família e tudo sempre se resolve.
Perguntamos se os pais ajudam na criação dos filhos que estão
morando com elas.Todas disseram não receber nem financeira nem
moralmente, que elas só não “pariram”, mas os “meninos” são como se
fossem delas.
Em relação às diferenças entre os netos criados por elas e os
outros, elas dizem não haver nenhuma distinção por parte delas nem em
relação ao afeto, nem quanto a partilha do que se tem em casa, tudo é de
todos.
Perguntadas se pensam em criá-los até adultos elas foram
categóricas em afirmar que sim, ficam a imaginar como seriam essas
crianças se não fosse o amparo delas.
Sobre a vida escolar, qual exigência a escola faz quanto ao PBF,
disseram não ter conhecimento de outro tipo de exigência, apenas da
frequência às aulas.

163
Vozes da Educação

Pode-se perceber por meio de dados obtidos na pesquisa que


ainda há um grande abismo entre os reais objetivos do PBF e sua
efetividade, posto que se busca ao longo do processo promover a
emancipação das famílias atendidas, o que se vê na prática são casos
onde as mesmas apesar de receber o benefício a algum tempo, sua
situação permanece a mesma e em alguns casos ainda piorou, como o
das avós que verificamos no decorrer da pesquisa, pois sua renda que em
tese deveria ser apenas para o seu sustento, agora tem que ser dividida
entre os netos e/ou filhos que vivem sob sua tutela.
As razões que levam as avós a criarem ou cuidarem
integralmente de seus netos (as) são as mais variadas, porém todas as
observadas durante a pesquisa decorrem da desestrutura familiar, o que
nos leva a suscitar que se faz necessário como já citado anteriormente
políticas públicas que valorizem o idoso, que as escolas incluam em seus
currículos questões sobre o envelhecimento e a relação entre as várias
gerações que estão surgindo.
Conforme os dados fornecidos pelas famílias durante a pesquisa
pudemos confirmar algumas de nossas hipóteses, é claro a presença das
avós na vida de seus netos, e essa presença é cada vez mais intensa já que
nas famílias observadas as meninas seguem a mesma dinâmica das mães
se tornando mães muito cedo e continuam dentro de casa transferindo
essa responsabilidade para suas mães (avós), que vão levando a vida do
jeito que dá, isso vai se tornando um círculo vicioso.
A partir das impressões obtidas na pesquisa, é perceptível a
urgência da construção de um eixo norteador para uma ação conjunta
onde a escola se torne palco principal de superação das desigualdades,
visto que ela deve ter um olhar crítico sobre os sujeitos do processo
educativo, levando em consideração todas as transformações pelas quais
a sociedade contemporânea vem passando, principalmente nas relações
familiares que estão cada dia mais diferentes.
Por outro lado, há de se ressaltar a necessidade implantação de
políticas sociais de valorização do papel da mulher na sociedade,
sobretudo aquelas que tem mais idade, dando-lhes condições de assumir
de fato e de direito a sua situação social, pois a velhice concebida, hoje,
enquanto construção social, histórica e cultural tem um lugar
diferenciado em todos os espaços. (PEREIRA, 2016). O aumento da

164
Volume VI

longevidade tem permitido a convivência mais prolongada entre as


gerações, levando às avós a participarem voluntariamente ou não, da vida
de seus familiares, e quando se fala no papel dessas avós vimos que são
elas o esteio das famílias desestruturadas pois é nelas que as mães sentem
segurança ao delegarem a responsabilidade sobre seus filhos para saírem
em busca de trabalho e melhoria da renda, pois as mulheres tem uma
relevância ativa na vida familiar em todos os aspectos, inclusive no
econômico. Ao longo da vida tem se observado uma participação mais
intensa principalmente quando se tornam avós, período este, em que seu
papel deveria ser apenas na relação afetiva. É visível as situações em que
as avós se tornam a referência de mãe para estas crianças.

Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo refletir sobre as situações de
Pobreza e Desigualdade social tendo como enfoque principal o papel das
avós nas famílias beneficiarias do Programa Bolsa Família.
No decorrer da pesquisa percebeu-se que as famílias reconhecem a
importância do PBF para complementação de sua renda, porém ainda
não tomaram consciências da importância do mesmo para sua
autonomia e emancipação, não dão a devida importância a vida escolar
dos seus filhos, netos ou tutelados, acreditam que apenas mantendo a
matricula na escola é suficiente.
Percebeu-se também que os principais motivos que levam as
avós a criarem seus netos são: gravidez precoce, negligencia dos pais,
separação dos mesmos, possibilidade de trabalho para as mães e apego
das avós com os netos, observamos que apesar de todas as mazelas as
avós não medem esforços para cuidarem dos netos.
Ao assumir um neto para criar, essas mulheres, pertencentes a
uma camada mais desfavorecida, tiveram que remanejar toda sua vida,
para darem conta do aumento das despesas e tarefas domésticas. Muitas
continuaram desempenhando seu trabalho normalmente e não contam
com a ajuda de outras pessoas para tomarem conta das crianças durante
sua ausência.
Os dados da pesquisa apontam para configurações diferentes da
tradicional família nuclear. A diversidade de arranjos familiares na
atualidade dá espaço para relações baseadas em laços afetivos e não

165
Vozes da Educação

somente em laços consanguíneos. Estes resultados contribuem para dar


visibilidade ao lugar ocupado pelas mulheres na sociedade atual.
Este estudo aponta para um ciclo de vida familiar no qual o
envelhecimento das mulheres é acompanhado por filhos adultos que
nem sempre deixam a casa dos pais e quando isso acontece, acabam
voltando pelos mais diversos motivos, não assumem a criação de seus
filhos e consequentemente, netos sendo criados pelas avós.
Há a necessidade de futuros estudos neste tema, abrangendo
outras implicações como o impacto na saúde física, mental e social das
avós e até mesmo as implicações na vida dos netos adultos que foram
criados pelas avós.

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167
Vozes da Educação

GLOBALIZAÇÃO VERSUS EDUCAÇÃO

Márcia Weimer1

RESUMO
A sociedade padece constantemente mudanças que interferem no dia-a-
dia das pessoas; essas transformações afetam as escolas, tornando
necessário o professor fazer alterações em seus planos de aula,
apropriando – os em questão de preparar seus alunos para o mercado de
trabalho. Assoalhar a importância de adquirir conhecimento das
mudanças / transformações que estão incidir ao nosso redor assim como
conhecer e saber usar a globalização a nosso favor, diagnosticar o que
precisamos passar aos alunos em questão das tecnologias mais usadas no
mercado de trabalho.

Palavras-chave: sociedade, mudanças.

ABSTRACT
Society constantly suffers changes that interfere with people's daily life;
These transformations affect the schools, making it necessary for the
teacher to make changes to their lesson plans, appropriating them in a
matter of preparing their students for the job market. Reveal the
importance of acquiring knowledge of the changes/transformations that
are focused around us as well as knowing and knowing how to use
globalization in our favor, diagnosing what we need to pass on to the
students in question the most used technologies in Job Market.

Keywords: society, changes.

1Graduada em pedagogia e geografia (2018), pós graduada em metodologia do ensino de língua


estrangeira e portuguesa, educação especial e inclusiva, libras e educação do campo.
Professora nas séries inicias do ensino fundamental, fundamental II e médio.

168
Volume VI

Introdução
Este trabalho relata sobre a educação e globalização, buscando
responder a questão/problema – O que a globalização tem para oferecer
a educação? Como preparar os alunos do ensino fundamental e médio
para o mundo globalizado?
O objetivo geral da pesquisa é demonstrar aos interessados o
quão importante e fundamental adquirir o conhecimento sobre as
mudanças e transformações que estão ocorrendo ao nosso redor, tendo
por objetivo especifico, compreender a importância e necessidade de
conhecer e saber usar a globalização a nosso favor, diagnosticar a
necessidade dos alunos nos termos de aprendizado sobre as tecnologias
mais usadas no mercado de trabalho, assim como preparar os alunos
para o ingresso ao mercado de trabalho.
Justificando que a educação sofreu e sofre muitas
transformações a cada dia e isso devido à transformação do mundo, as
novidades que estudiosos e pesquisadores criaram. O ser humano desde
o surgimento que temos contato sempre buscou por algo novo, por uma
novidade para superar ao outro começando uma rivalidade entre a
espécie, os seres humanos criaram instrumentos para facilitar sua
sobrevivência e a partir desses inventaram outras coisas e aos poucos
foram nos afastando uns dos outros, mas foi assim que surgiram tantas
tecnologias; que trouxeram a globalização; e junto muitas oportunidades
para o ser humano evoluir, crescer, e transformar a sociedade; porém
precisamos nos preparar para no dia-a-dia usufruir desses produtos e
aumentar a qualidade de vida.
Observando as salas de aula, e relacionando-a com toda a
evolução do mundo percebe-se a necessidade de preparar os alunos para
atuar na sociedade mostrando que é fundamental aproximá-los da
realidade que esta fora das escolas, está nas ruas, nas empresas, e quanto
melhor a escola os preparar melhor será sua adesão no mercado de
trabalho e sua contribuição na sociedade.
Sabe-se que muitos não possuem contato com um computador
se não na escola, ai se mostra a suma importância de realizar esse contato
e reservar um horário como de outra disciplina qualquer para aulas de
informática; afinal quando se procura um emprego, esse fator é
determinante.

169
Vozes da Educação

Precisa-se aguçar ao educando seu lado crítico, não haverá


mudança sem a compreensão crítica da realidade vivida, ou seja, sem a
leitura do mundo, dessa forma podemos perceber a importância de
preparar alunos para a globalização para fazer uma leitura de mundo e
estar prontos para enfrentar a diversidade do dia-a-dia.
Percebemos na educação atual a necessidade de preparar tanto
os alunos como os professores para esse mundo globalizado, que exige
tanto de todos; os professores precisam voltar a estudar e conhecer mais
sobre todas as novidades que estão girando a sua volta e repassar aos
alunos fazendo o possível para eles estarem preparados para usá-las no
dia-a-dia.
É extremamente importante esse projeto, pois a sociedade
avança muito rápida e a melhor forma de acompanhar esse processo e
através da escola; incentivando os jovens a buscar pelo conhecimento e
com auxilio de professores bem preparados.
Abordamos a metodologia de pesquisa bibliográfica; pura ou
básica, buscando adquirir conhecimentos novos, envolvendo interesses
pessoais e universais, classificada qualitativa, considerando a relação
entre o mundo e o sujeito, expondo os resultados de forma descritiva.

Globalização versus educação


O que é globalização e como iniciou sua trajetória?
Dados encontrados em pesquisas revelam; tudo começou na era
do descobrimento e se desenvolveu a partir da revolução industrial;
porém os historiadores dizem que seu conteúdo passou despercebido
por muito tempo, vindo a tona após e como resultado da segunda guerra
mundial ou da revolução tecnológica.
A globalização é um processo de integração social onde os
governos e empresas procuram trocar idéias e opinar em relação á
diversos assuntos, facilitando o convívio entre as diversas culturas;
auxilia no mercado de trabalho e comércio em geral.
Logo se percebeu que globalização tem tudo a ver com
tecnologia, sendo essa talvez a maior responsável pela união das nações.
Este era o foco dos que sobreviveram ao caus, causado pelas guerras em
especial a segunda guerra mundial, criar mecanismos diplomáticos e
comerciais para tal aproximação, tendo como base a comunicação; o

170
Volume VI

computador e a internet ajudaram e ajudam muito, pois facilitam a troca


de opinião entre as pessoas.
Uma definição de globalização por ALBAGLI, citado por
FARFUS (2011, p. 63), diz o seguinte:
A globalização associa – se hoje, por sua vez, a um amplo conjunto
de transformações, que configuram a passagem para um novo
paradigma tecnoeconômico. Esse novo padrão tecnológico e
produtivo é centrado nas modernas tecnologias de informação e
comunicação(...)
Não teve como negar que a globalização, a tecnologia, os
avanços científicos, as pesquisas em geral, em fim todo conhecimento
adquirido com o passar dos anos facilita para compreender o dia-a-dia, o
passado, e criar um futuro melhor.
“A globalização, termo da atualidade, embora não seja novo, é
inseparável da forma mercadológica e está intrinsecamente relacionado
ao capital financeiro.” (COUTO, 2010, p. 57)
Todas essas mudanças afetaram e afetam constantemente o
mercado de trabalho, exigindo cada vez mais preparação dos
profissionais, tanto dos professores para formar os futuros empregados
das empresas, como dos próprios alunos no sentido de preparar-se para
o futuro.
Mas nas escolas como podemos preparar nossos alunos, como
educá-los para cumprir com as exigências do mundo? E qual o
compromisso da escola para com a sociedade mediante toda essa
evolução?
Para Alonso (1983, p. 146 citado por BARTNIK, 2011, p.43) o
compromisso da escola é:
Essencialmente com os valores definidos a partir do
desenvolvimento cientifico e tecnológico presente. O que se requer
nesta sociedade é basicamente um individuo apto a enfrentar
situações as mais variadas imprevisíveis para as quais deve dispor de
uma flexibilidade tal que lhe permite efetuar respostas rápidas, sendo
impossível te – las prontas.
As tecnologias junto aos avanços científicos e a diversidade
cultural após as negociações entre as nações afetaram a comunicação,
pois outros povos com outros costumes e crenças fizeram parte do
nosso cotidiano, causaram um grande impacto sobre a educação;
trazendo a tona a necessidade, pode–se dizer obrigatoriedade a todas as
pessoas de buscarem pelos novos conhecimentos para acompanhar a

171
Vozes da Educação

evolução do saber; da sociedade; das tecnologias; em fim do mundo em


que vivemos.
“Não se faz mais educação de forma isolada”, (FARFUS, 2011,
p.73), dessa forma compreendeu-se que a escola não é somente entre
quatro paredes, mas sim, tudo a sua volta, a família dos alunos, seus
costumes e crenças influenciam muito na aprendizagem, uma forma de
conquistar o aluno, fazer desse conhecimento uma arma para o professor
iniciar o processo de aprendizagem.
A globalização com toda essa evolução buscou e busca por
qualidade de vida, então, todos deveram estar cientes disso;
proporcionando no mínimo o bem estar de seu próximo em fim de toda
a população, respeitando os direitos e deveres de cada individuo,
conscientizando uns aos outros a respeitar o próximo seja ele como for,
branco, preto; Alemão, Frances, Russo, se possuem necessidade especial;
não importa a etnia à raça tampouco as características das pessoas
possuíram o dever de respeitar e compreender; as diferenças existem e
sempre vão existir.
Ana Maria Petraitis Liblink et al (2011, p. 56) afirma que:
As continuas e profundas mudanças político-sociais cientificam e,
sobretudo, tecnológicas influenciavam novas tendências
responsáveis pela evolução do processo educativo, pois as
necessidades prementes da produção industrial, agrícola e comercial
exigiram, e exigem, em todos os setores de atividade, trabalhadores
bem preparados para a labuta cotidiana.
Para funcionários exemplares, precisamos começar desde
pequenos, na escola e em casa, ensinarem as crianças a ter humildade, e
sempre buscar mais conhecimento. Preparação para o mercado de
trabalho deve ser intensa, mediante a necessidade de melhores
profissionais. De acordo com Libâneo (1990, p.29; citado por SUHR,
2011, p.104);
As escolas deveriam modelar os alunos e promover a “aquisição de
habilidades, atitudes e conhecimentos específicos úteis e necessários
para que os indivíduos se integram na máquina do sistema social
global.
A sociedade precisa que seus integrantes estejam bem
preparados para enfrentar as dificuldades e conseguir resolver qualquer
problema que surgir. Dessa forma a escola tende proporcionar aos
professores, alunos e toda parte integrante um local bom de trabalhar,
com materiais para auxiliar os professores e alunos no desenvolvimento

172
Volume VI

de suas tarefas, como um acolhimento em que todos os envolvidos se


sintam bem e possam juntos realizar um ótimo lavor.

Professor, o conhecimento e a globalização


Nesta perspectiva que Dewey, citado por Vasconcelos, (2011, p.
150), propõe a “transformação da sala de aula em uma comunidade de
investigação científica”. Em outras palavras, sua proposta é apresentar
problemas para que os alunos por si mesmos busquem soluções.
Da maneira em que Dewey relata sua opinião, nós educadores
percebemos que não se dedica mais metodicamente os mesmos
conteúdos seqüenciados, sucessivamente com o mesmo texto, de feitio
algum carecemos assoalhar aos alunos o descobrimento do Brasil da
mesma forma que, há dez anos nosso professores nos instruíste;
precisamos inovar, empregar a criatividade, alvitrar ao aluno que perfaça
descobertas, examine, interprete, averigúe a historia, quem sabe
proporcionar a ele a oportunidade de expor a sua versão da história,
cogitar como chegou a tal conclusão, interatuar com a historia, não só
esta mas outras, envolver o aluno com o conteúdo, perpetrar que se sinta
parte da historia, desvendar mistérios, traçar objetivos para cada um,
conquistar essa aprendizagem de forma totalmente diferente, acreditar
nas mudanças e incentivar os educando a encontrarem meios para
explicar lacunas/questões surgidas durante o trabalho, da pesquisa, da
descoberta que juntos realizaram.
Segundo Márcia Baiersdorf Araujo;
O professor é mediador do processo de aprendizagem, é a
referencia em sala de aula, pois organiza as interações, articula o
grupo e sistematiza o ensino, conduzindo os aprendizes a um nível
mais elevados de compreensão. (2010, p. 156)
É esse o papel do professor, mediar o processo de
conhecimento e transformar teoria em prática, trabalhar com toda a
bagagem do aluno, juntar experiências, desenvolver formas para
despertar a curiosidade de o alunado conquistar um excelente resultado
para todo o seu esforço.
Segundo Gomez-Granell e Villa (2003, p. 20 citado por
FARFUS, 2011, p.25)
Nessa sociedade globalizada e interconectada, o bem mais
considerado será o conhecimento, mas um tipo de conhecimento,
um conhecimento que, diferente de épocas anteriores, não consistira

173
Vozes da Educação

tanto no acumulo e memorização dos conteúdos, mas na capacidade


de selecionar a informação e transformá-la em conhecimento.
Portanto a educação tem cada vez mais obrigações para com a
sociedade; nesse contexto os professores precisam estar preparados,
contudo cabe citar a importância da formação continuada, como
preparar cidadãos esse mundo tão complexo, globalizado, quando os
professores não estão preparados?
Os professores carecem de continuar estudando, pesquisando,
buscando conhecimento novo para repassar aos alunos, assim como
métodos novos; destarte como não somente o conhecimento, mas
confiança em si, alvitrar ao aluno coragem quando passar a existir
dificuldade, e tranqüilidade para lucrar com as oportunidades.
A globalização pode perpetrar as pessoas a esquecer suas
origens. Machado e Siqueira (2005, p.13 apud FARFUS, 2011, p. 65),
relatam quão imprescindíveis “a construção de uma cidadania plena que
abrange a recuperação do passado da identidade dos grupos sociais de
uma comunidade, revelando os momentos distintos do processo
histórico”.
Conseqüentemente cabe aos espaços educativos preservar a
memória cultural dos grupos e o exercício da cidadania, articulando
todos os atores que unidos vão tornar a comunidade melhor,
reconfigurando sua imagem e proporcionando melhorias necessárias
para que a sociedade viva melhor; “a vivência entre as mais diversas
culturas e formas de se organizar”, como Fátima e Silva de Freitas (2011,
p. 87) explanam.
O multiculturalismo vem sendo arrostado pelos governos, que
confinantes inquirem pela convivência eficaz dentre as comunidades, as
instituições educativas desempenham trabalhos nesse contexto de
culturas distintas, etnias, crenças em fim o magno desafio das escolas é
preservar as diversidades, repassar aos alunos promovendo respeito
mutuo e igualdade.
“A comissão Internacional lançou quatro pilares para a
educação no século XXI, os pilares aprender a conhecer; aprender
afazer; aprender a ser e aprender a conviver”; Michaliszyn (2008, p.107).
São bem claro no que diz respeito à educação atual, em resumo expressa

174
Volume VI

a qualidade do ensinar, a valorização da qualificação social, a vivencia


com o próximo, e a forma de agir.
Desígnio o resultado destes pilares, cidadãos capazes de fazer
parte da sociedade e transformá-la; consiste nos educadores
responsabilidade para articular e mediar aos educandos à capacidade de
ser independente para escolher, deliberar por si e pelo grupo que convive
em prol de uma sociedade e conseqüentemente um mundo melhor.
“Nesse cenário, percebemos a importância do professor
compromissado com uma proposta educativa de qualidade, que vai em
busca de metodologias e currículos adequados.”(BARTNIK, 2011,p.128)
Não basta ter um certificado em mãos, precisa ter o
comprometimento em fazer a diferença, acreditar no trabalho a ser
desenvolvido, ter confiança em si, demonstrar isso aos seus alunos para
acreditarem em você, e formarem uma equipe para destruir as barreiras,
as dificuldades e formar pessoas capazes de fazer tudo, aprender
maneiras novas de realizar algo novo, inovar sempre, buscar formas de
conquistar o melhor desempenho profissional.
“Conhecer o aluno, sua vida, sua prática social, as contradições
da vida que levam em comunidade, suas necessidades etc. é papel do
educador nesse método e dessa vivencia são gerados os conteúdos da
escola.”(MELO, 2011, p.81)
Retornamos a ressaltar a necessidade da preparação dos
professores para tarefa de educar, devido à transformação da sociedade e
das famílias no que diz respeito ao acompanhamento do
desenvolvimento dos filhos na escola.
Paulo Freire comenta (1996 p. 21-22 apud SOARES, 2011, p.
64): (...) só há uma saída para pratica educativa: adaptar o educando a
esta realidade que não pode ser mudada.
Destarte observamos a necessidade da atenção do educador ao
seu educando diante das modificações na humanidade, carece de uma
educação flexível e atenta, baseada na realidade do aluno.
Baseado na teoria de Pura Lucia Oliveira Martins, o professor encontra
dificuldade na hora de repassar o conteúdo aos alunos, pois já vem
programado e geralmente não condiz com a realidade do aluno
dificultando a aprendizagem. O educador precisa de jogo de cintura e
muito conhecimento para buscar associações entre o conteúdo e

175
Vozes da Educação

realidade; sem contar que muitos conteúdos não têm nada a ver com a
real precisão dos alunos, jamais iram usar na vida e isso prejudica o
trabalho docente e o educando.
Outro importante grifo de Paulo Freire (1997, p. 49; apud
ARAUJO, 2010, p.136):
Se tivesse claro para nos que foi aprendendo que
percebemos ser possível ensinar, teríamos entendido
com facilidade a importância das experiências informais
nas ruas,nas praças, no trabalho, nas salas de aula da
escolas, nos pátios do recreios, em que variados gestos
de alunos, de pessoal administrativo,de pessoal docente
se cruzam cheios de significação.
Afinal as mudanças estão no dia-a-dia não tem como negar,
mas precisamos observar com um olhar diferente, pois nas pequenas
coisas pode-se retirar um conhecimento imensurável, basta prestar
atenção e coletar dados no cotidiano do professor, do aluno fica mais
fácil, pois essa aproximação da realidade é fundamental para haver uma
identificação entre o educando e conteúdo. Nosso trabalho é refletido na
sociedade, afinal formamos cidadãos. Mas será que os professores estão
preparados e compreendendo sua responsabilidade para com a
sociedade, para formar cidadãos condizentes ao que se espera?
John Dewey (ROMANOWSKI, 2007, p. 133) em um desabafo
bem antigo, falou o seguinte:
- escuta lá, mas quando se diz que o professor tem dez anos de
experiência, quer dizer que ele tem mesmo dez anos de experiência
ou quer dizer que ele tem um ano de experiência repetido dez vezes.
Faz-se necessário compreender que não basta estar lecionado
há vários anos, sendo uma repetição, não buscando algo novo, por mais
informação; certamente, até mesmo seus alunos vão saber mais, não
terão paciência para ouvir o discurso de dez anos, apetecer a
aposentadoria não dá, é dever do professor se mover e adquirir
conhecimento, inovar seus métodos.
Em relação à carreira do educador precisa ser interpretada a
melhor forma para que esta seja realizada. Joana Paulin Romanowski
(2007, p. 145) comenta:
Formar um professor que reflita na e sobre a sua prática requer,
portanto, condições de realização, como tempo de permanência
alem das aulas, serviço de apoio para gravação das aulas, tempo para
realização de reuniões de avaliação e especialistas para auxiliarem na
avaliação das aulas. (2007,p.145)

176
Volume VI

É de suma importância que o professores jazam estudando e


buscando pelo novo, assim pode-se concluir que haverá um ensino de
qualidade que realmente possa levar à sociedade a conscientização do
respeito ao próximo e que juntos podemos ir mais longe.
O bom ensino depende de organizar eficientemente as condições
estimuladoras, de modo que o aluno saia da situação de aprendizado
diferente de como entrou. Ou seja, o ensino é um processo de
condicionamento através do uso de reforço das respostas que se
quer obter. (LIBÂNEO 1990, p.30-31 apud SUHR, 2011, p. 104)
Para que o aluno se empenhe realmente em conhecer algo é
preciso incentivá-lo, deixá-lo curioso, expor um pouco do conhecimento
e fazer ele buscar por mais, sem precisar obrigar que faça, o educando
precisa compreender que depende do esforço dele para chegar ao lugar
que deseja; o educador é o mediador, incentivador, a ponte para ele
chegar ao outro lado, ao estar bem preparado tanto professor como
aluno as dificuldades são menores e os resultados melhores. Enfim cabe
ao professor humanizar seus alunos para que consigam responder aos
desafios do seu tempo.

O futuro cidadão e o mercado de trabalho


Como está sendo esperados nossos alunos no mercado de
trabalho, qual será seu papel no futuro, como desenvolverá sua atividade,
são perguntas que persistem em nossas mentes de educadores, como
podemos auxiliar nessa tarefa; devemos prepará-los para enfrentar todos
os tipos de problemas.
O estudante precisa ter uma formação que lhes permita
compreender a lógica e as relações do mercado de trabalho, dominar
as novas tecnologias, estar abertos as diversas relações humanas e,
conseqüentemente, adquirir uma formação tanto para a cidadania
como para o mundo do trabalho. (BARTNIK, 2011, p.49)
Exatamente isso que o mercado de trabalho espera dos seus
próximos colaboradores, preparados para usar as inovações e estar
aberto a aprender novas formas de realizar / desenvolver as atividades a
ele propostas.
“Cabe ao professor despertar nos alunos a vontade de aprender
e realizar a mediação do conhecimento, proporcionando as condições
para que se tornem sujeitos desse processo.” (BARTNIK, 2011, p. 62)
A prática docente na era da globalização tende a ser repensada a
todo o momento, precisamos estar preparados sempre, para as mudanças

177
Vozes da Educação

contínuas na educação, assim como para os alunos, que vem para as


escolas mais preparadas, com mais conhecimento, precisamos preparar
nossos alunos cada dia mais e melhor para o mercado de trabalho, pois
este, esta cada vez mais exigente.
“Na sociedade, assim como no processo educativo, as normas
são definidas de acordo com o tempo, a maneira de pensar, a cultura e a
realidade de cada contexto social.” MICHALISZYN (2008, p. 102)
A escola tem o papel de formar cidadãos que juntos vão fazer
uma sociedade, para que essa sociedade fique cada dia melhor é preciso
cada qual saber o seu lugar, defender seus direitos, lutar por um mundo
melhor; e respeitar o próximo.
Grochoska, no seu livro Organização escolar perspectivas e
enfoques, (2011, p. 38), faz uma referencia a participação dos pais na
escola:
A escola onde os pais estão próximos, existindo a integração com a
comunidade, tem maior percepção a respeito das dificuldades e
potencialidades do contexto onde esta inserida. Assim, os pais
servem de balizadores para os encaminhamentos e tornam-se co-
responsáveis pelo processo educacional.
A família auxilia na educação, ensinando os princípios e
expondo a criança/adolescente problemas que enfrentam no trabalho,
ou na sociedade como resolver, como agir, resume-se construção do
caráter. Afinal a escola ensina, mas sem ajuda dos pais fica mais difícil
chegar ao objetivo de preparar o aluno para enfrentar a rotina de uma
empresa, ou os problemas do dia-a-dia.
O que se propõem á escola; é fazer o seu aluno se sentir parte
da sociedade/comunidade, ver sua profissão como parte do seu lugar
e/ou do mundo.
De modo geral o que precisa ser feito é juntar a escola ao
mundo que está ao redor dela, não apenas mostrar coisas que
aconteceram a mais de dois mil anos, porem é importante saber das
historias, mas não é só isso que se espera da escola. Precisa-se preparar o
alunado para a sociedade.
Citado por Couto (2010, p.56,57) Santomé (2003, p.38) relata:
Educar significa oferecer a cidadãos e cidadãs conhecimentos e
habilidades para analisar o funcionamento da sociedade, e para
poder intervir em sua orientação e estruturação. Isso inclui também
gerar capacidades e possibilidades de obter informações para criticar
esses modelos produtivos e essas instituições do estado quando não

178
Volume VI

funcionam democraticamente e favorecem os grupos sociais mais


privilegiados.
Em pesquisa observa-se que os jovens têm bastante dificuldade
para conquistar uma vaga de emprego, muitos têm um currículo ótimo,
com vários cursos, cursando uma faculdade, mas não conseguem a
oportunidade que precisam; podemos mudar essa realidade. Acredita-se
que a escola junto à família e comunidade, pode oferecer a todos uma
educação capaz de preparar profissionais para que consiga conquistar
por seus próprios méritos o seu espaço, e quebrar esse tabu, que façam
da sociedade um lugar melhor a cada dia.

Fundamentação metodológica
Este trabalho teve por objetivo observar como a globalização
esta afetando os alunos do ensino fundamental e médio na hora de
conquistar um emprego; e como os professores estão se portando com a
evolução dos conhecimentos num contexto de preparar – se e aos seus
alunos para o mundo que encontraram fora das escolas e as dificuldades
do dia-a-dia.
Todo trabalho tem uma finalidade, afinal ninguém nos dias de
hoje resolve dar horas de sua vida para fazer uma pesquisa de grande
complexidade se não houver um motivo uma necessidade de resolver um
problema, de adquirir conhecimento, investigar a fundo um assunto, e
encontrar respostas convincentes para tal questão, então essa pesquisa
tem características que explicam a forma em foi realizada.
Consultando alguns estudiosos como René Descartes, Issac
Newton, e Karl Popper compreende-se o tipo de trabalho/pesquisa
realizado; sendo este de natureza pura ou básica; procura gerar
conhecimentos novos, úteis para o avanço da ciência sem aplicação
prática prevista, porém envolve interesses pessoais e universais e os fatos
citados são verídicos sendo abordados aqui após muita pesquisa;
classificada qualitativa, considerando a relação dinâmica entre o mundo e
o sujeito, interpretando os dados e colocando – os na forma descritiva,
analisando todo conhecimento adquirido indutivamente; com o
procedimento técnico da pesquisa bibliográfica, pelo fato de ter utilizado
materiais como livros, artigos, onde o material já estavam publicados e
também a internet.

179
Vozes da Educação

Considerações finais
Posteriormente realizar várias pesquisas concluiu-se o trabalho
de conclusão de curso, sendo este elaborado sob perspectiva de adquirir
conhecimento e descobrir como as escolas estão trabalhando nos dias de
hoje, o tema globalização foi indagado a fim de responder a questão:
O que a globalização tem para oferecer a educação? Como
preparar os alunos do ensino fundamental para o mundo globalizado?
Desta forma concluímos que a globalização tem tudo a ver com
as tecnologias, entretanto percebe-se a mudança dos alunos; com tanta
informação de fácil acesso, exigem que os educadores se preparem
sempre mais adquirindo maior quantidade de conhecimento, busquem
pela formação continuada, inove seus métodos, procure interagir mais
com seus alunos.
Ressaltamos a importância da participação dos pais, da
comunidade em que a escola esta inserida, para haver a aproximação ente
a própria escola assim como dos professores com a realidade vivenciada
por seus alunados.
Aprendemos que é fundamental incentivar nossos alunos a
buscar mais conhecimento e prepará-los para enfrentar qualquer
obstáculo que a vida lhes apresentar; assim como ter coragem de criar,
aceitar novas formas de realizar uma atividade; não ter medo de aprender
métodos diferentes opiniões, mas não deixar de apresentar seu ponto de
vista, ajudar a debater maneiras de resolver problemas acreditar em
sonhos.
O procedimento da pesquisa se deu de natureza puro-básica,
qualitativa, onde buscou – se apoio em livros, artigos, e por meio da
internet, para chegar mais perto da realidade, encontramos algumas
opiniões de jovens em relação a dificuldade do primeiro emprego; o
resultado foi atingir todos os objetivos esperados e chegar aqui satisfeito;
mostrando com enorme significado de importância a formação
continuada, e o empenho de todos envolvidos no processo educacional,
assim sendo juntos formaremos um mundo melhor.

180
Volume VI

Referências Biliográficas
BARTNIK, Helena Leomir de Souza, Gestão Educacional, 1°edição.
Curitiba:Ibpex,2011(Série Formação do Professor);
FARFUS, Daniele, Espaços Educativos: um olhar pedagógico, 1°edição.
Curitiba: Ibpex, 2011(Série Formação do Professor);
FREITAS, Fátima e Silva, A diversidade cultural como pratica na
educação, 1°edição. Curitiba:Ibpex,2011(Série Dimensões da Educação);
MICHALISZYN, Mario Sergio, Educação e Diversidade, 1°edição.
Curitiba:Ibpex,2008;
SOARES, Marcos Aurélio Silva, O pedagogo e a organização do
trabalho pedagógico, 1°edição. Curitiba:Ibpex,2011(Série Formação do
Professor);
GROCHOSKA, Marcia Andreia, Organização escolar perspectivas e
enfoques1°edição. Curitiba: Ibpex,2011(Série Pesquisa e Prática
Profissional em Pedagogia);
LIBLIK, A.M.P.;Petraitis, R.A.; Liblik, L.I., Contextos Educacionais por
uma educação integral e integradora de saberes, 1°edição. Curitiba:
Ibpex,2011(Série Pesquisa e Prática Profissional em Pedagogia);
ROMANOWSKI, Joana Paulin,Formacao e Profissionalização Docente,
3º edição,Curitiba:Ibpex,2007;
ARAUJO, Márcia Baiersdorf, Ensaios sobre a aula narrativas reflexões
da docência,1º edição, Curitiba:Ibpex,2010;(serie pesquisa e pratica
profissional em pedagogia)
SURH, Inge R. F., Teorias do Conhecimento Pedagógico, 1º edição,
Curitiba: Ipbex, 2011(serie fundamentos da educação);
VASCONCELOS, José A., Fundamentos Filosóficos da
educação,Curitiba: Ipbex,2011(serie fundamentos da educação);
MELLO, Alessandro de; URBANETZ, Sandra Terezinha. Trabalho de
Conclusão de Curso em Pedagogia. Curitiba: Ibpex, 2009;
MELLO, Alessandro de; Relação entre escola e comunidade, 1° edição,
Curitiba: Ipbex, 2011( série Pesquisa e Prática Profissionalizante em
Pedagogia);
COUTO, Ana C. R., Ensino Fundamental caminhos para formação
integral,1° edição, Curitiba:Ipbex, 2010( Série Pesquisa e Prática
Profissional em Pedagogia);

181
Vozes da Educação

A APLICAÇÃO DE UMA FERRAMENTA DO CAMPO DA


ADMINISTRAÇÃO NO EXERCÍCIO DOCENTE E OS BENEFÍCIOS
DA SUA APLICAÇÃO

Marcio Carapeto Silveira2

RESUMO
O presente artigo propõe a aplicação de uma ferramenta do campo da
administração no exercício docente, apresentando os benefícios desta
aplicação. Ao assumirmos uma ótica crítica sobre os aspectos educativos,
em especial o processo de preparação de aulas, é possível identificar
fragilidades para atuar na elaboração de propostas que contribuam para
ações mais produtivas. Na busca por proposta de contribuição para o
processo educativo, o presente estudo tem como objetivo analisar
algumas das possibilidades do uso de uma ferramenta que ficou popular
pela sua utilização nos sistemas de melhoria contínua (inclusive os
normativos e auditáveis como a ISO 9001, sistema normativo de
qualidade), o ciclo PDCA (ciclo de gestão de processos que envolve
quatro etapas, planejamento, execução, avaliação de resultados e ação
corretiva, do inglês Plan, Do, Chec e Act), conjugando-o com o plano de
aula. O plano de aula, foi identificado como adequado para esta proposta

2
Marcio Carapeto Silveira Faria é formado em Relações Públicas pela UERJ, com especialização
em propaganda, promoção e merchandising (FGV) e publicidade (ESPM); com pós-graduação
em docência do ensino superior (UniverCidade) e gestão de negócios sustentáveis com ênfase
em responsabilidade social e meio ambiente (UFF) e mestrado em Sistemas de Gestão
(UFF/LATEC). Cursou, ainda, o “Corporate Social Responsability Strategies to Create Business
and Social Value”, na Universidade de Harvard. Possui formação como auditor líder ambiental /
IS0 14001 (BVQI), auditor interno de responsabilidade social / SA 8000 (BVQI) e auditor em
sistema de gestão de sustentabilidade / ABNT NBR 15401 (IBPQ). Atuou profissionalmente nas
áreas de relações públicas, produção de eventos, promoções, comunicação interna, marketing,
comunicação corporativa, patrocínios, responsabilidade social e relacionamento comunitário.
Com passagens por empresas como Coca-Cola, Veracel e Transpetro, é hoje profissional de
comunicação social pleno na Petrobras, atuando na gerência de relacionamento comunitário,
vinculada à gerência executiva de responsabilidade social. Como profissional reconhece e
acredita no poder transformador da educação e atua, também, como professor universitário com
atuação no Centro Universitário da Cidade e na Faculdades Integradas do Extremo Sul da Bahia
nos cursos de administração, turismo e marketing. Marcio Carapeto é, ainda, autor do livro A Voz
do Povo é a Voz de Deus - Lições Consagradas pela Sabedoria Popular Aplicadas em Conceitos
de Gestão, Marketing, Vendas e no Desenvolvimento Pessoal, lançado pela Qualitymark e do
artigo Os “P”s do marketing turístico.

182
Volume VI

por ser o último estágio de planejamento no processo didático, e


justamente aquele que oferece maior autonomia ao docente.O presente
artigo, assim, procura esclarecer que relação pode se estabelecer entre o
último nível de planejamento didático, o plano de aula, e a ferramenta de
gestão ciclo de Demming, ou o PDCA, como é mais conhecida por. E
quais poderão ser suas implicações para o cotidiano da práxis educativa
do docente na educação superior? Escrever sobre áreas de estudo tão
distintas como educação e administração propondo uma interação entre
elas, a partir do uso de um modelo de uma ciência em outra, se mostra
um difícil ofício. O resultado do estudo, no entanto, demonstra indícios
que a proposta de aplicação da ferramenta oferece possibilidades e
resultados favoráveis aos docentes.
Palavras-chave: Educação; planejamento; gestão; ciclo de
deming; plano de aula.

ABSTRACT
This article proposes the implementation of a tool of the Administration
in the exercise field, showing the benefits of this application. To assume
a critical perspective on educational aspects, in particular the process of
preparation of classes, it is possible to identify weaknesses to act on
proposals that will contribute to more productive actions. In order to
propose a contribution to the educational process, this study aims to
examine some of the possibilities of the application of a tool that became
popular by its application in continuous improvement systems (including
the regulatory and auditable as ISO 9001 quality standard system), the
PDCA cycle (process management cycle that involves four stages, plan,
execution, evaluation of results and corrective action - Plan, Do, Chec
and Act), combining it with lessons plan. The lesson plan, has been
identified as suitable for this proposal because it is the last stage of
planning in the didactic process, and one that offers greater autonomy to
the teacher. This article therefore seeks to clarify that relationship can be
established between the last level of educational planning, lesson plan,
and the Deming Cycle management tool, or PDCA, as it is more known.
And what might be its implications for everyday praxis teacher education
in higher education? Write about areas of study as distinct as education
and management proposing an interaction between them, from the use

183
Vozes da Educação

of a model of a science in another, if it shows a difficult craft. The result


of the study, however, shows evidence that the proposed application of
the tool offers possibilities and favorable results to teachers.
Keywords: Education, Planning, Management, Deming cycle, Lesson
plan.

Contexto e metodologia
Todo esforço de pesquisa necessário para o desenvolvimento
deste estudo realizou-se através da leitura de livros, teses e artigos.
Assim, trata-se de um estudo bibliográfico. Ao longo do estudo surgiram
interessantes constatações.
Tratando-se de um estudo de cunho bibliográfico e documental
onde autores como: Cipriano Carlos Luckesi (2001), Wemer Market
(1992), Vasco Pedro Moretto (2007), Henry Mintzberg (1995),
Maximiliano Menegolla & llza Martins Santa’Anna (2001) dentre outros,
fundamentam este estudo.
A educação se dá em diferentes níveis, em diferentes
segmentos. O educador e antropólogo Carlos Rodrigues Brandão, em
seu livro “O que é educação”, define educação como:
O processo de humanização que se dá ao longo de toda vida,
ocorrendo em casa, na rua, no trabalho, na igreja, na escola e de
muitos modos diferentes (BRANDÃO, 1995, p.11).
Já o planejar é definido como:
Uma realidade que acompanhou a trajetória histórica da
humanidade, O homem sempre sonhou, pensou e imaginou algo na
sua vida.(MENGOLLA & SANT'ANNA, 2001, p.15)
Os processos educativos acompanham a humanidade desde os
primórdios de sua evolução. A transferência de informações,
experiências, rituais e métodos sempre esteve presente entre os
humanos, em um processo claramente educativo.
A educação certamente fez e faz parte de qualquer sociedade
em qualquer momento da história. A transmissão de conhecimentos,
histórias, culturas, mitos que cada civilização busca perpetuar,
transmitindo estes valores de geração a geração, na expectativa de se
perpetuá-los é realizada através de processos de educação.
O ato de planejar (estabelecer um pensamento minimamente
desenvolvido em torno da organização de ações ou etapas na realização

184
Volume VI

das atividades) igualmente é inerente ao ser humano. Ele acompanha


toda existência da humanidade. O planejamento é fator de fundamental
importância em qualquer segmento e atinge grande parte dos processos
sociais, econômicos e políticos.
Tais constatações demonstram que os dois principais temas
abordados neste estudo, as duas áreas de estudo que se pretende reunir e
relacionar ao longo do texto, educação e administração, guardam
semelhanças entre si. Tanto a educação quanto o planejamento são duas
atividades tão antigas quanto a própria humanidade. Ambos são temas
presentes na rotina das pessoas e se relacionam, de uma forma ou de
outra, com o dia a dia de todos.
Longe da pretensão de relacionar duas áreas de grande
importância diante de qualquer análise, no entanto, a relação que se
pretende estabelecer neste estudo é objetiva e direcionada, com campos
bem definidos e limitados: o plano e aula e o ciclo de Deming ou PDCA.
O último nível de planejamento no processo didático, o plano
de aula que pretendemos abordar neste estudo é o instrumento de
planejamento desenvolvido exclusivamente pelo próprio professor e tem
como objetivo, justamente, orientar suas ações, objetivos e metodologia
dentro de uma sala, durante determinado período, no contato direto com
seus alunos e as realidades individuais e coletivas.
O modelo PDCA, ou o ciclo de Deming, modelo consagrado
nos processos de qualidade, conhecido ainda como ciclo de melhoria
contínua, como apresentado na Figura 01 possui quatro etapas, descritas,
segundo Letort e Boudreax (1994) como: Planejar (Plan): entender e
definir onde se localiza o problema, identificando suas causas raízes e
estabelecendo planos de ação; Fazer (Do): preparar e executar um Plano;
Checar (Check): acompanhar indicadores, coletando e analisando os
dados, verificando a relação com as metas planejadas e; Agir (Act): agir
corretivamente onde houver identificação de insucesso, replanejando as
ações e reiniciando o ciclo.

185
Vozes da Educação

Figura 1 - Ciclo PDCA, Ciclo de Deming, Ciclo de Shewhart ou Ciclo de Melhoria Contínua.
(Figura criada pelo autor de acordo com bibliografia sobre o tema).

Carpinetti (2012) esclarece que o ciclo PDCA, também


conhecido como ciclo de Deming Shewhart, ou ciclo da qualidade é o
método mais comum para o desenvolvimento de um processo de
melhoria contínua.

Gestão
Pela grande diversidade de autores e bibliografia tratando do
tema, é impossível encontrar uma definição universal para gestão ou para
administração. Pode-se dizer que segundo esmagadora maioria dos
autores, ao menos, os termos têm significados e definições semelhantes.
Segundo o Dicionário Aurélio, GESTÃO significa "o mesmo
que administração". E ADMINISTRAR está definido como "gerir
negócios, públicos ou particulares; governar; dirigir; reger com
autoridade suprema".
Fayol (1981), em Administração Industrial e Geral, define
administrar como:
prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. Prever é
perscrutar o futuro e traçar o programa de ação. Organizar é
constituir o duplo organismo, material e social, da empresa.
Comandar é dirigir o pessoal. Coordenar é ligar, unir e harmonizar
todos os atos e todos os reforços. Controlar é velar para que tudo
corra de acordo com as regras estabelecidas e as ordens dadas.
(FAYOL, 1981, p.26)
Oliveira (2004) acrescenta novo termo próximo à
administração, o planejamento, definindo-o como a "identificação,
análise, estruturação e coordenação de missões, propósitos, objetivos,
desafios, metas, estratégias, políticas, programas, projetos e atividades,

186
Volume VI

bem como das expectativas, crenças, comportamentos e atitudes, a fim


de se alcançar de modo mais eficiente, eficaz e efetivo o máximo do
desempenho possível, com a melhor concentração de esforços e recursos
pela empresa”.
Juran (1990), de uma maneira simplificada, estabelece que
"administrar" está baseado nos três processos gerenciais: Planejamento,
Controle e Melhoramento. Na definição de Juran, o planejamento já está
incluído como um dos processos de gestão, ou seja, uma ferramenta
administrativa.
Ackoff (1974) declara que o planejamento deve ser considerado
a partir de quatro aspectos importantes: participativo, coordenado,
Integrado e permanente e ainda esclarece que "o planejamento é um
processo contínuo que envolve um conjunto complexo de decisões inter-
relacionadas que podem ser separadas de forma diferentes."
Em qualquer definição apresentada para administração, ou seu
sinônimo gestão, são enumeradas atividades ou funções em sequência
que devem ser realizadas para o alcance dos objetivos previstos.
Veremos adiante que uma das características do ciclo PDCA é o
desenvolvimento de uma sequência de atividades (ou funções) num
método que o realiza de forma cíclica.
Percebemos, ainda, pelas definições apresentadas, que
administração pode ter diferentes aplicações: empresarial, pessoal,
material, em informação. Fica claro, também, que a ação de administrar
envolve diferente iniciativas, entre elas: planejar, coordenar, controlar,
estabelecer normas e padrões, buscar objetivos e resultados.
Taylor (1995), um dos mais reconhecidos autores de
administração, em Princípios de Administração Científica, diz que a
administração adquiriu novas atribuições e responsabilidades. Estas
novas atribuições e responsabilidades são representadas em quatro
princípios: princípio de planejamento; princípio de preparo; princípio do
controle e princípio da execução.
O princípio de planejamento prevê a substituição da
improvisação pela ciência, por meio do planejamento do método.
O princípio de preparo prevê o preparo da mão de obra,
máquinas, equipamentos e processos de produção.

187
Vozes da Educação

O princípio do controle prevê o controle do trabalho para


certificar sua execução de acordo com as normas estabelecidas e segundo
o plano previsto.
O princípio da execução prevê a distribuição das atribuições e
responsabilidades de forma organizada, para que a execução seja
organizada e adequada.
Sua definição faz um importante link, não só com o
planejamento como também com preparo, controle e execução,
atividades facilmente identificadas no ciclo PDCA.
É importante frisar que como instrumento do processo
administrativo, o planejamento não é um ato isolado e independente,
mas sim um processo composto de ações inter-relacionadas e
interdependentes que visam ao alcance de objetivos previamente
estabelecidos (metas).
Drucker, um dos mais respeitados autores sobre gestão, diz
que:
“O planejamento não diz respeito a decisões futuras, mas às
implicações futuras de decisões presentes”. (DRUCKER, 1962, p.
131)
O planejamento é a busca do estado futuro desejado e o
delineamento dos meios necessários para tomá-lo realidade. O ato de
planejar consiste em analisar as situações antes de realizar as ações para
obtenção de resultados.
O planejamento, no âmbito educacional, de fato, muitas vezes é
confundido ou interpretado como um instrumento burocrático, uma
ferramenta formal para estabelecer prazos e facilitar o monitoramento.
Segundo Kuenzer (2003), "o planejamento da educação também é
estabelecido a partir das regras e relações da produção capitalista
herdando, portanto, as formas, os fins, as capacidades e os domínios do
capitalismo monopolista do Estado”.
O planejamento aplicado à educação, no Brasil, não foi
percebido, inicialmente, como um facilitador, como ferramenta da
prática didática, mas sim um regulador de ações pedagógicas, pelo
momento político em que eles foram implantados. As percepções de
diferentes autores apontam o papel previsto para o planejamento naquele
momento. Tal característica talvez justifique a resistência de professores
em preparar suas aulas. A percepção existente para estes professores,

188
Volume VI

sobre o planejar, sobre a estrutura organizacional da educação remete a


um período de monitoramento, controle e limitação do exercício
docente.
Luckesi (2001) ressalta a importância do planejamento aplicado
à educação, ainda que considere este cenário de dúvidas e as diferentes
percepções a respeito do tema.
O planejamento não será nem exclusivamente um ato político-
filosófico, nem exclusivamente um ato técnico; será sim um ato ao
mesmo tempo político-social, científico e técnico: político-social, na
medida em que está comprometido com as finalidades sociais e
políticas; científicas na medida em que não pode planejar sem um
conhecimento da realidade; técnico, na medida em que o
planejamento exige uma definição de meios eficientes para obter
resultados (LUCKESI, 2001, p. 108).
A falta de planejamento é o primeiro passo para se distanciar
dos objetivos esperados, em qualquer esfera, em qualquer atividade,
assim também o é no exercício das atividades didáticas. A falsa
percepção que alguns professores carregam que o planejamento é um ato
burocrático, limitador e ferramenta de monitoramento e controle de seu
trabalho compromete o desenvolvimento do cidadão, pois não
estabelece a necessária rotina reflexiva sobre a prática didática, os
objetivos traçados e a reflexão sobre os resultados.
A educação, a escola e o ensino são os grandes meios que o homem
busca para poder realizar o seu projeto de vida”. Portanto, cabe à
escola e aos professores o dever de planejar a sua ação educativa
para construir o seu bem viver. (MENEGOLLA & SANT'ANNA,
2001, p.11)
Desnecessário reforçar a importância, que fica clara na citação,
tanto da escola como dos professores na formação do homem. Desta
forma, a negligência no planejamento da ação educativa compromete não
só o cumprimento do conteúdo estabelecido para sua disciplina, mas
principalmente no desenvolvimento dos homens e na construção de uma
sociedade mais justa e consciente.
A ação educativa deve ter como perspectiva básica a construção
de uma sociedade consciente de seus direitos e obrigações individuais e
coletivas.
O sucesso da prática pedagógica está na rotina do professor em
sua sala de aula.
A educação, sendo uma atividade eminentemente humana e com a
qual a homem se preocupa de maneira especial, jamais deve ser

189
Vozes da Educação

desenvolvida isoladamente. (MENEGOLLA & SANT'ANNA,


2001, p.85)
Os autores de administração quando se aprofundam no tema de
planejamento (e suas inúmeras variantes como planejamento estratégico
e planejamento a longo prazo entre outros), acabam definindo três
diferentes níveis hierárquicos de planejamento.
A figura 2, abaixo, criada pelo autor baseado na ampla
bibliografia existente sobre o tema, representa, de que forma os três
níveis estratégicos se relacionam desde o desenvolvimento dos macros
processos, metodologias e estratégias até sua aplicação rotineira no
andamento das atividades da instituição, no nível operacional.

Figura 2 - Representação gráfica dos três níveis estratégicos (figura criada pelo autor de acordo
com bibliografia do tema).

Estratégico

Tático

Operacional

Oliveira (2003) define planejamento e esclarece a diferença e a


área de atuação de cada um dos níveis hierárquicos de planejamento:
Planejamento é a identificação, análise, estruturação e coordenação
de missões, propósitos, objetivos, desafios, metas, estratégias,
políticas, programas, projetos e atividades, bem como de
expectativas, crenças, comportamentos e atitudes, a fim de se
alcançar de modo mais eficiente, eficaz e efetivo o máximo do
desenvolvimento possível, com a melhor concentração de reforços e
recursos pela empresa. (OLIVEIRA, 2003, p. 327).
Quanto aos três níveis hierárquicos do planejamento Oliveira
(2003, p. 327) estabelece que o primeiro nível, o estratégico, proporciona
sustentação metodológica para se estabelecer a melhor direção a seguir,
buscando otimizar o grau de interação com o ambiente. Este nível se

190
Volume VI

relaciona com os objetivos de longo prazo e as estratégias e ações para


alcançá-los, concentrando o foco no planejamento e não na execução.
Esse plano é desenvolvido junto aos escalões mais altos da organização.
Já o nível tático visa otimizar uma área específica, dando um
recorte à organização como o todo, direcionando as orientações do nível
estratégico para os processos da área.
O nível operacional define a programação de curto prazo. Pode
ser visto como a formalização das metodologias de desenvolvimento e
implantação estabelecidas. Neste nível, as demandas são avaliadas de
forma totalmente desagregada, gerando planos de ação ou planos
operacionais.
Os planejamentos operacionais devem considerar, ainda,
segundo Oliveira: os recursos necessários para seu desenvolvimento e
implantação; os procedimentos básicos que devem ser adotados; os
resultados esperados; - os prazos estabelecidos; os responsáveis pela
execução e implantação.
É no nível operacional que vamos pautar nosso estudo, já que
iremos abordar o plano de aula, o último estágio de planejamento no
processo didático.
Mais do que apresentar as razões para que os professores
valorizem e utilizem esta importante ferramenta pedagógica, o plano de
aula, o presente estudo se propõe a valorizar este instrumento como
importante norteador da ação pedagógica, propondo um modelo de
gestão sobre ele.

Plano de aula
Segundo a UNESCO (1971), o planejamento educacional não é
uma fórmula mágica para todos os problemas e também não é uma
conspiração para suprimir as liberdades dos professores, administradores
ou alunos; ou ainda, um meio para grupos decidirem sobre objetivos e
prioridades da educação e do ensino. Ou seja, o planejamento se
estrutura visando o alcance de determinados objetivos. Quem estabelece
tais objetivos são os responsáveis pela elaboração do planejamento.
O conceito de planejamento, como ele é entendido hoje, como
ferramenta de gestão, surgiu como importante processo para resolução

191
Vozes da Educação

de questões complexas. Gandim (2008, p. 01) sugere que se pense no


planejamento como uma ferramenta para dar eficiência à ação humana.
É importante entender que o processo de planejamento se dá
em diferentes níveis. A organização prevista precisa ser estabelecida em
diferentes etapas, cada qual com sua função e importância. Assim
também se dá a organização dos diferentes níveis hierárquicos de
planejamento dentro de instituições de ensino.
No ambiente didático é necessário entender os muitos termos
utilizados para definir e caracterizar cada diferente nível hierárquico do
planejamento.
Para Menegolla & Sant'Anna (2001, p. 38) afirmam que estes
diferentes níveis de planejamento propostos para ação didática "são
palavras sofisticadamente pedagógicas e que "rolam" de boca em boca,
no dia a dia da vida escolar”.
Padilha (2003, p.29), porém, acredita que estes termos têm sido
compreendidos de diferentes maneiras, o que dificulta a total
compreensão e abrangência de cada termo, dificultando, assim, o próprio
processo de planejamento.
No artigo "A importância do planejamento das aulas para
organização do trabalho do professor em sua prática docente"
apresentado pelas autoras Patrícia de Castro, Cristiane Tucunduva e
Elaine Mandelli Arns, são enumerados os diferentes instrumentos de
planejamento a partir de definições de autores e instituições com notório
reconhecimento público.
Planejamento, por Menegolla & Sant'Anna, 2001, p.40):
É um instrumento direcional de todo processo educacional, pois
estabelece e determina as grandes urgências, indica as prioridades
básicas, ordena e determina todos os recursos e meios necessários
para a construção de grandes finalidades, metas e objetivos da
educação. (MENEGOLLA & SANT`ANNA, 2001, p.40)
Plano Nacional de Educação, pelo MEC, 2006, p.31:
Nele se reflete a política educacional de um povo, num determinado
momento histórico do país. É o de maior abrangência por que
interfere nos planejamentos feitos no nível nacional, estadual e
municipal. (MEC, 2006, p.31)
Plano de Curso, por VASCONCELLOS, 1995, p. 117 in
Padilha, 2003, p.41:
"O plano de curso é a sistematização da proposta geral de trabalho
do professor naquela determinada disciplina ou área de estudo,

192
Volume VI

numa dada realidade. Pode ser anual ou semestral, dependendo da


modalidade em que a disciplina é oferecida." (VASCONCELLOS,
1995, p.117)
Plano de Aula, por Pillete:
É a sequência de tudo o que vai ser desenvolvido em um dia letivo.
(...) É a sistematização de todas as atividades que se desenvolvem no
período de tempo em que o professor e o aluno interagem, numa
dinâmica de ensino-aprendizagem. (PILETTI, 2001, p.73)
Plano de Ensino, por Libáneo:
É a previsão dos objetivos e tarefas do trabalho docente para um
ano ou um semestre; é um documento mais elaborado, no qual
aparecem objetivos específicos, conteúdos e desenvolvimento
metodológico? (LIBÂNEO, 1994, p. 222)
Sobre o plano de aula e o conceito que desejamos aplicar neste
estudo (como a última instância de planejamento pedagógico, de
responsabilidade específica do professor, em atendimento ao planejado
por instâncias superiores e em atendimento às características relacionadas
ao cenário de suas aulas, às características psicossociais de seus alunos, as
condições estruturais e ao ambiente que cerca alunos, professor e sala de
aula), a doutora em educação, Marlene Grillo, em entrevista ao jornal do
professor, portal eletrônico na internet, em sua 6ª edição, em 2008 tem
percepção semelhante em definição apresentada:
Um plano de aula tem sempre sua origem num projeto pedagógico
institucional que dinamiza as direções de ensino, detalhadas num
plano de curso e de unidade. É uma previsão de atividades
vinculadas a um plano de ensino mais amplo desenvolvidas em
etapas sequenciais, em consonância com objetivos e conteúdos
previstos. Serve para organizar a intenção do professor e o modo de
operacionalizá-la. Expressa, ainda, as opções desse professor diante
de seu contexto de trabalho, que implica pensar simultaneamente o
conteúdo e os sujeitos com os quais interage. (GRILLO, 2008)
É importante frisar que o próprio conceito de “plano” o
caracteriza, segundo muitos autores, como um produto do planejamento.
No plano são previamente previstas e dimensionadas as atividades
necessárias para o alcance dos objetivos estabelecidos no planejamento.
O plano orienta os principais atores envolvidos que podem ser
controlados no processo.
A autora ressalta ainda as diferentes hierarquias entre os
documentos que muito se aproximam aos três níveis de planejamento
propostos por autores de administração (estratégico, tático e
operacional), o que se percebe a partir de diferentes níveis hierárquicos e
características dos objetivos propostos.

193
Vozes da Educação

Gutember (2008, p.21) define as características e importância


do plano de aula:
O plano de aula visa à liberdade de ação e não pode ser planejado
somente pelo bom senso, sem bases científicas que norteiem o
professor. (GUTEMBER, 2008, p.21)
Na mesma linha de autores e textos que ressaltam a importância
do uso da base científica para elaboração do plano de aula, podemos
complementar o raciocínio:
Essa base científica utilizada para organizar o trabalho pedagógico
são os pilares e princípios da Educação anunciados e exigidos pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96 - MEC, 2008)
Entendida a importância do Plano de Aula para organizar o
trabalho pedagógico, percebe-se que a aplicação do ciclo de Demming
não só é possível como se apresenta como interessante alternativa para
garantir o sucesso e a evolução do plano de aula enquanto instrumento
norteador da prática docente.
Como não é objeto específico deste estudo o desenvolvimento
do plano de aula e sim a aplicação do ciclo de melhoria continua sobre
ele, vamos apresentar um modelo com os itens mais comuns,
normalmente empregados / citados no plano de aula, esta importante
ferramenta didática.
Seguiremos o modelo proposto no artigo “A Importância do
planejamento das aulas para organização do trabalho” do professor em
sua prática docente e apresentaremos no Quadro 1, abaixo, aqueles itens
considerados os principais para compor o plano de aula: objetivos,
conteúdo, metodologia e avaliação.
Quadro 1 – Apresentação dos itens mais comuns de um plano de aula.
(Quadro criado pelo autor de acordo com bibliografia do tema).

ITENS DEFINIÇÕES REFERÊNCIA

“Os objetivos indicam aquilo que o aluno MASETTO.


deverá ser capaz como consequência de seu 1997 in
Objetivos desempenho em atividades de uma Macetto, Costa,
determinada escola, série, disciplina ou Barros, 2008, p.
mesmo uma aula.” 3

194
Volume VI

“É um conjunto de assuntos que serão


estudados durante o curso em cada disciplina. MACETTO,
Assuntos que fazem parte do acervo cultural COSTA,
Conteúdo da humanidade traduzida em linguagem
escolar para facilitar sua apropriação pelos BARROS,
estudantes. Estes assuntos são selecionados 2008, p. 3
e organizados a partir da definição dos
objetivos, sendo assim meios para que os
alunos atinjam os objetivos de ensino.”

Tratam-se de atividades, procedimentos,


métodos, técnicas e modalidades de ensino,
Metodologia MENEGOLLA &
selecionados com o propósito de facilitar a
aprendizagem. São, propriamente, os
SANT’ANNA,
diversos modos de organizar as condições 2001, p.90
externas mais adequadas à promoção da
aprendizagem;

Na verdade, a avaliação acompanha todo o


processo de aprendizagem e não só um
momento privilegiado (o de prova ou teste), MASETTO,
pois é um instrumento de feedback contínuo 1997, p. 98 in
Avaliação para o educando e para todos os Macetto, Costa,
participantes. Nesse sentido, fala da Barros, 2008,
consecução ou não dos objetivos da
aprendizagem. (...) O processo de avaliação p. 4
se coloca como uma situação frequentemente
carregada de ameaça, pressão ou terror.

Quadro 1 – Apresentação dos itens mais comuns de um plano de aula.


(Quadro criado pelo autor de acordo com bibliografia do tema).

Segundo Morreto (2007), "planejar é organizar ações". E neste


sentido, é importante salientar que não há um modelo rígido para o
desenvolvimento do plano de aula. Sequer há a exigência de um ou outro
item. A questão mais importante é que o plano atenda da melhor forma
as necessidades do professor, e ainda, de seus alunos, que organize todas
as ações necessárias para a melhor e mais adequada realização das aulas.
Segundo a metodologia MPP (Management de Projetos e
Processos), um plano deve responder basicamente as seguintes
perguntas:
-Para o alcance de que situação o projeto visa contribuir? - Qual a finalidade
do projeto?
-Que melhoria ou mudança o projeto visa promover?
-Que realizações concretas (resultados, produtos, serviços) o projeto visa
efetivar neste sentido?

195
Vozes da Educação

-Quais as atividades necessárias para que essas realizações se concretizem?


-Quais os recursos (humanos, materiais, financeiros) necessários para a
execução das atividades?
-Quais as condições externas que podem influenciar o alcance dos resultados
e dos seus efeitos?
-Como é possível identificar o alcance do projeto (resultados e efeitos)?
A partir das definições das principais etapas que devem conter
um plano, ou plano de aula, o professor já tem condições necessárias
para fazê-lo e utilizá-lo adequadamente.
Vale lembrar, porém, que segundo Menegolla & Sant’anna
(2001, p. 46) “não existe um modelo único parar o desenvolvimento de
um plano de aula, mas, sim, vários esquemas e modelos”. O autor
garante, ainda, que não é possível reconhecer um modelo como melhor
que outro, sendo papel do professor escolher aquele que melhor atenda
suas necessidades bem como as de seus alunos, que seja funcional e
ofereça bons resultados.
De qualquer forma, por estruturar a ação, a elaboração do plano
de aula aumenta as possibilidades de êxito. Neste sentido é importante
ressaltar que o planejamento facilita (visto que esta é uma de suas
funções) a identificação das metas previstas e, consequentemente, a
exposição das fraquezas desses sistemas.
Moretto (2007, p.101) revela ainda que para elaborar o plano de
aula, o professor deve levar em consideração algumas questões
importantes, como seu perfil docente, as características de seus alunos
(cognitivas e psicossociais), a epistemologia e a metodologia mais
adequadas para sua disciplina, contexto social dos alunos, da turma e da
escola. Conhecer todos estes fatores facilita ao professor a escolha das
melhores estratégias, recursos e metodologia, aumentando as chances de
se obter sucesso nas aulas e alcançar os objetivos traçados.
Fica claro que segundo a percepção de Moretto, a aplicação do
ciclo PDCA é uma oportunidade de se obter a melhoria no processo de
ensino, visto que permite que falsas impressões sejam corrigidas ao longo
de cada “checagem” ou “avaliação” do ciclo.

Ciclo PDCA
O ciclo PDCA, ciclo de Shewhart ou ciclo de Deming foi um
grande marco nos processos de gestão e de qualidade total.

196
Volume VI

O estatístico americano Walter A. Shewhart foi o grande


idealizador do método na década em 1930, nos laboratórios da Bell
Laboratories, nos Estados Unidos. Apesar da publicação de Shewhart em
1931, do livro Economic Control of Quality of Manufactured Product, que
estabelece caráter científico às questões relacionadas à qualidade, já
conferir ao ciclo um controle estatístico de processo, foi W. Edwards
Deming o maior responsável pela divulgação e popularização do ciclo
PDCA nos ambientes corporativos.
Deming, especialista em qualidade, popularizou a ferramenta de
gestão, através de seu uso na década de 50, no Japão pós-guerra
momento em que as empresas do país apresentavam ao mundo o
processo de qualidade total, sob o alardeado sistema de melhoria
contínua. Após pequenas adequações ao trabalho de Shewhart, Deming
desenvolveu o que chamou de Shewhart PDCA Cycle em homenagem ao
mentor do ciclo.
No entanto, devido a uma sequência de trabalhos publicados no
Japão que posteriormente foram difundidos por todo mundo através do
sucesso e da ampla divulgação do GQT (Gerenciamento de Qualidade
Total), hoje o ciclo é normalmente chamado simplesmente de ciclo
PDCA ou ciclo de Deming em detrimento a nomenclatura dada pelo
próprio Deming anteriormente.
Autores como Juran, Campos e Harrington ajudaram a
popularizar o ciclo como fundamental referência para o processo de
Qualidade Total.
O método é fundamentado em conceitos clássicos da
administração, apresentados por autores como Taylor e Fayol. Algumas
funções, ferramentas e iniciativas populares na bibliografia de gestão
foram organizadas de forma sequencial, por meio de etapas.
Por esta característica cíclica que lhe foi conferida, o ciclo
PDCA se tomou um grande ícone dos processos de melhoria contínua,
sendo considerado por muitos autores a ferramenta mais importante
neste processo.
O ciclo PDCA passou a ser referência (aplicado de forma
recorrente) nas normas de sistema de gestão. O modelo proposto é
aplicável (e recomendado) para qualquer empresa ou instituição.

197
Vozes da Educação

O princípio básico do ciclo de Deming é tornar claros e ágeis


quatro processos essenciais envolvidos na execução da gestão,
sistematizando-os.
O nome PDCA tem origem nas primeiras letras de cada uma
das quatro etapas em inglês: Plan (planejar); Do (fazer/executar); Check
(checar/verificar); ACT (agir - corretivamente).
O método começa pelo planejamento. As ações planejadas são,
então, executadas, no segundo momento. Na terceira etapa são avaliadas
se as ações realizadas tiveram o resultado esperado (se os objetivos e as
metas foram alcançados) e, finalmente, a partir da avaliação, são tomadas
as medidas corretivas, para redirecionar o processo.
Esta última etapa já se confunde com a primeira, do
planejamento. Já que novas ações são previstas para eliminar erros e
insucessos e/ou mitigá-los, obter melhores resultados, ou se adaptar a
novas situações não previstas anteriormente.
Carpinetti (2012) ressalta que a gestão da melhoria contínua
requer a análise da situação para, a partir desta realizar o planejamento e
a implantação de melhorias.
Segundo o autor a melhoria contínua é uma abordagem
caracterizada pelo contínuo aprimoramento de produtos e serviços,
caracterizada por um processo cíclico e interativo. Ao longo do
processo, a partir da avaliação de resultados, da análise e do
conhecimento adquirido, pode-se propor novas ações de melhoria.
A figura 3, criada pelo autor, baseado na ampla bibliografia
existente sobre o tema, apresenta com clareza a característica cíclica do
processo. Onde as etapas se sucedem, em um modelo que propõe a sua
retroalimentação na busca da melhora contínua.

198
Volume VI

Figura 3 - Representação gráfica do processo cíclico PDCA, com os termos em inglês e tradução
apresentando o aspecto cíclico e subsequente das etapas. (Figura criada pelo autor, baseado
na bibliografia consultada).

Apresentamos, abaixo, de forma detalhada, as quatro etapas do


ciclo:
1 - P / Plan / Planejar: Nesta etapa se estabelecem os objetivos e metas,
procedimentos e processos (metodologia empregada para atingir os resultados /
objetivos e metas traçados).
Pela ABNT (2004): Nesta etapa deve-se estabelecer os objetivos e processos
necessários para fornecer resultados de acordo com os requisitos do cliente e
políticas da organização.
2 - D / Do / Executar: Neste momento são realizadas as ações previstas no
planejamento. Etapa de execução das atividades.
Pela ABNT (2004): Nesta etapa deve-se implementar os processos.
3 - C / Check / Verificar: Neste momento há o monitoramento das atividades.
As ações realizadas são avaliadas. A avaliação dos resultados e processos
comparando ao planejado de objetivos, especificações e estado desejado deve
ser feita de forma periódica.
Pela ABNT (2004): Nesta etapa deve-se monitorar e medir processos e
produtos em relação às políticas, aos objetivos e aos requisitos para o produto e
relatar os resultados.
4 - A / Act / Agir corretivamente: A partir do resultado apresentado pela
avaliação. É onde novos planos de ação são criados, de forma a melhorar a
qualidade, a eficiência e eficácia e a adequação a novos fatores, aprimorando a
execução e corrigindo falhas. Esta fase é sucedida pelo planejamento onde
novas metas são traçadas para atingir novos resultados.
Pela ABNT (2004): Nesta etapa deve-se executar ações corretivas para
promover continuamente a melhoria do desempenho do processo.
Cada aula, conforme apresentado neste estudo, guarda
semelhanças com um projeto. E como qualquer projeto que se repete,

199
Vozes da Educação

ciclicamente, este comporta a aplicação do PDCA, visando seu processo


de melhoria contínua.
Madalena Freire (2008) em seu livro "Educador, educa a dor" já
fazia uma interessante relação entre avaliação e planejamento, duas das
etapas do ciclo PDCA. Segundo ela a avaliação pode ser caracterizada
como a ação de retomar ao planejamento proposto, estudando o
processo vivido, os problemas, as conquistas e os impasses. Deste modo,
ela define toda avaliação como processual, necessária a cada aula,
constituindo assim o embrião do planejamento da aula seguinte.
Trata-se, naturalmente, do mesmo princípio apresentado no
ciclo PDCA, que em sua estrutura básica prevê formalmente uma quarta
etapa (posterior ao planejamento, à sua execução e à avaliação) onde as
informações obtidas através da avaliação são consideradas e ações
corretivas são propostas para o planejamento seguinte, reiniciando o
ciclo.
É neste sentido que ao contrário do que muitos professores pensam
o planejamento já nasce da (e a cada) avaliação. Isto porque quando
o professor vai planejar uma aula, mesmo que seja a sua primeira
aula naquele ano, o ponto de partida é avaliação que fez no ano
anterior.(FREIRE, 2008, p.177)

Fica claro que toda avaliação é, de fato, o elemento que


alimenta o planejamento das aulas futuras. Na representação gráfica
abaixo, apresentada pelo autor como Figura 4, baseado na ampla
bibliografia sobre o tema, fica claro como a aplicação do ciclo PDCA, de
forma sistemática contribui no processo de melhoria contínua.

Figura 4 - Representação gráfica do ciclo de melhoria contínua aplicado ao longo do tempo.


(Figura criada pelo autor de acordo com bibliografia do tema).

200
Volume VI

A metodologia do ciclo PDCA indica que a avaliação é o


necessário alimentador do momento de reflexão que antecede o
planejamento, quando é necessário analisar com cuidado que ações e
medidas devem ser tomadas para melhorar as situações onde os itens
planejados não foram alcançados.
A doutora em educação propõe o momento de reflexão como
importante aspecto:
A reflexão faz a costura, a sistematização entre esses três
movimentos: da observação para avaliação e desta para o
planejamento, e outra vez se reinicia a observação, a avaliação e o
próximo planejamento. É neste exercício disciplinado que
conseguimos sintonizar com os significados e faltas do grupo tendo
oportunidade de construir uma aprendizagem significativa, tanto
com nossos alunos como com nós mesmos no nosso
ensinar.(FREIRE, 2008, p.45)
Segundo a autora, a reflexão mais do que um simples exercício
especulativo, significa confrontar a realidade e propor novas alternativas,
construindo novos cenários e metas, como propõe o ciclo PDCA, mais
especificamente na etapa “agir corretivamente”.
Marlene ainda conclui:
“o plano, como resultado do processo de planejamento, permite ao
professor distanciar-se de sua prática, sistematizá-la e tornar mais
conscientes as opções para a organização da aula. O Plano
documenta a experiência em suas intenções iniciais...” (o equivalente
ao “planejamento” do ciclo PDCA), “...e permite retorno...”
(equivalente ao “agir corretivamente” do ciclo PDCA), “...a ela após
o vivido...” (o equivalente à “execução” do ciclo PDCA), “...para sua
avaliação” (o equivalente à “avaliação” do ciclo PDCA).
Fica evidente a relação entre a visão da doutora em educação
com o modelo proposto neste estudo. Cada etapa do ciclo PDCA é
apresentada com clareza ao longo do texto da autora, identificado através
dos textos entre parênteses.
Ainda segundo Freire (2008) O planejamento é uma hipótese a
ser construída e toda ação de avaliar e planejar deve estar a favor do
aluno.
O educador deve exercitar, cotidianamente, a avaliação de seu
ensinar com o que de fato seus alunos aprenderam, pois, a avaliação
é processual. Acontece no cotidiano, caso contrário, “caindo do
céu”, no bimestre ou no semestre, será mais um atestado de óbito; já
perdeu-se as chances de redimensionar os caminhos significativos
do planejamento? (FREIRE, 2008, p.176)

201
Vozes da Educação

A avaliação processual permite que o professor conheça melhor


a si mesmo, a seus alunos e a relação entre eles. Cabe ao professor
aproveitar a oportunidade para, através de um processo formalizado e
cíclico, perceber desencontros entre seu planejamento e suas práticas.
O professor deve estar atento ao público para o qual está
preparando suas aulas, seu planejamento e suas avaliações. Este exercício
deve ser continuo, e o ciclo PDCA permite sistematizar este exercício.
Com ele, o professor pode analisar ciclicamente, a si mesmo, o resultado
de suas aulas, o aluno, o processo de ensino e aprendizagem,
constantemente.
Parece claro que, de certa forma, o processo previsto no ciclo
PDCA, embora não apresentado desta forma, já foi previsto por outros
autores, colaborando com a proposta aqui apresentada e defendida.
Scaramucci (1999) reforça a importância do planejamento das
aulas mesmo antes de conhecer a realidade que cada aula, cada turma,
cada momento em que a aula estará inserida. Tal fato se deve, segundo o
autor, especialmente na necessidade de se entender ou prever o conteúdo
da avaliação.
Segundo o autor, fica impossível entender como avaliar e o que
avaliar, quando não se há objetivos previstos, em acordo com que
pensam Menegolla & Sant`Anna.
Dessa forma, planejar o processo educativo é necessário para que o
homem não se limite, e assim, se liberte numa perspectiva de ser
para a vida. Sendo assim, planejar não significa determinar limites ao
homem, ao contrário, é possibilitar o encaminhamento para o
desconhecido, com lucidez e autonomia, como pessoas capazes de
escolher seus caminhos. O planejamento não é um ditador, pois é
algo altamente democrático e desencadeador de invocações; um
processo que evolui, que avança e não permanece estático
(MENEGOLLA & SANT`ANNA, 2001, p.24)
Este processo não estático de evolução é justamente o processo
de melhora contínua proposta no modelo de qualidade total. A
ferramenta aqui apresentada de PDCA também tem este objetivo,
desencadear um processo de avaliação e melhora contínua.

202
Volume VI

Aplição dos conceitos


Educação bancária é a forma como Paulo Freire denominava o
modelo tradicional de prática pedagógica que prevê a mera transmissão
de conteúdos de forma passiva pelo professor, assumido como aquele
que, supostamente, detém o amplo conhecimento para o aluno, pela
mesma linha de suposição, apontado como aquele que nada sabe.
A chamada pedagogia bancária dá grande segurança ao
educador, uma vez que estabelece claros limites sobre o que será
"transmitido” aos educandos e assim o que vai ser avaliado de forma
objetiva sobre o que foi de fato "assimilado". Este processo pode ser
facilmente reproduzido indeterminadamente.
A analogia com a questão bancária está relacionada ao processo
de depósito de conhecimento, em uma “conta” na cabeça vazia de seus
alunos. O professor faria depósito de conteúdos na cabeça dos alunos,
como alguém deposita dinheiro num banco. Nesta concepção, o
professor seria apenas um narrador, e na narração a ser “depositada” nos
alunos, realidades ou conteúdos seriam apresentados como imutáveis,
estáticos.
As propostas educativas baseadas na transmissão de um saber
vigente inibem a formação de homens que se tomem sujeitos de sua
própria história.
Esta concepção de educação “bancária” que Paulo Freire
também classificava como a educação como prática de dominação foi
publicada pela primeira vez no seu livro Pedagogia do oprimido, escrito
durante seu exílio no Chile entre os anos de 1967 e 1969, mas só foi
publicada no Brasil em 1975, devido à censura imposta pela ditadura
militar.
No mesmo livro, Paulo Freire apresentava a concepção
problematizadora e emancipadora de educação, a negação ou
contraponto da educação bancária:
A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora,
terá dois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão
desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na
práxis com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a
realidade opressora, essa pedagogia deixa de ser do oprimido e passa
a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente
libertação. (FREIRE, 1975, p. 44)

203
Vozes da Educação

Este processo pedagógico proposto por Freire, que respeita as


diferenças de cada indivíduo e de cada coletividade necessita de
planejamento, necessita de avaliação contínua, necessita de um processo
completo e retroalimentado a cada encontro, a cada aula. E esta é a
proposta aqui apresentada: a utilização do ciclo PDCA como alternativa
para este processo, atendendo ao modelo proposto por Freire.
Qualquer atividade, para ter sucesso, necessita ser planejada. O
planejamento é uma espécie de garantia dos resultados. E sendo a
educação, especialmente a educação escolar, uma atividade
sistemática, uma organização da situação de aprendizagem, ela
necessita evidentemente de planejamento muito sério. Não se pode
improvisar a educação, seja ela qual for o seu nível. (SCHIMITZ,
2000, p.101)
É importante ressaltar que a análise do ambiente onde está
inserido, sua realidade e condições e ainda a avaliação sobre os resultados
alcançados ao longo das aulas (ações presentes no caso da aplicação do
ciclo PDCA) gera obrigatoriamente um questionamento sobre a
formação que se pretende dar ao discente e, ainda mais importante, o
planejamento bem desenvolvido de um plano de aula se dá diante a
análise do tipo de cidadão que se pretende criar.
A educação, a escola e o ensino são os grandes meios que o homem
busca para poder realizar o seu projeto de vida. Portanto, cabe à
escola e aos professores o dever de planejar a sua ação educativa
para construir o seu bem viver. (MENEGOLLA & SANT’ANNA,
2001, p.11)
A preocupação original de Freire estava relacionada à educação
de adultos, mas, principalmente, sua análise sempre propiciou estudos e
debates que nos ajudam a entender vários conceitos cruciais: a educação,
o professor, o aluno, a escola, o conteúdo escolar com finalidades
sociais, o respeito pela cultura popular, e no caso específico deste estudo,
a possibilidade de se facilitar o conceito de pedagogia humanista e
libertadora, uma pedagogia voltada para o aluno e para a formação de
cidadãos, em se aplicando o ciclo PDCA ao longo das aulas em um
período letivo, em cada planejamento, a cada plano de aula.
A ausência de um processo de planejamento de ensino nas escolas,
aliado às demais dificuldades enfrentadas pelos docentes do seu
trabalho, tem levado a uma contínua improvisação pedagógica das
aulas. Em outras palavras, aquilo que deveria ser uma prática
eventual acaba sendo uma “regra” prejudicando, assim, a
aprendizagem dos alunos e o próprio trabalho escolar como um
todo. (FUSARI, 2012, p.47)

204
Volume VI

Entendemos que com o desenvolvimento do trabalho apresenta


a importância do planejamento didático que, neste estudo está
especificamente representado pela etapa, ou ferramenta, de planejamento
plano de aula como instrumento básico, fundamental de orientação e
organização do educador, atuando de forma efetiva na busca de um
ensino mais significativo e crítico, favorecendo a formação plena dos
alunos e o sucesso da atividade pedagógica. Assim acreditamos que o
exercício rotineiro e frequente de desenvolvimento do plano de aula é
passo fundamental para o alcance dos objetivos propostos e o sucesso da
atividade pedagógica.
Hoje, a função do planejamento na educação se afasta do
aspecto regulador e atua, principalmente, como um importante
instrumento de organização para subsidiar o trabalho do professor.
Mudar a mentalidade de que fazer planejamento é preencher
formulários (mais ou menos sofisticados). Antes de mais nada, fazer
planejamento é refletir sobre os desafios da realidade da escola e da
sala de aula, perceber as necessidades, re-significar o trabalho, buscar
formas de enfrentamento e comprometer-se com a transformação
da prática. Se isto vai para um plano escrito depois, é um detalhe!
(VASCONCELLOS, 1995. p. 59)
É importante ressaltar, neste sentido, que todo processo de
organização educacional é baseado em teorias da administração.
“Planejar é pensar sobre aquilo que existe, sobre o que se quer alcançar,
com que meios se pretende agir”(OLIVEIRA. 2007. p.21).
Marlene Grillo, doutora em educação, em entrevista ao jornal
do professor, portal eletrônico na internet, em sua 6ª edição, em 2008,
tece um comentário a respeito do planejamento didático onde as etapas
do ciclo PDCA podem ser facilmente identificadas: “o plano, como
resultado do processo de planejamento, permite ao professor distanciar-
se de sua prática, sistematizá-la e tornar mais conscientes as opções para
a organização da aula. O Plano documenta a experiência em suas
intenções iniciais...” (o equivalente ao “planejamento” do ciclo PDCA),
“...e permite retorno...” (equivalente ao “agir corretivamente” do ciclo
PDCA), “...a ela após o vivido...” (o equivalente à “execução” do ciclo
PDCA), “...para sua avaliação” (o equivalente à “avaliação” do ciclo
PDCA).
Ao valorizar a importância da auto avaliação aula a aula
GRILLO relaciona o plano de aula aos demais instrumentos de

205
Vozes da Educação

planejamento didático, os instrumentos estratégicos e táticos (se sob a


visão de gestão); valoriza as semelhanças da aula com o conceito de
projeto apresentado neste estudo; e ainda reforça, ao longo do texto,
conceitos que confirmam que a aplicação do PDCA pode se mostrar um
importante fator na melhora das aulas e do alcance pleno dos objetivos
traçados, facilitando, desta forma, a formação plena do cidadão:
O plano de aula possibilita ao professor, na medida do possível e do
desejável, manter a articulação da disciplina como um todo pela
relação com o plano de ensino e ainda realizar uma auto avaliação da
aula ou uma avaliação cooperativa para orientar decisões futuras.
Aspectos a serem mantidos ou a reformular poderão ser
identificados com mais segurança. Cabe destacar que o plano de aula
não implica obrigatoriamente seu cumprimento rígido. (GRILLO,
2008)
O professor ao estabelecer um objetivo e os métodos e
recursos necessários para alcançá-los a cada encontro com seus alunos já
está desenvolvendo o primeiro estágio do ciclo PDCA, o planejamento.
O desenvolvimento das atividades que visam alcançar os objetivos
estabelecidos é a segunda etapa do ciclo. A avaliação dos resultados
alcançados representa a terceira etapa.
A doutora em educação, Madalena Freire, ainda esclarece que:
Um plano para ser efetivo, deve apresentar, de forma precisa e
orgânica, o objetivo da aula, o conteúdo a ser desenvolvido, as
atividades e a avaliação. É preciso entender que avaliar não é
sinônimo de prova nem de nota. É diagnosticar se a aprendizagem
ocorreu ou não e explicitar ações para continuidade ou reorientação
do processo de ensino (FREIRE, 2008, p.45).
A quarta etapa consiste em agir corretivamente buscando a sua
melhoria. A busca por uma educação mais consciente, consistente e
liberadora começa no momento que este processo é repetido de forma
cíclica, transformando o processo em um modelo cíclico de melhoria
contínua, conforme previsto na bibliografia e nos princípios de qualidade
total.
A Figura 5 abaixo, desenvolvida pelo autor, tendo como base a
bibliografia estudada sobre o ciclo PDCA, e sobre o planejamento
didático, apresenta graficamente o conceito e o objetivo deste trabalho,
demonstrando a possibilidade da aplicação da ferramenta administrativa
no plano pedagógico e sinalizando os benefícios desta intervenção.

206
Volume VI

Figura 5 - Representação gráfica da aplicação do ciclo PDCA sobre a produção dos planos de
aula e o processo de melhoria contínua aplicado sobre as aulas ao longo do período letivo.
(Figura criada pelo autor a partir da bibliografia estudada).

Um breve apêndice é necessário para falamos do "Check"


previsto no PDCA. O Checar, ou avaliar é fundamental no ciclo, para o
claro entendimento sobre a efetiva realização do planejamento, os
pontos alcançados, objetivos atingidos e problemas identificados ao
longo do processo.
Obviamente o termo “avaliação", em outro sentido, distinto do
utilizado quando nos referimos ao ciclo PDCA é amplamente utilizado
no campo da educação. É, de fato, uma das etapas mais claras do
processo educativo.
A doutora em educação, Madalena Freire, ainda esclarece que:
Um plano para ser efetivo, deve apresentar, de forma precisa e
orgânica, o objetivo da aula, o conteúdo a ser desenvolvido, as
atividades e a avaliação. É preciso entender que avaliar não é
sinônimo de prova nem de nota. É diagnosticar se a aprendizagem
ocorreu ou não e explicitar ações para continuidade ou reorientação
do processo de ensino. (FREIRE, 2008, p.45)
A bibliografia de pedagogia apresenta uma série de diferentes
modelos de processos avaliativos. Como exemplo podemos apresentar a
“avaliação somativa": "aquela cujo foco está apenas nos resultados finais
da aprendizagem” (MICCOLI; PORTO, 2007, p.62).
Trata-se do processo onde, a partir da prática de dar notas ou
conceitos nas avaliações, os alunos são classificados em determinados

207
Vozes da Educação

níveis e finalmente, ao final do período letivo, é "aprovado" ou


"reprovado". É o modelo de avaliação regido por um modelo de
natureza classificatória.
No entanto, existe outro tipo de avaliação, a formativa, que tem
como objetivo melhorar os processos, avaliando os métodos utilizados e
a capacidade de alcance dos objetivos traçados. O professor realiza, neste
caso, um diagnóstico sobre os problemas gerando os necessários
subsídios para a melhoria do processo de aprendizagem, processo natural
do ciclo PDCA.
Ter conhecimento teórico sobre questões subjacentes à avaliação é,
pois, indispensável uma vez que possibilita ao professor integrar os
dois tipos de avaliação, não atribuindo um sentido meramente
burocrático. (MICCOLI; PORTO, 2007, p. 62)
Assim, a avaliação se toma um processo de grande importância
para o professor, pois permite que avalie a efetividade de seu
planejamento.
Já a bibliografia do campo da administração confere ao termo
“avaliação” outro sentido e alguns termos sinônimos como “checagem”
e “controle”.
ANSOFF (1991) retrata que o papel desempenhado pela função
de controle e avaliação no processo de planejamento é acompanhar o
desempenho do sistema, através da comparação entre as situações
alcançadas e as previstas ou planejadas.
O projeto pode ser considerado um trabalho com datas de
início e término previamente estabelecidas, coordenador responsável,
resultado final pré-determinado em que são alocados os recursos
necessários ao seu desenvolvimento.
O estabelecimento dos projetos proporciona condições de
identificar e operacionalizar os planos de ação que irão desenvolver com
o objetivo de alcançar os resultados esperados e enfocados pelo
planejamento estratégico.
Controle pode ser definido como uma função do processo
administrativo, que, mediante a comparação com padrões
previamente estabelecidos, procura medir e avaliar o desempenho e
o resultado das ações, com a finalidade de realimentar os tomadores
de decisões; de forma que possam corrigir ou reforçar esse
desempenho ou interferir em funções do processo administrativo,

208
Volume VI

para assegurar que os resultados satisfaçam às metas, aos desafios e


aos objetivos empresariais. (ANSOFF, 1991, p. 96)
Nesse sentido, a função controle ou avaliação é destinada a
assegurar que o desempenho real alcance os padrões que foram
anteriormente estabelecidos.
É com esta definição e conceito básico, que o estudo aqui
apresentado entende o termo avaliação ao longo de toda sua produção.
Não deixa de ser curioso reparar que o mesmo termo utilizado
em campos tão distintos como administração e pedagogia também
podem guardar algumas semelhanças, especialmente se considerado o
conceito de avaliação apresentado por MICCOLI. Neste trabalho onde
algumas semelhanças entre as duas áreas de estudo são percebidas pode-
se perceber que a avaliação, mesmo a partir de um conceito de um autor
do campo da pedagogia, colabora para reforçar a importância da
aplicação do ciclo PDCA nesta área.

Conclusões e considerações finais


No despertar da história da humanidade o planejamento era
utilizado de forma instintiva, sem a clara percepção de seu real valor.
Porém, ao longo do tempo, com o nascimento das grandes metrópoles,
o surgimento das atividades industriais e do comércio, ele passou a ter
sua importância reconhecida, sendo adaptada e aplicada em diferentes
setores, inclusive na educação.
Como foi demostrado a partir da ampla bibliografia utilizada
neste estudo, a função do planejamento na educação não é (pelo menos
somente) reguladora, ele funciona (principalmente) como uma
importante ferramenta para organizar e subsidiar o trabalho do
professor. É importante, neste sentido, ressaltar que todo processo de
organização educacional é baseado em teorias da administração.
A pesquisa também demonstra, ao longo do texto, que a falta
de planejamento torna o ato de lecionar uma ação repleta de decisões e
ações instantâneas, não pensadas, sem um objetivo claro para sua
realização. Isto torna o improviso, a adaptação, as ações sem objetivos
estabelecidos - que deveriam ser a exceção dentro de sala de aula - a
regra.

209
Vozes da Educação

Embora me pareça que ao longo do trabalho fique clara a


importância do planejamento para o sucesso do exercício docente e os
riscos que a falta do planejamento pode gerar, não é este seu principal
objetivo.
Ao longo do trabalho foram apresentados o conceito de projeto
e a perfeita adaptação do conceito ao desenvolvimento de uma aula e o
instrumento plano de aula e a adequação do emprego do ciclo PDCA
como ferramenta de melhora contínua ao longo do desenvolvimento de
planos de aula por todo período letivo.
O ciclo PDCA, por estabelecer a rotina para todo ciclo de
planejamento (realização do planejado, avaliação sobre os resultados
alcançados, análise crítica e ação corretiva sobre possíveis pontos de
melhora), faz com que os improvisos sejam menos necessários, visto que
sua aplicação garante a avaliação continua sobre o processo e as ações
necessárias para adequar o planejamento proposto para as realidades
encontradas, aula a aula, consolidando seus objetivos e metas.
A proposta exposta, neste estudo, que fique claro, não pretende
tirar a naturalidade do professor em sala de aula, tampouco desprezar a
experiência e capacidade de “improviso” ou adaptação do professor, mas
sim apresentar um instrumento para que sua espontaneidade, experiência
e capacidade criativa sejam valorizadas e adequadas à realidade social e
econômica e à herança cultural de cada turma.
Longe de ser um regulador das ações do professor, crítica
comum de professores e autores em determinados momentos históricos,
demonstrou-se que a elaboração de planos de aula é um importante
norteador para a autonomia dos professores e o ciclo PDCA, quando
aplicado sobre os planos de aula, é um instrumento de grande valor para
o professor delinear etapa a etapa, aula a aula, projeto a projeto suas
ações e alcançar seus objetivos ao longo do período.
Sendo o plano de aula a ferramenta que orienta a ação do
professor durante o período da aula e que indica os objetivos a alcançar
naquele encontro e a metodologia empregada para obter este fim, é
natural que ao se aplicar a estes itens o método PDCA, se consiga obter,
com clareza, redirecionadores, adequando os itens aula a aula, inclusive
os objetivos que podem sofrer alterações ao longo do período em razão

210
Volume VI

das características do grupo de alunos e diferentes características de cada


turma.
O plano de aula, como resultado do processo de planejamento,
permite ao professor distanciar-se de sua prática, sistematizar e dar mais
consistência para as opções e alternativas na organização da aula e o
alcance de seus objetivos.
O plano de aula registra as intenções iniciais, objetivos e meios
(o equivalente ao “planejamento” do ciclo PDCA), facilitando a
realização da aula (devido ao planejamento realizado) e melhor avaliação
(visto que há o parâmetro claro entre as ações e objetivos previstos e os
realizados). Mas, principalmente, a aplicação do PDCA, permite agir de
forma corretiva, entendendo após a avaliação os pontos de melhora e
agindo na busca por melhores resultados em novo planejamento.
A aplicação do ciclo PDCA, gera um processo didático
interativo e participativo. Se cada aula for caracterizada como um
projeto, fica claro que se trata de uma atividade merecedora de um
planejamento específico e individual, como confirmam os autores
apresentados ao longo do texto, e que após sua execução, ou seja, após a
realização das aulas, as avaliações permitem ao professor, de forma
participativa e interativa, perceber se o planejamento traçado obteve os
resultados esperados.
O ciclo PDCA, assim, amplia a capacidade dos professores na
resolução de problemas, muitas vezes se antecipando a eles, e na escolha
dos melhores caminhos para se alcançar os objetivos.
O trabalho aqui apresentado demonstra que a aplicação do
PDCA pode se mostrar um importante fator no processo de melhoria
das aulas e do alcance pleno dos objetivos traçados e, em última
instância, da formação do cidadão, em um processo pedagógico
consistente e liberador.
Ao longo do estudo fica claro que o planejamento, quando
aplicado na educação, não é um ato simplesmente técnico, mas, mais do
que isto, o planejamento bem desenvolvido de um plano de aula diante
da aplicação do ciclo de melhora continua PDCA gera obrigatoriamente
um questionamento sobre a formação que se pretende dar ao e o tipo de
cidadão que se pretende criar, pois o processo passa obrigatoriamente
pela análise do ambiente onde este cidadão está inserido, sua realidade e

211
Vozes da Educação

condições e ainda pela avaliação sobre os resultados alcançados ao longo


das aulas.
A aplicação do ciclo PDCA, enfim, permite o envolvimento
tanto de professores, estes os responsáveis pelo planejamento de cada
aula (da produção do plano de aula), quanto dos alunos, numa eficaz
relação de ensino / aprendizagem, facilitando a adequação do ensino à
realidade encontrada no ambiente de aula, a cada encontro.
Assim, é importante entender que a aplicação de diferentes
ciências é cabível e adequada, ratificando o “casamento” aqui
apresentado entre a ferramenta de gestão e de melhora contínua, o ciclo
PDCA com o plano de aula, unindo duas diferentes ciências em
benefício de uma educação mais eficiente na formação de cidadãos mais
capacitados e plenos e uma sociedade mais consciente.
A ferramenta do campo da administração PDCA pode ser um
poderoso instrumento para professores que buscam a formação de
cidadãos, estruturando seu plano didático em acordo e em conjunto com
os alunos envolvidos, a partir de um processo contínuo de avaliação e
ação corretiva, adequando seu planejamento para a realidade encontrada
durante a execução do planejamento.

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215
Vozes da Educação

CONVERSAS À SOMBRA DAS MEMÓRIAS: AVENTURAS


PARA REPENSAR A INFÂNCIA COM AS EDUCADORAS

Márcio Xavier Bonorino Figueiredo41


Rita de Cássia Tavares Medeiro42

RESUMO
Este trabalho é numa experimentação teórica-prática com educadoras
das infâncias. Baseados em Freire, Josso e Freinet pretendemos
adentrar nos debates em torno das culturas lúdicas infantis, através
das memórias dos sujeitos envolvidos na especialização em Educação
Infantil na Faculdade de Educação na Universidade Federal de
Pelotas. São construídos três momentos: Os objetos nas memórias,
as teorias explicativas e as releituras do mundo das memórias.

Palavras-Chave: Memórias, infâncias, formação de educadoras.

ABSTRACT
This work is in a theoretical-practical experimentation with
childhood educators. Based on Freire, Josso and Freinet, we intend
to enter the debates around children's play cultures, through the
memories of the subjects involved in the specialization in Early
Childhood Education at the Faculty of Education at the Federal
University of Pelotas. Three moments are constructed: The objects in
the memories, the explanatory theories and the re-readings of the
world of memories.

Keywords: Memories, childhood, education of educators.

41Doutor em Educação e Filosofia pela USP, professor Titular na Universidade Federal –


Escola Educação Física e Faculdade de Educação. Atua na área de formação, estágios e
na especialização em educação infantil.
42Pedagoga, Mestre em Educação – Professora da Universidade Federal de Pelotas –

Faculdade de Educação. Atua na área de formação, estágios e na especialização em


educação infantil.

216
Volume VI

Diálogos Introdutórios

Cada vez que o reino do humano me parece


condenado ao peso, digo para mim mesmo que à
maneira de Perseu eu devia voar para outro
espaço. (...) Quero dizer que preciso mudar de
ponto de observação, que preciso considerar o
mundo sob outra ótica, outra lógica, outros meios
de conhecimento e controle. As imagens de
leveza que busco não devem, em contato com a
realidade presente e futura, dissolverem-se como
sonhos... (Italo Calvino, 2000).

Ah, ah! Disse para mim mesmo, aqui há vida!

O garoto anda e possui uma vida criativa que me


falta. Mas como chegar a ela? Parecia-me
impossível que o homem adulto transpusesse a
distância entre o presente e o décimo primeiro
ano de vida. Se eu quisesse, entretanto,
restabelecer o contato com essa época de minha
vida, só me restava voltar a ela acolhendo outra
vez a criança que então se entregava aos
brinquedos infantis. (Jung, 2002)
Parafraseando Freire (1989), quando se referia a sua infância
à sombra de uma mangueira, nós, educadores e educadoras das
infâncias pretendemos, neste espaço de educação, debates e
formação, adentrar no universo das infâncias vividas. Esse caminho
trilhado pelas crianças há mais de quarenta anos atrás continua sendo
trilhado por elas – as crianças no século XXI, com outras trilhas,
outras relíquias, mas envoltos na imaginação criadora 43, lúdica
concernente à cultura lúdica infantil.
Há bastante tempo, desde a década de noventa, vimos
repensando a educação de educadoras da Infância. Ora através das
memórias e suas relíquias, ora através do olhar ao outro (filmes,
livros, produções infantis). O importante nessa matriz é a vivência e
a re-criação do universo da infância nos patamares da lembrança
individual e coletiva. Quando falamos da história — individual,
social ou coletiva —, somos transportados para um cenário de

Quem cunha esse termo é BACHELARD, G. A poética do devaneio. São Paulo: Martins
43

Fontes, 2001.

217
Vozes da Educação

lembranças... episódios... narrativas... testemunhos e, também, de


vivências do tempo presente. É transitar no tempo e no espaço.
Nesse sentido, Portelli (1997, p.16) advertiu que:
A memória é um processo individual que ocorre em um meio
social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente
criados e compartilhados. Em vista disso, as recordações
podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas. Porém,
em hipótese alguma, as lembranças de duas pessoas são- assim
como as impressões digitais, ou, a bem da verdade, como as
vozes – exatamente iguais.
Apoiados em Freire (1992, p. 33) e impulsionados por Josso
(2004) vamos buscando a construção de perfis esquecidos das
culturas lúdicas... as quais temos guardados nos baús do
esquecimento.
Carregamos conosco a memória de muitas tramas, o corpo
molhado de nossa história, de nossa cultura; a memória às vezes
difusa, às vezes nítida, clara, de ruas da infância, da
adolescência; a lembrança de algo distante que, de repente, se
destaca límpido diante de nós, em nós [...]
Trazemos a contribuição de Brougère (1998, p. 6) para
pensarmos sobre a cultura lúdica.
A idéia que gostaríamos de propor e tratar a título de hipótese
é a existência de uma cultura lúdica, conjunto de regras e
significações próprias do jogo que o jogador adquire e domina
no contexto de seu jogo. Em vez de ver no jogo o lugar de
desenvolvimento da cultura, é necessário ver nele
simplesmente o lugar de emergência e de enriquecimento dessa
cultura lúdica, essa mesma que torna o jogo possível e permite
enriquecer progressivamente a atividade lúdica. O jogador
precisa partilhar dessa cultura para poder jogar.
Para esse autor a cultura na qual a criança está inserida,
junto com a cultura lúdica que ela possui, provoca uma variedade
enorme de combinações possíveis. Essa cultura lúdica se produz e se
propaga de várias maneiras, acumulando, desde bebê, ao brincar a
criança vai acumulando as experiências que vão constituindo sua
cultura lúdica. Essa experiência vai se enriquecendo na medida em
que ela participa de brincadeiras com outros parceiros (adultos e
crianças), pela observação de outras crianças e pela manipulação
cada vez maior de objetos de jogo.
Por essa razão afirma que “a brincadeira é um processo de
relações da criança com o brinquedo, com outras crianças e com os

218
Volume VI

adultos, portanto, um processo de cultura. O uso que a criança faz do


brinquedo, a maneira como brinca e suas preferências indicam uma
produção de sentidos e de ações” (Brougère, 1998, p. 9). Na
brincadeira, a criança se apropria dos conteúdos disponíveis,
tornando-os seus, através de uma construção específica. As
brincadeiras variam segundo as idades, o gênero e os níveis de
interação lúdica. As brincadeiras coletivas expressam apropriações de
conteúdos diferentes dos que estão presentes numa situação
individual.
Nessa direção as educadoras são aprendizes de uma cultura
do esquecimento, que precisa ser provocada, para que possam ser
percebidos os caminhos das infâncias e para que as educadoras
possam compreender a partir de suas narrativas as diferenças,
semelhanças, as distâncias e as aproximações entre as infâncias
vividas e as infâncias de hoje. Tornar-se adulto é também deixar de
cultivar histórias que nos ligaram aos universos infantis é, de certa
forma, abandonar aquilo que nos ensinou a Infância. No nosso
entendimento, tornar-se educadora da infância é compartilhar as
memórias desses momentos e trazer á tona as velhas questões que
nos faziam crianças e nos distinguiam dos universos adultos. O
adultocentrismo é uma das características mais marcantes das
propostas pedagógicas. Os programas, os planos governamentais de
altas soluções sobre a Infância, trazem resoluções sobre a criança,
não com as crianças. Isso não precisa ser recuperado, mas precisa ser
construído nas escolas e em outros espaços educativos.
Este trabalho pretende repensar a relação crianças e adultos,
no sentido de que cada educadora ao pautar-se nas memórias e fazer
uma “leitura de mundo” (Freire, 1981), coletivamente, possa
apoderar-se de sua condição de que um dia já foi criança, pensou
como tal. Afinal, do que mais precisamos além de ampliar os
horizontes?
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a
posterior leitura desta não pode prescindir da continuidade da
leitura daquele (A palavra que eu digo sai do mundo que estou
lendo, mas a palavra que sai do mundo que eu estou lendo vai
além dele). (...) Se for capaz de escrever minha palavra estarei,

219
Vozes da Educação

de certa forma transformando o mundo. O ato de ler o mundo


implica uma leitura dentro e fora de mim. Implica na relação
que eu tenho com esse mundo.
Limitamo-nos à cultura lúdica infantil, mas existe também
uma cultura lúdica adulta, e é preciso igualmente situá-la dentro da
cultura infantil, isto é, no interior de um conjunto de significações
produzidas para e pela criança. Novamente, Brougère (1998, p. 11)
nos ajuda numa reflexão sobre isso: A sociedade propõe muitos
produtos (livros, filmes, brinquedos) às crianças e esses materiais
contêm as representações que os adultos fazem das crianças, bem
como os conhecimentos sobre a criança disponíveis numa
determinada época. Mas o que caracteriza a cultura lúdica é que
apenas em parte ela é uma produção da sociedade adulta, pelas
restrições materiais impostas à criança.
Ela também pode ser entendida como igualmente a reação
da criança ao conjunto das propostas culturais, das interações que lhe
são mais ou menos impostas. Daí advém a riqueza e a complexidade
de uma cultura em que se encontram tanto as marcas das concepções
adultas quanto a forma como a criança se adapta a elas. Os estudos
vêm apontando em alguns o condicionamento, em outros, a
inventividade, a criação infantil. Mas o interessante é justamente
poder considerar os dois aspectos presentes num processo complexo
de produção de significações pelas crianças. “É claro que o jogo é
controlado pelos adultos por diferentes meios, mas há na interação
lúdica, solitária e coletiva, algo de irredutível aos constrangimentos e
suportes iniciais: é a reformulação disso pela interpretação da criança,
a abertura à produção de significações inassimiláveis às condições
preliminares” (Brougère, 1999, p. 7).
Então, ao buscarmos as memórias das Infâncias
procuramos, também, essas culturas lúdicas que imprimiram
significação ao ato de sermos crianças e assim nos distinguirmos dos
adultos. Reafirmamos a inventividade, a imaginação como marcas
indeléveis desta cultura lúdica infantil: a infância é também aquilo que
as crianças transformaram daquilo que os adultos destinaram a elas, é
por essa razão produção e reconstrução das culturas prévias e das
culturas vindouras (Brougère,1995).

220
Volume VI

As relíquias dos tempos: objetos que nos ligam ao mundo das


infâncias
Josso (2004, p. 43) sugere que ao realizarmos processos
formativos e de auto-conhecimento trabalhemos com as descrições
sob a forma de gêneros de saber-fazer e de conhecimento. Isso nos
permitirá reagrupar o que foi aprendido em termos de negociações
consigo mesmo, com seu ambiente humano, possibilitando diálogos
férteis entre os autores de narrativas. Figueiredo (2007, p. 2) afirma
que:
Dar visibilidade aos objetos de nossas memórias, lembranças,
vivências de infinitos tempos e lugares – brinquedos, livros,
velhas roupas de crianças, fotografias, objetos de estimação,
cartas escritas a bico de pena... Lugares onde moramos,
vivemos, trabalhamos. Assumir a própria vida, transformar os
espaços e permitir expressar-se do seu jeito, com seus ritmos e
possibilidades. Entrar no palco virtual, um mistério a ser
desvendado, reconhecido como outras maneiras de se fazer
educador e educadora. E ao garimpar ou peneirar as
manifestações das memórias e as histórias de vida, através
desses objetos íntimos retirados dos baús do passado, e desta
forma abrindo espaços para muitos conhecimentos e
transgredindo as indiferenças, nos perguntamos: Por que os
cenários de nossas memórias, lembranças e vivências -
brinquedos, livros, fotografias, cartas, objetos de estimação -
muitas vezes ficam indiferentes nos processos de formação?
Outro aporte teórico para a construção de nossa experiência
vem de Walter Benjamin (apud Galzerani 2002, p.63), com sua
referência ao papel de reconstrução do passado enquanto ação para
mudanças no presente. Trabalhar com registros das narrativas (orais,
escritas, gestuais, pictóricas, midiáticas e outras), dentro de uma
perspectiva benjaminiana, faz-nos ver o passado como um momento
vivo, passível de ser refeito e no qual o sujeito tem um papel
fundamental, que lhe permite refazer o passado, interligando-o e
mudando o presente. Galzerani (ibdem) observa ainda que
Rememorar significa trazer o passado vivido como opção de
questionamento das relações e das sensibilidades sociais
existentes também no presente, uma busca atenciosa relativa
aos rumos a serem construídos no futuro. Ao contrário do
mergulho numa espécie de devaneio complacente e infinito do
qual o sujeito não mais quer emergir (...)

221
Vozes da Educação

Souza (2007) considera necessário construir uma reflexão


teórico-prática com o sujeito que aprende a partir da sua própria
história. Compreender a narrativa (auto) biográfica no processo de
formação e auto-formação é fundamental para relacioná-las com os
processos constituintes da aprendizagem docente. Propor a utilização
do método biográfico possibilita-nos estreitar experiências entre
teoria e prática, entre o que as educadoras em formação aprenderam
e o que desta aprendizagem tem construído como referência no
cotidiano e no seu processo de criação.
A possibilidade de narrar suas histórias de vida, de trazer
experiências (Figura 1) que refletem comportamentos, padrões,
valores, posturas, são os nossos primeiros saberes construídos sobre
a docência e no caso das educadoras das infâncias são construções
sobre a sua maneira de viver a criança que foi, e as representações
sobre as crianças com as quais trabalha.

Figura 1 - Objetos trazidos pelas educadoras-‘mobilizadores da memória do brincar’

Com relação à construção metodológica deste trabalho


trazemos a história de vida como um re-significar de experiências,
revivendo trajetórias e levando à autoformação. Trabalhar com a
memória dos educadores visualizando a subjetividade dos processos
de formação pessoal e profissional dos sujeitos envolvidos na
pesquisa, permite-nos ensaiar um método (auto) biográfico, no qual a
história de vida na modalidade oral,escrita, pictórica, etc. seria uma
parte do mesmo. Ecléa Bosi (1994) diz que, ao falar em memória,

222
Volume VI

somos tentados, a partir, de Bergson, a pensar na etimologia do


verbo. “‘Lembrar-se, em francês, ‘se souvenir’, significa movimento
de ‘vir de baixo’ (...) vir à tona o que estava submerso”.
Ao trabalhar com as memórias buscamos uma interação das
imagens vivenciadas (Figura 2) e a sua valorização no sentido de
registrar coisas muitas vezes não ditas, mas vividas e que marcaram a
trajetória das pessoas. Na perspectiva de adentrar no imaginário
social das educadoras com relação a sua profissão, perpassamos o
simbólico, as significações, os sonhos na tentativa de compreender os
sentidos dados à infância e ao seu fazer pedagógico com as infâncias.

Figura 2 - Objetos ou representações destes nas “lembranças das Infâncias”.

Isso nos remete também a criar um espaço de negociação e


aprendizagem coletivas. Quando nos colocamos a ouvir o outro,
também nos colocamos a aprender com ele ou com elas (Freire,
1979), melhor dizendo quando se fala em educadoras da infância. As
escolhas, as histórias vão se entrelaçando e constituindo uma espécie
de mapa sobre as trajetórias que as educadoras tiveram em suas
infâncias. A proposta de usarmos diferentes linguagens para a (auto)
formação de educadoras também nos remete a Freire (1979, p.56):
Mudar a linguagem faz parte do processo de mudar o mundo:
não é preciso esperar que o mundo mude para se mudar a
linguagem. A incontinência verbal, o palavreado irresponsável
são um equívoco, não tem nada a ver com uma compreensão
correta da luta. Suas conseqüências apenas retardam as
mudanças necessárias.

223
Vozes da Educação

Esses espaços de escuta, as falas, os silêncios, as contações


de histórias de suas próprias vidas são entremeados pela reflexão que
chega através de uma pergunta, um comentário ou mesmo dos gestos
que consentem ou desafiam a contadora da história a desenrolar os
nós de sua própria trama. A vivência de contar sua história de
infância incorpora aí os elementos coletivos que realimentam a
experiência que ilusoriamente, parecia ser apenas individual. (Freinet,
1975). Na figura 3, o momento entre o coletivo e o individual.

Figura 3 - Educador lendo uma carta sobre as memórias do brincar.

As estratégias (auto)biográficas e a formação das educadoras:


caminhos possíveis.
Nessa atividade, temos como desafio trabalhar as questões
da Infância: Como a infância se constituiu historicamente como
categoria social e cultural, quais as características do universo infantil
contemporâneo e de como podemos reverter as nossas concepções
da infância como um período áureo da vida, com características
homogêneas, para infâncias plurais, contextualizadas num tempo e
espaço. Sarmento (2007, p. 29), ao se referir à diversidade das
concepções de infância no mesmo espaço cultural, salienta:
O estudo das concepções da infância deve, por isso, ter em
conta os fatores de heterogeneidade que as geram, inda que
nem todas se equivalham, havendo sempre, num contexto
espaço-temporal dado, uma (ou por vezes, mais do que uma)
que se torna dominante. O Estudo dessas concepções, sob a
forma de imagens sociais da infância, torna-se indispensável
para construir uma reflexividade fundante de um olhar não

224
Volume VI

ofuscado pela luz que emana das concepções implícitas e tácitas


sobre a infância.
Começamos o trabalho com uma escrita decorrente de uma
proposta: Escrevam um Livro da Vida (Freinet, 1975; 1976) de suas
lembranças mais marcantes da Infância. Transforme-o num presente, embrulhe e
traga para nosso encontro. As educadoras recebem a tarefa com certa
desconfiança, medo de não saber realizar a tarefa, dúvidas sobre o
certo e o errado.
Nosso trabalho, nessa primeira vivência é dizer-lhes que o
Livro da Vida é delas e que com o argumento da autoria podem e
têm a liberdade de escrever fazendo escolhas das formas, imagens,
cores que farão parte da obra. Essa visão é concebida por Célestin
Freinet (1996; 1998).
Em noventa por cento das memórias44 (aqui estamos
trabalhando com 59) as educadoras utilizaram a fotografia dos álbuns
de família para ilustrar o livro. Aparecem os batizados, as festas
familiares, as clássicas fotografias escolares ao lado do globo, tendo
como fundo a bandeira brasileira. Tudo isso em épocas bastante
distintas, do século XX, porque temos grupos de idades bem
diferenciadas, dos vinte e um aos cinqüenta e sete anos. Mas o
destaque é para o brincar e os brinquedos.
A experiência (auto) biográfica tem início com a escrita do
livro-presente, prossegue com a troca entre as educadoras. O livro da
vida começa então a ciranda das leituras, a cada semana um grupo
leva uma sacola com as memórias, vai lendo, escrevendo sobre essas
memórias uma reflexão e trazendo para o grupo. Essa passagem do
processo individual para o coletivo ajuda a avançar as idéias em torno
de infâncias iguais, romantizadas e únicas, além de enfatizar o caráter
social, cultural e histórico das infâncias vividas por nós.
Outro momento interessante é a escrita das cartas sobre o
brinquedo. Como essa categoria “brincar” “brinquedo” “brincadeiras”
tem aparecido fortemente nas memórias, temos colocado como

44Estamos trabalhando com um total de cinqüenta e nove memórias de educadoras da


Infância, decorrentes de encontros no Curso de Especialização em Educação Infantil, FaE-
UFPel no período de 2006 a 2015 .

225
Vozes da Educação

tarefa o momento da narrativa dos brincares: Vocês vão escrever


uma carta contando uma experiência forte com um brincar na
infância, seja pela ausência, pelo desejo ou pela brincadeira em si.
Vocês devem escrever a carta, que será lida pelo grupo,
silenciosamente, de mão em mão, mas também deverão trazer o
brinquedo, ou o ato de brincar, ou algum objeto que lembre a
experiência vivida 45.
Esse tem sido um dos momentos mais fortes do trabalho
com os grupos, porque traz à tona as lembranças de momentos
inesquecíveis do brincar e traduz em culturas das mais diferentes em
épocas distintas a função e o papel que o brincar tem na produção da
infância, ainda que, como vimos anteriormente, com as influências
do mundo que os adultos “escolhem, preparam e tentam definir”
para as crianças. (Sarmento, 1997).
Por tudo isso, desejamos investir no trabalho de formação
das educadoras, tendo como gênese a (auto) biografia das infâncias,
por nós compreendidos como mola propulsora, impulso e modo
reflexivo de estar envolvido com a educação em difíceis tempos.
É Bosi (1994, p. 83) quem nos presenteia com uma reflexão
final:
A criança sofre, o adolescente sofre. De onde nos vêm, então, a
saudade e a ternura pelos anos juvenis? Talvez porque nossa
fraqueza fosse uma força latente e em nós houvesse o germe de
uma plenitude a se realizar. Não havia ainda o constrangimento
dos limites, nosso diálogo com os seres era aberto, infinito. A
percepção era uma aventura; como um animal descuidado,
brincávamos fora da jaula do estereótipo. E assim foi o
primeiro encontro da criança com o mar, com o girassol, com a
asa na luz. Ficou no adulto a nostalgia dos sentidos novos.
Nos fragmentos desta escrita tecemos uma escuta sensível
como possibilidade de reflexão do passado, presente para adentrar
aos “jardins do futuro” e redescobrir a criança que vive em nós e
perceber as infâncias que perambulam pelas ruelas, que se fecham
nos condomínios, que transitam entre as telas dos computadores e os
muros das escolas. Mundos que se aproximam e se distanciam e nos
educam em que mesmo?

Tarefa apresentada às educadoras durante o trabalho.


45

226
Volume VI

Referências Bibliográficas
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Paulo: Companhia das Letras, 1994.
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227
Vozes da Educação

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Lúcia Goulart de Faria; Zeila de Brito Fabri; Patricia Dias Prado.
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SOUZA, E.C. Histórias de vida e formação de professores. Salto
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228
Volume VI

ABORDAGEM SOBRE A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NAS


ESCOLAS PÚBLICAS DE FLORESTA – PE

Maria Aparecida de Sá Martins Menezes46


Júlia Maria de Sá Carvalho Guimarães47

RESUMO
A educação ambiental deve ser vista como um processo de permanente
aprendizagem que valoriza as diversas formas de conhecimentos,
habilidades e competências, visando formar cidadãos comprometidos
com a melhoria local e planetária. Diante disto, foram realizadas
atividades sobre as questões ambientais, nas turmas dos 5º anos do
Ensino Fundamental I das Escolas Públicas Estaduais e Municipais de
Floresta – PE, num total de 7 escolas e 10 turmas, tendo como objetivo
mostrar as riquezas que a natureza nos oferece e conscientizá-los para a
necessidade de conservação, sendo desenvolvidos temas diversificados.
Palavras-chave: Conservação, Meio Ambiente, Sustentabilidade.

ABSTRACT
Environmental education must be seen as a process of permanent
learning that values the different forms of knowledge, skills and
competences, aiming to train citizens committed to local and planetary
improvement. In view of this, activities were carried out on
environmental issues in the 5th grade classes of Elementary School I of
the State and Municipal Public Schools of Forest - PE, in a total of 7
schools and 10 classes, aiming to show the richness that nature offers
and makes them aware of the need for conservation, with the
development of diversified themes.
Keywords: Conservation, Environment, Sustainability.

46Mestre em Ciências da Educação (2012); Mestre em Tecnologia Ambiental (2014); Especialista


em Supervisão (1996); Especialista em PROEJA (2010); Graduada em Pedagogia (1988). Atua
como professora na Escola Júlio de Mello e como Pedagoga no IF SERTÃO – PE Campus
Floresta.
47Estudante do 4º Ano do Ensino Médio em Agropecuária, no IF SERTÃO – PE Campus

Floresta, bolsista PIBEX nos anos 2014/2015. Desenvolveu as atividades de Extensão nas
Escolas Públicas de Floresta- PE. Atualmente está fazendo seu estágio na Empresa Amazon em
Nova Jersey – Estados Unidos.

229
Vozes da Educação

Introdução
Em uma realidade de crescimento populacional, degradação do
ecossistema e consumo desenfreado, surge mundialmente o interesse sobre
assuntos voltados para o desenvolvimento sustentável e conservação do
meio ambiente. O mundo vive, hoje, o desafio de conceber e colocar em
prática políticas e modelos de desenvolvimento sustentável, em que os
padrões de consumo e de produção das gerações presentes não
comprometam a vida das gerações futuras. A questão ambiental tem sido
debatida em todo mundo com maior intensidade a partir do século XX
(SEABRA, 2013).
Isto se deve a forma irresponsável como o homem vem utilizando
os recursos naturais em prol do progresso e do desenvolvimento econômico.
A educação ambiental é o caminho para que o ser em formação
possa ter consciência no uso responsável dos recursos naturais,
conservando-os para as gerações futuras. A dimensão ambiental no contexto
escolar objetiva abrir espaços para a construção de conhecimentos e para a
articulação de saberes, possibilitando a formação de indivíduos que sejam
participantes na construção de uma sociedade sustentável, socialmente justa
e ecologicamente equilibrada.
Segundo Garda (2011), a educação ambiental, nas suas diversas
possibilidades, abre um estimulante espaço para repensar práticas sociais e o
papel dos professores como mediadores e transmissores de um
conhecimento necessário para que os alunos adquiram uma base adequada
de compreensão essencial do meio ambiente global e local, da independência
dos problemas e soluções e da importância da responsabilidade de cada um
para construir uma sociedade planetária mais equitativa e ambientalmente
sustentável.
A principal função do trabalho com o tema Meio Ambiente é
contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos a decidir e
atuar na realidade socioambiental de modo comprometido com a vida,
com o bem-estar de cada um e da sociedade, local e global.
Para isso, é necessário que, mais do que informações e
conceitos, é preciso que a escola se proponha a trabalhar com atitudes,
com formação de valores, com o ensino e a aprendizagem de habilidades
e procedimentos. Esse é um grande desafio para a educação como
sugerido por – REIGOTA – (2008).

230
Volume VI

Com a educação ambiental, a escola, os conteúdos e o papel do


professor e dos alunos foram colocados em uma nova situação, não
apenas relacionada com o conhecimento, mas sim com o uso que
fazemos dele e a sua importância para a nossa participação política
cotidiana (BRANCO, 2011).
Vivenciando este tipo de trabalho, os alunos percebem a
importância de saber utilizar os recursos naturais existentes de forma
sustentável evitando o desperdício e o desrespeito com a natureza.
O mundo vive, hoje, o desafio de conceber e colocar em prática
políticas e modelos de desenvolvimento sustentável, em que os padrões
de consumo e de produção das gerações presentes não comprometam a
vida das gerações futuras. Em virtude dos atuais padrões de consumo,
precisam-se desenvolver ações que possibilitem ao indivíduo, uma
reflexão sobre suas atitudes e valores na sociedade, para uma possível
mudança de postura com relação aos seus padrões de comportamento
(BOFF, 2012)
Percebe-se que as dificuldades encontradas pelas escolas para a
realização de um trabalho voltado para a conscientização ambiental e a
sustentabilidade, passa pela formação do professor; bem como, a falta de
uma política educacional específica para abordagem do tema, como:
capacitações, aperfeiçoamento, planejamento coletivo, etc. embora o
tema meio ambiente esteja contemplado nos temas transversais e que
devem ser trabalhado em todas as áreas do conhecimento, algumas
escolas abordam este tema em forma de projetos didáticos, de modo que
vivenciam em um determinado tempo e depois fica no esquecimento.
Nesse sentido, educar ambientalmente os sujeitos requer o
envolvimento de um conjunto de atores sociais e de formas de organização
que contemplem ações com ênfase na sustentabilidade socioambiental. Foi
no intuito de proporcionar maior reflexão e mudanças de posturas no que se
refere ao meio ambiente, que surgiu o projeto de extensão para ser
vivenciado nas turmas de 5º ano do Ensino Fundamental I, tendo como
objetivo desenvolver atividades variadas voltadas para as questões
ambientais.

231
Vozes da Educação

Educação ambiental: Necessária e urgente


De acordo com a Lei 9.795/99, entende-se por educação
ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de
uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade (BRASIL, 2007).
A Educação Ambiental é considerada hoje um processo
permanente, no qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência
do meio ambiente e adquirem os conhecimentos, os valores, as
habilidades, as experiências e a determinação que os tornam aptos a agir
individual e coletivamente para resolver problemas ambientais presentes
e futuros.
Uma das alternativas para a inclusão da temática ambiental no
meio escolar é a aprendizagem em forma de projetos, essa é uma
proposta alinhada com o novo entendimento do processo de
aprendizagem que sugere a necessidade de estratégias de ensino mais
adequadas e torna evidente a importância de um currículo integrado que
valorize o conhecimento contextual, no qual as várias disciplinas sejam
vistas como recursos a serviço de um objeto central. Esse objeto central
também pode ser entendido como um tema transversal que permeia as
outras disciplinas já constituídas e consegue trazer para a realidade
escolar o estudo de problemas do dia a dia.
O princípio da sustentabilidade, segundo Leff (2008), surge no
contexto da globalização como a marca de um limite e o sinal que
reorienta o processo civilizatório da humanidade. A crise ambiental veio
questionar a racionalidade e os paradigmas teóricos que impulsionaram e
legitimaram o crescimento econômico, negando a natureza. A
sustentabilidade ecológica é um suporte eficaz para se chegar a um
desenvolvimento duradouro, questionando as próprias bases de
produção.
A Educação Ambiental é um instrumento essencial para poder
melhorar os impactos ambientais que tanto vem prejudicando o nosso
dia a dia, ela exerce um papel fundamental na formação crítica e atuante
dos nossos indivíduos no qual desenvolve uma sociedade de consumo
consciente, no intuito de preservar o mesmo.

232
Volume VI

O aprendizado ambiental é um componente vital, pois oferece


motivos que levam os alunos se reconhecerem como parte integrante do
meio em que vivem e faz pensar nas alternativas para soluções dos
problemas ambientais e ajudar a manter os recursos para as futuras
gerações.
Os seres humanos são os únicos animais que transformam a
natureza em benefício de sua sobrevivência. No entanto, para atender às
necessidades atuais, estamos usando nossa capacidade de modo a tornar
o ambiente insustentável para as gerações futuras. Não podemos
transformar, sem limites, a natureza. Somos muitos, os recursos da Terra
finitos, e nossa tecnologia causa fortes impactos no ambiente: polui o ar
e a água, altera o solo, destrói florestas e outros ambientes naturais,
transforma a atmosfera, modifica o clima. Não é mais possível explorar
ilimitadamente os elementos da natureza e causar tantos impactos
ambientais. (CARVALHO et al.,2008).
O meio ambiente vem sofrendo grande perda com toda essa
produção acelerada e esse consumo desenfreado. É essencial que o ser
humano entenda a necessidade de cuidar do ambiente uma vez que toda
sobrevivência existente é adquirida através dos recursos oferecidos e que
para se formar cidadãos atuantes é preciso formar a consciência dos
mesmos e transforma-se em filosofia de vida. A educação ambiental,
deve necessariamente transforma-se em ação.
A Educação Ambiental permite que o processo pedagógico
aconteça sob diferentes aspectos, que se complementam uns aos outros.
Assim, há um espaço para momentos onde ocorre transmissão de
conhecimento, construção do conhecimento e a desconstrução das
representações sociais. Com a Educação Ambiental, a escola, os
conteúdos e o papel do professor e dos alunos são colocados em uma
nova situação, não apenas relacionada com o conhecimento, mas sim
com o uso que fazemos dele e sua importância para a nossa participação
política cotidiana. Portanto, cabe a escola contribuir para o processo de
transformação da sociedade atual em uma sociedade sustentável,
centrando no exercício responsável da cidadania, que considere a
natureza como um bem comum, leve em conta a capacidade de
regeneração dos recursos materiais, promova a distribuição equitativa da

233
Vozes da Educação

riqueza gerada e favoreça condições dignas de vida para as gerações


atuais e futuras.
Sabe-se que este é o caminho para que cada indivíduo mude de
hábitos e assuma novas atitudes que levem à diminuição da degradação
ambiental, promovam a melhoria da qualidade de vida e reduzam a
pressão sobre os recursos ambientais. Mas este objetivo só será
alcançado quando todos perceberem que este processo é algo que tem
que ser entendido e realizado por cada um de nós.

Metodologia
Foram proporcionados momentos de reflexão através de
seminários, jogos e oficinas com os alunos do 5º ano do Ensino
Fundamental I nas escolas públicas Estaduais e Municipais da Sede de
Floresta – PE, fazendo entrega de panfletos informativos sobre as
questões ambientais.
Assim, houve espaços para momentos onde ocorreram
transmissão de conhecimento, construção do conhecimento e a
desconstrução das representações sociais (REIGOTA, 2008).
As atividades realizadas foram: explanação do conteúdo, cujo tema
fora indicado previamente pelo professor da turma, realização de oficinas de
poesia, literatura de cordel, teatro, paródia, redação, desenho, etc,
socialização das atividades, joguinho de v ou f para fixação, avaliação do dia.
A realização das atividades ocorrerram mensalmente nas
próprias escolas, tendo sido organizado um cronograma dos dias dos
seminários, juntamente com os professores das turmas para não
atrapalhar o andamento normal das aulas.
Para a vivência das atividades, foram realizadas várias pesquisas
e leituras, para que o trabalho fosse realizado de forma eficaz.

234
Volume VI

Além disso, foram desenvolvidas as seguintes ações.

ATIVIDADES
DESENVOLVIDAS

Seleção de fontes de Realização das atividades; Elaboração de panfletos e


pesquisa; Preparação de Vivências de oficinas, jogos e distribuição; Avaliação de cada
slides; socialização; encontro.

Resultados e discussão
As atividades desenvolvidas favoreceram a reflexão e
conhecimento de forma lúdica, onde houve troca de conhecimento e
aperfeiçoamento dos saberes adquirido anteriormente.
Com a orientação específica na formação do cidadão com
relação ao meio ambiente e a sustentabilidade, espera-se que haja uma
repercussão na qualidade de vida social, uma vez que é através da
educação que se pode transformar a sociedade (FERREIRA, 2003).
Na realização das atividades nas escolas, conseguimos bons
resultados dos alunos, demonstrados por eles durante a realização das
atividades, e ao final de cada dia, com depoimentos de cada um sobre o
que aprendeu e o que irão fazer a partir deste momento, as atitudes com
relação ao meio ambiente. As atividades realizadas foram bastante
variadas, tais como: Recorte e colagem, teatro, poema, literatura de
cordel, historia em quadrinho e paródias.
Os temas solicitados pelos professores foram o Bioma Caatinga
e os Resíduos Sólidos, tendo sido explanados e feitos demonstrações de
alguns materiais que podemos reciclar, contando com ajuda voluntária de
pessoas que já desenvolvem este trabalho.
Com a vivência deste trabalho tivemos o objetivo de mostrar
aos alunos a importância de saber utilizar os recursos naturais existentes
de forma sustentável evitando o desperdício e o desrespeito com a
natureza.

235
Vozes da Educação

Conclusões
Com a realização de todas as etapas propostas, ficamos
satisfeitos e com a sensação de dever cumprido, embora seja apenas o
início de um trabalho que pretendemos dar continuidade.
Ao final foi possível constatar:
 Percebemos a empolgação da participação dos alunos;
 Depoimento de alguns alunos, mostrando a mudança de
postura com relação ao meio ambiente;
 Os trabalhos realizados por eles nas oficinas foram bem
criativos;
 O interesse e participação foram observados;
Foi notória a satisfação da turma em participar e foi possível
perceber que o objetivo foi cumprido, uma vez que em depoimentos, os
próprios alunos dizem que pretende não fazer as atitudes de degradação e
desperdícios, bem como, que irão passar os conhecimentos adquiridos para
seus familiares.

236
Volume VI

Referências Bibliográficas
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SECRETARIA DO ESTADO DO MEIO AMBIENTE. Conhecer para
Preservar: as unidades de conservação do Estado de São Paulo. São
Paulo: Terra Virgem, 1999.

237
Vozes da Educação

O ENSINO DE CIÊNCIAS NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO


FUNDAMENTAL: UM OLHAR A PARTIR DOS DOCENTES DE UMA
ESCOLA DA BAIXADA FLUMINENSE DO RIO DE JANEIRO

Maria José Machado Costa48

RESUMO
O ensino de ciências naturais é desvalorizado no ensino fundamental na medida
em que passa a ser preconizado pelos próprios sistemas de ensino a partir da
construção dos conteúdos mínimos e do tempo destinado para se trabalhar a
disciplina em sala de aula. A fim de investigarmos esse pressuposto,
apresentamos neste artigo um estudo sobre as práticas pedagógicas
desenvolvidas por professoras dos anos iniciais no âmbito do ensino de ciências
naturais. Para tal, foi realizada uma pesquisa de campo com 18 professoras em
uma escola municipal na região da Baixada Fluminense/RJ. Constatou-se que os
conteúdos, quando são trabalhados, utiliza-se apenas o livro didático.

Palavras-chave: prática docente, ensino fundamental, ensino de ciências.

ABSTRACT
The teaching of Natural Sciences is devalued in the elementary school to the
extent that it starts to be recommended by the education systems themselves,
based on the construction of the minimum contents and the time destined to
work the science discipline in the classroom. In order to investigate this
assumption, we present in this article a study on the pedagogical practices
developed by teachers of the initial years of elementary education in the scope of
the teaching of Natural Sciences. For this study, a field survey was carried out
with 18 teachers at a municipal school in the Baixada Fluminense at the state of
Rio de Janeiro. In summary, it was verified that the teachers only work with
didactic books in teaching of contents.

Keywords: teaching practice, elementary school, science education.

Graduada em Pedagogia, com Licenciatura plena, habilitada em Orientação Educacional e


48

Supervisão Escolar (1993); Mestre em Educação e Ensino de Ciências pelo IFRJ; Atualmente,
atuo como Supervisora Educacional na FAETEC/RJ e Professora do Ensino Médio- Curso
Normal (SEEDUC/RJ).

238
Volume VI

Introdução
A educação é uma prática social que existe em toda e qualquer
sociedade humana, em todos os tempos e lugares. A forma de
transmissão do saber às novas gerações, primeiramente, ocorre no
ambiente familiar, onde tem início o processo educacional. Segundo
Durkheim (2011, p.53),
Não há povo em que não exista certo número de ideias, de
sentimentos e de práticas que a educação deve difundir para todas as
crianças, indistintamente, seja qual for à categoria social a que
pertençam. Pode ser um ideal religioso, a língua materna, a lógica
matemática ou os princípios de classificação científica.
Apesar da definição de Durkheim corresponder às exigências
do conjunto da sociedade, na legislação educacional corresponde ao que
se conhece por currículo mínimo, isto é, aquilo que cabe às escolas de
todo o país praticarem sua dinâmica cotidiana aos públicos escolares. A
prática escolar, com suas ações educacionais, tem intencionalidade em
seu exercício e isso a diferencia de todas as outras práticas sociais, que,
independentemente do lugar e do tempo onde aconteça, tem a finalidade
de inserir as novas gerações no mundo, na cultura. Por isso, é necessário
que a instituição escola tenha profissionais especializados na arte da
construção do saber, entre os principais atores dessa dinâmica escolar o
professor e o aluno. Compreendendo este espaço escolar como um meio
de interação e construção de conhecimentos que são necessários para
que o aluno consiga inserir-se na sociedade, o ensino exerce uma ação
fundamental no processo de tornar possível a dinâmica da aprendizagem
humana. A aprendizagem somente se consolida quando tem significado
real para o estudante, ou seja, quando ele percebe a necessidade de se
apropriar desse saber para facilitar o seu cotidiano. Ancorado nessa
premissa, Freire (1992, p.102) define a aprendizagem significativa como
“aquela que ocorre a partir da compreensão pessoal por parte de quem
aprende, possibilitando a reconstrução de conceitos que ampliam a
habilidade de aprender cada vez mais o que desencadeia uma atitude
ativa diante da vida”.
Portanto, o ato de ensinar necessita fundamentar-se na relação
recíproca entre professor e aluno, promovendo a construção do
raciocínio lógico e dialógico, onde os dois são coadjuvantes na
construção desse saber, denotando a importância que a escola adquiriu

239
Vozes da Educação

no mundo moderno. Cabe à escola a grandiosa tarefa de formar as novas


gerações para um mundo em constante mudança, demonstrando a sua
responsabilidade em mediar à consolidação do conhecimento pelo aluno.
Dessa forma, a escola tem como foco principal em seu trabalho
educacional o desenvolvimento de todas as habilidades que são
fundamentais e necessárias para o aluno ter condição de enfrentamento
das demandas habituais na contemporaneidade. Tendo como pano de
fundo as contínuas e rápidas modificações e transformações que
ocorrem no mundo moderno, passou-se a exigir um corpo de
profissionais atuantes no cenário escolar cada vez mais competente e
comprometido com o que faz.
Nesse viés, é importante que a prática pedagógica do professor
se fundamente como uma ação crítica e emancipadora, empenhada na
relação entre o pensar e o fazer, momento imprescindível de contínua
reflexão, uma vez que o próprio educador, muitas vezes, pensando que
age em nome da liberdade, pode estar legitimando as condições exigidas
por uma determinada estrutura social. As ações pedagógicas do professor
precisam estar comprometidas com o despertar do interesse dos alunos
desde os anos iniciais do Ensino Fundamental (EF) e, em especial, nas
aulas de Ciências Naturais, objeto de estudo desse trabalho.
A busca incessante pelo interesse do aluno é um dos desafios a
ser superado pelos docentes ao ensinar, especialmente nessa componente
curricular, no entanto nem sempre essa meta é alcançada, conforme
justificam Carvalho e Gil-Perez, (2001, p.107), “talvez porque os
conteúdos trabalhados dentro do ambiente escolar são apresentados
como provenientes de uma ciência ‘pronta’, onde não há espaço para
discussões acerca de seus fenômenos”. É, portanto, fundamental uma
ruptura na condição ingênua da ação pedagógica do professor de
ciências, que proporcione aos estudantes desafios que, de fato, se
traduzam na aplicação constante dos conhecimentos construídos em aula
na sua vida cotidiana. Essa ação pedagógica promove e estabelece
estratégias de organização, estimula os alunos a fazerem escolhas e a se
comprometerem com elas. “Ao assumir responsabilidades, possibilita a
realização de um trabalho coletivo e interdisciplinar” (HERNANDEZ e
VENTURA, 1998, p.103).

240
Volume VI

Aliado a essas questões, tem-se o grande desafio de tornar o


ensino de Ciências prazeroso e instigante, sendo capaz de desenvolver no
aluno uma educação científica. Conforme defende Brandi e Gurgel
(2002, p.113):
Pensar é, sobretudo, dar sentido ao que somos e ao que nos
acontece. Para que o pensamento científico seja incorporado pelo
educando como uma prática de seu cotidiano é preciso que a
Ciência esteja ao seu alcance e o conhecimento tenha sentido e
possa ser utilizado na compreensão da realidade que o cerca.
Diante desse panorama, considerando a necessidade do
processo pedagógico renovar-se continuamente para atender, sobretudo,
às expectativas dos alunos, neste artigo temos como objetivo investigar
as práticas pedagógicas de professores ao ensinarem Ciências Naturais
nos anos iniciais do Ensino Fundamental em uma escola municipal
localizada na cidade de Itaguaí, região da Baixada Fluminense do estado
do Rio de Janeiro.

Metodologia
Esta pesquisa inclui evidências qualitativas com características
descritivas e se configura como uma pesquisa de campo, e foi
desenvolvida em uma escola municipal localizada no município de
Itaguaí, uma das cidades que compõe a região da Baixada Fluminense do
estado do Rio de Janeiro. O universo é composto por 18 professoras que
trabalham com turmas do 1º ao 5º ano do EF, nos turnos matutino e
vespertino.
A coleta de dados foi realizada em duas etapas, sendo a
primeira o levantamento do perfil profissional das professoras. Para
tanto foi utilizado um questionário contendo, além dos dados de
identificação (idade, tempo de profissão, ano de entrada na escola e
telefone), cinco questões que tinham como objetivo sondar a formação e
a experiência profissional para docência nos anos iniciais. Na segunda
etapa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas em que buscamos
investigar a atuação profissional no ensino de Ciências e a prática
pedagógica desenvolvida em sala de aula. As entrevistas foram realizadas
com todas as 18 professoras, de forma que estivessem presentes apenas
os sujeitos da pesquisa, ou seja, o professor e a pesquisadora, para que
não houvesse nenhum tipo de influência e/ou propagação de ideias antes

241
Vozes da Educação

do momento da entrevista em si. Foi estabelecido com cada professora


um vínculo de descrição ética no sentido de evitar comentários no grupo
docente sobre as questões abordadas na entrevista para preservar a
integridade dos dados levantados nesse momento, além de garantir
princípios éticos intrínsecos à pesquisa com seres humanos. A entrevista
foi previamente validada através com professores itinerantes da escola,
que não participaram diretamente da pesquisa e, portanto, não compõem
a amostra dos 18 sujeitos.
Também foram realizadas observações aleatórias de algumas
aulas, e o diário de campo foi uma fonte de informações relevantes à
pesquisa, até porque esses registros se transformaram em objetos de
análise e releitura, facilitando a compreensão da realidade pesquisada. Os
seguintes documentos somaram-se ao corpus de análise: planejamentos
feitos pelas professoras, atividades escritas (folhinhas de tarefa),
regimento escolar e o projeto político-pedagógico da escola, sempre
orientados pelos objetivos e questões formuladas com base no problema
que fora estabelecido, como o caminho a ser percorrido procurando
entender como os professores dos anos iniciais trabalham (ou não)
Ciências Naturais em seu cotidiano escolar. No entanto, o que se tornou
fonte de dados efetivos para consolidação da pesquisa foi o
levantamento do perfil profissional e as entrevistas semiestruturadas,
embora os outros objetos de análise contribuíssem para legitimar os
resultados.

Dados e Resultados: Primeira etapa


Das 18 professoras, 16 trabalham 20 horas semanais e apenas
duas trabalham 40 horas, inseridas em um programa de “dobra” de carga
horária (e salário) instituído pela Prefeitura Municipal de Itaguaí (PMI)
como estratégia para suprir a falta de docentes. Utilizamos a flexão no
gênero feminino “professora” pelo fato de todo o quadro docente dos
anos iniciais dessa escola ser composto por mulheres, todas concursadas
e empossadas como funcionárias públicas com cargo de docente da PMI.
A atenção à carga horária é fundamental, já que quanto mais as
professoras vivenciam as relações dentro dessa escola, melhor podem
compreender seu real contexto e se relacionar mais efetivamente com

242
Volume VI

seus alunos e a comunidade, mas deixamos claro que não defendemos a


dupla jornada em sala de aula para um mesmo profissional docente, já
que o tempo remunerado para planejamento é essencial.
No levantamento do perfil, quanto ao tempo de magistério,
quatro professoras exercem a profissão entre 1 e 5 anos, quatro, entre 6 e
10 anos, duas, entre 11 e 15, três, entre 16 e 20, três, entre 20 e 26 e duas,
entre 26 e 30. Em relação à formação, 14 professoras são licenciadas e
apenas 4 têm formação no Ensino Médio - Curso Formação de
Professores (Curso Normal). Cinco professoras entraram na graduação
em instituições privadas graças a convênios firmados entre a Secretaria
Municipal de Educação e Cultura (SMEC) e as universidades na Baixada
Fluminense do RJ próximas ao Município de Itaguaí, concedendo
descontos nas mensalidades para os servidores da

Quadro 1 - Perfil de formação das professoras


P FORMAÇÃO INSTITUIÇÃO PÓS-GRADUAÇÃO
INICIAL
P1 Português / Particular Psicopedagogia Clínica e
Literatura Institucional
P2 Português / Particular Psicopedagogia Clínica e
Literatura Institucional
P3 Português / Pública 
Literatura
P4 Português / Pública 
Literatura
P5 Matemática Particular Coordenação e Gestão
Educacional
P6 Matemática Particular Administração Escolar

P7 Matemática Pública 

P8 História Particular 

P9 História Particular Orientação Educacional e


Supervisão Escolar
P10 Geografia Particular Administração e Supervisão
Escolar
P11 Geografia Particular 

243
Vozes da Educação

P12 Pedagogia Particular 

P13 Pedagogia Particular Gestão Integrada

P14 Pedagogia Pública Supervisão Educacional

P15 Curso Normal Particular 

P16 Curso Normal Particular 

P17 Curso Normal Pública 

P18 Curso Normal Pública 

PMI. As outras cinco professoras que cursaram graduação em


universidades privadas custearam sozinhas sua formação, pois desejaram
estudar mais próximo de suas residências. Há ainda quatro professoras
que são graduadas em universidades públicas de ensino, conforme
evidencia o Quadro 1 a seguir com o perfil das 18 professoras sujeitos da
pesquisa, em que destacamos o fato de que nenhuma delas possui
formação específica na área de ciências naturais, seja na graduação ou em
formação continuada. Na apresentação dos resultados, os nomes das
professoras foram omitidos a fim de preservar sua identidade, de forma
que usamos a nomenclatura P (professora) seguida da numeração em
algarismos arábicos de 1 a 18 no que se refere a cada uma. Em relação à
pós-graduação, oito professoras fizeram curso de especialização, seis já
concluíram e duas estão em fase de conclusão, nas seguintes áreas:
Administração e Supervisão Escolar (P10), Psicopedagogia Clínica e
Institucional (P1 e P2), Administração Escolar (P6), Coordenação e
Gestão Educacional (P5), Orientação Educacional e Supervisão Escolar
(P9), Supervisão Educacional (P14) e Gestão Integrada (P13).
Assim como em relação à graduação, nenhuma das professoras
cursa/cursou pós-graduação na área de ensino de ciências, evidenciando
que houve um interesse em aperfeiçoar-se em áreas relacionadas à área
de educação em um sentido mais estrito. Seis das 14 professoras que
possuem nível superior (P3, P4, P7, P8, P11 e P12) não possuem e nem
estão cursando pós-graduação. As professoras P15 a P18 têm apenas o

244
Volume VI

Ensino Médio na modalidade Normal (Curso Normal), e não estão


cursando graduação. Outra questão, não apresentada no Quadro 1, diz
respeito a cursos que não são da área educacional: P11 concluiu curso de
contabilidade geral e P13 que concluiu o curso de especialização em
deficiência mental. Todas as demais descreveram que apenas participam
das formações continuadas promovidas pela coordenação geral dos anos
iniciais da SMEC. Nenhuma das professoras mencionou a participação
em seminários, congressos, fórum de debates etc..
Por último, sobre o exercício da função docente nos anos
iniciais em outra rede de ensino, quatro professoras atuam na rede
pública de ensino em outros municípios do Rio de Janeiro (P2, P3, P5 e
P7, respectivamente com 21, 2, 8 e 4 anos de exercício na função) e duas,
na rede privada (P4 e P12, com respectivamente 3 e 2 anos).

Segunda etapa
Uma vez melhor conhecido o perfil das docentes, na segunda
etapa da pesquisa a coleta de dados se deu a partir de entrevistas
semiestruturadas, quando todas concordaram em participar apesar de a
maioria declarar não se sentir a vontade em ter suas falas gravadas em
áudio. Dessa forma, optou-se apenas pelo registro escrito em diário de
pesquisa, proporcionando, assim, um clima mais confiável e confortável
para as professoras. Havia certo temor dessas professoras em expor suas
dificuldades e angústias, talvez devido a experiências anteriores,
acadêmicas e/ou institucionais, mal sucedidas, embora demonstrassem
clareza sobre as questões éticas que permeiam o processo de pesquisa
explanado pela pesquisadora. A partir desse momento, a entrevista
assumiu uma postura solidária de conversa.
Primeiramente, indagou-se sobre a prática docente em seu
cotidiano com objetivo de perceber sua concepção sobre educação, e,
consequentemente, compreender como ensinam Ciências Naturais nos
anos iniciais, quais os recursos que são utilizados e se promovem
desafios aos alunos. Das 18 professoras entrevistadas, quatro (P1, P2,
P13 e P14) afirmaram conhecer e utilizar uma proposta construtivista em
suas aulas; três (P9, P12 e P10) relataram mesclar o construtivismo e o
tradicional, sete (P3, P4, P7, P15, P16, P17 e P18) indicaram já ter
ouvido falar do construtivismo, mas que não usavam para ensinar, pois

245
Vozes da Educação

costumavam trabalhar, normalmente, passando o trabalho no quadro e


usando o livro (apesar de não terem verbalizado usar uma concepção
tradicional), e quatro (P5, P8, P6 e P11) assumiram fazer uso de uma
concepção tradicional ao ensinar, mesmo afirmando conhecer o
construtivismo. Alguns trechos das falas das professoras evidenciam
essas respostas, que foram agrupadas de acordo com a categoria de
resposta (padrão que será adotado também para as questões
subsequentes, uma vez que algumas respostas são transcrições e outras
anotações no diário de campo):
Eu não sei bem explicar sobre a concepção de educação que
fundamenta meu trabalho, mas sei que é o construtivismo. Para
ensinar ciências eu gosto de levar meu aluno para o pátio em busca
de plantas para mostrar as partes das plantas, etc. [...] eu sou contra
o tradicional. (P1 e P14)
Nas aulas de ciências eu ia trabalhar as sementes das plantas, mas
naquele dia um aluno trouxe uma borboleta para a hora da novidade
e eu aproveitei, mudei toda minha aula [...]. É aposto no
construtivismo porque o aluno constrói suas próprias atividades [...].
Os alunos na sala de aula se tornam mais criativo. (P2 e P13)
Eu não tenho muito conhecimento dessas teorias que fundamentam
o meu trabalho e essas novas concepções de aprendizagem, mas
pelo que entendo eu uso um pouco do tradicional e um pouco do
construtivismo. Por isso, é que eu te digo: eu vim entender mais
depois que fiz o curso de graduação, porque eu estava estudando
essas teorias e aí na escola eu procurei me aprofundar [...]
exatamente porque estava trabalhando com ela. (P9, P10 e P12)
Destacam-se, a seguir, alguns trechos que evidenciam respostas
em relação às sete professoras que afirmaram conhecer, mas não usar, o
construtivismo, trabalhando com o tradicional que não souberam ou não
quiseram nomear.
Às vezes eu acho chato esse negócio do aluno ficar só copiando do
quadro, mas também é nesse momento que eu aproveito para
resolver algumas coisas, por exemplo, lançar algo no diário [...] o
negócio é manter o aluno ocupado, aí eles ficam quietos. (P3 e P4)
Eu percebo que com o construtivismo o aluno se sente mais à
vontade para falar, ele se sente tão liberal para falar que ele acaba até
atrapalhando a aula, é bom em ciências que ele participa legal. Eu, às
vezes, sou de acordo com o tradicional, mas muitas vezes não. (P7)
Eu não sei bem explicar sobre a concepção de educação que uso no
meu trabalho. Mas do jeito que trabalho dá resultado eles aprendem.
Só que aqueles que não querem nada, aí fica difícil [...]. A gente
ensina do jeito normal como todo professor faz [...]. Têm alunos
mesmo que tem dificuldades, que eu acho que trabalhando com ele
com cópia, com pontilhados, etc., seria mais fácil. [...] mas, isso é
tradicional. (P15, P16, P17 e P18)

246
Volume VI

As demais professoras relataram conhecer a proposta


construtivista, porém não acreditam em nenhuma concepção teórica que
nada tenha relação com a prática de sala de aula, verbalizando que usam
o tradicional e é isso que funciona.
As coordenadoras da SMEC querem mandar na nossa sala de aula.
Trazem muitas novidades tentam passar uma forma de trabalhar que
não dá certo com esses alunos. [...] O construtivismo [...] que nada,
essas teorias fazem uma confusão na nossa cabeça. (P5)
Já vieram outros coordenadores aqui na escola passar outras formas
de ensinar que está no dia a dia, como se isso fosse muito moderno
e prático. Hoje, o que é moderno é aquilo que é prático e simples, é
como nossos pais, aprenderam no tradicional, esse sim funciona.
(P6 e P11)
Os alunos fazem outros trabalhos diferentes do que se faz na escola,
trabalhos de jogos, de não sei mais o quê. Eles não tão acostumados
assim [...] o negócio deles mesmo é só sala de aula e eu acho que é o
que rende, na verdade eles precisam aprender a ler e escrever. (P8)
A partir das falas dessas professoras, podemos constatar a
necessidade em utilizar ações pautadas nas práticas tradicionais, que
promovem a passividade do aluno, baseadas numa investida de cima para
baixo, preconizando o autoritarismo como elemento de respeito e
soberania e que, infelizmente, em nada contribui para a aprendizagem
criativa do aluno. Muito ao contrário, acaba estimulando o aluno a
memorizar o conteúdo para repeti-lo quando cobrado e que
possivelmente será esquecido. De forma geral, trata-se de uma
concepção em que não é atribuída a devida importância ao
desenvolvimento da aprendizagem que tenha significado para o aluno.
Existem dificuldades apresentadas pelas professoras, dentre elas está a
organização dos conteúdos e das atividades a serem trabalhadas nas
diversas disciplinas e em especial em Ciências Naturais, evidenciada pelas
falas destacadas a seguir.
Reuniões de planejamentos não acontecem porque são marcadas
pela SMEC e lá se fala de tudo menos do que de ensinar e como se
ensinar. Falam, falam, e acabam não contribuindo em nada com o
nosso trabalho na escola. (P5)
Tem o planejamento que a Lei exige para a gente cumprir, mas o
que é bom é que nós podemos ficar em casa e agirem várias coisas
[...]. Olha, eu faço o meu plano aqui mesmo na sala enquanto os
alunos estão copiando o trabalho do quadro. (P18)
Quando a gente não sabe o que vai trabalhar a gente procura nos
livros didáticos de autores diferentes daquele da nossa turma e copia
a matéria. (P5 e P11)
Eu faço aquilo que acho correto, procuro o conteúdo em planos de
colegas que trabalharam naquela série no ano anterior. Agora sinto

247
Vozes da Educação

falta do plano construído com outras colegas da mesma série. (P2 e


P3)
Os relatos dessas professoras consolidam uma ação individual
ao preparar o planejamento de sua aula e ao selecionar o conteúdo, não
ocorrendo na escola nenhum encontro de planejamento conjunto ou
pelo menos com as professoras que estão trabalhando no mesmo ano de
escolaridade. Os encontros de planejamento quinzenal ou mensal são
convocados pela SMEC e acabam tendo uma dinâmica pouco favorável
à discussão conjunta dos professores, pois ficam todos os professores
juntos em um mesmo espaço, mas com diferentes anos de escolaridade.
As falas das professoras foram bastante significativas nesse processo,
pois se efetivam no âmbito profissional e pessoal, provocando muita
insegurança na ação docente. O livro didático é utilizado como uma
única estratégia de ensino e, a partir das observações, constata-se que as
dificuldades enfrentadas por essas professoras são imensas, e vão desde a
falta de material didático imprescindível à prática pedagógica, a
indisponibilidade dos recursos necessários, as dificuldades de
organização da escola, até a falta de conhecimento, acompanhamento e
informação acerca da sua prática pedagógica. Nesse contexto, são
destacadas algumas respostas concedidas durante a entrevista em relação
à forma como as professoras utilizam o livro didático:
O livro é muito importante, porque enquanto os alunos fazem a
atividade do livro eu consigo ajudar o aluno que está com
dificuldade. (P7)
Toda a matéria que eu preciso trabalhar tem no livro, aí eu uso o
livro, os deixo fazendo o trabalho, enquanto eu passo o dever no
quadro. (P5 e P10)
O livro de Ciências tem poucas páginas, mas o de Matemática e
Português têm muitas páginas, então tem que dar tempo de usar
tudo se não os pais vêm reclamar na escola. (P16 e P17)
É [...] complicado porque fica tudo por conta do professor, então eu
uso o livro porque mantém o aluno ocupado e eles não fazem
bagunça. (P12 e P18)
É importante destacar que em relação ao ensino de Ciências a
conduta cotidiana das professoras é a mesma. Ampliando o olhar frente
à prática pedagógica dessas professoras que atuam nos anos iniciais do
EF, buscou-se investigar como essas professoras avaliam a aprendizagem
dos seus alunos. Foram indagadas questões inerentes à prática docente
ao avaliar o desenvolvimento dos alunos no cotidiano escolar. Muitas são
as dúvidas e arrochos enfrentados pelas professoras quando se inicia

248
Volume VI

uma reflexão sobre avaliação educacional. Analisando um pouco mais


sobre o assunto, observa-se que o problema maior repousa na pouca
aprendizagem dos alunos e na falta de qualidade do ensino. Frente a isso,
o papel dos coordenadores pedagógicos junto ao trabalho das
professoras na escola pesquisada não pode distanciar-se do compromisso
com a realização de estudos, nos moldes da formação continuada em
serviço. Seguem trechos que foram destacados envolvendo a fala das
professoras quanto à avaliação da aprendizagem dos alunos,
demonstrando que todas apenas nomeiam os instrumentos que utilizam
para avaliar:
Eu uso o teste e a provinha, mando bilhete para os pais para botar o
aluno pra estudar e no dia marcado eu aplico a prova. Enquanto eles
vão fazendo eu vou olhando cada um em suas carteiras. (P13)
Bem a coordenadora passa um calendário de provas aí a gente marca
com o aluno, manda bilhete para casa. [...] uso folhinhas de
trabalhinhos e o teste depois junto os pontos e lança no diário. (P15)
Sabe, eu dou ponto pelo caderno, pelo livro, pelo capricho com
tudo, e também por eles se comportarem. Há teste, prova e
trabalhinhos que levam pra casa também. (P11)
Avaliar [...] é difícil porque os alunos que eu peguei não sabem nada,
não consegue ler nada, como vou fazer [...] A gente tem que dar a
nota aí eu dou uma prova vou lendo para eles e eles tentam fazer.
(P17).
Trabalhar a avaliação, eu faço atividades diversificadas de acordo
com as necessidades de cada aluno. Mas, aplico prova também, é a
exigência. (P1).
Quanto à seleção dos conteúdos de Ciências Naturais, esse é
feito pelas professoras a partir dos livros didáticos e fundamentado em
planejamentos dos anos anteriores, levando em consideração o ano de
escolaridade, sendo que a ênfase é dada apenas ao conteúdo, isto é,
conceitos que são apresentados ao aluno de forma descontextualizada.
Foi possível detectar que existe uma grande preocupação com a
sistematização dos conteúdos a serem memorizados, não levando em
consideração o conhecimento já adquirido e historicamente construído
pelo aluno. Aprofundando as observações em sala de aula e tendo como
pano de fundo o relato das professoras sobre sua ação pedagógica ao
ensinar Ciências, percebe-se que elas não têm uma rotina semanal para
trabalhar os conteúdos dessa componente curricular.
É eu faço o planejamento da aula de Ciências, mas não trabalho
toda semana. [...] porque a cobrança do PNAIC é grande. Sabe
como é? (P17 e P18)

249
Vozes da Educação

Olha, eu não vou mentir não. Mas como é muito mais importante
trabalhar Português e Matemática, eu só trabalho Ciências quando
dá. (P7, P8, e P10)
Eu trabalho Ciências da seguinte forma, quando não consigo
planejar o que vou dar, aí eu pego o livro e dou para eles fazerem o
trabalho [...] e na prova eu dou uma coisa bem simples para dar
nota. (P15 e P11)
O tempo de trabalhar Ciências é muito pequeno porque tenho que
trabalhar mais Português e Matemática por causa da provinha Brasil.
(P2 e P5)
Esses relatos, quando olhados a luz do perfil de formação das
professoras levantado na primeira etapa, demonstram que o tempo de
magistério não foi um fator determinante para a valorização do ensino de
Ciências nas séries iniciais e que as atividades desenvolvidas para se
ensinar são neutras. Embora se tenha no grupo pesquisado professoras
com dez ou mais anos de experiência e que nunca participaram de
atividades de formação continuada, este pode ser um fator relevante na
conduta da mesmice, a qual resulta em sua ação pedagógica. Assim como
foram também identificadas professoras com menos de cinco anos no
magistério que se predispõem a modificar sua prática por acreditar que a
apropriação de novos conhecimentos pedagógicos pode agregar valor a
sua prática cotidiana e, consequentemente, ser fator motivacional para os
alunos. Destaca-se, ainda, que todas as professoras preparam um quadro
de organização semanal das disciplinas a serem trabalhadas em cada um
dos dias de aula durante a semana, revelando o tempo destinado às
atividades de ensino e a organização das rotinas em sala de aula, e as
Ciências Naturais dividem a terça-feira com a Matemática. No entanto,
na observação aleatória das aulas, fica notória a maior ênfase destinada
aos conteúdos de Matemática e Português, o que pode estar associado à
exigência da SMEC em função das avaliações externas (como a Provinha
Brasil). Também foi possível identificar que mesmo com um dia e
horário previsto para se ensinar Ciências Naturais isso não acontece na
maioria das turmas observadas, podendo de fato não ocorrer, ou ser
trabalhada de forma quinzenal e até mesmo mensal, revelando o
processo superficial ao ensinar Ciências Naturais, apesar de afirmarem
reconhecer a importância do trabalho desta disciplina.

250
Volume VI

Discussão
O tempo de docência é importante para a incorporação de
novos saberes, que servem de fundamentos à ação docente, neste caso
específico, à ação docente nos anos iniciais do EF. Dessa forma, para
contribuir com esse argumento, Tardif (2002, p. 39) defende que:
Os saberes são elementos constitutivos da prática docente. O
professor deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa,
essas múltiplas articulações entre prática docente e os saberes fazem
dos professores um grupo social e profissionais cuja existência
depende, em grande parte, de sua capacidade de dominar integrar e
mobilizar tais saberes.
A experiência de atuação profissional nos anos iniciais das
professoras que atuam na escola pesquisada é condição imprescindível
para o desenvolvimento de uma prática crítica dialógica. O tempo de
atuação conduz o professor incorporar um conjunto de saberes, de
técnicas e de métodos que são importantes na condução do trabalho
docente, diferente de um professor iniciante na carreira. Nesse
movimento, pode-se refletir sobre o tempo de atuação no magistério das
professoras, o que sugere uma prática em sala de aula que pudesse
desenvolver a criticidade dos alunos. Porém, ficou aparente que o fator
tempo não é preponderante para abolir práticas pautadas no
tradicionalismo, em que o professor deposita o conhecimento nos seus
alunos acreditando que eles são desprovidos de seus próprios
pensamentos. O aluno não pode ser considerado como uma folha de
papel em branco que se deva encher de conteúdos, prática da educação
bancária, educar é constituir o sujeito em transformação, e essa postura é
considerada educação emancipatória. Nesse sentido, Freire (1996, p.82),
defende que:
A priorização da ‘relação dialógica’ no ensino que permite o respeito
à cultura do aluno, à valorização do conhecimento que o educando
traz, enfim, um trabalho a partir da visão do mundo do educando é
sem dúvida um dos eixos fundamentais sobre os quais deve se
apoiar a prática pedagógica de professores e professoras.
A experiência docente exerce papel importante na prática
pedagógica desenvolvida, principalmente nos anos iniciais pelo fato de
ser a base estabelecida na construção do saber acadêmico pelo aluno.
Embora isso não seja um referencial engessado que traduza uma prática
pedagógica pautada em estabelecer uma prática crítica e dialógica, pois
outros fatores perpassam sobre a dinâmica cotidiana das professoras

251
Vozes da Educação

pesquisadas e que, infelizmente, contribuem para uma prática enraizada


no posicionamento tradicional de transmissão de conteúdo.
Ficou também evidente a necessidade da formação continuada
em serviço. De acordo com Nóvoa (1995, p.280), “não há ensino de
qualidade e inovação pedagógica sem uma adequada formação de
professores”. Essa formação precisa ser consistente, tanto a inicial
quanto a continuada, torna-se essencial na compreensão crítico reflexiva
da fundamentação teórico prática de todas as relações que fundamentam
o fazer pedagógico dentro da escola. A formação superior de 14 das 18
professoras demonstra um dado importante, já que há uma melhoria
significativa no nível de formação dos docentes para os anos iniciais do
EF, e esta é uma condição a ser considerada para que haja uma
ressignificação das práticas pedagógicas cotidianas que tendem a cair no
arcabouço tradicional.
Por outro lado, esse aspecto não acompanha o interesse pela
área de formação em Ciências Naturais, o que vai ao encontro da
afirmação de Carvalho e Gil-Pérez (2003), quando destacam que a
formação dos professores para essa disciplina é deficiente e necessita ser
transformada, pois os docentes precisam compreender a matéria a ser
ensinada, a fim de orientar e avaliar conscientemente os trabalhos
desenvolvidos pelos alunos, superando, assim, o conhecimento
espontâneo. A formação e a prática pedagógica necessitam, portanto,
serem impregnadas por tais preocupações didático-metodológicas. Essa
realidade causa dificuldades na prática docente cotidiana ao ensinar e,
portanto, culminam em ações tradicionais que, geralmente, se resumem a
cópia da matéria escrita pelo professor no quadro e a utilização exclusiva
do livro didático ao ensinar ciências. Esse fator realmente se apresenta
como uma das justificativas em não utilizar atividades que despertem um
interesse maior por parte dos alunos. Em relação a isso:
É preciso incentivar uma maior assimilação pessoal dos professores
com o local de trabalho [...]. A experiência dos professores nessas
escolas é condição imprescindível para o desenvolvimento de uma
prática crítico dialógica, sendo que, ao longo do tempo, o professor
vai incorporando um conjunto de saberes, de técnicas e de métodos
que são importantes na condução do trabalho docente,
diferentemente de um professor iniciante (NÓVOA, 1999, p. 24).
Freire (1996) incentiva os educadores a refletirem sobre o seu
fazer pedagógico, modificando aquilo que acha necessário, aperfeiçoando

252
Volume VI

seu trabalho, além de buscar fazer a cada dia o melhor, não de forma
ingênua, mas com a certeza de que, se há tentativas, há esperanças e
possibilidades de mudanças daquilo que em sua visão precisa ser
mudado. Além disso, devem ser considerada ausência de recursos
materiais para desenvolver a ação pedagógica, a má formação que os
professores têm nas escolas de Ensino Médio (curso Normal), a falta de
políticas de acompanhamento do discente, a negligência familiar e a
indisciplina em sala de aula.
No discurso das professoras há relatos que demonstram a
necessidade de uma formação continuada, condição importante para
trazer novos significados a sua prática docente. Esse é um anseio
constante delas que procuram entender as concepções que fundamentam
sua prática profissional e o ensino de Ciências Naturais. Existe
necessidade de se discutir sobre os fundamentos teóricos que
consolidam e contribui para uma educação de qualidade, essa questão
tem como viés a discussão da formação continuada dos professores e o
acompanhamento pedagógico constante em seu local de trabalho.
Conforme afirma Nóvoa (1995, p.280), a “mudança educacional depende
dos professores e da sua formação [...], já que não há a menor dúvida de
que a criatividade, a problematização, a descoberta, docente e discente,
estão completamente entrelaçadas na ação educativa”. Contudo, percebe-
se ainda que é fundamental o acompanhamento pedagógico dentro da
escola e que contribua com proposta de atividades para a aprendizagem
dos alunos e não obtenha um caráter fiscalizador, que só desfavorece a
imagem do profissional.
Em relação às formações continuadas promovidas pela SMEC,
dez professoras, em caráter de observação e certo pesar, disseram que
quase sempre essas formações não trazem contribuições para o
enriquecimento da sua prática pedagógica, sem promover troca de
experiências e aprofundamento de saberes entre as professoras por meio
de estudo de casos, boas práticas, estudo sobre teoria e prática cotidiana
das aulas desenvolvidas e, principalmente, sobre o ensino de Ciências
Naturais, dentre outras atividades que pudessem constantemente
enriquecer o trabalho pedagógico. A esse respeito, Nóvoa (1995, p.26)
enfatiza que a “troca de experiências e a partilha de saberes consolidam
espaços de formação contínua, nos quais cada professor é chamado a

253
Vozes da Educação

desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e formando. [...]


Nesse sentido, é fundamental o diálogo entre os professores”.
Sobre o perfil docente, constatamos a necessidade da maioria
dessas docentes atuar em dois turnos (na própria escola ou, mais
comumente, em outras redes de ensino), de forma a garantir um salário
digno. Infelizmente, percebe-se que este não é um fator que contribua
expressivamente com a experiência qualitativa na ação pedagógica do
professor para atuar nos anos iniciais, já que as professoras
demonstraram um cansaço intenso e contínuo por terem que percorrer
alguns extremos de distância para atuar em duas escolas. É nesse aspecto
que Ribeiro e Brizola (2012) defendem a educação em tempo integral
com o professor atuante em uma única escola.
Quanto à compreensão sobre a proposta metodológica e à
concepção de educação que fundamenta a prática das professoras ao
ensinar, de um modo geral e, particularmente, o ensino de Ciências
Naturais, constatou-se que sete professoras (as que ouviram falar do
construtivismo, mas não usam para ensinar) têm uma compreensão
acerca dos fundamentos que alicerçam sua atuação pedagógica em sala
de aula, embora ainda não consigam verbalizar de forma significativa,
mas buscam compreender os procedimentos que possam desencadear de
fato o aprendizado do aluno, demonstrando grande abertura em inovar a
sua prática pedagógica para que se possa transcender e tornar
significativo o conteúdo trabalhado. Algumas professoras verbalizaram
certo desprezo ao ensino tradicional, mas sem que houvesse muita
consistência na compreensão dos fundamentos que possam subsidiar
melhor o trabalho.
Todas as professoras apresentaram dificuldades para responder
às perguntas sobre a proposta metodológica que fundamentava seu
trabalho em sala de aula, sobretudo em relação ao ensino de ciências.
Mesmo algumas reconhecendo que podem melhorar suas ações
pedagógicas, quatro professoras afirmaram estar satisfeitas com o
resultado do seu trabalho, pautado em práticas tradicionalistas, e se
mostraram bastante resistentes e engessadas frente a novas propostas. As
observações revelaram certa superficialidade acerca da compreensão dos
aspectos teórico-metodológicos que envolvem a prática docente. Para
abandonar práticas tradicionais é necessário maior fundamentação dos

254
Volume VI

professores que atuam nos anos iniciais, já que, em sua maioria, as


professoras evidenciaram uma insegurança em abandonar a postura de se
posicionar a frente da classe. Os alunos de todas as classes observadas se
posicionam em formato de enfileiramento, poucas aulas despertaram
motivação nas aulas de Ciências Naturais, um desafio que deve ser
constantemente superado por todas as professoras que atuam na escola e
que, definitivamente, não é superado com um modelo de ensino
ultrapassado que privilegia a cópia do quadro, com as aulas de ciências
acontecendo de forma efêmera ao longo do ano letivo.
As professoras podem aproveitar as aulas de Ciências Naturais
para construir com seus alunos a oportunidade de realizar descobertas,
debater e argumentar sobre o fenômeno estudado, com vistas a despertar
o interesse científico em seus alunos. A reflexão acerca dessa questão
leva a entender que as atividades pedagógicas propostas só têm sentido
se forem desenvolvidas com orientação e de forma compreensiva, com a
participação ativa dos alunos. Contudo, as observações realizadas
demonstraram que a frequência de atividades com os alunos é alta, mas,
em sua maioria, de maneira mecânica, não nas aulas de ciências, e sem
apresentar nenhum desafio ao aluno, sendo utilizada na maioria das
vezes a cópia da matéria descrita na lousa e a realização de tarefas em
folhas avulsas ou livro didático. Não foram proporcionados momentos
de reflexão sobre o conteúdo trabalhado, deixando-o completamente
dissociado da realidade do aluno.
As atividades de planejamento que deveriam remeter à
discussão individual, reflexiva e coletiva das professoras em torno das
estratégias que utilizam e as que poderiam lançar mão em suas aulas ao
ensinar ciências, constatou-se que o individualismo, ao qual o ato de
planejar se consolida, pouco contribui para uma ação mais efetiva no
cotidiano dentro da escola pesquisada. O conteúdo desenvolvido nas
aulas de ciências pode e deve extrapolar a discussão para fora da escola,
incitando a discussão também na comunidade onde a escola está
inserida, propício para a realização de descobertas. Porém, há
dificuldades das professoras em desenvolver o planejamento das aulas e a
seleção do conteúdo a ser trabalhado, causando insegurança na ação
docente ao ensinar ciências. As atividades extraclasses, que também
exigem planejamento, devem ser preferencialmente integradas ao

255
Vozes da Educação

conteúdo trabalhado em sala de aula, já que tais atividades contribuem


para a aprendizagem. Em relação a esse aspecto, Delizoicov, Angotti e
Pernambuco (2002, p.37) indicam que os espaços de “divulgação
científica e cultural, como museus, laboratórios abertos, planetários,
parques especializados, exposições, feiras e clubes de ciência, fixos ou
itinerantes, não podem ser encarados só como oportunidades de
atividades educativas complementares ou de lazer”.
Durante as entrevistas, as professoras destacaram que o livro
didático é um recurso de fácil utilização em sala de aula, mas que nem
sempre conseguem realizar as atividades propostas no livro, seja pelo
fato de considerarem demorar muito tempo para desenvolvê-las, seja
também por as julgarem desnecessárias ou mesmo difíceis. Nas
observações em sala de aula foi possível entender os motivos que levam
as professoras a resistirem em trabalhar com as atividades propostas nos
livros de ciências, corroborando que há falta de conhecimento específico
dos conceitos científicos e, principalmente, compreensão do papel das
atividades prático-experimentais, problematizado por Pereira e Moreira
(2017). Nesse caso, destaca-se que o conhecimento acerca do que será
trabalhado é fundamental para que de fato a professora consiga romper
com os planejamentos alicerçados em atividades engessadas no ensino
tradicional, nos quais as professoras apenas descrevem as atividades em
seus cadernos ou planilhas de planejamento, na maioria das vezes, sem
qualquer reflexão e compreensão acerca da forma como irá consolidá-la
em suas ações cotidianas. Conforme afirma Guerra (1998), “a ideia do
fazer, do inventar, do criar extrapola a prática de mera transmissão de
conhecimentos pelo professor e a postura de passividade do aluno na
sala de aula e resgata a interação do homem com o objeto do
conhecimento”. A sala de aula é espaço para observar, explorar e
construir, é o local ideal para lançamento de desafios, de vivências, de
busca de soluções, de interações.
As entrevistas e as observações revelaram que essas professoras
precisam reconhecer suas limitações, para que não utilizem apenas o que
já está pronto como se fosse um roteiro fixado, uma bula ou receita a ser
seguida. O planejamento e a avaliação devem constituir-se durante o
processo e não somente como produto que gera um resultado ao final de
um bimestre incidindo somente em critérios quantitativos. Todas as

256
Volume VI

professoras utilizaram testes e provas como único instrumento de


avaliação e pressionaram os alunos a alcançar os resultados esperados
pela escola, e as avaliações na disciplina de ciências corroboraram as falas
das entrevistas. Isso demonstra o caminhar da prática pedagógica que
deveria se orientar nos pressupostos previstos pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), os quais propõem que o ensino de
Ciências Naturais deve ser organizado de forma a colaborar para a
compreensão do mundo e de suas transformações, situando o homem
como um indivíduo crítico, participativo e transformador. Nesse aspecto:
Não se pode pensar no ensino de Ciências como um ensino
propedêutico, voltado para uma aprendizagem efetiva em momento
futuro. A criança não é cidadã do futuro, mas já é cidadã de hoje, e,
nesse sentido, conhecer ciência é ampliar a sua possibilidade
presente de participação social e viabilizar sua capacidade plena de
participação social no futuro (BRASIL, 1997, p.25).
O processo de avaliação não deve limitar seu foco sobre o
julgamento de sucessos e fracassos discentes, mas sim compreender que
este processo se constitui como um conjunto de ações empreendidas
pelo docente para avaliar seus alunos e se autoavaliar, refletindo
diretamente sobre sua ação pedagógica no sentido de intervir com outras
ferramentas nessa ação. Não pode ser um fim em si mesmo, mas sim o
recomeço com outro olhar, com outras estratégias, com outros recursos
para atingir o sucesso escolar. O princípio que norteia uma prática
pedagógica crítica e reflexiva demanda uma avaliação capaz de contribuir
com a preocupação de formar o cidadão em sua plena cidadania. Esse
referencial está presente nas propostas oficiais, como é o caso dos PCN
de todas as disciplinas, e em especial o caderno 4, que propõe que o
ensino de Ciências Naturais deve ser organizado de forma a colaborar
para a compreensão do mundo e de suas transformações, situando o
homem como um indivíduo crítico, participativo e transformador.
Frente aos resultados apresentados até aqui, cabe discutirmos
se a disciplina de Ciências Naturais é trabalhada ou não em sala de aula,
já que os relatos das professoras que atuam nos anos iniciais parecem
indicar o entendimento de que o ensino ainda é concebido na visão
tradicional de transmissão de conteúdos expostos nos livros didáticos,
pautando sua ação em cópia da matéria apresentada no quadro, o que
torna o estudo dos conteúdos científicos descontextualizados e sem
significado. Vale lembrar que não se trata de todas as professoras, uma

257
Vozes da Educação

vez que constatamos que algumas se predispõem a modificar sua prática.


Fica claro que as disciplinas de Matemática e Português são priorizados
pelas professoras, até pela tradição elencada a essas disciplinas, mas não
se pode simplesmente desprezar os conhecimentos das Ciências
Naturais, uma vez que inúmeras são as possibilidades de trabalho nessa
área. Mesmo com os PCN como um documento norteador, as ações
pedagógicas utilizadas pelas docentes ao ensinarem ciências (quando
ensinam) não parecem atender às necessidades dos alunos imersos na
sociedade da informação do século XXI, ampliando sua visão do mundo
contemporâneo.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) nº
9.394 (BRASIL, 1996), na seção III intitulada “Do Ensino
Fundamental”, artigo 32, parágrafo 3º, trata da importância do
“desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades”. Nesse parágrafo, essa lei
propõe e apresenta subsídios para desenvolver no educando o uso das
ações e habilidades de uma pesquisa escolar, tendo em vista o contato e a
reconstrução sistemática da informação utilizando-se da introdução do
aluno na vivência científica. Em consonância com os aspectos legais em
relação ao ensino de Ciências Naturais, torna-se relevante colocar em tela
a afirmação de que as professoras, por falta de domínio do conteúdo de
Ciências Naturais, acabam deixando de trabalhar a disciplina de forma
contínua, e quando o fazem utilizam práticas pedagógicas que limitam a
construção do conhecimento científico pelo aluno, fazendo com que as
Ciências Naturais se transformem em uma lacuna na formação escolar
do aluno, que acaba por propagar certo desprezo que os estudantes
desenvolvem por essa disciplina nos anos finais do ensino fundamental e
pelas específicas em que se desdobra no ensino médio (biologia, física e
química).
Por fim, destacamos que mesmo as professoras demonstrando
ter realizado o planejamento da maioria de suas aulas, fica evidente a
insegurança delas ao desenvolver sua prática pedagógica ao ensinarem
ciências, confirmando, assim, a necessidade da formação continuada para
os docentes dos anos iniciais em relação ao ensino de Ciências Naturais,
sobretudo a partir do ensino por investigação e a utilização de atividades
prático-experimentais.

258
Volume VI

Considerações finais
O ensino de Ciências Naturais nos anos iniciais do EF deveria
ser considerado como base no atendimento às necessidades do
desenvolvimento científico e tecnológico de um país, até porque quando
se tem um olhar reflexivo sobre aspectos reais que circulam no seu
cotidiano, o indivíduo pode desenvolver o espírito científico e ter
melhores condições de agir e criar alternativas para fundamentar sua
ação, contribuindo decisivamente na formação para a cidadania, para a
tomada de decisão. É preciso ultrapassar os desafios decorrentes da
prática pedagógica cotidianamente desenvolvida dentro da escola. Para
tanto, é preciso entender o significado desse conhecimento para os
alunos desse nível de ensino, uma vez que a prioridade é dada às
disciplinas de Português e Matemática. Compreende-se a importância
desses conhecimentos, mas precisamos destacar que, além deles, os
alunos necessitam compreender o mundo, seu contexto, as
transformações geradas pelo homem em sua relação com a natureza, a
fim de poder ressignificá-lo, desde a mais tenra idade.
Quanto aos planejamentos de ensino, realizados semanalmente
e individualmente, os encontros destinados acabam não sendo
momentos de trocas de experiências, questão esta considerada relevante
no desenvolvimento da prática docente, pois nesse momento ocorre a
sua legitimidade pedagógica baseada em um genuíno compromisso
pedagógico de construção de sujeitos, e isso só ocorre quando se
conhece a realidade e quando se está disposto a discuti-la e modificá-la e,
consequentemente, a avaliação acaba sendo processual.
Quanto ao conteúdo desenvolvido e à metodologia pedagógica
utilizada pelas professoras ao ensinarem Ciências Naturais, verificamos
que os conteúdos são trabalhados a partir do livro didático ou cópias de
atividades da lousa. Talvez pelo pouco conhecimento que as docentes
tenham em relação a ao processo de ensino e aprendizagem de ciências,
há dificuldade em trabalhar com atividades prático-experimentais.
Quanto aos recursos didáticos, há grande escassez de material didático-
pedagógico necessário para o desenvolvimento do trabalho cotidiano
dentro da escola. Mesmo reconhecendo a importância do ensino de
Ciências Naturais, os professores reclamam da falta de estrutura da
escola e dos recursos para desenvolver um bom trabalho, principalmente

259
Vozes da Educação

de pesquisa, mesmo que um número significativo de docentes sinta


dificuldades em desenvolver esse tipo de trabalho.
As professoras desempenham mais o papel de transmissores de
informações, o que não contribui para a construção do conhecimento
pelos sujeitos. Algumas desempenham, às vezes, papel de facilitadoras
e/ou de mediadoras, na maioria das vezes sem consciência de sua ação.
As boas práticas pedagógicas precisam ser implementadas e
desenvolvidas na perspectiva ação-reflexão-ação. Se o ensino for voltado
para a compreensão do seu meio, o aluno poderá ser capaz de
compreender problemas básicos que dizem respeito a sua vida, como
lixo, alimentação, desmatamento, saúde, preservação ambiental, higiene,
entre outros.

260
Volume VI

Referências Bibliográficas
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261
Vozes da Educação

ECONOMIA SOLIDÁRIA E EDUCAÇÃO POPULAR: UMA


EXPERIÊNCIA COM A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

Maria Luisa Carvalho49


Marilene Zazula Beatriz50

RESUMO
O presente capítulo apresenta o relato do projeto Coopera Rua que teve
por objetivo promover a inclusão socioeconômica da população em
situação de rua, em Curitiba, por meio da criação e/ou inserção em
empreendimentos econômicos solidários e da constituição de uma rede
de desenvolvimento local. A metodologia do projeto pautou-se na
Educação Popular. A experiência demonstrou os avanços, os limites e os
desafios que é trabalhar com a população de rua devido a sua forma
diferenciada de pensar o trabalho e suas profundas necessidades sócio-
emocionais que acabam se tornando prioridade em suas vidas.

Palavras-chave: Economia Solidária, Educação Popular, População em


situação de Rua.
ABSTRACT
This chapter presents a reported experience of the Coopera Rua project,
which aimed to promote the socioeconomic inclusion of the homeless in
Curitiba by creating or through insertion in solidarity economic
enterprises and the creation of a local development network. The
methodology of the project was based on Popular Education.
Experience has shown the advances, the limits, and the challenges of
working with the homeless because of their distinctive way of thinking
about work and their deep socio-emotional needs that become a priority
in their lives.

Keyword: Solidary Economy, Popular Education, homeless.

49Doutora em Psicologia pela PUC/RS, professora Departamento Acadêmico de Estudos Sociais


(DAESO/UTFPR), atua na Economia Solidária como membro de entidade de apoio
(TECSOL/UTFPR-Curitiba) e pesquisadora.
50Doutora em Psicologia Social pela PUC/SP, professora Departamento Acadêmico de Estudos

Sociais (DAESO/UTFPR) e do Programa de Pós-Graduação em Tecnologia (PPGTE-UTFPR),


atua na Economia Solidária como membro de entidade de apoio (TECSOL/UTFPR-Curitiba) e
pesquisadora.

262
Volume VI

Introdução
A Economia Solidária pode ser definida como uma nova forma
de fazer economia, como uma maneira de viver, como uma proposta de
uma outra sociedade, de um “outro mundo possível”, pautada nos
princípios da solidariedade, cooperação, respeito a natureza, comércio
justo e solidário e autogestão
Para Gadotti (2009), a Economia Solidária é também uma
práxis pedagógica, uma vez que em seu cotidiano se produz uma outra
subjetividade, aprende-se uma outra maneira de trabalhar, de se
relacionar, criam-se tecnologias sociais de produção, comércio e
consumo pautados nos princípios acima citados. Ao mesmo, os atores
necessitam de uma formação contínua que envolva Economia Solidária,
bem como as dimensões relacional, política, técnica, uma vez que estão
inseridos em uma sociedade capitalista e, portanto, não estão sujeitos a
seus modos de subjetivação e valores, sendo as contradições, os avanços
e recuos uma constante no processo de construção da autogestão.
A Economia Solidária e Educação Popular dialogam, tendo em
comum a valorização do saber popular, o estabelecimento de uma
relação dialógica desse com o saber científico, o respeito à diversidade, a
compreensão e reflexão sobre a realidade para transformá-la, a
construção de um mundo onde não exista opressores e oprimidos.
Tanto a Economia Solidária como a Educação popular atuam,
prioritariamente, junto a jovens e adultos que fazem parte das camadas
sociais empobrecidas e marginalizadas, como é o caso da população em
situação de rua, buscando torná-los protagonistas de seu processo de
libertação.
O presente artigo apresenta o relato de uma experiência – o
projeto Coopera Rua – que buscou aproximar a Economia Solidária da
população em situação de rua de Curitiba, realizando diversas atividades,
pautadas metodologicamente na Educação Popular, com o objetivo da
criação de empreendimentos econômicos solidários e/ou inserção em
coletivos já existentes e a criação de uma rede de desenvolvimento local
de modo a promover a inclusão sócio-econômica dessas pessoas. As
informações aqui contidas foram coletadas por meio de experiências das
autoras que participaram do projeto, bem como da consulta a um livro
que relata detalhadamente o mesmo (SCHRAMM et al, 2017).

263
Vozes da Educação

A população em situação de rua


Por população em situação de rua entende-se:
Grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza
extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados, a
inexistência de moradia convencional regular e que utiliza os
logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia
e sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as
unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como
moradia provisória (BRASIL, 2009a)
Estima-se que no Brasil, de 2007 a 2008, havia cerca de 50 mil
pessoas em situação de rua, em 71 municípios com mais de 300.000
habitantes, sendo 2776 em Curitiba (BRASIL, 2009b).
Os fatores que levam as pessoas à situação de rua são diversos e
complexos: conflitos familiares, alcoolismo e o uso de outras substâncias
psicoativas, transtornos psíquicos, desastres ambientais, êxodo rural,
dificuldades de reinserção por egressos do sistema penitenciário,
desemprego, dentre outros. Entretanto, as ações voltadas para a
população em situação de rua, seja no âmbito público quanto da
sociedade civil, pautam-se fortemente no assistencialismo e em tentativas
de inserção no mercado de trabalho capitalista precarizado e excludente
que não raro, levou essas pessoas, pelo desemprego, a morar nas ruas. O
resultado é a dependência e perpetuação do problema, ao invés do seu
enfrentamento.
As causas citadas acima que levam as pessoas à situação de rua
são a ponta de um iceberg. Suas raízes profundas devem ser buscadas no
contexto socioeconômico. Conforme aponta Santos (1999), o
capitalismo buscou manter um certo controle sobre a desigualdade e a
exclusão, evitando extremos, mas com o advento do neoliberalismo, há
uma crise do modelo de regulação social, de produção e manutenção das
desigualdades e da inclusão. Nas últimas décadas do século passado,
conforme apontam Bauman (2005) e Castels (1997), há um número
crescente de produção de “refugo, de lixo humano”, de “sobrantes”,
pessoas invalidadas pela conjuntura econômica e social, que incluem os
refugiados, os migrantes, a população em situação de rua. São pessoas
que ou já estiveram inseridas do mercado de trabalho e, ao ficarem
desempregadas, não conseguem mais se incluir na atividade formal, ou,
que já nascem em uma situação de miserabilidade, nunca tendo
conseguido alcançar um trabalho e uma condição de vida minimamente

264
Volume VI

descentes. A raiz social da exclusão, entretanto, é omitida, e culpabiliza-se


o excluído por sua condição, reafirmando a lógica do individualismo e da
meritocracia. São taxados de andarilhos, forasteiros, vagabundos e
bêbados.
Essa breve explanação levanta várias questões: como promover
a inclusão das pessoas em situação de rua numa sociedade excludente?
Por onde começar a inclusão, uma vez, que essa população está alijada de
todos os direitos básicos? Se essa inclusão for pela via do trabalho, qual o
caminho seguir? Terão condições de se reinserir em condições dignas ou
terão que se sujeitar a trabalhos precarizados? Será a única via, a do
emprego assalariado altamente seletivo e excludente?
O Coopera rua buscou responder essas questões congregando
em um projeto a Economia Solidária e Educação Popular.

Economia solidária e educação popular


Presente atualmente nos diversos continentes, no Brasil, a
Economia Solidária surge nas décadas de 80 e 90, a partir da articulação
de setores populares (movimentos sociais, Comunidades Eclesiais de
Base, etc), que buscaram enfrentar o desemprego e o aumento das
desigualdades sociais decorrentes do neoliberalismo, por meio da criação
de alternativas para a geração de trabalho e renda. Concretiza-se em
práticas diversas como os empreendimentos econômicos solidários,
clubes de trocas, fundos solidários, bancos comunitários, dentre outros e
tem como sujeitos os/as trabalhadores/as do meio rural e urbano,
prioritariamente que estejam em situações de vulnerabilidade social, e
pessoas vinculadas a entidades de apoio (incubadoras de economia
solidária, associações não governamentais, etc) e a órgãos do governo.
Deve-se salientar que as ações e objetivos da Economia
Solidária não se limitam ao campo estritamente econômico, mas
envolvem a luta pelos direitos humanos e o respeito à natureza.
No Brasil, a Economia Solidária tem caminhado junto à
Educação Popular desde suas origens, pois nasceu dos movimentos
sociais, que por sua vez, foram fortemente influenciados pela pedagogia
freiriana (Cruz e Guerra, 2009). Gadotti (2009) narra que, ainda no final
dos anos 1980, um grupo de educadores latino-americanos, incluindo
Paulo Freire, se organizou para elaborar um programa de educação

265
Vozes da Educação

popular para solidariedade. Na ocasião, Freire destacou o potencial da


Economia Solidária para a Educação Popular e para uma nova ordem
econômica. Décadas mais tarde, durante a Conferência Temática de
Educação em Economia Solidária, em 2010, estabeleceu-se as diretrizes
para as práticas educativas em Economia Solidária o que incluiu a
utilização dos princípios da Economia Solidária e da Educação Popular
como referências metodológicas, tendo por pressupostos o respeito e a
valorização dos saberes locais, a formação contextualizada no tempo e
espaço e a socialização de conhecimentos e saberes. Além disso,
estabeleceu a criação de uma rede nacional de educadores em Economia
Solidária, articulada com outras redes de educadores envolvidos com
temáticas afins (Laporte, Fazio e Almeida, 2017).
Para a Economia Solidária e Educação Popular o trabalho
autogestionário e a educação são atos políticos por meio dos quais as
pessoas resgatam sua auto-estima, a capacidade de se organizarem
coletivamente e de emanciparem-se . Nesse sentido, atuam
prioritariamente com a população excluída - jovens, adultos e idosos -
vendo-os como sujeitos do processo de libertação. Possuem uma
perspectiva interdisciplinar e de partilha dos saberes, questionando a
especialização empobrecedora e a visão do conhecimento como
mercadoria presentes no trabalho e na educação capitalistas.
Economia Solidária e Educação Popular dialogam, pois, por um
lado a Economia Solidária precisa construir um conhecimento que lhe dê
sustentabilidade e, por outro, a Educação Popular, requer práticas que
possibilitem a experiência concreta de inserção social emancipatória
(Cruz e Guerra, 2009).
Nesse sentido, Cruz e Guerra (2009), Gadotti (2009) e Tiriba
(2007) consideram a produção associada uma práxis pedagógica, ou seja,
que processos produtivos autogestionários são espaços/tempo de
formação humana, que articulam a práxis produtiva e a práxis educadora,
que provem o encontro do trabalho e educação. A transição do trabalho
assalariado para o trabalho associativo pressupõe um processo educativo,
de mudança na valoração das relações simbólicas dos/as
trabalhadores/as entre si e em relação a outras esferas da vida social, que
se constrói no exercício concreto e diário, dialógico e dialético, dos
empreendimentos autogestionários. É preciso desaprender a

266
Volume VI

heterogestão, a competição, o individualismo, a submissão, e aprender a


autogestão, a solidariedade, a cooperação. Esse saber, para além de
vivido, precisa ser sistematizado, refletido e compartilhado para que
possa contribuir com outras experiências, como é o caso do presente
trabalho. Esse processo de sistematização pode ser realizado pelos/as
próprios/as trabalhadores/as, com o assessoramento de uma entidade de
apoio, caso necessário.
Os atores da Economia Solidária requerem um processo
contínuo de formação em dimensões técnicas, de gestão, política,
relacional e de princípios e valores para garantir a sustentabilidade
ambiental e financeira, a transformação social e a construção de uma
cultura solidária a fim de que, ao longo do processo, as práticas solidárias
não se tornem funcionais ao capitalismo. Ou seja, para além da educação
que se dá no cotidiano dos empreendimentos, são precisos, pausas,
momentos de reflexão, de troca de saberes, de uma formação mais
sistematizada.
É na Educação Popular que se encontra a metodologia que
dialoga com a Economia Solidária. Nos momentos estruturados, formais
de educação, os/as educadores/as populares, agentes de
desenvolvimento solidários e membros das incubadoras de Economia
Solidária e de outras entidades de apoio devem buscar popularizar o
saber acadêmico e auxiliar os/as trabalhadores/as na sistematização e
compartilhamento de seus conhecimentos, bem como estimulá-los/as a
buscar outros saberes que contribuam para dar sentido ao seu trabalho e
a vida em sociedade. Devem atentar-se, entretanto, para não
reproduzirem a lógica excludente e hierárquica da educação bancária
(Gadotti, 2007;Tiriba, 2007).
Para além do processo de educação que ocorrem na prática da
autogestão e nos momentos de formação, Tiriba (2005) salienta que, uma
vez que a maioria dos/as trabalhadores/as da Economia Solidária
possuem baixa escolaridade, é preciso também que se pense no acesso à
educação formal, a partir da perspectiva da Educação Popular.
Após esse breve explanação sobre as relações entre Economia
Solidária e Educação Popular, passa-se a seguir a apresentar a experiência
do projeto Coopera Rua, que ilustrará uma prática que comunga essas
duas áreas.

267
Vozes da Educação

A experiência do projeto Coopera Rua


Em 2014, fruto da luta do Movimento Nacional da População
em Situação (MNPR), a então Secretaria Nacional de Economia Solidária
(SENAES) lançou um edital específico para ações de Economia Solidária
junto à População em Situação de Rua (Chamada Pública
SENAES/MTE Nº 002/2014). O MNPR de Curitiba convidou o
Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (CEFURIA),
organização da sociedade civil com 36 anos de experiência em educação
e organização popular, para elaboração de um projeto. Construiu-se o
“Gerando renda e criando dignidade com a população em situação de
rua”: o Coopera Rua. A Tecsol – Incubadora de Economia Solidária da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Campus Curitiba) – foi
uma das parceiras do projeto, prestando assessoria técnica e participando
de diversas etapas.
O Coopera Rua foi realizado durante dois anos e meio, entre
2015 a 2017, com o objetivo de fomentar iniciativas de inclusão
socioeconômica da população em situação de rua da cidade de Curitiba,
por meio da Economia Solidária, construindo empreendimentos
econômicos solidários e/ou inserindo essa população naqueles já
existentes, para possibilitar geração de renda e autonomia, bem como
propondo a criação de uma rede de articulação dos órgãos públicos e
entidades da sociedade civil para defesa e apoio a essa população.
A metodologia do Coopera Rua pautou-se na Educação
Popular. Embora houvesse um projeto inicial, construído por membros
do CEFURIA em diálogo com o MNPR de Curitiba, à medida que se
passou à ação, cada etapa foi discutida e repensada, não se buscando
implantar uma “solução”, mas construir saberes, conjuntamente com os
participantes do projeto.
A equipe do projeto foi composta por nove pessoas, incluindo
educadores/as populares e membros do MNPR, com formações e
experiências diversas, contratadas com os recursos do projeto:
coordenador (acompanhamento/orientação política e pedagógica), duas
gestoras (controle dos recursos financeiros); dois educadores populares
(acompanhamento das atividades); três agentes locais (mapeamento da
população em situação de rua) e uma comunicadora popular (divulgação
das ações do projeto).

268
Volume VI

O projeto contou com um Comitê Gestor composto pelo


CEFURIA, MNPR, entidades que atuam junto à população em situação
de rua em Curitiba, Superintendência Regional de Trabalho Emprego do
Paraná (SRTE/PR) e Tecsol.
A partir dos objetivos do projeto, pensou-se uma sequência de
atividades que envolvessem reflexão e ação: mapeamento de população
em situação de rua em Curitiba, rodas de conversa, cursos de agentes de
desenvolvimento local, intercâmbio de experiências em Economia
Solidária, oficinas técnicas e de princípios da Economia Solidária e
seminários sobre Economia Solidária e População em Situação de Rua.
Pautada na experiência do CEFURIA em Educação Popular,
definiu-se alguns elementos fundamentais e que deveriam estar presentes
nas várias atividades do projeto, mantendo-se uma espécie de estrutura-
base:
 Mística/reflexão: por meio de expressões artísticas, que
geralmente, remetiam à temática a ser trabalhada, criava-se um clima de
acolhimento, despertando o interesse para participar da atividade;
 Apresentação dos participantes: promovia a integração,
quebra do anonimato e a identificação entre os membros do grupo;
 Metodologia participativa: atividades realizadas,
majoritariamente, em formato de roda para estimular a participação e a
troca de saberes;
 Intervalo: em atividades mais longas, além do descanso,
promovia a integração dos participantes, a troca de ideias, o
esclarecimento de dúvidas;
 Avaliação das atividades por parte dos participantes: ao
término de cada atividade, realizava-se uma avaliação que auxiliava no
planejamento da atividade seguinte e servia como aprendizagem para
futuras experiências;
 Avaliação interna e planejamento: a equipe do projeto
reunia-se para avaliar as atividades realizadas e planejar as ações
seguintes.
Uma das primeiras atividades do projeto foi o mapeamento da
população em situação de rua e dos espaços que ofereciam serviços a
mesma em Curitiba. Executada por educadores/as populares e três

269
Vozes da Educação

integrantes do MNPR pertencentes à equipe contratada, coletou dados


por meio de entrevistas individuais que abordaram aspectos pessoais,
trajetória e permanência na rua, escolaridade e experiências de trabalho,
etc. A coleta ocorreu em praças, equipamentos públicos e em outros
lugares de concentração da população em situação de rua. Não é possível
nesse trabalho apresentar e discutir os dados obtidos, porém, destaca-se
o fato de que a pesquisa identificou que cerca de 75% dos
entrevistados/as eram do Paraná, em grande parte de Curitiba e região
metropolitana, e cerca de 59,6% já residiam em Curitiba há mais de 10
anos, o que contradiz o senso comum de que a população em situação
de rua da capital paranaense é composta por pessoas advindas de outros
estados e andarilhos.
O mapeamento permitiu conhecer melhor a população em
situação de rua de Curitiba, aproximar a equipe da mesma e dos
trabalhadores/as dos equipamentos. Os resultados obtidos serviram
como um diagnóstico para repensar as etapas seguintes e ações futuras
necessárias para além do projeto.
Durante as entrevistas do mapeamento, muitas pessoas
demandaram informações sobre políticas públicas, serviços públicos e de
instituições o que indicou o desconhecimento sobre a existência ou ao
acesso aos mesmos. Para que fosse possível dar um encaminhamento
mínimo às demandas, elaborou-se um folheto informativo.
O Coopera Rua contou também com a realização de 80 rodas
de conversa que tiveram por objetivo realizar debates e formação
política, estimular o retorno à educação formal e aproximar a população
em situação de rua da educação popular e da equipe do projeto. As rodas
ocorreram em diferentes locais que atendem a população em situação de
rua em Curitiba, respeitando suas rotinas e infraestrutura. Essas
atividades favoreceram a identificação dos anseios e o conhecimento
mais apurado da realidade vivida por essas pessoas, o que contribuiu para
reconhecer possibilidades e dificuldades que o projeto enfrentaria.
Uma estratégia interessante foi realizar as rodas de conversa
próximo aos horários de refeições e outras atividades desenvolvidas nos
locais, porque eram momentos de maior concentração de público, bem
como pode-se ocupar tempos ociosos das filas de espera. Um outro
aspecto relevante foi oferecer alimentação durante a atividade (café,

270
Volume VI

lanche), pois esse gesto tem uma conotação de sobrevivência e de


partilha, o que favoreceu a participação e a uma aproximação mais
informal.
As temáticas trabalhadas versaram sobre Cultura e Arte na rua,
Direitos Humanos, Políticas Públicas e Economia Popular Solidária e
foram trabalhadas pelos/as assessores/as técnicos/as contratados/as de
acordo com a experiência e conhecimento nas mesmas. Também
estiveram presentes membros do MNPR de Curitiba, o que foi
fundamental para que as pessoas conhecessem e se aproximassem do
movimento. A diversidade das temáticas deve-se ao fato da
complexidade da realidade das pessoas em situação de rua, além disso,
tanto a Economia Solidária quanto a Educação Popular vão além do
campo econômico, do trabalho e da educação formal, e visam questionar
e transformar a sociedade em suas diversas dimensões.
As rodas de conversa foram momentos de reflexão, diálogo e
troca de saberes, que possibilitaram que aflorassem questões
emergenciais da população em situação de rua (habitação, alimentação,
saúde, trabalho, violência, etc). Promoveram a conscientização, ou seja, a
visão crítica da realidade e sua desnaturalização. Ao mesmo tempo,
buscou-se superar a mera crítica e denúncia e realizar também o anúncio,
ou seja, pensar ações de transformação social. Teve-se que lidar com o
imediatismo e a ansiedade por respostas prontas, como questionamentos
sobre o projeto não possibilitar o acesso a um emprego ou saída das
ruas. Nesse sentido, os/as educadores/as fomentaram a reflexão e
resgataram os objetivos, as possibilidades e os limites do projeto.
As rodas de conversa possibilitaram várias aprendizagens para a
equipe do projeto: necessidade de estar preparada para mediar conflitos e
lidar com imprevistos como número e rotatividade dos participantes;
importância de se definir e comunicar a periodicidade dos encontros
para reduzir a rotatividade; necessidade de contratar pessoas com
experiência em Educação Popular e com a população em situação de rua
para coordenar a ação.
O projeto também envolveu a realização do curso de Agentes
de Desenvolvimento Local (ADL) que teve duas edições. Os
participantes de ambos os cursos, foram em média 22 pessoas, incluindo
pessoas em situação de rua, profissionais que atuam junto a essa

271
Vozes da Educação

população, membros do MNPR e da Tecsol. Os encontros foram


semanais, num total de 10 em cada edição.
Na primeira edição, o objetivo foi aprofundar a discussão sobre
os fatores que contribuem para a permanência das pessoas na situação de
rua e as alternativas para superação dessa condição por meio da
organização popular e criação de uma rede de apoio. Abordou-se temas
diversos que perpassam a problemática da população em situação de rua
e superação da mesma: o trabalho na sociedade capitalista; Economia
Solidária; movimentos sociais e organização popular; educação popular;
políticas públicas e direito à cidade; relações de gênero, étnico-raciais e
diversidade. Uma estratégia utilizada pela equipe contratada para
fomentar a participação e a reflexão foi solicitar, ao final de cada
encontro, a realização de uma “tarefa” a ser trazida para o encontro
seguinte: observar os trabalhos realizados pela população em situação de
rua, a presença e a ausência de políticas públicas, etc. Também ao final
de cada encontro, realizava-se uma avaliação por parte dos participantes,
a fim de verificar a necessidade de mudanças nas etapas seguintes. Os
participantes foram desafiados a propor ações de geração de trabalho e
renda para a população em situação de rua, pautadas nos saberes,
experiências e anseios da mesma e na Economia Solidária. Surgiram
ideias como um coletivo de produção de sucos naturais, outro de
artesanato e um terceiro de práticas culturais.
Durante os encontros, identificou-se dificuldades encontradas
pela população em situação de rua em Curitiba como concentração dos
equipamentos públicos na região central, falta de políticas voltadas para
essa população em áreas diversas, insuficiência de unidades de
acolhimento transitório; de banheiros públicos; etc.
Os participantes da primeira edição, sentiram necessidade de
um aprofundamento sobre a Economia Solidária e suas possíveis
interlocuções com a população em situação de rua. Assim, foi realizado
um segundo curso de ADL, entretanto, por motivos diversos, não se
conseguiu manter necessariamente as mesmas pessoas da primeira
edição.
As avaliações dos participantes de ambas as edições apontaram
pontos positivos do curso ADL: puderam refletir sobre a realidade,
descobrir novos pontos de vista, desinstitucionalizar práticas e saberes a

272
Volume VI

respeito da população em situação de rua. Indicaram também a


necessidade de um aprofundamento em relação à Economia Solidária, no
sentido de torná-la mais próxima da população em situação de rua.
O curso do ADL tinha o intuito de formar uma rede
constituída por população em situação de rua e por técnicos dos
equipamentos que dessem prosseguimento as discussões e as ações
iniciadas ao longo do projeto Coopera Rua, em especial, no que ser
referia a construir propostas concretas de coletivos de Economia
Solidária. Porém, a rede não conseguiu se consolidar e não foi além do
tempo do projeto.
Com o propósito de avançar na articulação entre população em
situação de rua e Economia Solidária, e passar-se para a ação após
atividades em que predominou a reflexão, deu-se início a um processo de
aproximação com a prática da Economia Solidária em Curitiba e região
metropolitana, por meio de visitas a empreendimentos e eventos (feira
de artesanato, padaria comunitária, associação de catadores de material
reciclável, assentamento do MST, jornada de agroecologia e festa de
semente criolas). Durante o I Seminário de Economia Solidaria e
População em Situação de Rua – que será comentado posteriormente –
pode-se conhecer experiências de Economia Solidária e Educação
Popular com pessoas em situação de rua: Empreendendo Vidas (Belo
Horizonte), e Centro de Assessoria Multiprofissional e Escola Municipal
de Ensino Fundamental (Porto Alegre). Participaram dessas atividades
membros da equipe contratada, da Tecsol, profissionais dos
equipamentos, membros do MNPR de Curitiba e pessoas em situação de
rua.
Fomentados pelas atividades anteriores e pelo desejo de
concretizar ações, surgiram ideias de coletivos: produção e
comercialização de sucos naturais, de espetinhos, serviços de jardinagem.
Debateu-se e construiu-se, coletivamente, um plano pedagógico e um
plano básico de incubação de empreendimentos econômicos solidários
para auxiliar no processo. Entretanto, dificuldades surgiram (problemas
de saúde, centralização do processo, conflitos internos, imediatismo,
dentre outros), fazendo que a maioria das propostas não avançassem
para além da fase do planejamento, com exceção da produção e venda de
espetinhos que chegou a concretizar uma experiência durante um bazar

273
Vozes da Educação

solidário. Esses percalços, possibilitaram à equipe do projeto perceber os


desafios para constituição de um empreendimento de economia solidária
e superação da lógica heterogestionária e individualista do trabalho
capitalista, além de dificuldades específicas do contexto da população de
rua (vínculos frágeis, busca de soluções imediatistas e, por vezes,
assistenciais, dependência química, ausência de espaços para produzir e
guardar materiais e equipamentos, etc).
Percebeu-se que era preciso ampliar o processo de formação e
de experimentação, com um coletivo maior e mais diversos. A equipe
contratada, em conjunto com a Rede ADL e com a Tecsol, decidiram
que o caminho seria realizar oficinas técnicas que capacitassem pessoas
em situação de rua para o desenvolvimento e a gestão de
empreendimentos econômicos populares.
As oficinas abordaram áreas diversas (panificação básica,
confeitaria, cosméticos naturais e acessórios étnicos), definidas pelas
demandas da população em situação de rua e pela relação do CEFURIA
com alguns empreendimentos econômicos solidários. Em todas as
oficinas havia módulos básicos sobre Economia Solidária e noções
introdutórias de gestão (planejamento, precificação, etc). As pessoas
inscritas nas oficinas de cosméticos, panificação e confeitaria também
participaram de uma formação básica em manipulação de alimentos,
boas práticas de higiene e preparos naturais.
Devido a restrições orçamentárias e de espaço, as oficinas
tiveram vagas limitadas a 20 pessoas cada. Porém, aceitou-se inscrições a
mais, prevendo-se desistências. Optou-se por realizar os convites,
prioritariamente, nos espaços de acolhimento, pois considerou-se que
pessoas que dormiam nas ruas teriam maior dificuldade de frequentar as
oficinas e de guardar materiais de produção e produtos. Entretanto,
foram convidadas pessoas que não estavam acolhidas, mas que haviam
participado de outras etapas do Coopera Rua e que demonstraram
interesse.
Realizou-se um primeiro encontro, de presença obrigatória, a
fim de retomar os objetivos do projeto e esclarecer que as oficinas não
eram vinculadas a nenhum sistema de educação profissionalizante e não
tinham como objetivo a inserção no mercado de trabalho formal
capitalista.

274
Volume VI

A metodologia das oficinas foi participativa, e para além de


passar técnicas básicas para o desenvolvimento dos produtos, estimulou
a troca e a produção de saberes de forma coletiva. Contratou-se
oficineiros/as específicos/as para cada temática, priorizando aqueles/as
que, para além de conhecimentos técnicos, tivessem experiência em
educação popular, economia solidária e/ou com pessoas em situação de
rua. As oficinas foram realizadas no espaço da Tecsol e em uma padaria
comunitária.
Dentre as dificuldades encontradas nas oficinas cita-se:
desistências, falta de lugar para guardar os materiais e produtos,
dificuldades de relacionamento, desejo em trabalhar em outras
configurações de trabalho não presa a tempo e espaço.
A experiência mais exitosa foi da oficina de panificação uma
vez que ao término da mesma, 3 participantes tornaram-se membros de
uma padaria comunitária, e continuam nela inseridas até o termino da
escrita desse texto. Também foi constituído um coletivo de cosméticos
naturais, por duas educadoras populares (um casal em situação de rua
chegou a participar inicialmente, mas depois, deixou o grupo).
Uma experiência rica e acertada para aproximar a população em
situação de rua da Economia Solidária foram os Clubes de Trocas, uma
vez que essa prática já faz parte de seu cotidiano, e são uma das
estratégias de sobrevivência encontradas por essas pessoas. A experiência
possibilitou vivenciar outra expressão da Economia Solidária, que vai
além da produção e da comercialização, e da geração de trabalho e renda,
sendo um espaço de reflexão e autogestão. Realizou-se cerca de 5 clubes
de troca, com frequência mensal, em locais públicos de fácil acesso à
população em situação de rua, como praças. Após o termino do projeto,
buscou-se dar continuidade a atividade, porém, teve-se dificuldade em
mobilizar a população em situação de rua. Uma sugestão para futuras
experiências é que seja mantida uma regularidade no local, data e horário,
como tentativa de agregar mais pessoas.
Ao longo do projeto, foram realizados dois Seminários
“Economia Solidária e População em Situação de Rua”: o primeiro cerca
de um ano após o início do projeto Coopera Rua e outro ao término do
mesmo. Na primeira edição, a participação foi aberta a quem tivesse
interesse, predominando a presença de membros do MNPR, educadores

275
Vozes da Educação

populares, profissionais de equipamentos e instituições que atendem as


pessoas em situação de rua, membros da Tecsol e do CEFURIA e
pessoas em situação de rua chegando a reunir mais de 100 pessoas. O
objetivo foi aproximar a população em situação de rua da Economia
Solidária por meio de relatos de empreendimentos econômicos
solidários, com destaque para experiências que envolvessem esse grupo.
Ao contrário do que o nome pode sugerir o formato do evento não
seguiu os padrões acadêmicos. Embora o espaço fosse um auditório de
uma universidade pública, buscou-se por meio da contratação de um
artista popular e da pedagogia freiriana, criar um clima democrático,
acolhedor, que estimulasse a participação de todos/as por meio de
música, de construção de cartazes, de exposição de produtos da
Economia Solidária, de bandeiras dos movimentos de Economia
Solidária, de População em situação de rua, da movimentação das
pessoas por meio de rodas e de promover o debate entre os
“palestrantes” e o público em geral. Por parte da população em situação
de rua, houve relatos de como foi marcante poder adentrar no espaço da
universidade e participar de um evento na mesma, não como mero
ouvinte, mas expondo suas ideias e experiências.
A segunda edição do seminário aconteceu na fase final do
projeto, e teve por objetivo realizar uma avaliação coletiva do mesmo e
propor encaminhamentos. O convite foi focado em pessoas que
participaram do Coopera Rua, e houve uma menor adesão das pessoas
em situação de rua, estando mais presentes membros da equipe
contratada, da Tecsol, do MNPR e profissionais de equipamentos.
Alguns encaminhamentos que saíram deste Seminário foram:
fortalecer os serviços do centro de convivência; a rede de atenção à
saúde mental pode contribuir para alavancar ações para pessoas em
situação de rua; espaços do CEFURIA e da Tecsol podem ser utilizados
para reuniões da população em situação de rua; continuidade dos clubes
de troca, fortalecimento e luta pela regulamentação da profissão de
Educador Social, dentre outros.
Um dos objetivos do projeto Coopera Rua foi de que a pessoa
perceba seus talentos, saberes e tenha motivação para, a partir de deles se
envolverem em atividades que gerem trabalho e renda, sem perder a
liberdade da rua. A liberdade comentada pela população em situação de

276
Volume VI

rua é um conceito muito difícil de ser compreendido por quem não é


deste grupo social. Apesar de muitos irem para a rua por motivos ligados
a drogas e álcool, falência, dificuldades dentro da família, muitos deles
comentam que a rua tem suas peculiaridades, sendo uma delas uma certa
liberdade não encontrada na escola, na família, no emprego capitalista.
Assim, é preciso conhecer a realidade, as necessidades e os anseios da
população de rua quando se pensa em ações para esse grupo, sob o risco,
de além de ineficazes, serem opressoras, ao buscarem uma adaptação ao
invés da libertação.
Neste sentido, há muito o que se aprender: o Movimento
Nacional de Pessoas em Situação de Rua comenta que não desejam
albergues, mas habitação e comida com dignidade, pois os albergues têm
mantidos as pessoas em situação de rua exatamente como estão. O
MNPSR também destaca a importância de ações no campo da saúde
física e mental. Enfim, a complexidade e a exclusão profunda em que a
população em situação de rua se encontra, requer políticas públicas
intersetorias (habitação, trabalho, educação, saúde, etc) que são escassas
em Curitiba. Nesse sentido, é preciso uma formação ampla e
problematizadora da questão, junto aos profissionais que atendem e/ou
convivem com essa população -educador social, o médico, o psicólogo,
os policiais, os guardas municipais, os assistentes sociais - para
compreenderem a situação diferenciada em que este ser humano se
encontra, pois sofrem violações todos os dias.

Considerações finais
O projeto Coopera Rua possibilitou aprendizagens e reflexões
sobre articulações possíveis e dificuldades para a aproximação da
população em situação de rua da Economia Solidária. Identificou-se
diversos aspectos das vivências da população de rua que também se
fazem presentes nas práticas e princípios da Economia Solidária como:
valorização do ser humano, respeito à diversidade, cooperação,
solidariedade, organização coletiva, prática de trocas, anseio pela
liberdade e que precisam ser potencializados.
Um resultado importante do projeto foi a aproximação do
MNPR com a população em situação de rua de Curitiba. Houve também
fortalecimento da população em situação de rua que se organizou para

277
Vozes da Educação

reivindicar que os equipamentos e instituições disponibilizassem um


espaço acolhimento para casais.
Da construção a execução do projeto, houve a vivência da
autogestão, o que favoreceu o maior êxito das ações propostas, e teve
efeito para a auto-estima e emancipação da população em situação de
rua. Destaca-se também as várias parcerias estabelecidas (MNPR,
Tecsol), que proporcionaram percepções, vivências e conhecimentos
diversos, assessoramento técnico e otimização de recursos (espaço físico
para atividades, serviços de design gráfico, etc).
Elenca-se aqui algumas dificuldades encontradas ao longo do
projeto Coopera Rua para que sirvam de experiência para futuros
projeto:
 políticas sociais e práticas assistencialistas que dificultam a
geração de renda nos equipamentos, reforçam o imaginário do
trabalho assalariado, criam dependência, perpetuando a situação
de rua;
 algumas rotinas e regras dos equipamentos dificultam a
realização ou a continuidade das ações do projeto (ex. recessos
no final do ano);
 o tempo da criação dos vínculos, tão necessários, ainda mais
quando se fala em população em situação de rua, e para os
movimentos de reflexão-ação-reflexão, dos replanejamentos, é
mais longo que o tempo dos editais;
 grande sofrimento psíquico, baixa auto-estima e sentimento de
impotência, reforçado pelas práticas assistencialistas e pelo
preconceito que sofrem;
 ausência de políticas públicas integradas (educação, habitação,
saúde, etc) criam entraves para a constituição dos coletivos e
para saída da situação de rua;
 pessoas em situação de rua vivem o agora, devido a situação de
exclusão extrema, tendo dificuldade em aguardar o tempo de
maturação de um coletivo;
 o individualismo e o imaginário do trabalho assalariado são
fortes, o que requer um árduo trabalho de reflexão para que se
pense em outras possibilidades.

278
Volume VI

Dos êxitos e dificuldades do projeto, pode-se sintetizar algumas


sugestões para projetos futuros:
 criação de redes que possibilitem a continuidade das ações de
projetos e fomente a organização popular para reivindicações
de políticas públicas e outras demandas da população em
situação de rua, por meio de uma participação direta da mesma
no processo;
 realização de clubes de trocas que são experiências propícias
para a aproximação da população de rua da Economia Solidária;
 criação de um fundo solidário, não apenas financeiro, mas
composto por diversos recursos (espaço físico, serviços,
assistências técnicas, etc) e que contribuam para a viabilidade e
sustentabilidade dos empreendimentos recém-criados.
O projeto Coopera Rua permitiu perceber que a aproximação
da população em situação de rua com a Economia Solidária via uma
metodologia pautada na Educação Popular requer uma análise e ação
abrangentes, uma vez que a exclusão ocorre em várias dimensões (saúde,
educação, trabalho, habitação, direitos humanos), não se podendo
restringir o foco à geração de trabalho e renda. Para tanto, faz-se
necessários novos editais que disponibilizem recursos e ações de caráter
mais duradouros, como políticas públicas.

279
Vozes da Educação

Referências Bibliográficas
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2005.
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280
Volume VI

PIBID: ENTRE-LUGAR DE PESQUISA E


AUTO(TRANS)FORMAÇÃO PERMANENTE COM PROFESSORES

Maria Rosângela Silveira Ramos51


Celso Ilgo Henz52
Doris Pires Vargas Bolzan53

RESUMO
Este artigo tem como propósito apresentar algumas das contribuições
formativas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID), nos subprojetos de Química e Biologia do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha (RS). Utilizamos a
metodologia dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos (HENZ,
2014), (HENZ; FREITAS, 2015b), inspirados nos Círculos de Cultura
freireanos em aproximação com a pesquisa-formação (JOSSO, 2004,
2010). Nesses encontros, emergiram as narrativas dialógicas para a
contribuição das análises e, a partir delas, observamos que os Círculos
Dialógicos Investigativo-formativos contribuem para a ação-reflexão-
ação sobre as práxis educativas dos pibidianos e se constituem como um
entre-lugar de pesquisa e de auto(trans)formação permanente com
professores e licenciandos.
Palavras-chave: PIBID; entre-lugar de pesquisa e auto(trans)formação
permanente com professores; círculos dialógicos investigativo-
formativos.

ABSTRACT
This article which aimed to present some of the formative contributions
of the Initiation to Teaching Institutional Scholarship Program (PIBID),
in the subprojects of Chemistry and Biology at the Farroupilha Federal

51Doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e docente do


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha. E-mail:
maria.ramos@iffarroupilha.edu.br
52Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e docente do

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria. e-mail:


celsoufsm@gmail.com
53Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e docente do

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria. e-mail:


dbolzan19@gmail.com

281
Vozes da Educação

Institute of Education, Science, and Technology (RS/Brazil). We used


the Investigative-formative Dialogical Circles methodology (HENZ,
2014), (HENZ; FREITAS, 2015b), inspired by the Freirean Culture
Circles as the approach to the research-formation (JOSSO, 2004, 2010).
In these meetings, dialogical narratives emerged to contribute for the
analysis, and from them, we observed that the Investigative-formative
Dialogical Circles contribute for the action-reflection-action of the
educational practices of the pibidians and constitute an inter-place of
research and permanent self(trans)formation between professors and
licenciature students.
Keywords: PIBID; inter-place of research and permanent
self(trans)formation with Professors; investigative-formative dialogical
circles.

Introdução
A formação de professores é um tema presente nas produções,
nos debates e nas discussões acadêmicas, reconhecendo o papel central
do professor em qualquer processo de mudança no contexto educativo.
Desse modo, a reflexão sobre formação docente, nos meios acadêmicos
e nas demais instâncias formativas, provoca um (re)pensar em ações que
permeiam a inovação nas práticas pedagógicas. No entanto, para alguns
autores, faz-se imprescindível compreender essa formação do professor
associada ao desenvolvimento dos saberes docente e profissional
(TARDIF, 2014), o que exige tempo, designação e valorização
profissional, bem como a associação de políticas educacionais,
ponderando o lócus de trabalho do professor.
A temática “formação” vem apresentando pesquisas, estudos,
discussões e reflexões sobre a constituição da formação docente em
função do seu contexto histórico, social e cultural (GATTI (2010);
ANDRÉ (2010) e IMBERNÓN (2010)). Os trabalhos realizados
apontam alguns elementos, como indicativos da conservação e das
mudanças ocorridas nos tipos de formação no decorrer da sua
constituição profissional; também abordam dados referentes à carência

282
Volume VI

de professores na rede pública da Educação Básica, especificamente na


área das exatas, a qual tem sido uma dificuldade nacional.
Desse modo, o Ministério de Educação, com a finalidade de
diminuir a carência de professores na Educação Básica e de contribuir
para a qualificação da formação docente, cria algumas políticas
educacionais voltadas para valorização e permanência na
profissionalização docente. A inserção dessas políticas públicas
educacionais apresenta em seus objetivos a busca de práticas inovadoras
que contribuam para melhorar os índices educacionais, com qualidade e
comprometimento, bem como incentivar a formação docente
permanente.
Assim, em 2007, surge o programa PIBID, criado pela Portaria
Normativa nº 38, de 12/12/2007, atualmente normatizado pela Portaria
096/2013. Sua origem é resultante de uma ação conjunta do Ministério
da Educação, da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE), com a intenção de fomentar programas de
iniciação à docência de estudantes de instituições públicas e privadas de
ensino superior no Brasil.
Em seu primeiro edital, no ano de 2007, podiam apresentar
propostas de projetos de iniciação à docência as Instituições Federais de
Ensino Superior e os Centros Federais de Educação Tecnológica que
possuíssem cursos de licenciatura de Matemática, Física, Biologia e
Química. Já a partir do edital de 2010, o Programa passa a contemplar os
demais cursos de Licenciatura. No entanto, a definição dos níveis e áreas
a serem atendidos cabe às instituições participantes, em diálogo com as
redes de ensino e verificada a necessidade educacional e social do local
ou da região. (DEB, 2013, p. 27).
O PIBID é política interligada com a formação inicial, que
apresenta em seus objetivos e finalidades a contribuição para a formação
docente. Além de promover a iniciação à docência, objetivo maior do
programa, verifica-se que estimula, incentiva e motiva os pibidianos ao
estudo, desenvolvendo a formação cidadã e fortalecendo a permanência
dos bolsistas de iniciação à docência nos cursos de licenciatura. A sua
fundamentação teórica está orientada em princípios pedagógicos que

283
Vozes da Educação

possibilitem aos sujeitos o envolvimento com a formação dos


professores e com atividades na escola de Educação Básica.
Desse modo, os princípios do referido programa estão
embasados na formação e no desenvolvimento profissional de
professores (NÓVOA, 2009), visando à inserção dos licenciandos no
dia-a-dia das escolas da rede pública. Assim, oportuniza aos bolsistas de
iniciação (acadêmicos e professores de educação básica) a participação e
a criação de experiências inovadoras, com caráter interdisciplinar, que
busquem a melhoria das atividades de ensino e aprendizagem
desenvolvidas em cada projeto.
A participação e a contribuição dos professores das IES e das
escolas públicas da Educação Básica são relevantes no referido
programa, pois espera-se da sua atuação o engajamento e compromisso
com a coformação dos futuros docentes. A participação dos docentes
em exercício colabora para que os licenciandos se insiram na cultura
escolar do magistério, por meio da apropriação e da reflexão sobre
instrumentos, saberes e peculiaridades do trabalho docente. (BRASIL,
Portaria 096/2013, art. 40), realizando a aproximação da IES com a
Escola de Educação Básica. Sendo assim,
[O PIBID] é uma proposta de incentivo e valorização do magistério
e de aprimoramento do processo de formação de docentes para a
educação básica. Os alunos de licenciatura exercem atividades
pedagógicas em escolas públicas de educação básica, contribuindo
para a integração entre teoria e prática, para a aproximação entre
universidades e escolas e para a melhoria de qualidade da educação
brasileira. Para assegurar os resultados educacionais, os bolsistas são
orientados por coordenadores de área – docentes das licenciaturas –
e por supervisores – docentes das escolas públicas onde exercem
suas atividades. (GATTI, et al, 2014, p. 05).
O PIBID apresenta como foco a formação de professores, com
ênfase na inicial. As atividades desenvolvidas possuem como finalidade
contribuir para a valorização do magistério, além de colaborar com a
articulação entre teoria e prática, o que pode constituir a melhoria da
qualidade da educação e, principalmente, da auto(trans)formação
permanente de docentes. O programa também, em suas metas, possui a
intenção de promover uma aproximação entre as instituições de ensino
superior e a escola de educação básica, com o desenvolvimento de
subprojetos nas diversas áreas do conhecimento, oportunizando a
realização de práticas formativas.

284
Volume VI

A proposta do PIBID/CAPES é de que os licenciandos


aprendam a interagir, conhecer e lidar com as ocorrências reais e
concretas do dia-a-dia da sala de aula, bem como vivenciem a resolução
de conflitos desse cotidiano, não balizados na submissão do emprego de
soluções e de receitas prontas de práticas pedagógicas. Além disso,
oportunizando aos sujeitos inseridos no programa, uma consistente
fundamentação teórico-metodológica para a (re)construção dos
conhecimentos e dos saberes indispensáveis ao aprendizado docente.
Esse artigo, oriundo de uma pesquisa de doutorado concluída
em 2017, almeja socializar as possibilidades e (re)construções
auto(trans)formativas que a política do PIBID propiciou para
licenciandos e professores da Educação Básica, no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha aderiu ao PIBID em 2009, o
qual se intitulava “PIBID IF Farroupilha: ações qualitativas na formação
para o exercício da docência” e envolveu três Cursos de Licenciaturas.
Atualmente, o projeto institucional (em vigência até 2017) envolve doze
cursos de licenciatura em sete campus. No entanto cada subprojeto do
PIBID do IF Farroupilha possui diferentes ações e concepções a
respeito da formação de professores e dos demais objetivos que o
programa se propõe, com vistas a favorecer um ambiente rico em
heterogeneidade de aprendizagens e de experiências. Cada subprojeto
tem seus embasamentos teóricos e metodológicos, de acordo com a área
de formação e relacionados com os encaminhamentos dados em cada
proposta.
Nesse sentido, o projeto Institucional do PIBID do IF
Farroupilha propõe a construção de espaços coletivos, nos quais os
pibidianos possam atuar de forma integrada, de maneira a refletir sobre
suas propostas de “ensinar e aprender”, bem como revisar, buscar e
aperfeiçoar práticas docentes consolidadas, agora de forma
contextualizada. Considerando o respeito, a criatividade e as diferenças
locais de cada campus, possibilitam aos cursos de Licenciatura, de acordo
com seu contexto, criarem seus subprojetos, considerando as
peculiaridades da área de formação e o interesse dos alunos, mas sempre
articulado com o tema central do projeto Institucional.
O contato dos bolsistas de iniciação com o professor da
Educação Básica com experiência na docência, no contexto dos

285
Vozes da Educação

subprojetos do PIBID, demonstra contribuir para a formação desse


futuro professor, bem como com a possibilidade de repensar as relações
entre a teoria e a prática; ou seja, constitui-se em um ambiente
privilegiado, um entre-lugar com diferentes movimentos e
(re)construções, de aprendizagem docente. Da mesma maneira, contribui
para a auto(trans)formação permanente, em serviço, dos professores
supervisores que, além do apoio de suas escolas para desenvolverem as
ações do programa, participam dos encontros organizados pelos
subprojetos com estudos e aprofundamentos teóricos na articulação de
propostas metodológicas inovadoras.
Com seus conhecimentos, suas experiências e suas vivências na
docência, os supervisores e os Coordenadores Institucionais e de Área
crescem profissionalmente e colaboram para as atividades de cada
subprojeto, num diálogo permanente, “aberto, curioso, indagador e não
apassivado, enquanto fala ou enquanto ouve” (FREIRE, 2015a, p. 83),
corroborando, assim, com a formação inicial dos licenciandos.
Nesse entendimento, refletir e discutir sobre a importância que
as práticas de ensino apresentam na formação docente pode ser um
caminho incentivador para os licenciandos e para os professores no
exercício da docência. Esse entre-lugar constitui-se como espaços-
tempos que propiciam a estudantes e a professores refletirem e
(re)pensarem sobre os suas trajetórias formativas, na inserção no
contexto histórico, social e cultural, nas vivências pessoais como ser
humano, as quais vão influenciar e contribuir com a construção da
identidade docente.

Caminhos metodológicos
A opção metodológica foi pela pesquisa qualitativa, associada
ao estudo de caso (GIL, 2009; YIN, 2015) e de pesquisa-formação
(JOSSO, 2004, 2010), por meio dos diálogos realizados nos encontros
com os sujeitos participantes e a pesquisadora. Entendemos que, na
abordagem qualitativa, a representatividade numérica não é o fator
decisivo para a elucidação de resultados, mas que esse tipo de abordagem
centra-se no aprofundamento do entendimento de um grupo social ou
de sua organização, priorizando a interpretação e análise dos fatos, dos
registros, das escutas e dos olhares. O foco principal da pesquisa

286
Volume VI

qualitativa é o significado que os sujeitos atribuem, a partir da reflexão,


sobre as temáticas em questão.
Complementando as abordagens, optamos metodologicamente
pela proposta epistemológico-política dos Círculos Dialógicos
Investigativo-formativos (HENZ, 2014) para a dinâmica dos encontros;
metodologia esta inspirada nos Círculos de Cultura54 de Paulo Freire em
aproximação com a pesquisa-formação de Josso (2004, 2010).
De acordo com Josso (2004), o pesquisador-líder não controla
fenômenos; mas, sim, busca, com os sujeitos, [re]significar e
auto(trans)formar suas atividades e ações durante o processo da
pesquisa, em contextos nos quais a incerteza e o inacabamento sejam a
“provocação e motivação” da (re)construção de novos conhecimentos,
tanto para o professor, quanto para o pesquisador. Nesse sentido, os
participantes são “reconhecidos como sujeitos que elaboram
conhecimentos e produzem práticas adequadas para intervir no
problema que identificam” (CHIZZOTTI, 2010, p. 83).
Assim, os sujeitos participam efetivamente da pesquisa e são
considerados coautores55, buscam, “através do diálogo-problematizador,
proporcionar uma reflexão crítica sobre o ato educativo, com um
coletivo de pessoas, educadores e/ou educandos, com base nas questões
levantadas pelo grupo com relação à temática” (HENZ e FREITAS,
2015b, p. 03).
Para isso, propôs-se, para as dinâmicas dos encontros56 com os
sujeitos da pesquisa, a realização dos Círculos Dialógicos Investigativo-
formativos. O Grupo Dialogus – Educação, Formação e Humanização
com Paulo Freire vêm concretizando essa proposta epistemológico-

54O círculo de cultura dispõe as pessoas ao redor de uma “roda de pessoas”, em que,
visivelmente, ninguém ocupa um lugar proeminente. No círculo de cultura, o diálogo deixa de ser
uma simples metodologia ou uma técnica de ação grupal e passa a ser a própria diretriz de uma
experiência didática centrada no suposto de que aprender é aprender a “dizer a sua palavra”
(BRANDÃO; 2010, p. 69).
55O termo coautor foi denominado pelo Grupo Dialogus, pois o entendimento é de que todos os

sujeitos inseridos desenvolvem a pesquisa em conjunto; pela dialogicidade, eles interagem, sem
que um sujeito se sobressaia ao o outro.
56Os encontros foram realizados presencialmente, em cada local da pesquisa. Sugere-se a

organização do grupo em “circulo”, com a aproximação do Círculo de Cultura proposto por


Freire, com a intencionalidade de cada sujeito participante “olhar o outro” e com o direito de
“dizer a sua palavra”.

287
Vozes da Educação

política de pesquisa , com vistas a propor, de maneira espiral, a


construção de novos conhecimentos e a auto(trans)formação, pela
pesquisa-formação, observando os movimentos do olhar aguçado/escuta
sensível; do inacabamento; dos diálogos-problematizadores; da
conscientização; e da auto(trans)formação, sempre a partir das vivências
e (re)significações da práxis educativa pela permanente interlocução
rigorosa e companheira entre os coautores.
Juntamente com os sujeitos participantes dos encontros foram
organizados momentos de diálogos sobre/com a temática a qual se
propôs investigar. Reconhecemos e assumimos que uma pesquisa que
envolve o contexto sócio-histórico-cultural dos sujeitos “implica uma
partilha densa com pessoas, fatos, locais que constituem objetos de
pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes
que somente são perceptíveis a uma atenção sensível” (CHIZZOTTI,
2014, p. 28).
Dessa maneira, os participantes vivenciaram o diálogo, pela escuta
sensível, pelo dizer sua palavra, experienciando uma atenção e
reconhecimento aprendendo cooperativa e intersubjetivamente a “ter
um olhar humano” (LICENCIANDA ISIS, 2016), pois “somos seres em
processos de (re)construção, inacabados na busca de ser mais 57”
(FREIRE, 1987, 2015a). A atenção sensível e o diálogo possibilitaram
aos sujeitos, como seres inacabados em constante auto(trans)formação, a
reflexão crítica e rigorosa sobre sua “práxis pedagógica” (HENZ, 2014,
p. 51).
Desse modo, todos os pibidianos praticaram o direito de falar,
dialogar e dizer sua palavra, o que também implica a escuta sensível e o
olhar de reconhecimento à singularidade de cada um dos participantes
dos Círculos. A pergunta não é específica da pesquisadora, mas de todos
os sujeitos inseridos nos encontros, estabelecendo relações de
cooperação, diálogo e, ao mesmo tempo, problematizadoras, sobre as
quais cada um dos participantes pode exercer a palavra, ou melhor, possui
a opção de “falar” ou “silenciar”. Assim, “no processo da fala e da escuta

57A vocação para a humanização, segundo a proposta freiriana, é uma característica que se
expressa na própria busca do ser mais, através do qual o ser humano está em permanente
procura, aventurando-se cuidadosamente no conhecimento de si mesmo e do mundo, além de
lutar pela afirmação/conquista de sua liberdade (ZITKOSKI, 2010, p. 369).

288
Volume VI

a disciplina do silêncio a ser assumido com rigor e a seu tempo pelos


sujeitos que falam e escutam é um sine qua58 da comunicação dialógica”
(FREIRE, 2015a, p.114).
No entanto, a reflexão sobre a práxis pedagógica, no PIBID,
apresenta como direcionamento o rompimento com o paradigma da
racionalidade técnica; ou seja, as propostas de atividades para os
subprojetos necessitam ser direcionadas para o caráter inovador,
contextualizadas com a realidade escolar. Sendo assim, as ações para a
inovação educacional são desenvolvidas e interagidas no locus escolar, um
entre-lugar de pesquisa e auto(trans)formação permanente com professores.

PIBID: entre-lugar de auto(trans)formação permanente


O termo auto(trans)formação permanente vem sendo estudado
pelos integrantes do Grupo Dialogus e é a base dos processos dialógicos e
cooperativos de ação-reflexão-ação na pesquisa-formação com
professores. Segundo Henz (2015a, p. 23), “o companheiro desta práxis
epistemológico-política e auto(trans)formativa é o diálogo
problematizador e amoroso”. Assim, a auto(trans)formação permanente
de docentes é efetivada pela dialogicidade, com a intenção de ações
inovadoras, cooperativas e éticas, considerando o lócus, o ambiente
escolar e a trajetória pessoal e profissional de cada participante coautor.
Nesse sentido, a auto(trans)formação é uma (re)construção humana,
histórica, social, na qual as vivências ao longo da vida, quer sejam
pessoais quer sejam profissionais, estão imbricadas nesse contexto
formativo, com vistas a uma práxis pedagógica humanizadora,
emancipadora e libertadora.
Nessa perspectiva, visualiza-se a necessidade de programas de
desenvolvimento profissional docente, articulados às instituições de
ensino, para que se possa desenvolver um trabalho cooperativo e
dialógico-reflexivo proativo, reconstruindo os espaços acadêmicos de
uma maneira direcionada, envolta no contexto histórico-cultural dos
sujeitos em “auto(trans)formação permanente” (HENZ, 2014, 2015a).
Assim, a formação de professores, na perspectiva de
auto(trans)formação ligada à profissão59, leva ao desenvolvimento de

Sem a/o qual não pode ser.


58

289
Vozes da Educação

uma “nova” configuração da profissionalidade60 docente, estimulando a


emergência de uma cultura profissional no seio do professorado e de
uma cultura organizacional no seio das escolas (NÓVOA, 1997, p.24).
Destarte, provoca, na formação, o desenvolvimento profissional dos
professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão
docente61 (Idem, p.27). Não obstante, rompe com propostas “bancárias”
e heteroformativas, assumindo que cada professor é o sujeito autor da
sua própria formação, o que se dá na intersubjetividade dialógica com os
outros coautores, de cujas auto(trans)formações cada participante
também se torna coautor. Nos mesmos movimentos de reflexão-ação
sobre suas práxis, os diferentes coautores também refletem sobre a
realidade sócio-histórico-social dos contextos em que exercem sua
docência, sentindo-se desafiados ao comprometimento de transformação
dos mesmos em um mundo mais humano, digno e justo para todos os
homens e mulheres.
Associar a auto(trans)formação permanente ao
desenvolvimento profissional docente, no contexto em que os sujeitos
estão inseridos, importa valorizar paradigmas de formação que
promovam a preparação de professores reflexivos e proativos, que
assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento
profissional e que participem como protagonistas na implementação das
políticas educacionais (NÓVOA, 1997, p. 27). Sendo assim, a
auto(trans)formação docente não deve ser vista de maneira isolada e
precisa aproximar-se da realidade escolar, de suas problemáticas,
permitindo que se trabalhe articuladamente com a própria comunidade e
com as Instituições de Ensino Superior, possibilitando, por meio de
programas e de políticas formativas, que esse processo aconteça no
próprio ambiente de trabalho

59Na acepção sociologicamente mais densa do termo, profissão é uma comunidade organizada
de pessoas com saberes muito especializados e valores mais elevados aplicados à satisfação de
direitos humanos e necessidades fundamentais dos indivíduos e das sociedades, com um
sentido de serviço superior ao seu legítimo interesse econômico (MONTEIRO, 2015, 286).
60Designa o perfil de uma profissão, tudo o que a distingue de outros grupos ocupacionais.

(Idem).
61A profissão docente não tem estatuto de autorregulação profissional na maioria dos países do

mundo, por várias razões. Para examinar a possibilidade e benefícios da sua autorregulação,
importa começar por examinar a sua identidade. (Ibidem).

290
Volume VI

Considerando que o PIBID é um programa que visa a


formação de professores (inicial e continuada), entende-se que ele é um
entre-lugar, em que professores da Educação Básica e da Universidade e os
licenciandos constroem cooperativamente suas identidades profissionais,
com vistas ao aprimoramento das suas práxis pedagógicas e da própria
auto(trans)formação permanente com seus colegas professores e
acadêmicos. Nesse sentido, referente à formação de professores e as
contribuições do PIBID na construção docente, as professoras Joana e
Dina salientaram:
Pensando nessa ideia aqui de novos modelos educacionais, não seria
exatamente um modelo, mas pensar que o PIBID pode ser uma
possibilidade de melhora. Não em curto prazo, porque tudo o que
envolve educação é uma coisa a muito longo prazo, infelizmente é
muito lento. Então de repente o PIBID seja essa possibilidade de
melhora e de valorização da docência, como diz lá nos objetivos do
programa de valorizar a docência e quem sabe melhorar. Não que
seja um modelo, mas é um programa. Não atinge a todos os alunos,
mas de repente pouco a pouco vai aparecer alguma coisa diferente e
melhor. (PROFESSORA JOANA).
É nessa forma que também acontece o processo de formação,
porque a nossa formação é constante. Você se forma e depois você
aprende [na formação inicial] você continua constantemente, todos
os dias seja aqui no grupo de estudos [Pibid], no colégio, numa
reunião ou nas atividades diárias. Eu acho que é constante sim, em
todo o momento! (PROFESSORA DÍNA).
As duas narrativas relacionam o programa PIBID como um
“entre-lugar” de auto(trans)formação, que vem contribuindo
gradativamente com a melhoria e a qualidade da educação. A professora
Joana, quando diz que o PIBID “não atinge a todos os alunos”, mas que
pode mudar futuramente, demonstra seu entendimento de que esta é
uma política que contribui com a formação inicial, a qual precisa ser
ampliada para todos os licenciandos.
Sobre isso Gatti et al (2014) afirmam que o PIBID é um
programa com fins voltados à formação inicial e continuada de
professores. Desde a sua criação, tem recebido um acréscimo no número
de bolsas, porém, em parte, se torna “excludente”, pois não contempla a
todos ou a maioria dos licenciandos e também envolve um número
mínimo de professores da Educação Básica. Mas apesar de existir uma
preocupação de que o PIBID não oferta vagas para a maioria dos
licenciandos, este é um programa que veio somar e incentivar tanto os
docentes quanto os estudantes dos cursos de licenciatura, oportunizando

291
Vozes da Educação

aos participantes o primeiro contato com o ambiente escolar, como


sujeitos em auto(trans)formação para a docência.
Dessa forma, pode-se inferir que o PIBID é um entre-lugar de
formação permanente que permite aos pibidianos assumir o
protagonismo da sua prática pedagógica e os enfrentamentos do
cotidiano, de maneira crítica e criativa, buscando com o coletivo novas
maneiras de ensinar-aprender, em constante auto(trans)formação
permanente docente, de modo que o locus de formação seja o próprio
ambiente escolar, tanto para os licenciandos como para os professores
em exercício.
Reconhece-se a importância da metodologia usada nos
encontros, uma vez que essa propiciou aos pibidianos, com a interação
nos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, um “entre-lugar” de
auto(trans)formação permanente docente, no qual cada sujeito pudesse
“dizer a sua palavra” na mesma dinâmica em que vivenciava a escuta
sensível à palavra de cada participante coautor. Em cada encontro, as
temáticas geradoras62 emergiam da escuta sensível e pelo “dizer a sua
palavra” com o grupo; para tanto, a compreensão e problematização das
temáticas careciam de permanentes diálogos desafiadores, de um
“encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não
se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (FREIRE, 1987, p. 45).
Dessa maneira, a presença nos Círculos Dialógicos
Investigativo-formativos do coordenador, animador – no caso, do
pesquisador-líder –, implica em propiciar com os sujeitos participantes
“refletir e analisar como se dão as diferentes relações e interações na
práxis educativa escolar e na sociedade” (HENZ, 2014, p. 3). Nesse
sentido, a licencianda Nicoli diz:
Uma coisa que quero citar, é que às vezes, não percebemos essas
modificações que ocorrem dentro do nosso interior, o quanto a
gente evolui. [...] Depois de um ano ou dois, com todas as coisas que
a aprendemos vamos perceber que não somos mais os mesmos. [...]
Então é rico e a gente tem que começar a valorizar.
Nicole, em sua colocação, apresenta alguns movimentos dos
Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, entre eles, o da

As temáticas geradoras são organizados por problematizações vivenciadas pelos sujeitos e


62

não se limitam a uma coleta de dados, fatos e/ou situações que levem a um indicativo de
possibilidade de um tema.

292
Volume VI

conscientização, quando percebe a importância dos momentos da


formação permanente, no qual as auto(trans)formações vão se
constituindo. Infere-se também que o sujeito é esse ser em busca
permanente do aprender e do ser mais, assumindo o seu inacabamento.
Nenhum sujeito sabe tudo, mas também não ignora tudo, existe o saber,
o conhecer, o seu quefazer pedagógico, epistemológico e político no
cotidiano de cada um. Desse modo, a importância de se tomar
consciência do quanto se conhece, significa que distinguindo o que se
conhece, o homem busca um novo reconhecer e, assim, quando este vai
perdendo seu sentido, em determinados contextos, é reconstruído ou
trocado por outros, num processo constante e contínuo de
(re)construção do próprio conhecimento. Nesse movimento em que
novos conhecimentos são originados, os saberes vão se reconstruindo e
“o homem, como um ser histórico, inserido num permanente
movimento de procura, faz e refaz constantemente o seu saber”
(FREIRE, 1971, p. 47).
Assim, percebeu-se que, ao vivenciar essa práxis, o programa
PIBID apresenta aos formandos e aos formadores a possibilidade de
experienciarem, em conjunto, o ambiente escolar, unindo teoria e prática.
Isso oportuniza aos pibidianos fazerem uma análise crítica e reflexiva da
sua atuação, com vistas à auto(trans)formação e à qualificação de seu
desenvolvimento profissional docente. Permite, ainda, a compreensão
das diferentes maneiras de ensinar e aprender, num movimento
dialógico-dialético entre formador e formando, no qual “o educando vai
conhecendo o ainda não conhecido e o educador, re-conhecendo o antes
sabido” (FREIRE, 2013, p. 176). Dessa maneira, a interação entre esse
“reconhecimento” provoca nos pibidianos a necessidade de buscar
estratégias e possibilidades de intervenções nas suas atividades escolares.
A escola, ambiente formativo, é um entre-lugar de diversidades,
local de (re)construção de situações de ensino-aprendizagem, espaço de
conflitos, de diálogos, de silenciamentos, da escuta sensível, mas também
de relações com os sujeitos que a constituem na mesma dinâmica em que
vão assumindo seus processos auto(trans)formativos. Entendemos que a
escola é o locus de convivência com o diferente; de auto(trans)formação e
também o espaço que oportuniza a prática e aprendizagem da cidadania.
Por isso precisa incentivar e contribuir, ao máximo, com a

293
Vozes da Educação

conscientização dos estudantes, dos pais e dos próprios professores em


relação à importância dessas parcerias entre escola, universidade e
comunidade, para que os sujeitos não somente participem das atividades
proporcionadas pela escola e pela IES, mas da tomada de decisões que
envolvam os interesses coletivos, exercitando o movimento do “dizer a
sua palavra”. Para Carvalho (2001, p. 45),
Historicamente, a forma de organização da escola tem sido marcada
pela necessidade de ordem, regras, silêncio, imobilidade, horários
padronizados, fila. Procuram-se a homogeneização, a docilidade, a
submissão à ordem e à autoridade. Essa é a visão conservadora de
escola. Felizmente, essas práticas têm se alterado com outras formas
de organização da escola, marcadas pelo exercício da capacidade de
pensar, pelo estímulo às atividades pedagógicas que permitem a
dúvida e o erro construtivo, a experimentação e o reconhecimento
das diferenças.
Com outras maneiras na organização escolar, como expressa
Carvalho, como o caso do programa PIBID, que surgiu para renovar e
fortalecer os “laços” com a escola de Educação Básica, envolvendo a
auto(trans)formação permanente entre formandos e formadores, é
notório que a escola, em sua constituição formativa, ainda “carrega”
fortes resquícios tradicionais de homogeneidade, de ordem e de
disciplina, herdados do contexto histórico e social. Na escola, local
privilegiado da sistematização da educação formal, o desafio é uma
práxis dialógica “com os oprimidos [na qual estes] exerçam um ato de
adesão à práxis verdadeira de transformação da realidade injusta”.
(FREIRE, 1987, p.100); ou seja, é preciso que se construa uma relação
de aprendizagem crítica capaz de possibilitar que cada sujeito envolvido
no contexto possa buscar ser mais, rompendo com o que o imobiliza ou
inferioriza, comprometendo-se com as mudanças necessárias e possíveis
na escola e na sociedade.
Assim, pelas narrativas construídas nos diálogos oportunizados
nos encontros dos Círculos, observou-se que as experiências vivenciadas
por meio das ações desenvolvidas pelos subprojetos do PIBID são
momentos de reflexão, que entusiasmam e influenciam a escolha e a
permanência na carreira docente. Isso porque, nesse ambiente de
experienciação docente, os pibidianos concebem o campo de ação
profissional, oportunizados por espaços-tempos reflexivos sobre os
desafios da realidade escolar. Dessa forma, a partilha de experiências
(NÓVOA, 2009) e as inter-relações estabelecidas entre os sujeitos

294
Volume VI

inseridos no PIBID contribuem com a aprendizagem permanente na/da


profissão docente. Verifica-se isso nas falas a seguir.
O PIBID traz ao discente a oportunidade de ter o primeiro contato
com o ambiente escolar, oportuniza estabelecer relações entre as
teorias aprendidas e as práticas vivenciadas no dia-a-dia
(LICENCIANDA ISIS – CAMPUS ALEGRETE).
O PIBID teve ótima contribuição para a revisão de conteúdos, o
aprendizado de novas práticas experimentais. Através dele foi
possível exercitar a prática da escrita de artigos e resumos e
participar de eventos, o que aumenta em muito o gosto pela
docência. [Coloca] o licenciando na aproximação de autores que
demonstram ter esperança de um novo ensino mais eficiente e
ligado ao cotidiano dos alunos e melhora a sua autoestima frente à
profissão escolhida. Sem o PIBID o licenciando iria encarar o
estágio com muito menos segurança, devido a não estar acostumado
à realidade escolar (LICENCIANDO BOCA-DE-LEÃO –
CAMPUS JC).
Os licenciandos Bianca, Isis e Boca-de-leão reforçam a
importância do programa PIBID para a aprendizagem do ser professor,
não apenas como alguém que deposita conhecimentos nos alunos, mas
como um docente que estabelece relação entre teoria e prática,
colocando-se como sujeito ativo no processo, capaz de produzir
conhecimento com autoria e desenvolver sua aprendizagem docente com
autonomia, principalmente pelo diálogo reflexivo e proativo com os
colegas pibidianos.
Nesse viés, percebeu-se que os diálogos construídos nos
encontros dos Círculos Dialógicos Investigativo-formativos
possibilitaram evidenciar que o programa é esse entre-lugar de
auto(trans)formação permanente, no qual a autonomia e a mediação
pedagógica andam juntas no processo formativo. Além disso, realiza o
movimento de ação-reflexão-ação necessário ao conhecimento e à
intervenção na escola, reconhecendo-se que “a primeira condição para
que um ser possa assumir um ato comprometido está em ser capaz de
agir e refletir” (FREIRE, 1979, p. 7). Professores comprometidos com
sua auto(trans)formação e profissão serão sujeitos comprometidos com
o mundo, com a humanização do homem, com a educação e,
consequentemente, com o seu permanente e inacabado desenvolvimento
profissional docente.
A pesquisa-formação realizada pelos Circulos Dialógicos
Investigativo-formativos, evidenciou que as vivências na formação inicial

295
Vozes da Educação

e continuada, no entre-lugar PIBID, contribuem para a “preparação e a


iniciação ao processo identitário e de profissionalização dos profissionais
de diferentes áreas” (PIMENTA e ANASTACIOU, 2002, p.105). Isso
indica que a formação inicial e continuada, ambas permanentes,
demandam uma constante conjuntura de estudo, o que significa
encontrar-se em constante movimento reflexivo e em
auto(trans)formação permanente, reconhecendo o seu inacabamento
pessoal e profissional; iniciam-se desde as primeiras vivências como
estudantes e têm prosseguimento no decurso das experiências
pedagógicas, as quais vão constituindo a identidade e a profissão
docente. Isso se reflete na expressão do professor Paulo, o qual diz o
seguinte:
O PIBID é um programa de fundamental importância, não só pelo
processo de empoderamento, mas de descoberta da docência,
porque ele mexe com a dinâmica da escola. [...] O PIBID tem um
peso muito considerável nessa questão do empoderamento, da
descoberta de “ser professor”. Então costumo dizer que o PIBID é
uma revolução silenciosa!
A reflexão feita pelo referido professor permite compreender o
PIBID como entre-lugar de grande influencia na “descoberta do ser
professor”, como ele mesmo afirma. Identifica-se, em sua “fala”, a
presença de um programa que vem caminhando com as licenciaturas e
contemplando a formação do professor como um profissional reflexivo,
crítico, investigativo, com vistas à construção permanente da docência,
desafiando a cada participante assumir-se como sujeito autor da sua
auto(trans)formação. Nesse sentido, significa que “formações
tecnicistas” não atendem às necessidades e aos interesses do grupo de
pibidianos. Então, busca-se uma formação que venha contribuir no
sentido de que docentes e licenciandos construam e (re)construam ações,
atividades, teorias e reflexões sobre/na prática pedagógica, “a fim de
desenvolver profissionais inquietos e inovadores; que aprendam com
seus acertos e erros” (IMBERNÓN, 2010, p. 104).
Desse modo, a partir das vivências e das narrativas dialógicas
emergidas nos encontros dos Círculos Dialógicos Investigativo-
formativos, foi possível perceber que o PIBID possibilita ao licenciando
e ao professor formador apreender, interpretar e conferir significação a
sua atividade. Com as narrativas registradas e as demais formas de
linguagem , tais como os olhares, o silêncio, a inquietação, pela

296
Volume VI

dialogicidade vivenciada nos encontros, percebeu-se também que o


PIBID é um programa diferenciado dos estágios acadêmicos que fazem
parte do currículo da licenciatura. Os pibidianos aproximam-se das
escolas e dos estudantes, criando vínculos, refletindo, (re)criando e
inovando na educação, com uma inserção criteriosa, dinâmica e ampla,
que possibilita constatar e compreender o contexto real de atuação do
professor, bem como reafirmar a sua escolha pela docência.

(In)conclusões...
Considerando o “PIBID: entre-lugar de auto(trans)formação
permanente com professores”, pergunta-se: que “entre-lugar” é esse?
Assim, a partir da pesquisa desenvolvida pelas vivências dos
Círculos Dialógicos Investigativo-formativos, infere-se que o PIBID é
um programa que se constitui em lugares e tempos de encontros e
(re)encontros, de construções e (re)construções de aprendizagens, de
diálogo das áreas de conhecimento que refletem e buscam uma
aproximação do específico com o pedagógico. Um processo inacabado,
uma sala de aula, um espaço, um entre-lugar...
de participação em um diálogo: interrogar, escutar, responder,
concordar, etc. É participar todo e com toda a sua vida: com os
olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, com
as suas ações. É participar desse diálogo, podendo conhecer um
certo modo de pensar e de falar do mundo, compreendendo que
existem muitos modos de conhecer e de dizer. É se pôr todo na
palavra e com essa palavra, entrar no tecido dialógico da existência
humana, no simpósio universal (MACHADO, 1999, p. 182).
Portanto, entende-se que o PIBID é um programa de
auto(trans)formação de professores que possibilita essa aproximação
dialética entre teoria e prática, propiciando aos pibidianos formadores e
formandos estarem em contato com a realidade escolar, pesquisando,
estudando, com a finalidade de reparar e aperfeiçoar as situações de
“aprender” do estudante, propiciando as inserções diretas no contexto
escolar, na sala de aula. Nesse sentido, reafirma-se que a formação de
professores não pode ser meramente técnica, pois, segundo Gadotti
(2003, p. 32), “a nova formação do professor deve estar centrada na
escola sem ser unicamente escolar, sobre as práticas escolares dos
professores, desenvolver na prática um paradigma colaborativo e
cooperativo entre os profissionais da educação”.

297
Vozes da Educação

A escola como esse entre-lugar em que se efetivam as relações de


auto(trans)formação permanente entre os bolsistas de iniciação à
docência e os professores da Educação Básica. Essa relação gera
discussões e reflexões que envolvem o conjunto escolar, entre elas, temas
que abranjam o contexto e as necessidades de melhorias e mudanças nas
práxis docentes, o que requer um (re)pensar os processos de formação
inicial e continuada de professores.
Deste modo, compreende-se que, pela interação dialógica, é
possível acreditar em mudanças e esperançar que, mesmo em meio a
certas crises, existem possibilidades inovadoras para novos rumos na
educação. Considera-se que os Círculos Dialógicos Investigativo-
formativos são dinâmicas e processos propícios a refletir sobre as ações e
atividades realizadas, mas também, segundo os coautores da pesquisa,
“uma proposta epistemológica para trabalhar nas escolas”. Assim como
o PIBID, apesar de não abranger a maioria dos licenciandos, eles
constituem um diferencial, que surgiu para contribuir com esse “entre-
lugar” de auto(trans)formação permanente também como pesquisa
(pesquisa-formação), com a inserção de professores e licenciados, com
vistas a melhoria da qualidade de ensino e ao desenvolvimento
profissional docente.

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298
Volume VI

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299
Vozes da Educação

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300
Volume VI

PERSPECTIVA PEDAGÓGICA EM ESCOLAS RURAIS PARA O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NA AGRICULTURA
FAMILIAR

Mariane Cetenarski de Souza63

RESUMO
O artigo considera a importância que é preciso dar aos conceitos de
sustentabilidade e a valorização da agricultura familiar, levando em
consideração que tanto a sustentabilidade como a agricultura sob uma
visão global são fundamentais para a sobrevivência das futuras gerações,
levando em consideração que devido a grande degradação de recursos
naturais, estudos pressupõem dentro de algumas décadas uma crise
mundial de alimentos. Tem como seu principal objetivo apresentar a
perspectiva pedagógica em escolas rurais que valorize e contribua com o
desenvolvimento sustentável na agricultura familiar, sendo que a práxis
mostra-se como uma grande aliada na prática pedagógica da Educação
Ambiental efetiva.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Sustentabilidade. Agricultura.

ABSTRACT
The article considers the importance that must be given to the concepts
of sustainability and the valuation of family agriculture, taking into
consideration that both sustainability and agriculture under a global
vision are fundamental for the survival of future generations, taking into
account that due to great degradation of natural resources, studies
assume in a few decades a world food crisis. Its main objective is to
present the pedagogical perspective in rural schools that values and
contributes to sustainable development in family agriculture, and praxis
is shown as a great ally in the pedagogical practice of effective
Environmental Education.
Keywords: Environmental Education. Sustainability. Agriculture

Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional Uninter (2015),


63

Especialização em Educação Ambiental e Sustentabilidade (2016) e Orientação Educacional,


Supervisão e Gestão Escolar (2017) ambas pelo Centro Universitário Internacional Uninter.

301
Vozes da Educação

Introdução
Questões ambientais e de sustentabilidade vêem sendo
discutidas com mais frequência e seriedade, há algum tempo atrás se
pensava que os recursos naturais eram infinitos, bem como os lugares de
depósito de resíduos gerados pelo modo de vida moderno e prático, até
que começou a tornar-se preocupante, pois os efeitos desastrosos da
ação antrópica sobre os recursos naturais começaram a ficar evidentes, e
essa degradação atinge diretamente a vida de agricultores, sendo estes
muitas vezes causadores de degradação, como também vítimas.
Causadores na medida em que acabam inúmeras vezes os utilizando de
forma inconsciente, degradando o ambiente e mal tratando a sua própria
saúde, mas também são vítimas pelos efeitos da degradação dos recursos
ambientais de modo global, pois dependem destes recursos para a
produção agrícola e sua sobrevivência.
A pesquisa preocupa-se com a problemática apontada por
diversos estudos em que prevê para um futuro não muito distante uma
crise mundial de alimentos, sendo essa integralmente envolvida com as
questões ambientais e agrícolas, onde é preciso que haja maior
reconhecimento aos agricultores e seu valoroso trabalho, sendo
necessário responder a principal problematização, que é descobrir qual
perspectiva pedagógica incumbe promover gradativamente o
desenvolvimento sustentável na agricultura familiar. Infelizmente, ainda é
comum os agricultores serem vítimas de preconceito, preconceito este,
de pessoas que desconhecem o quanto são valiosas as mãos dos
produtores que cultivam a terra e produzem alimentos, “Qualquer
discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever, por mais que se
reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar”. (FREIRE, 1996,
p. 67).
Sendo assim, o artigo tem como seu principal objetivo propor
uma perspectiva pedagógica em escolas rurais, voltada para o
desenvolvimento sustentável na agricultura familiar, onde os jovens
agricultores possam gradativamente programar estratégias sustentáveis
em sua propriedade, sentir-se valorizados e motivados a continuar com a
produção agrícola, colaborando com ações que propiciem condições de
vida digna no meio rural, conservação do ambiente e promover a

302
Volume VI

sustentabilidade dos recursos naturais tão preciosos, ou seja, buscar uma


transformação socioambiental.
Para alcançar os resultados, foi realizada uma criteriosa pesquisa
bibliográfica em livros, artigos e publicações com assuntos relevantes e
que atendem a expectativa frente ao tema proposto. O procedimento de
fichamentos foi utilizado para poder melhor refletir e interpretar os
conceitos dos autores e assim poder articular os diversos pensamentos
em busca do objetivo principal. A abordagem qualitativa é uma
característica do artigo, onde a principal intenção é levar o autor a refletir
a cerca da proposta e não traduzir a pesquisa em dados numéricos.

Caminhos para o desenvolvimento sustentável na agricultura familiar

 A educação ambiental para a sustentabilidade


Para iniciar um estudo que possa contribuir com para um
Desenvolvimento Sustentável, é preciso ter conhecimento a cerca das
definições para a Educação Ambiental e da Sustentabilidade.
A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu art. 225
reflete a preocupação crescente da sociedade frente às questões
ambientais, onde diz que o “meio ambiente ecologicamente equilibrado”
é um direito dos brasileiros e um “bem de uso comum e essencial à sadia
qualidade de vida”. Atribuindo ao “Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, e
incumbe ao Poder Público a promoção da Educação Ambiental para
assegurar a efetividade desse direito.
Segundo Bernal e Martins, (2015, p.16) a Educação Ambiental
consolida-se por volta de 1990, a partir da Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente o Desenvolvimento Sustentável
(CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro em 1992, conhecido também
como Eco-92 ou Rio-92. Durante o Fórum Global, evento realizado
paralelo à CNUMAD, foi criada a Rede Brasileira de Educação
Ambiental (Rebea), composta por educadores, militantes e instituições
diversas relacionadas à Educação Ambiental, neste Fórum foi elaborado
o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global, um documento de muita referência até os dias
de hoje para educadores ambientais.

303
Vozes da Educação

A Lei Federal n° 9.795 de 1999, dispõe sobre a Política


Nacional da Educação Ambiental, conforme esta, todos têm direito a
Educação Ambiental componente essencial e permanente da Educação
Nacional, que deve ser exercida de modo articulada em todos os níveis e
modalidades de ensino, sendo a responsabilidade do Sistema Nacional
do Meio Ambiente (Sisnama), do sistema educacional, dos meios de
comunicação, do Poder Público e da sociedade em geral.
A Lei estabelece em ser Art. 5° seus fundamentais objetivos:
I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio
ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo
aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,
econômicos, científicos, culturais e éticos;
II - a garantia de democratização das informações ambientais;
III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre
a problemática ambiental e social;
IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e
responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente,
entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor
inseparável do exercício da cidadania;
V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em
níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma
sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da
liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social,
responsabilidade e sustentabilidade;
VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a
tecnologia;
VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e
solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade.
(BRASIL, 1999).
A Educação Ambiental segundo Philippi Jr. e Pelicione (2014,
p.6), com prática democrática prepara para o exercício da cidadania
através da participação ativa individual e coletiva, considerando os
processos que a influenciam: socioeconômicos, políticos e culturais.
Assim, segundo Philippi Jr. e Pelicioni (2014, p.447), a
Educação Ambiental objetiva a transformação da sociedade, em busca de
um presente e de um futuro melhor para o exercício da cidadania,
propõe formar cidadãos que assumam seus direitos e responsabilidades
sociais e adotem uma atitude crítica nas decisões cotidianas que afetam
sua vida.
O termo Desenvolvimento Sustentável foi usado pela primeira
vez em 1987 no relatório de Brundtlad, que foi elaborado pela Comissão
Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD),

304
Volume VI

segundo Stadler e Maioli (2012, p. 97) neste relatório foi definido


Desenvolvimento Sustentável como “o processo de desenvolvimento
que permite às gerações atuais satisfazerem as suas necessidades sem
colocar em perigo a satisfação das necessidades das gerações futuras”
(ONU, 1998). Stadler e Maioli (2012, p.97) citam ainda que a CMMAD
afirmam que o Desenvolvimento Sustentável
é um processo de transformação na qual a exploração dos recursos,
a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento
tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o
potencial presente e futura, a atender às necessidades e aspirações
humanas. (ONU, 1998).
Importante salientar os cinco pilares fundamentais para o
Desenvolvimento Sustentável Radomsky e Peñafiel (2013), mencionam
esses pilares em sua obra segundo Sachs (2004 p. 14-15): Social,
Ambiental, Territorial, Econômico e Político. Afirmando que a
Sustentabilidade Ambiental é fundamentada
No duplo imperativo ético de solidariedade sincrônica com a
geração atual e de solidariedade diacrônica com as gerações futuras.
Ela nos compele a trabalhar com escalas múltiplas de tempo e
espaço, o que desarruma a caixa de ferramentas do economista
convencional. Ela nos impele ainda a buscar soluções triplamente
vencedoras, eliminando o crescimento selvagem obtido ao custo de
elevadas externalidades negativas, tantos sociais quanto ambientais.
(SACHS, 2004, p.15)
Dessa forma, entende-se que a Sustentabilidade enfatiza um
desenvolvimento que procura servir as necessidades da atualidade,
porem, sem comprometer as necessidades das gerações futuras. É
possibilitar que pessoas agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório
de desenvolvimento social, econômico, cultural e de realização humana,
usando de modo razoável os recursos da Terra e preservando as espécies
e os habitas naturais, e para que se possa chegar a esse paradigma é
preciso de uma Educação Ambiental eficiente.

 Conhecendo a agricultura familiar


Segundo o Bernal e Martins (2015, p. 36), o termo agricultura
familiar é utilizado pelo estado brasileiro em suas políticas públicas como
resultado de negociação com os movimentos sociais que apoiam uma
parcela da população rural, que é responsável por grande parte da
produção de alimentos, porem, encontra-se em situação de
vulnerabilidade diante do avanço do agronegócio.

305
Vozes da Educação

De acordo com a Lei n° 11.326, de 24 de julho de 2006, que


Estabelece as Diretrizes para a formulação da Política Nacional da
Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais, em seu art.
3° é caracterizado como agricultor familiar ou empreendedor familiar
rural aquele que pratica atividades no meio rural e atende
simultaneamente aos seguintes requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que quatro módulos
fiscais;
II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas
atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de
atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento,
na forma definida pelo Poder Executivo (Redação dada pela Lei nº
12.512, de 2011);
IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
(BRASIL, 2006)
Dados do Censo Agropecuário de 2006 mostram a importância
que a agricultura familiar tem na produção de alimentos consumidos
pelos brasileiros:
•87% da produção nacional de mandioca;
•70% da produção de feijão (sendo 77% de feijão-preto, 84%
de feijão-fradinho, caupi, de corda ou macacar, e 54% de feijão-de-cor);
•46% de milho;
•38% de café (parcela constituída por 55% do tipo robusta ou
conilon, e 34% de arábica);
•34% de arroz;
•21% de trigo;
•58% de leite (composta por 58% de leite de vaca e 67% de
leite de cabra);
•59% de suínos;
•50% de aves;
•30% de bovinos.
Regis Rodrigues de Almeida publica no site Mundo Educação
que apesar da grande importância da agricultura familiar para o país, as
políticas públicas ainda privilegiam os latifundiários. Cita como exemplo
o plano de safra 2011/2012, em que R$ 107 bilhões foram destinados à
agricultura empresarial enquanto que apenas R$ 16 bilhões foram
destinados aos produtores familiares. Ainda assim, a agricultura familiar
gera, em média, 38% da receita dos estabelecimentos agropecuários do

306
Volume VI

país e emprega aproximadamente 74% dos trabalhadores agropecuários


do país.
Essas famílias, muitas vezes fazem uso dos recursos naturais de
modo inconsciente ou inapropriado, muitas vezes pelo simples fato de
desconhecer os conceitos tão importantes de Sustentabilidade. Segundo
Ministério do Meio Ambiente (MMA), fazer a transição para o
desenvolvimento rural sustentável depende da motivação e construção
de consensos, mediados por uma relação democrática e com diálogo
entre a política ambiental e as populações rurais. A transição para a
sustentabilidade rural é entendida e conduzida como parte estruturante
do projeto de desenvolvimento nacional em curso, cujo objetivo central
é assegurar o crescimento econômico com redução das desigualdades
sociais, da pobreza e da fome, com conservação dos recursos naturais e
da capacidade produtiva dos ecossistemas.
Dessa forma, vê a grande necessidade da perspectiva
pedagógica proposta a seguir, nas escolas rurais, principalmente naquelas
onde a comunidade em sua maioria é composta por agricultores de mão
de obra familiar.

 Perspectiva pedagógica para o desenvolvimento sustentável :


olhar voltado para agricultura familiar

o A Educação Ambiental Crítica


Sabe-se que na esfera educacional, modelos tradicionais de
ensino já não atendem as expectativas dos educandos e da sociedade, é
preciso inovar e contribuir de diversas formas para a formação de
cidadãos críticos e participativos em sociedade, pois como já dizia Paulo
Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou sua construção”
(FREIRE, p. 52, 1996). Sendo assim, a Educação Ambiental, por meio
de uma visão ampla e crítica deve possibilitar ao educando desenvolver
atitudes e habilidades necessárias para uma ação transformadora.
Carvalho (2008, p.17) diz que
A forte tradição da Educação popular e da teoria crítica na esfera
educacional no Brasil propiciou o surgimento de uma Educação
Ambiental preocupada com as questões sociais e com uma visão
emancipatória que se tem convencionado chamar de Educação

307
Vozes da Educação

Ambiental crítica [...] A Educação Ambienta crítica, ao promover a


reflexão sobre o acesso e a decisões relativas aos recursos
ambientais, contribui para a formação de um sujeito/cidadão
ecologicamente orientado. (CARVALHO, 2008, p.17).
Paulo Freire sempre propôs uma Educação libertadora, uma
alternativa a Educação que ele chamava de bancária, na qual o educador
enche “os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são
retalhos da realidade, desconectados da totalidade em que se engendram
e em cuja visão ganharam significação.”(FREIRE. p.33. 1987).
Nesse âmbito da criticidade também Quintas, propõem uma
Educação Ambiental nessa perspectiva
Crítica na medida em que discute e explicita as contradições do atual
modelo de civilização, da relação sociedade-natureza e das relações
sociais que ele institui. Transformadora, porque ao pôr em discussão
o caráter do processo civilizatório em curso, acredita na capacidade
de a humanidade construir outro futuro a partir da construção de
outro presente e, assim, instituindo novas relações dos seres
humanos entre si e com a natureza. É também emancipatória, por
tomar como valor fundamental da prática educativa a produção da
autonomia dos grupos subalternos, oprimidos e excluídos, a
superação das assimetrias e, consequentemente, a democratização da
sociedade. (QUINTAS, 2007, p. 139-140)
Sendo assim, essa perspectiva exige que os conhecimentos
sejam apropriados e construídos de modo dinâmico, cooperativo,
coletivo, contínuo em interdisciplinaridade, de forma democrática e
participativa, voltado para a construção de sociedades sustentáveis
(Tozoni-Reis, Campos, 2006, p.9), pensamento este semelhante ao de
Paulo Freire que diz que “a prática docente crítica, implicante do pensar
certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar
sobre o fazer”. (FREIRE, 1996, p. 43).
Dessa forma, analisando pensamentos de vários autores, é visto
que a Educação Ambiental vai muito além do pensar popular que é
cuidar do Meio Ambiente, é ser sujeito participativo e crítico, buscando
bem estar social através de atitudes sustentáveis.

o Educação Ambiental e agricultura familiar


Ao pensar em agricultura familiar grande parte da população
tem a ideia de que a vida rural é atrasada, rústica, inculta, rude e sofrida,
desconhecem a origem dos alimentos que consomem, muitos moradores
de grandes cidades olham para os agricultores com olhos de desprezo e

308
Volume VI

preconceito. Porem é preciso refletir, que tipo de sociedade é formado


com base nesse preconceito? Paulo Freire, com seus sábios
pensamentos, diz: “Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é
um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a
enfrentar”. (FREIRE, 1996, p. 67).
É preciso voltar um olhar crítico sobre agricultura familiar, e
tomar consciência da importância que ela representa no cenário nacional
ou até mesmo mundial, pois não é de hoje, e sim há alguns anos que vem
se falando através de vários estudos em uma crise mundial de alimentos,
e segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e Agricultura (FAO) em um quadro de crise econômica mundial, a
demanda por alimentos de uma população que deverá chegar a 9 bilhões
até 2050, impõe às lideranças globais o desafio de aumentar a produção
agrícola de maneira sustentável. “Não será fácil. Para responder a essa
demanda, a produção mundial de alimentos deve crescer cerca de
70%”, afirmou o representante no Brasil da Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Hélder Mutéia.
Sendo assim, é preciso valorizar o cenário agrícola, valorizar sua
cultura e sua produção, com reconhecimento e respeito, pois ainda
muitos jovens deixam suas propriedades rurais para tentar uma vida com
mais reconhecimento em grandes cidades, pois acreditam que ali, junto
com sua família do campo não terão sucesso profissional e sofrerão
preconceito. Também os modelos de produção ambientalmente
insustentável e socialmente injusta tem levado à exaustão dos recursos
naturais e expulsão das famílias do campo. Porem acredita-se que com
uma Educação Ambiental de qualidade nas escolas rurais, com um olhar
voltado especialmente para a agricultura familiar, desde os anos iniciais
do Ensino Fundamental, pode-se mudar esse cenário, formando as
famílias agriculturas em microempresários, trabalhando de modo
sustentável, contribuindo com a sociedade e sentindo-se valorizado.
Segundo Bernal e Martins (2015, p.22), a questão ambiental no
mundo rural e os processos educativos que traziam uma preocupação
com a conservação da natureza ganharam força nos anos de 1970. Na
década de 1980 surgiram várias organizações não governamentais
(ONGs) voltadas para a agricultura, articuladas nacionalmente pela Rede
de Projeto Tecnologias Alternativas (PTA), (atualmente, Assessoria e

309
Vozes da Educação

Serviços – AS-PTA). Foi na rede PTA que começou a valorização dos


conhecimentos dos agricultores no desenvolvimento de alternativas
sustentáveis para a agricultura.
Em 2009, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), começou a
construir o Programa de Educação Ambiental e Agricultura Familiar
(PEAAF), instituído-o oficialmente por meio da Portaria Ministerial
n°169, de 23 de maio de 2012, e assim visa a adoção de práticas
sustentáveis na agricultura familiar e no manejo dos territórios rurais, por
meio do desenvolvimento de ações educativas que estimulem o
fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental
e social.
São objetivos gerais do PEAAF, definidos na Portaria do MMA
nº 169/2012:
I - contribuir para o desenvolvimento rural sustentável;
II - apoiar a regularização ambiental das propriedades rurais do País,
na agricultura familiar.
III - fomentar processos educacionais críticos e participativos que
promovam a formação, capacitação, comunicação e mobilização
social;
IV - promover a agroecologia e as práticas produtivas sustentáveis.
(MMA, 2012).
Conhecer a realidade da agricultura familiar no Brasil é
importante na contextualização do seu papel e o de sua comunidade.
Realizar atividades fora do estabelecimento agropecuário é um tema atual
e controverso, em grande parte dos casos, os agricultores são submetidos
a trabalhos fora de sua propriedade, sendo explorados unicamente para
conseguir a renda mínima à sobrevivência de sua família, nesses casos,
realizam trabalhos em que lhes dão desprazer, e deixam assim, de investir
na própria unidade familiar. A diversificação de atividades na agricultura
familiar pode ser um fator importante na redução da dependência
econômica, a realização pessoal, sendo um incentivo a permanência dos
jovens no campo, através de habilidades, talentos e interesses.
Para o PEAAF, o processo educativo busca promover e
fortalecer o protagonismo das populações tradicionais e dos agricultores
familiares como agentes estratégicos de desenvolvimento territorial
sustentável, capazes de refletir criticamente, propor soluções, articular,
participar ativamente dos espaços de decisão e transformar a realidade
social do campo.

310
Volume VI

Philipi Layrargues (2006) afirma que é importante dar


centralidade à categoria trabalho, em uma discussão sobre trabalho e
cultura. Para ele “é o trabalho, juntamente com a cultura, que compõe o
diálogo entre o plano material e o plano simbólico quanto aos
determinantes da crise ambiental”. (LAYRARGUES, 2006, p.79).
Segundo Mauro Iasi (2011, p. 21-22),
As relações sociais determinantes, baseadas na propriedade privada
capitalista e no assalariamento da força de trabalho, geram as
condições para que a atividade humana aliene em vez de humanizar.
A vivência dessas relações produzem uma alienação expressa em
três níveis.
1. Ao viver o trabalho alienado, o ser humano aliena-se da sua
própria relação com a natureza, pois é por meio do trabalho que o
ser humano se relaciona com a natureza e assim pode compreendê-
la. Vivendo relações em que ele próprio se coisifica, com o produto
de seu trabalho sendo algo estranho e que não lhe pertence, a
natureza distancia-se e fetichiza-se.
2. Num segundo aspecto, o ser humano aliena-se de sua própria
atividade. O trabalho transforma-se, deixa de ser a ação própria da
vida para converter-se em ''meio de vida''. Ele trabalha para o outro,
contrafeito, sem prazer. É a atividade imposta que gera sofrimento e
aflição. Alienando-se da atividade que humaniza, o ser humano
aliena-se de si próprio (autoalienação).
3. Isso nos leva ao terceiro aspecto. Alienando-se de si próprio
como ser humano tornando-se coisas (o trabalho não me torna um
ser humano, mas é algo que eu vendo para viver), o indivíduo afasta-
se do vínculo com a humanidade, a produção social da vida, e
metamorfoseia-se num meio individual de garantir a própria
sobrevivência particular. (IASI, 2011, p. 21-22)
Bernal e Martins (2015, p.14), relatam a Educação Ambiental
enquanto campo do conhecimento e fazer social colocam teoria e prática
em diálogo, em permanente alimentação e retroalimentação, é um
exercício da práxis, de construção coletiva do conhecimento da realidade
tendo por objetivo a transformação num processo dialético de ação e
reflexão.
A perspectiva proposta é justamente esta, a da práxis, que é a
ação que para aprofundar-se de maneira mais conseqüente, precisa de
reflexão, do autoquestionamento, da teoria que remete à ação, que
enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos relacionados a
prática. No entanto, significa intervir na realidade e fazer, em diálogo
com a teoria, a reflexão sobre a intervenção.
O educador ambiental na perspectiva crítica, especificamente na
área rural, precisa estudar e analisar a agricultura familiar sob a

311
Vozes da Educação

perspectiva do trabalho, visto que o trabalho pode tanto humanizar


como desumanizar, o PEAAF do governo Federal, dá relevância à
investigação do trabalho na natureza e da natureza do trabalho nesta
agricultura.
Quando a Educação se fundamenta dentro de uma concepção
emancipatória, com base na práxis, visa uma abordagem social em
detrimento do enfoque individual. É preciso descobrir o que é melhor
para as famílias agricultoras, seus anseios e desafios, o PEAAF, segundo
Bernal e Martins (2015, p.42) considera o diagnóstico da comunidade
primordial, sendo que a elaboração do diagnóstico, por si só, já é parte
do processo de construção coletiva do conhecimento, sendo, portanto
um processo educativo. Para o PEAAF
O território é entendido como um espaço geográfico transformado
pelas relações sociais e a ação humana sobre a natureza que possui
características econômicas, políticas e ambientais próprias, cujo uso
é definidor da história de vida e criador da identidade cultural de
uma sociedade e do sujeito no mundo. (BERNAL e MARTINS,
2015, p.31).
A escolha do território para a elaboração do diagnóstico
socioambiental e o desenvolvimento das práticas pedagógicas deve levar
em consideração aspectos: sociais, econômicos, políticos, culturais e
ambientais e para não cair no erro de uma Educação Ambiental
descontextualizada, é preciso considerar o diagnóstico socioambiental
como ponto de partida para o processo educativo.
A contextualização é uma grande característica de uma prática
educativa, para o Bernal e Martins (2015, p. 25), a importância de se
conhecer e compreender a dinâmica econômica, cultural e histórica do
lugar onde se pretende trabalhar: como se deu a ocupação da terra e
quais os modos de produção resultantes? Como são as correlações de
força políticas e sociais no lugar? Quem usa os recursos naturais do
lugar? Como os usa? Como os benefícios são repartidos? Como é a
realidade concreta da família agricultora, o que ela produz, quanto e
como produz, qual seu modo de pensar, de ver e de relacionar com o
mundo, qual sua cultura? Sim, a cultura, pois o respeito a identidade
cultural das pessoas e do lugar onde atuam é essencial para práticas
pedagógicas frutificadas de resultados positivos. São perguntas a serem
respondidas antes de iniciar o trabalho educativo.

312
Volume VI

Eis então que surge um dos pontos principais, onde por meio
desse diagnostico inicial, deverão ser identificadas as potencialidades, os
problemas e conflitos socioambientais no âmbito da agricultura familiar,
para superar a consciência ingênua e promover a consciência critica,
através da transversalidade dentro da escola, em todas as disciplinas e
trabalhar em consonância com a realidade, compreendendo os ritmos da
natureza e a lógica do calendário agrícola.
Por meio do diagnóstico, chega-se aos temas geradores, essa
metodologia é discutida por Paulo Freire em sua famosa obra Pedagogia
do Oprimido, referência principal para esta estratégia pedagógica. Nessa
obra, o educador discute a investigação temática como estratégia para
que os homens tenham uma compreensão crítica da totalidade em que
são imersos. Este é o esforço da investigação do tema gerador: “Propor
aos indivíduos dimensões significativas de sua realidade, cuja crítica lhes
possibilite reconhecer a interação de suas partes” (FREIRE, 1987, p.55).
A parir da investigação do tema gerador, obtêm-se um novo
diagnóstico da situação, no entanto, o diagnóstico não deve ficar
arquivado em gavetas, mas sim, deve ser um processo dinâmico, que
precisa ser continuamente alimentado.
Freire (1987) enfatiza que apenas os seres humanos, por sua
ação sobre o mundo que o cria, o domínio da cultura e da história, são
seres da práxis. Investigar o pensar dos homens referindo à realidade, é
investigar seu atuar sobre a realidade que é sua práxis. E “quanto mais
assumam os homens uma postura ativa na investigação de sua
consciência em torno da realidade e, explicitando sua temática
significativa, se apropriam dela”. (FREIRE, 1987, p.56).
Para o PEAAF, segundo Bernal e Martins (2015, p. 54), o tema
gerador precisa ter significado concreto para a vida dos educandos, só
assim pode possibilitar a conscientização da realidade opressora vivida
nas sociedades desiguais. Sendo processo de busca de conhecimento e
criação, a investigação temática possibilita que os sujeitos descubram a
interpretação dos problemas.
A investigação dos temas geradores é uma estratégia a ser
desenvolvida na prática de educação ambiental por possibilitar que os
educandos percebam as questões socioambientais de forma crítica.

313
Vozes da Educação

Assim, podem pensar o mundo e as questões socioambientais que fazem


o mundo ser o que é.
Realizar essa investigação da educação ambiental na agricultura
familiar, para o Programa de Educação Ambiental e Agricultura Familiar,
deve ter seu ponto de partida observada e tomadas temáticas
socioambientais consideradas relevantes para os sujeitos sociais. Os
conceitos de vulnerabilidade socioambiental, potencialidades, problemas
e conflitos socioambientais, trabalhados no diagnóstico, colaboram com
esse fim. Objetiva-se, assim, o entendimento dos determinantes sociais e
históricos dos problemas e conflitos socioambientais do território.
Contribui assim para que as temáticas socioambientais estejam sempre
contextualizadas, carregadas de conteúdo social, cultural e histórico para
o educando.
Tozoni-Reis (2006, p. 108) chama a atenção para que,
ao tomar os temas ambientais como temas geradores de processos
educativos ambientais duas preocupações devem estar presentes: os
temas têm que ter significado concreto para os envolvidos e devem
ter conteúdo problematizador. Isso significa dizer que os temas
ambientais devem ser ponto de partida para a discussão mais ampla
da crise do modelo civilizatório que estamos a enfrentar, crise que
dá sentido à busca de uma sociedade sustentável. (TOZONI-REIS,
2006, p.108)
E para que esse processo educativo tenha significativos
resultados positivos, é preciso sua constante avaliação, a Política
Nacional de Educação Ambiental (PNEA), em seu art. 4° destaca como
um dos princípios básicos da Educação Ambiental “a permanente
avaliação crítica do processo educativo (Lei Nº 9795/99, art. 4º, inciso
VI).
Como dizia Freire “Do ponto de vista do investigador importa,
na análise que faz no processo da investigação, detectar o ponto de
partida dos homens no seu modo de visualizar a objetividade,
verificando se, durante o processo, se observou ou não alguma
transformação no seu modo de perceber a realidade.” (FREIRE, 1987,
p.57).
Segundo Both (2011, p.76) “O que não se recomenda em
educação é que valores quantitativos prevaleçam sobre os qualitativos, ou
seja, que o número “fale” mais alto que a cognição”. Entende-se desse
modo, que a avaliação tem como seu principal objetivo verificar se

314
Volume VI

houve ou não alguma transformação, principalmente de cunho social da


vida dos educandos a partir das práticas pedagógicas estratégicamentes
utilizadas, pois é através da avaliação que se reflete se os resultados
obtidos são os desejados, e caso não seja, é preciso reorientar o caminho.

 Metodologia
O desenvolvimento deste artigo se deu sob abordagem
qualitativa, onde dados são apresentados de forma descritiva e analisados
indutivamente. Segundo Justino (2011, p. 28), nesta abordagem é
possível perceber um vínculo entre a subjetividade do pesquisador e o
meio pesquisado, onde não é possível traduzir o resultado em números.
Utilizou-se a Pesquisa Bibliográfica, que segundo Santos (2006,
p.92), tem como instrumento essencial a habilidade de leitura, isto é, a
capacidade de extrair informações a partir de textos escritos, foram
consultados livros, artigos e publicações de entidades ambientais, os
quais apresentassem relevância sobre o tema do trabalho e que pudesse
contribuir com o alcance dos objetivos do mesmo. Após a seleção dos
títulos, utilizou-se o procedimento de fichamentos que segundo Melo e
Urbanetz (2009, p.72),
Ao construir cada uma das fichas, o acadêmico estará além da
leitura, concretizando-a no papel, o que com certeza lhe dará mais
segurança sobre uma assimilação positiva do conteúdo do que está
sendo lido, de forma ativa, pois o fichamento é antes de tudo uma
atitude individual, uma livre iniciativa do acadêmico que
verdadeiramente procura dar um salto de qualidade na sua formação
intelectual, cultural e profissional. (MELO E URBANETZ, 2009,
p.72).
As referências utilizadas foram publicadas entre os anos de
1987 e 2015, e com grande relevância destacou-se as publicações
referentes a programas do Governo Federal com seus conceitos voltados
a Educação Ambiental, Sustentabilidade e Agricultura e as obras de
Paulo Freire. Com os fichamentos finalizados, buscou-se selecionar os
pensamentos que melhor atendiam a proposta do artigo, e assim fazer
uma articulação de pensamentos entre os autores, com o intuito de
analisar, discutir e interpretar o assunto principal. Alguns títulos foram
descartados da pesquisa, por muito expandir o assunto.

315
Vozes da Educação

Considerações finais
Ao finalizar este artigo, acredita-se trazer uma pequena, porém
importante contribuição para as escolas rurais que buscam desenvolver
conceitos de sustentabilidade nas comunidades de agricultura familiar,
através da metodologia adotada, foram atingidos todos os objetivos
pretendidos, porem, crendo que a pesquisa jamais estará pronta e
acabada como uma receita de bolo, mas sim, traz pontos relevantes para
iniciar um trabalho ambiental e pedagógico significativo
Através da articulação entre vários autores, pode ser visto que a
Educação Ambiental jamais deverá ser considerada uma disciplina
isolada, mas sim, deve estar articulada e aparecer transversalmente em
todas as disciplinas e em todos os niveis e modalidades de ensino,
objetivando não o simples cuidado com o meio ambiente, mas contribuir
com a formação de cidadãos comprometidos com um presente e futuro
melhor.
A sustentabilidade é alcançada em integridade, ou seja, em seus
pilares: social, ambiental, territorial economico e político, quando o
desenvolvimento satisfas os interesses e necessidades atuais, de modo
consciente, não compremetendo as futuras gerações. E para que a
sustentabilidade torne-se uma prática social diária, é preciso fortalecer a
Educação Ambiental crítica, pois esta promove a reflexão cerca aos
resultados ambientais, contribuindo na formação de cidadãos
ecologicamente orientados, que preocupam-se com o desenvolvimento
social, político, econômico, mas respeitando o meio ambiente, pois
compreende que a vida humana depende dele.
Para alcançar a sustentabilidade na tão importante agricultura
familiar, a perspectiva proposta é justamente esta, a Educação Ambiental
crítica, desde os primeiros anos do ensino fundamental em escolas rurais,
e para trabalhar com criticidade, primeiramente é preciso analisar e
estudar a comunidade escolar, principalmente sob a perspectiva do
trabalho, fazendo o diagnóstico de suas dificuldades e potencialidades.
Conhecer a cultura regional e acima de tudo valoriza-la é essencial para
que o trabalho pedagógico tenha bons resultados.
Assim, com o diagnóstico inicial, sugere-se o uso da
metodologia discutida por Paulo Freire, que é o trabalho mediado por
temas geradores. Esses temas serão minunciosamente escolhidos pela

316
Volume VI

equipe pedagógica depois de realizado o diagnóstico, estes deverão


trabalhar principalmente formas de superar os problemas identificados e
estes temas serão inseridos de forma transversal em todas as disciplinas.
A contextualização é uma grande característica da Educação
Ambiental crítica, através desta, os alunos sentem-se parte do processo
educativo e interessados, ao perceber que os assuntos tratados em sala de
aula relacionam-se com o trabalho de sua família, e ainda mais motivados
quando coletivamente criam alternativas que possam melhorar questões
do seu dia a dia.
A avaliação também é parte integrante da perspectiva proposta,
através dela identifica-se o quanto a sociedade local evoluiu, o que
precisa ser melhorado, quais metodologias de ensino poderiam ser
acrescentadas, e se o objetivo principal esta sendo atingido ou se é
preciso traçar rotas alternativas.
Enfim, acredita-se que a perspectiva pedagógica aqui
apresentada para desenvolver conceitos de sustentabilidade na agricultura
familiar é como um círculo, sem começo, meio e nem fim, mas sim, uma
longa e constante caminhada, que ao chegar ao processo de avaliação,
automaticamente inicia-se um novo diagnóstico, o qual irá gerar mais
uma meta a ser atingida, novos temas geradores, e novas avaliações. Mas
é dessa forma, com persistência e perseverança que estará contribuindo
com o desenvolvimento sustentável e valorização da agricultura, para
assegurar o futuro da humanidade.

317
Vozes da Educação

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320
Volume VI

ELABORAÇÃO E FORMAÇÃO DE CURRÍCULO


Marilene Carvalho Ricciardi64
Martha Staub65

RESUMO
O artigo propõe uma prática educacional voltada para a construção do
ser humano,integralmente , abrangendo todas as áreas do conhecimento.
Pressupõe um olhar avaliativo que valorize a curiosidade, a autonomia, a
atenção, construindo e reconstruindo a aprendizagem, adaptando-se a
um mundo de mudanças, para manter-se ao longo do tempo.

Palavras-chave: currículo, pilares da educação.

ABSTRACT
This article proposes an educational practices aiming the human being
construction as a whole, including all fields of knowledge; It assumes an
evaluated point of view to valorize curiosity, autonomy, attention,
constructing and reconstructing knowledge, adapted to a world of
changes, to keep it for long.

Keyword: curriculum, pillars of education.

64 Pedagoga - Pós-graduada em Administração Escolar e Psicopedagogia


65 Pedagoga - Pós - graduada em Supervisão Escolar

321
Vozes da Educação

Introdução
O presente artigo, foi desenvolvido, ao percebermos a falta de
coerência na elaboração de currículo. Consideramos a forma diferenciada
de trabalhá-lo, como resultado do pioneirismo da nossa abordagem. A
Educação Básica Brasileira é constituída de Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Ensino Médio; portanto, observamos a necessidade de se
incluírem atividades diversificadas ao currículo cujos conteúdos muitos
professores ainda não conseguem desenvolver.
Dessa forma, é necessário repensar o papel da escola e fazê-la
servir à vida humana, à sociedade e ao meio ambiente. Com essa forma
inovadora, capacitamos professores para desempenhar o projeto que
possui como principal alvo a avaliação diferenciada
O objetivo é a elaboração e construção de currículo que visa
apresentá-lo (levantar dados, elaborar, capacitar e implantar) voltado para
a prática de uma educação que ocorre ao longo da vida, tendo, como
princípio, os quatro pilares da educação e incorporando, como diretrizes
gerais e orientadoras da proposta curricular, as quatro premissas
apontadas pela UNESCO como eixos estruturais da educação
(DELORS,2003).
É necessário que se aprenda a conhecer, considerando-se a
importância de uma educação geral, ampla, com possibilidade de
aprofundamento em determinada área do conhecimento, sabendo
diferenciar o certo do errado, absorvendo aquilo que é indispensável para
que se tenha uma boa convivência . O aprender a conhecer utiliza-se da
memória e do pensamento onde deve ser trabalhada a atenção, a fim de
ter uma memorização que deve ser estimulada e enriquecida com
experiências adquiridas ao longo da vida.
Por isso, é fundamental que se aprenda a fazer colocando em
prática os conhecimentos , operacionalizando-os, compreendendo a
importância da relação do inter e intrapessoal, ou seja, quem ensina e
quem aprende. Daí a necessidade da busca do lado mais humano e
pessoal do profissional para que possa conviver em grupo e assim
aperfeiçoar cada vez mais seus conhecimentos tornando-se apto a
enfrentar o mercado de trabalho, desenvolvendo habilidades e o estímulo
ao surgimento de novas aptidões, na medida em que criam as condições
necessárias para o desafios que surgem diante das novas situações .

322
Volume VI

Para se aprender a fazer, deve-se aprender a viver juntos com os


outros, para assim combater os conflitos gerados pelas diversidades sócio
política e econômica, sendo esta uma questão que a escola precisa saber
lidar.
E para completar, a educação deve contribuir para a descoberta
de si mesmo, e dessa forma levar o ser humano a compreender o
outro desenvolvendo assim atitudes de empatia, portanto, a escola deve
preparar o ser humano , dando-lhe oportunidade para ser critico,
construindo suas ideias de valores. Assim, o ser humano deve ser
trabalhado de forma holística e diversificado, pois, a educação não deve
estar voltada para o ter e sim para o ser. E cabe a escola ensinar a prática
da cidadania para que os indivíduos possam reivindicar seus direitos.
Por todas essas razões, parece-nos que é imperativo impor o
conceito de educação ao longo da vida com suas vantagens de
flexibilidade, diversidade e acessibilidade no tempo e no espaço. É a
ideia de educação permanente que deve ser, simultaneamente,
reconsiderada e ampliada; com efeito, além das necessárias
adaptações relacionadas com as mudanças da vida profissional, ela
deve ser uma construção contínua da pessoa, de seu saber e de suas
aptidões, assim como de sua capacidade para julgar e agir. Ela deve
permitir que cada um venha a tomar consciência de si próprio e de
seu meio ambiente, sem deixar de desempenhar sua função na
atividade profissional e nas estruturas sociais.(DELORS,2010)

Currículo
Sabemos que o currículo é o caminho pelo qual a escola se
planeja,propondo as suas metas e a orientação para a execução da prática
- o que, quando e como ensinar.
O currículo precisa ter como base, a Base Nacional Curricular,
para que se garanta uma unidade nacional, para que todos os alunos
possam ter acesso aos conhecimentos mínimos necessários ao exercício
da vida cidadã. A Base Nacional Comum é uma dimensão obrigatória
dos currículos nacionais e é definida pela União, porém, temos que
repensar a concepção de currículo para que ele não seja apenas uma lista
de conteúdos ou seguidos pela orientação de um sumário ou índice de
livros didáticos, longe da realidade das salas de aula.
O currículo envolve a aprendizagem dos conteúdos escolares,
na própria escola ou fora dela, através do Projeto Político Pedagógico

323
Vozes da Educação

que define a abordagem de como fazê-lo, por isso, deverá ser muito bem
pensado para atender a clientela que recebe.
É imprescindível que a escola se reúna para discutir o currículo
expresso tanto na LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional) quanto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s).
A legislação educacional brasileira, quanto à composição
curricular, contempla dois eixos:
- Base Nacional Comum com a qual se garante uma unidade
nacional, para que todos os alunos possam ter acesso aos conhecimentos
mínimos necessários ao exercício da vida cidadã, portanto, uma
dimensão obrigatória dos currículos nacionais, definida pela União.
- Parte Diversificada do currículo, também obrigatória, que se
compõe de conteúdos complementares, identificados na realidade
regional e local, que devem ser escolhidos em cada sistema ou rede de
ensino e em cada escola,portanto, a escola tem autonomia para incluir
temas de seu interesse.
É através da integração destes dois eixos que se constrói o
Projeto Político Pedagógico (PPP). A parte diversificada se compõem de
vários aspectos da vida (a saúde, a sexualidade, a vida familiar e social, o
meio ambiente, o trabalho, a ciência e a tecnologia, a cultura, as
linguagens) com as áreas de conhecimento que são a Base Nacional
Comum (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia, História,
Língua Estrangeira, Educação Artística, Educação Física e Ensino
Religioso).
Tendo como base os Parâmetros Curriculares Nacionais,
introduzimos os temas transversais, que tomando como eixo principal a
cidadania, tratam as questões que ultrapassam os temas convencionais
que abordam os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas. Para
tanto, exige comprometimento de toda a comunidade escolar, visto que,
é a partir de uma perspectiva plural envolvendo temas como Ética, Meio
Ambiente, Pluralidade Cultural e Orientação Sexual que concretizamos
diferentes formas de expressão do currículo.
Existem algumas formas de currículo:
- O currículo formal ou prescrito que é determinado
legalmente e colocado nas diretrizes curriculares, nas propostas
pedagógicas e nos planos de trabalho.

324
Volume VI

- O currículo real é aquilo que de fato acontece a cada dia


dentro da sala de aula com alunos e professores de acordo com um
projeto político pedagógico.
- O currículo oculto é aquilo que não está formalmente
explicitado, mas que perpassa, o tempo todo, as atividades escolares
influenciando na aprendizagem dos alunos e no trabalho dos
professores. É tudo aquilo que aprendem no dia a dia, através de valores,
atitudes, gestos, comportamento que são vivenciados no contexto social
e escolar.
Estas três formas se completam, não devendo estar separadas
em seu uso. É preciso que caminhem juntas para o êxito escolar.
Outra informação importante sobre currículo são as teorias. É
através delas que teremos a compreensão do objeto e intenções de um
determinado grupo social. Por existirem tantas divergências entre as
teorias curriculares, a escola deve procurar discutir qual currículo ela quer
adotar para se chegar ao objetivo desejado. Essa escolha deve ser
pensada a partir da concepção do seu Projeto Político Pedagógico, esse
que deve fundamentar a prática teórica da instituição e da realidade da
comunidade escolar.
A partir do momento que se define qual teoria trabalhar, deve-
se escolher a elaboração e a construção desejada do currículo.

Elaboração de currículo
A principal finalidade deste projeto é mostrar a estrutura de
uma forma diferenciada de como trabalhá-lo. Trazendo como fios
condutores as ideias de Jacques Delors, que segundo ele, a prática
pedagógica deve preocupar-se em desenvolver quatro aprendizagens
fundamentais, que serão para cada indivíduo os pilares do
conhecimento: aprender a conhecer indica o interesse, a abertura para o
conhecimento e aprendizagem; aprender a fazer mostra como executar,
operacionalizar o conhecimento aprendido, errando na busca do acerto;
aprender a conviver traz o desafio da convivência que apresenta o respeito a
todos e o exercício de cidadania como caminho do entrosamento; e,
finalmente, aprender a ser, que caracteriza explicitar o papel do cidadão e o
objetivo de viver.

325
Vozes da Educação

Os pilares são quatro, e os saberes e competências a se adquirir


são apresentados, aparentemente, divididos, no entanto, não podem estar
dissociados , constituindo interação com o objetivo final de uma
formação holística da pessoa.
À educação cabe fornecer, de algum modo, os mapas de um mundo
complexo e constantemente agitado e, ao mesmo tempo, a bússola
que permite navegar através dele. ( Delors, 2003)
De acordo com Cesar Coll, é necessário que exista a elaboração
de um plano curricular que satisfaça, de forma articulada, todos os níveis
do funcionamento de uma escola. Segundo ele, cada elemento deve
cumprir a sua função . Ao professor as aulas e ao aluno, o conhecimento
prévio e execução das atividades. Dentro deste universo precisam se
fazer presente, também, a família e outras instituições. Coll sempre
enfatiza a importância de contextualizar o currículo aplicado, cuja a
apresentação precisa satisfazer todos os níveis da escola, destacando que
a prioridade é o que o aluno aprende e não o que o professor ensina. “A
aprendizagem é uma construção pessoal que o aluno realiza com ajuda
que recebe de outras pessoas”. O construtivismo na sala de aula (Coll,
1996).
Coll afirma : “Para que a criança atinja os objetivos finais de
cada unidade didática, temos antes de identificar os fatos, conceitos e
princípios que serão propostos; os procedimentos a considerar e os
valores, normas e atitudes indispensáveis” (1996). Ele propôs um
agrupamento de “novos conteúdos”, que seriam: conceituais,
procedimentais e atitudinais. Os conteúdos Conceituais - referem-se à
construção ativa das capacidades intelectuais para operar com símbolos,
ideias, imagens e representações que permitem organizar a realidade.
Procedimentais - expressam um saber fazer, que envolve tomar decisões
e realizar uma série de ações, de forma ordenada e não aleatória, para
atingir uma meta. Atitudinais - é necessária uma prática constante,
coerente e sistemática, em que valores e atitudes almejados sejam
expressos no relacionamento entre as pessoas e na escolha dos assuntos
a serem tratados.
Através de pesquisas e estudos podemos perceber que os
conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais estão veiculados com
os quatro pilares da educação. Os quatro pilares da educação compõem-

326
Volume VI

se dos seguintes saberes: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender


a viver juntos e aprender a ser.
Sendo analisado por este caminho podemos nos organizar da
seguinte maneira: Aprender a conhecer o quê? Aprender a fazer o quê?
Aprender a viver juntos para quê? Aprender a ser porquê? Todas estas
perguntas são respondidas respectivamente com: conceituais,
procedimentais e atitudinais.
A apresentação na elaboração desta proposta , visa o olhar
global do aluno, com um fim único de uma formação integral,
permitindo a valorização de todas as potencialidades a serem ampliadas
de cada indivíduo, não negligenciando a nenhuma, ou seja,
paralelamente, desenvolvendo do conhecimento a informação
continuada, unindo assim, as ideias de Delors e Coll.
Na prática, este projeto traz para o Ensino Fundamental, as
áreas de conhecimento (RECNEI), que são: Movimento, Música, Artes
Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Matemática e Natureza e Sociedade,
que desenvolvem as habilidades e competências básicas (que se
distribuem nos planos cognitivos, afetivos, emocional, interpessoal e
psicomotor) , ou seja, aquelas necessárias para seu projeto de vida e que
possuam significado e sentido a elas. Este Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil, integra a série de documentos dos
Parâmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo Ministério da
Educação atendendo às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei 9.394/96).
Seu objetivo é servir como um guia de reflexão de cunho
educacional sobre objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os
profissionais que atuam diretamente com crianças de zero a seis anos,
respeitando seus estilos pedagógicos e a diversidade cultural brasileira.
Da mesma forma, a formatação dos conteúdos conceituais,
procedimentais e atitudinais foram trazidas para proposta de currículo na
Educação Infantil.
Esta estrutura possui uma formatação técnica que utiliza verbos
apropriados para cada saber. Como por exemplo, saber conhecer
(conteúdo conceitual), necessita usar verbos como: desenvolver,
reconhecer, conhecer,etc - Saber fazer (conteúdo procedimental):
recortar, colar, montar, escrever, ler,etc. Saber ser e viver (conteúdo

327
Vozes da Educação

atitudinal): valorizar, apreciar, respeitar,etc, ou seja, a construção dos


conteúdos para elaboração do currículo estão atrelados a determinadas
ações verbais. As áreas de conhecimento estarão inseridas nos conteúdos
elaborados de acordo com o conceitual a ser desenvolvido.
O principal objetivo do trabalho pedagógico com este eixo é
permitir à criança explorar o meio ambiente natural e social, de
acordo com as suas capacidades, conhecimentos prévios e hipóteses
que cria para explicar os fenômenos que observa.
O professor pode aproximar as crianças de universos culturais e
sociais diversos. Com sensibilidade, criatividade e realizando
pesquisas, o educador será capaz de criar peças simples para
apresentar aos pequenos algumas histórias sobre os mais diversos
mundos.
Referencia Curricular Nacional para a Educação Infantil
(Conhecimento do Mundo), Volume 3.
Segue abaixo modelo:
4º ano do Ensino Fundamental - Ciências
Conteúdos Conteúdos Procedimentais Conteúdos Atitudinais
Conceituais (Saber fazer) (Saber viver e saber
(Saber conhecer) ser)

Reconhecer a Fazer uma campanha na Conscientizar-se sobre


importância com o escola sobre as atitudes que os cuidados que se deve
cuidado que se deve ter devemos ter de prevenção ter para se evitar a
com o ambiente em que da dengue utilizando dengue.
se vive para evitar a cartazes, slogans, faixas,
proliferação da dengue. etc.
Área de conhecimento do RCNEI utilizada: Natureza e sociedade.

Estrutura da Proposta Pré-Escolar II - Música


Conteúdos Conteúdos Conteúdos Atitudinais
Conceituais Procedimentais (Saber viver e saber ser)
(Saber conhecer) (Saber fazer)

• Reconhecer vários e• Brincar com a música, Interagir com os outros através


diferentes ritmos e imitando, inventando e da música, ampliando seu
gêneros musicais como reproduzindo citações conhecimento de mundo;
forma de expressão, musicais; • Apreciar músicas para
sensações, • Explorar sons do enriquecer e ampliar o seu
sentimentos e próprio corpo. conhecimento.
pensamentos.
Conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, utilizados na estrutura da proposta de
Educação Infantil.

328
Volume VI

O maior impacto educacional desta proposta é ter um olhar


avaliativo que valorize a curiosidade,a autonomia, a atenção, construindo
e reconstruindo um conhecimento, para que não seja passageiro, que se
mantenha através do tempo aprofundando-os e enriquecendo-os para
adaptar-se a um mundo de mudanças.
Como já falamos anteriormente, o currículo deve ser
desenvolvido a partir do projeto político pedagógico da escola,
adaptando-o para que viabilize a sua operacionalização, norteando as
atividades educativas, as formas como cumpri-las, além de definir suas
finalidades.
Ele relaciona teoria e prática, planejamento e ação.
Esta compreensão curricular está intimamente ligada à
educação democrática e a sua concretização, por requer uma
dinamicidade curricular que permita ajustar o fazer pedagógico às
necessidades dos alunos.
Os sistemas educacionais precisam se modificar, não apenas nas
atitudes e expectativas, mas na organização, para constituir uma real
escola para todos.
A proposta curricular é apenas um ponto de partida para a
formação de um aluno participativo, crítico e criativo.
Um dos aspectos mais importantes sobre o currículo é o
dinamismo que ele necessita ter para não ficar gessado e sem vigor.
Quem dá vida a ele é o professor que o otimiza e o operacionaliza da
melhor forma para os discentes. Temos alunos que, mesmo não
pertencendo ao serviço de educação especial, precisam de adaptações
curriculares, de acordo com suas dificuldades e necessidades.
Lembramos que o ensino e a aprendizagem são individuais, únicos
especificadamente. Sabemos o quanto isso parece utópico, perante a
realidade que encontramos em nossas salas de aula, mas, para que o
currículo seja desenvolvido com êxito, é necessário levarmos em conta a
diversidade com que lidamos na escola.
Como já relatamos acima, as escolas públicas têm a sua prática
pedagógica determinada ou por orientações vindas das secretarias de
educação ou pelos próprios livros didáticos. Isso acontece, na maioria
das vezes, em uma prática curricular muito deficiente, que não leva em
conta a experiência trazida pelo próprio professor, nem aquela

329
Vozes da Educação

apresentada pelo aluno, ou desconsidera as características da comunidade


em que a escola está inserida, por exemplo, as de zona rural. Por outro
lado, isso diminui a autonomia intelectual do professor e o exercício da
sua criatividade, e pior, não admite que a escola estabeleça sua
identidade.
Para nós, a verdadeira função da escola é garantir a
aprendizagem de conhecimentos, habilidades e valores necessários à
socialização do indivíduo. Estas aprendizagens têm como objetivo levar
o aluno a compreender melhor a realidade que o cerca, favorecendo sua
participação ativa, para que sejam cada vez mais amplas, possibilitando a
leitura e a interpretação dos códigos e informações que hoje são
amplamente veiculados, preparando-o para a introdução no mundo do
trabalho e para o exercício da cidadania.
É preciso que a escola favoreça o conhecimento dos conteúdos
culturais básicos, da leitura e da escrita, das letras, das ciências, das artes,
bem como o raciocínio lógico. Sem estas aprendizagens, dificilmente ele
poderá exercer seus direitos de cidadania. A escola, portanto, tem o
compromisso de ir além da simples transmissão do conhecimento
sistematizado, preocupando-se em propiciar ao aluno a capacidade de
buscar informações segundo as exigências de seu campo profissional ou
de acordo com as necessidades de desenvolvimento individual e social.
Precisamos lembrar que nossos alunos necessitam de uma
aprendizagem significativa para que esta se torne permanente e útil,
mesmo após o término de sua vida escolar. Isto demonstra que, em sala
de aula, devemos desenvolver determinadas habilidades intelectuais sem
as quais o aluno nunca será capaz de uma aprendizagem espontânea,
independente, autônoma.
Como citamos acima, dentro da nossa concepção de currículo,
devemos fazer o aluno pensar, refletir, analisar, sintetizar, criticar, criar,
classificar, tirar conclusões, estabelecer relações, argumentar, avaliar,
justificar.
Para isso, os professores necessitam trabalhar com
metodologias que desafiem o aluno e o estimulem a pensar, a formular
hipóteses, a descobrir, a falar, a questionar, a colocar suas opiniões,
trocar com os colegas suas experiências e dúvidas.

330
Volume VI

Desenvolver valores e atitudes é um compromisso que a escola


deve ter, pois é função social proporcionar estes valores, contudo não
podem ser ensinados, mas devem ser vivenciados.
Enfim, a flexibilidade do currículo deve contemplar os
interesses de todos, adequando-o a cada realidade de acordo com sua
necessidade.

Considerações finais
Refletindo sobre a educação no conjunto de suas missões, é
fundamental que esta seja organizada em torno de quatro aprendizagens
fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo, para
cada indivíduo, os pilares do conhecimento.
Vendo que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar
o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de
aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Esta
perspectiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas,
em nível tanto de elaboração de programas como da definição de novas
políticas pedagógicas.
Sendo assim, procuramos desenvolver uma proposta de
trabalho onde o público interage nos momentos de exposição e debate
sobre o assunto ,tendo como meta uma maior autonomia em sua
formação.
Nessa colcha de ideias, estaremos construindo e reconstruindo
e avaliando, já que a educação não se dá de forma estanque e
permanente.
No processo de elaboração da proposta pedagógica – ao definir
o que ensinar, para que ensinar, como ensinar –, a equipe diretiva e a
comunidade escolar devem conhecer a legislação educacional, bem como
a documentação oficial da Secretaria de Educação e do Conselho
Estadual e ou Municipal de Educação, produzida com o objetivo de
orientar a implantação desses dispositivos legais no que se refere ao
currículo.
Torna-se necessário identificar que ações precisam ser
planejadas e realizadas pela escola para colocar em prática um currículo
que contemple os objetivos da educação básica.

331
Vozes da Educação

Como já falamos anteriormente, o currículo deve ser


desenvolvido a partir do projeto político pedagógico da escola,
adaptando-o para que viabilize a sua operacionalização, norteando as
atividades educativas, as formas como cumpri-las, além de definir suas
finalidades.
Ele relaciona teoria e prática, planejamento e ação.
Esta compreensão curricular está intimamente ligada à
educação democrática e a sua concretização, por requer uma
dinamicidade curricular que permita ajustar o fazer pedagógico às
necessidades dos alunos.
Os sistemas educacionais precisam se modificar, não apenas nas
atitudes e expectativas, mas na organização, para constituir uma real
escola para todos.
A proposta curricular é apenas um ponto de partida para a
formação de um aluno participativo, crítico e criativo.
Um dos aspectos mais importantes sobre o currículo é o
dinamismo que ele necessita ter para não ficar gessado e sem vigor.
Quem dá vida a ele é o professor que o otimiza e o operacionaliza da
melhor forma para os discentes. Temos alunos que, mesmo não
pertencendo ao serviço de educação especial, precisam de adaptações
curriculares, de acordo com suas dificuldades e necessidades.
Lembramos que o ensino e a aprendizagem são individuais, únicos
especificadamente. Sabemos o quanto isso parece utópico, perante a
realidade que encontramos em nossas salas de aula, mas, para que o
currículo seja desenvolvido com êxito, é necessário levarmos em conta a
diversidade com que lidamos na escola.
Como já relatamos acima, as escolas públicas têm a sua prática
pedagógica determinada ou por orientações vindas das secretarias de
educação ou pelos próprios livros didáticos. Isso acontece, na maioria
das vezes, em uma prática curricular muito deficiente, que não leva em
conta a experiência trazida pelo próprio professor, nem aquela
apresentada pelo aluno, ou desconsidera as características da comunidade
em que a escola está inserida, por exemplo, as de zona rural. Por outro
lado, isso diminui a autonomia intelectual do professor e o exercício da
sua criatividade, e pior, não admite que a escola estabeleça sua
identidade.

332
Volume VI

Para nós, a verdadeira função da escola é garantir a


aprendizagem de conhecimentos, habilidades e valores necessários à
socialização do indivíduo. Estas aprendizagens têm como objetivo levar
o aluno a compreender melhor a realidade que o cerca, favorecendo sua
participação ativa, para que sejam cada vez mais amplas, possibilitando a
leitura e a interpretação dos códigos e informações que hoje são
amplamente veiculados, preparando-o para a introdução no mundo do
trabalho e para o exercício da cidadania.
É preciso que a escola favoreça o conhecimento dos conteúdos
culturais básicos, da leitura e da escrita, das letras, das ciências, das artes,
bem como o raciocínio lógico. Sem estas aprendizagens, dificilmente ele
poderá exercer seus direitos de cidadania. A escola, portanto, tem o
compromisso de ir além da simples transmissão do conhecimento
sistematizado, preocupando-se em propiciar ao aluno a capacidade de
buscar informações segundo as exigências de seu campo profissional ou
de acordo com as necessidades de desenvolvimento individual e social.
Precisamos lembrar que nossos alunos necessitam de uma
aprendizagem significativa para que esta se torne permanente e útil,
mesmo após o término de sua vida escolar. Isto demonstra que, em sala
de aula, devemos desenvolver determinadas habilidades intelectuais sem
as quais o aluno nunca será capaz de uma aprendizagem espontânea,
independente, autônoma.
Como citamos acima, dentro da nossa concepção de currículo,
devemos fazer o aluno pensar, refletir, analisar, sintetizar, criticar, criar,
classificar, tirar conclusões, estabelecer relações, argumentar, avaliar,
justificar.
Para isso, os professores necessitam trabalhar com
metodologias que desafiem o aluno e o estimulem a pensar, a formular
hipóteses, a descobrir, a falar, a questionar, a colocar suas opiniões,
trocar com os colegas suas experiências e dúvidas.
Desenvolver valores e atitudes é um compromisso que a escola
deve ter, pois é função social proporcionar estes valores, contudo não
podem ser ensinados, mas devem ser vivenciados.
Enfim, a flexibilidade do currículo deve contemplar os
interesses de todos, adequando-o a cada realidade de acordo com sua
necessidade.

333
Vozes da Educação

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335
Vozes da Educação

A ESCOLA COMO ORGANIZAÇÃO SOCIAL E DEMOCRÁTICA:


UMA QUESTÃO DE GESTÃO

Maristela Ferrari Neves66

RESUMO
Este artigo se baseia em pesquisa realizada na Escola Professor Carlos
Mota, desenvolvida para o Trabalho de Conclusão de Curso da
Especialização em Gestão Escolar oferecida pela Universidade Católica
de Brasília. Trata dos processos democráticos que norteiam a gestão da
escola e, principalmente, dos desafios enfrentados por essas instituições
na tentativa de atrair a comunidade escolar para uma participação mais
efetiva, haja vista a necessidade de superação constante de dificuldades
na realização das mudanças necessárias a uma educação de qualidade.

Palavras-Chave: Educação; Gestão Democrática; Participação Coletiva.

ABSTRACT
This article is based on a research conducted at the Professor Carlos
Mota School, for the Course Conclusion Thesis of the School
Management Graduate Program offered by the Catholic University of
Brasilia (UCB). It regards the democratic procedures that guide school
management and, especially, the challenges faced by these institutions in
the attempt to attract the community to participate more actively,
considering the constant need to overcome difficulties in the
achievement of the necessary transformations to a quality education.

Keywords: Education. Democratic proceedings. Action in group.

Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul –


66

UFMS. Especialização em Gestão Educacional pela Universidade Católica de Brasília – UCB.


Assessora Pedagógica e elaboradora de materiais pedagógicos para formação de professores
da EJA em vários estados do Brasil pelo Movimento de Educação de Base - MEB.

336
Volume VI

Introdução
Pensar hoje na qualificação profissional na área de educação é
pensar em uma perspectiva de melhoria na qualidade de ensino nas
escolas. Porém a gestão democrática visa levar um grupo de pessoas a
refletirem sobre os objetivos que se quer alcançar e assim buscar o
melhor caminho para um ensino de qualidade. Sobretudo, é importante
que todos os envolvidos reconheçam que a educação é condição
necessária para formação do indivíduo, sem ela ninguém alcança níveis
mais elevados de desenvolvimento humano como pessoas críticas,
conscientes de suas obrigações e de seus deveres exercendo com
dignidade sua cidadania.
Quando falamos da atuação dos pais, alunos e funcionários nas
ações da escola devemos lembrar que estamos partindo do princípio que
todos irão exercer cidadania, além de buscar uma participação efetiva nas
decisões que serão executadas. Dessa forma, o gestor é o grande
responsável pela articulação e o desempenho eficaz do grupo. A atenção
do gestor deve ser voltada de maneira plena, envolvente e cativante a
toda comunidade, porém muitas vezes ainda, estão orientadas por um
velho e enfraquecido paradigma orientador das cobranças do governo.
Se o gestor conseguir quebrar esses paradigmas, com certeza a
participação será mais ativa e a promoção da educação ocorrerá de forma
organizada e participativa de toda a instituição e membros da sociedade.
Pensando dessa forma, a escola alcançará com êxito a promoção de uma
gestão democrática e um ensino de qualidade que todos almejam.
O objeto de analise, a Escola CEF Profº Carlos Mota, que
embora seja uma escola da rede pública, possui realidade totalmente
diferente de outras, pois é uma escola da área rural. Partindo desse
princípio, visamos à grande importância do exercício da gestão
democrática em busca de uma reflexão da atuação dos envolvidos,
principalmente no que diz respeito à qualificação dos profissionais, a
participação da equipe e de toda comunidade escolar nas tomadas de
decisões. Infelizmente observa-se a grande dificuldade nessa busca da
qualificação profissional, pois esta tem sido uma realidade difícil na
prática pedagógica dos docentes, a grande maioria atua em todos os
períodos e o tempo que tem é para deslocamento entre uma escola e
outra. Por conseguinte, o contexto escolar se complexifica e exige cada

337
Vozes da Educação

vez mais organização e adequação de um cronograma para que todos


possam participar de encontros e reuniões para as tomadas de decisões.
Exige assim um esforço redobrado, no processo de vida do trabalho,
vinculados a realidade de cada um dos envolvidos. O enfoque
fundamental é a participação da comunidade interna e externa do
estabelecimento de ensino na busca de melhoria na educação, assim
muitas vezes o gestor se desdobra para conseguir a participação e
colaboração de todos, que na maioria das vezes se torna impossível ter a
presença de todo o grupo.
Nos dias atuais, o gestor carrega consigo a responsabilidade de
gerir de forma organizada a parte administrativa e pedagógica para que
sua instituição tenha visibilidade e aceitação pela comunidade envolvida.
Porém ele deve ser um mediador, e exercer com liderança sua função
para que os pais, alunos e funcionários participem de forma ativa e
participativa podendo avaliar os resultados obtidos e retroalimentar
aquilo que não foi plenamente satisfatório.
Sabemos que hoje um dos grandes desafios dos gestores, é
alcançar com êxito ações que envolvam toda a comunidade escolar.
No Brasil, o fato é real, e nos obriga cada vez mais buscarmos
na gestão democrática uma visibilidade de um futuro próximo com
avanços para uma educação de qualidade.
Espera-se com este analise contribuir para a melhoria da
qualidade do ensino, levando a comunidade escolar interagir de forma
democrática e participativa das ações realizadas, e que o gestor possa
mediar de forma compartilhada reuniões para as tomadas de decisões,
valorizando o espaço escolar como formador de cidadãos plenos.
Para a sociedade a política de gestão democrática garante
melhorias na qualidade de ensino bem como na qualidade de vida, além
de conscientizar e transformar vidas gerando novas oportunidades que
são favoráveis para todos os envolvidos.
Assim justifica-se essa pesquisa considerando a importância da
gestão democrática de qualidade para o sistema educacional da Escola
CEF Profº Carlos Mota que enfrenta desafios constantes. Torna-se
necessário conhecer as dificuldades, para poder contribuir, ou pelo
menos tentar encontrar possibilidades para melhor desempenho nas

338
Volume VI

atividades, como também uma participação mais efetiva e democrática


dos envolvidos.
Considera-se importante essa analise, pela oportunidade em
contribuir com a escola, através de debates e reflexões na relação e
atuação da comunidade escolar; agregar experiências à necessidade de
encontrar estratégias junto ao gestor e demais profissionais, além da
interação com a comunidade na busca de transformações. Segundo
Freire (1987: p. 79-83) “não há também diálogo, se não há fé uma
intensa fé nos homens. Fé no seu poder de fazer e refazer. De criar e
recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é um privilégio de alguns
eleitos, mas direito dos homens”. Nesta fala de Freire em Pedagogia do
Oprimido a sua concepção de educação é que, o diálogo é o caminho
fundamental à consolidação do processo de transformação do mundo e
de libertação de homens e mulheres. Nesse sentido é que buscamos
concretizar a autonomia e conscientização dos sujeitos para um exercício
de sua cidadania, com participação ativa e democrática, para que todos
juntos comungam dos mesmos ideais.
Assim o diálogo envolve um profundo comprometimento com
o mundo e com os próprios sujeitos que agem no mundo. Diante do
exposto, é preciso que a escola repense urgentemente o seu papel de
formar cidadãos críticos, participativos e atuantes, orgulhosos de seu
saber, capazes de solidarizar-se com o mundo exterior e serem capazes
de enfrentar o mundo como uma realização pessoal e profissional através
de atitudes de humanização e respeito ao próximo. Porém é necessário
que o gestor atente-se aos momentos de diálogos e participação dos
envolvidos nas ações voltadas à escola, levando cada um e cada uma a
sentir-se parte da história.
Dessa forma, ao discutir a temática sob o prisma da gestão, traz
como escopo a promoção de comportamentos que integrem o homem à
natureza, perpassando o universo escolar, mas não restrito a este,
considerando a comunidade escolar como o centro de transformação e
conquistas coletivas.
Para Luck (2006, p.41), “a gestão democrática ocorre na medida
em que as práticas escolares sejam orientadas por filosofia, valores,
princípios e idéias consistentes, presentes na mente e no coração das
pessoas, determinando o seu modo de ser e de fazer”. Neste modelo

339
Vozes da Educação

democrático todo o grupo pode e deve contribuir com sugestões. A


responsabilidade do gestor é mediar às opiniões para que, na prática,
atinjam os objetivos esperados, e assim as tomadas de decisões sejam
conscientes e significativas. O grupo passa a entender que atingir os
objetivos é responsabilidade de todos, formando uma rede coletiva para
novas conquistas. É nesse formato de trabalho que os gestores buscam
unir-se para uma construção do Projeto Político Pedagógico, que muitas
vezes a escola não segue ou nem mesmo tem. Assim o gestor precisa
tomar consciência e quebrar paradigmas para alcançar de forma
participativa a promoção e qualificação dos profissionais, a atração e
participação de pais e alunos, e principalmente entender que tomar
decisões não é algo reservado somente ao gestor, mas principalmente é
uma conquista que deve ser coletiva.

Gestão Democrática: uma prática eficaz para enfrentamento de desafios


no ambiente escolar
Uma escola é instituída como uma organização a serviço da
sociedade, para realizar a incumbência de educar suas crianças e seus
jovens de modo que possam dela participar efetivamente e contribuir
para seu desenvolvimento, assumindo um estilo de vida produtivo,
organizado e feliz.
A implantação de um projeto de gestão democrática na escola
implica romper paradigmas e principalmente sair do tradicional
gerenciamento e impor mudanças, mudanças de vida, visão de mundo e
buscar novas conquistas, novos rumos. Isso não é tarefa fácil, porém
exige responsabilidade, competência, habilidade e acima de tudo
compreensão do gestor.
As mudanças são adquiridas com a quebra de paradigmas e é
fortemente marcada pela adoção da interação e participação democrática
da comunidade escolar, enfrentando desafios, superando os problemas e
acima de tudo alargando horizontes para novas conquistas. Em meio a
esse processo de mudança e busca de transformação não somente a
escola desenvolve a consciência sobre a necessidade de orientar o seu
processo interno no que diz respeito ao ensino aprendizagem, como a
própria sociedade cobra que o faça. A escola hoje passa a ser o centro
das atenções, pois é nela que esta centrada a transmissão de

340
Volume VI

conhecimentos, é ela quem traça as estratégias para o desenvolvimento e


crescimento da sociedade, bem como proporcionar melhor qualidade de
vida dos seus cidadãos. Assim é importante reconhecermos que a
educação é condição necessária para a formação de indivíduos plenos e
conscientes de suas conquistas como pessoa e cidadão. Nesse contexto,
A gestão democrática exige a compreensão em profundidade dos
problemas postos pela prática pedagógica. Ela visa romper com a
separação entre concepção e execução, entre o pensar e o fazer,
entre a teoria e a prática. Busca resgatar o controle do processo e do
trabalho pelos educadores (VEIGA, 1997, p.18).
O enfoque dado por Veiga nos levou a discutir alguns tópicos
que se relacionam com a gestão democrática e sua importância nos dias
atuais. A democratização na escola leva os profissionais a refletirem
sobre sua prática de trabalho, além de integrar temas básicos da gestão
educacional com a qualificação de suas práticas, que muitas vezes é
deixada de lado.
Essa proposta de uma política democrática na educação é uma
luta antiga que os educadores travam contra os modelos autoritários de
gestão. Para refletirmos sobre os enfrentamentos dos desafios no século
XXI, faremos uma breve memória de como as escolas vivenciaram esse
processo de mudança em décadas passadas. Entre as décadas de 1960 a
1980 o tema da participação e da democratização da gestão escolar,
tomou boa parte das discussões e dos debates pedagógicos nas
instituições de ensino. Segundo Vianna (1986, p.139) nessa época
“experiências isoladas da gestão colegiada de escolas sempre existiram,
mas não tiveram um impacto maior sobre os sistemas de ensino”. Ainda
na década de 1980, o tema relacionado à democratização da gestão foi
muito debatido na luta pela constituinte de 1988, data da promulgação da
Constituição Brasileira que congregou o princípio da “gestão
democrática do ensino público”. Na década de 1990, o trabalho do
gestor escolar foi objeto de debate entre os diferentes setores sociais.
Esses debates embora não afinados a mesma perspectivas teórica e
política, converge, contudo, na importância atribuída à gestão da escola
como instrumento para a promoção da qualidade na educação. As várias
reformas educacionais implementadas desde a década de 1990,
pretenderam modernizar os sistemas educativos. O discurso da
modernização das escolas não colocava em questão somente a eficácia;

341
Vozes da Educação

questionava de fato os princípios e finalidades da educação, em especial


o seu caráter público e democrático.
Em relação à gestão democrática nas escolas dos dias atuais, ela
cria estratégias para enfrentar os desafios, de forma e levar o indivíduo a
empoderar-se da causa. Com esse pensamento o caminho percorrido
pelos envolvidos na ação de transformação é primeiramente analisado a
gestão da democratização a partir da vivência do aluno na escola, ele é o
foco principal. Assim o professor deve considerar que o papel principal
do processo educacional é o de levar o aluno a desenvolver o seu
potencial, aprofundando cada vez mais seus conhecimentos, habilidades
e atitudes, de forma associada, participativa e ativa. Nesse momento, o
diálogo é predominante para o exercício dos processos mentais de
análises, críticas, organizações, interações com o grupo, sistematizações,
sugerindo caminhos e interesses sobre o processo educacional. Dessa
forma, o aluno constrói o seu empoderamento, e torna-se visível que ele
é levado ao sucesso escolar. Assim também serve para os
relacionamentos entre os funcionários e o gestor da escola, quando o
poder é orientado partindo dos valores de caráter amplo e social
estabelece um clima de trabalho harmonioso entre a equipe e todos
passam a ter uma visão maior das competências, atendendo assim, as
necessidades educacionais ampliadas de seus alunos de forma mais plena
e saudável. Para Fonseca (1995, et al., p.53),
[...] tornar as escolas eficazes torna-se então, a principal meta das
reformas, o que por sua vez, implicará adotar também outra visão de
gestão escolar, que sinalizasse para a emergência de uma nova
cultura na escola, ancorada em três eixos: a descentralização, a
autonomia e a liderança escolar.
Enquanto Lei Complementar da educação, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional LDB nº 9.394/96 (BRASIL, 1996)
estabelecem e regulamenta as diretrizes gerais para educação e seus
respectivos sistemas de ensino. Com esta lei, a educação passa por várias
mudanças e passa por resgatar os princípios constitucionais, inclusive, da
gestão democrática.
Portanto, todas essas explanações teóricas nos levam a um só
objetivo que é o de promover a equidade na educação por intermédio de
uma gestão participativa e democrática. Como vimos à efetivação de uma
gestão democrática é sempre processual e, portanto, permanente

342
Volume VI

vivência de aprendizado. É um processo eminentemente pedagógico,


que envolve, entre outros, o conhecimento da legislação e a participação
nas modalidades provimento ao cargo de dirigente escolar, a implantação
e consolidação de mecanismos de participação. Dentre os principais
mecanismos, o Projeto Político Pedagógico que é imprescindível para a
elaboração de uma proposta pautada nos trâmites democráticos.
Aprofundaremos mais sobre este tema no quarto capítulo.
Acreditando na gestão democrática como uma condição de
construção coletiva de qualidade da educação e que isso implica em nova
cultura de organização, unindo teoria e prática é que se busca alternativa como
possibilidade na escola. Paro (2005, p.162) argumenta sobre os entraves na
implementação da gestão democrática “se pretendemos agir na escola, como
de resto em qualquer instancia na sociedade com vistas à transformação social,
não podemos acreditar que estejam já presentes condições ideais que só
poderão existir como decorrência de transformação”.
Assim a construção da gestão democrática da escola analisa
limites e possibilidades que permeiam o processo educacional,
considerando que a comunidade escolar é o grupo privilegiado e meio de
aproximação entre a teoria e a prática para o enfrentamento dos desafios
à democratização da escola.
Mediante aos desafios enfrentados pelas escolas,
compreendemos que uma gestão democrática e participativa é um
processo árduo, que se constrói lentamente na modificação de posturas
pessoais e profissionais, isto é, sentir-se incluído no processo em que a
mudança de um comportamento ocorra pessoal e interpessoal, onde a
aprendizagem do trabalho coletivo e de respeito mútuo se desenvolva
em um laço educacional abrangente, possibilitando o envolvimento de
todos os agentes educativos e sociais. Desta maneira, a escola se
apresentará democrática quando, seus profissionais estiverem
comprometidos com sua essência pedagógica atendendo aos anseios da
sociedade e a relação estabelecida com os mesmos, quando proporciona
co-participação nas decisões didático-pedagógicas, administrativa e,
principalmente quando sua meta é enfrentar os desafios com vistas à
formação da cidadania. Porém, a escola que apresenta uma equipe
técnica pedagógica conhecedora de suas funções, das normas que regem
o ensino e das legislações da educação, realizará um trabalho eficiente e

343
Vozes da Educação

de qualidade, pois se engajaram no processo, fundamentados por uma


postura ética, assumindo e cumprindo seus deveres e direitos.

A escola como organização: Uma caminhada social e democrática


Sabemos que é um grande desafio para o gestor enfrentar os
problemas que surgem na escola, porém sabemos também que esses
problemas exigem competência, organização e principalmente
democratização na instituição, e que esta só será alcançada com uma
caminhada social. É indispensável, porém que o gestor como líder
desenvolva ações participativas e inovadoras dentro do ambiente escolar.
Assim, o gestor deve prever antecipadamente as mudanças que se
pretendem alcançar, ele deve fazer pesquisas, avaliar o que se pretende
alcançar e ter consciência que muitas vezes as coisas não acontecem
conforme o planejado, devendo estar preparado para resolver os
imprevistos. Assim, não só os erros como também os acertos são
fundamentais para dar novos rumos nas decisões que virão pela frente.
Segundo Luck et al. (2002, p. 35) liderança é “a dedicação, a visão, os
valores e a integridade que inspiram os outros a trabalharem
conjuntamente para atingir metas coletivas”. Afirma ainda a autora
Heloísa Luck (2002, p. 39) que “a liderança eficaz é identificada como a
capacidade de influenciar positivamente os grupos e de inspirá-los a se
unirem em ações comuns coordenadas”. Assim sendo, após essas
afirmativas, percebemos que o gestor deve exercer com autenticidade
uma liderança participativa para que todos interajam e compartilhem da
gestão da escola.
Os artigos 14 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e 22 do plano Nacional de educação (PNE) indicam que os
sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino
público na educação básica obedecendo aos princípios da participação
dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da
escola e a participação das comunidades escolares e locais de conselhos
escolares. Devemos enfatizar então que a democracia na escola por si só
não tem significado. Ela só faz sentido se estiver vinculada a uma
percepção de democratização da sociedade. É uma caminhada em que
todos os envolvidos devem participar na busca de soluções aos desafios
encontrados para um ensino de qualidade. Porém, a caminhada da gestão

344
Volume VI

democrática da educação está vinculada aos mecanismos legais e


institucionais e à coordenação de atitudes que propõem a participação
social: no planejamento e elaboração de políticas educacionais; na
tomada de decisões; na escolha do uso de recursos e prioridade de
aquisições; na execução das resoluções colegiadas; nos períodos de
avaliação da escola e da política educacional. Com a aplicação da política
da universalização do ensino deve-se estabelecer como prioridade
educacional a democratização do ingresso e a permanência do aluno na
escola, assim como garantia da qualidade social da educação.
Segundo Paro (2008 p.130) “o gestor escolar tem de se
conscientizar de que ele, sozinho, não pode administrar todos os
problemas da escola. O caminho é a descentralização, isto é, o
compartilhamento de responsabilidade com os alunos, pais, professores
e funcionários”. Ainda Paro (2005, p. 84) afirma que “o homem só se faz
sujeito quando participa, produzindo uma ação e respondendo por ela, e
essa ação só é produzida coletivamente, sendo que o homem não se faz
só”. Quando falamos, porém da escola como organização, logo
pensamos na escola como centro mediador das ações, ações essas
propostas pelo grupo, pois é a comunidade escolar que busca a liberdade
das ações. Quando falamos em educação remetemo-nos a pensar no
homem como um ser histórico, que transcende o que é natural, pois ele
busca a liberdade em suas ações.
A concepção democrático-participativa se adapta a busca da
democratização da escola por ter uma característica à relação organizada
existente entre setores da escola, na importância que se dá a busca de
objetivos comuns a todos e por defender
uma forma de decisão coletiva, onde cada membro assume sua parte e
responsabilidade no trabalho. A gestão participativa se propõe como
condição para resistir às formas conservadora de organização e gestão
escolar. Sobre essa consideração de uma caminhada social e democrática
Libâneo (2006, p.328) propõe:
Os objetivos sociopolíticos da ação dos educadores voltados para as
lutas pela transformação social e da ação da própria escola de
promover a apropriação do saber para a instrumentalização
cientifica e cultural da população, é possível não só resistir às formas
conservadoras da organização e gestão como também adotar formas
alternativas, criativas, que contribuam para uma escola democrática a

345
Vozes da Educação

serviço da formação de cidadãos críticos e participativos e da


transformação das relações sociais presentes.
A ação da gestão democrático-participativa abre o canal para a
participação da comunidade, assim a escola deixa de ser um lugar
fechado e separado da realidade e passa a acontecer como uma
comunidade educativa interagindo substancialmente com a sociedade
civil. Nesse sentido, devemos compreender que a comunidade escolar é
o foco principal para que as mudanças ocorram para isso o gestor deve
motivar sua equipe a encarar essas mudanças de forma desafiadoras, e
preparar todos seus profissionais como reagir às novas mudanças. A
participação de todos em reuniões para as tomadas de decisões, é algo
fundamental que a organização deve exigir cobrar de todos os
envolvidos.
Gadotti e Romão (1997, p.16) também afirmam que a
participação influencia na democratização da gestão e também na
melhoria da qualidade de ensino.
Todos os segmentos da comunidade podem compreender melhor o
funcionamento da escola, conhecer com mais profundidade os que
nela estudam e trabalha, intensificar seu envolvimento com ela e,
assim acompanhar a educação ali oferecida.
O esforço de todos os envolvidos é que fundamenta a
participação coletiva, que é de vital importância para a instalação de um
ambiente democrático na escola. Sendo assim a escola deve se perceber
como exemplo de organização para um ambiente democrático e
participativo, assegurando o envolvimento de todos os envolvidos
consequentemente com suas decisões e responsabilidades sobre elas.
O que devemos considerar é que ao organizar-se
democraticamente em busca de metas transformadoras a escola se
fortalece na medida em que os interesses nas mudanças e/ou
transformações se posicionam como protagonista em torno da realização
das mesmas. A comunidade escolar precisa sentir-se parte da história, na
busca de transformações para o bem comum. Libâneo (2004, p.144)
esclarece:
O princípio da autonomia requer vínculos mais estreitos com a
comunidade educativa, basicamente os pais, as entidades e as
organizações paralelas à escola. A presença da comunidade na
escola, especialmente dos pais tem várias implicações.
Prioritariamente os pais e outros representantes participam do
conselho da escola da Associação de Pais e Mestres para preparar o

346
Volume VI

projeto curricular e acompanhar e avaliar a qualidade dos serviços


prestados.
Mas a escola nesse momento é o foco principal, ela deve se
organizar de modo a instrumentalizar a sua força transformadora. E
direcionar aos envolvidos as ações, de modo a buscar uma participação
coletiva da sociedade.
A prática da gestão democrática deve-se desenvolver num
ambiente em que todos convivam como sujeitos, com direitos e deveres
percebidos a partir de decisões coletivas. Assim na escola deve instalar
um clima de favorecimento a ação das instancias colegiadas e processos
decisórios como Conselho escolar e Projeto Político Pedagógico. São
esses processos que muitas vezes se observado são considerados dentro
da escola apenas como teoria e não se respeita e nem se instrumentaliza
os partícipes para que lancem mão das possibilidades que esses processos
oferecem.
Projeto Político Pedagógico devem ser norteado por princípios
que decorrem da opção de educação em construção.
Dentre os processos democráticos existentes na escola o
Conselho escolar é o considerado de maior representatividade, pois
abrange os diversos setores da escola daí a importância desse processo
na construção da escola democrática.
Assim se confirma que a gestão democrática surge como
possibilidade de acabar com o autoritarismo enraizado no processo
educativo no interior das escolas. Propor uma gestão democrática na
escola é dar chance á autonomia á ela. Segundo Paro (2004, p. 11)
“significa em conferir poder e condições concretas para que ela alcance
objetivos educacionais articulados com os interesses da comunidade”. E
assim, se dará por conquistas dos interessados, desta forma tornam-se
cada vez mais necessárias mudanças no processo de autoridade no
interior da mesma. Tal afirmação nos leva a acreditar que a mudança nos
processos da escola se dará por forma das conquistas obtidas pelos
próprios interessados. O envolvimento da comunidade escolar é fator
primordial para alcançar com êxito as mudanças.
A instrumentalização dos envolvidos é um aspecto relevante no
processo de democratização na escola. Freire (2004, p.7) observa.
Tudo o que agente puder fazer no sentido de convocar os que
vivem em torno da escola e dentro da escola, no sentido de

347
Vozes da Educação

participarem, de tomarem um pouco o destino da escola na mão,


também. Tudo o que a gente puder fazer nesse sentido é pouco
ainda, considerando o trabalho imenso que se põe diante de nós que
é o de assumir esse país democraticamente.
Esta visão de Paulo Freire, certamente, contribuí para que se
tenha uma maior clareza do que se pode fazer no enfrentamento das
questões sócio-educativas no conjunto do movimento social. As ações
de caráter pedagógico que as escolas podem direcionar de forma a
favorecer às famílias devem fazer parte de seu projeto e para que isso
possa acontecer é fundamental que as ações em favor da comunidade
sejam desenvolvidas e dirigidas de forma participativa e complementar.
Nesse sentido, é importante que o projeto inicial se faça levando em
conta os grandes e sérios problemas sociais tanto da escola como da
família, assim estariamos assumindo democraticamente o papel social
enquanto atores do processo e membros da sociedade. Porém, a escola
tem necessidade de encontrar formas variadas de mobilizar e organizar
os alunos, os pais e a comunidade, integrando os diversos espaços
educacionais que existem na sociedade. Substancialmente o que a escola
deve fazer é melhorar a posição da família na agenda escolar já
implementada pela legislação existente, além de apresentar-se como uma
organização comunicativa, atenta a rede da dialogicidade, dando vez e
voz aos interessados pelo crescimento e mundança na educação.
Esses aspectos são importantíssimos para que a instituição se
organize de forma a atender as demandas. Assim, uma maneira para se
obter melhores resultados é gerar um círculo de motivação a partir do
estímulo da capacidade de criação e superação, que permite ao indivíduo
sentir-se mais valorizado, pois cada indivíduo terá a liberdade de
caminhar junto à escola e compartilhar de suas idéias, participando das
tomadas de decisões para garantir uma melhor qualidade no ensino
aprendizagem. Dessa forma, integrar adequadamente os meios para
chegar aos resultados esperados, implica um conjunto de atividades
devidamente articulados, contextualizados de modo a assegurar a eficácia
da organização.

O papel do gestor na organização escolar


O ensino público no Brasil passa por momentos de
transformação, com os avanços mundiais e tecnológicos, onde os

348
Volume VI

gestores e toda a equipe pedagógica precisa de um acompanhamento do


mesmo, pois o ambiente escolar precisa se adaptar-se. O papel do gestor
é de fundamental importância para que as mudanças ocorram em seu
ambiente de trabalho, ele tem que proporcionar a sua equipe um
ambiente harmonioso e motivador sabendo articular sua função, onde
enfrenta vários desafios para executá-las.
Segundo Luck (2004, p.32),
é do diretor da escola a responsabilidade máxima quanto à
consecução eficaz da política educacional do sistema e
desenvolvimento plenos dos objetivos educacionais, organizando,
dinamizando e coordenando todos os esforços nesse sentido e
controlando todos os recursos para tal.
Devido a sua posição central na escola, o desempenho de seu
papel exerce forte influencia. As funções do trabalho do gestor estão
diretamente relacionadas à organização e gestão da escola.
O processo de organização escolar dispõe, portanto, de
funções, propriedades comuns ao sistema organizacional de uma
instituição, com base nos quais se definem ações e operações necessárias
ao funcionamento institucional. Partindo desse pressuposto Luck (2004,
p. 34), afirma que são quatro as funções constitutivas desse sistema:
planejamento; organização: racionalização de recursos humanos,
físicos, materiais, financeiros, criando e viabilizando as condições e
modos para realizar o que foi planejado; direção/coordenação:
coordenação do esforço humano coletivo do pessoal da escola e
avaliação comprovação do funcionamento.
O gestor deve estar ciente que a qualidade da escola é global,
devido à interação dos indivíduos e grupos que influenciam o seu
funcionamento. O gestor deve saber integrar objetivo, ação e resultado,
assim agregará sua gestão colaboradores empreendedores, que procuram
o bem comum na coletividade.
O gestor precisa ser dinâmico e ter flexibilidade junto ao corpo
docente e a comunidade escolar. Dourado relata a eficácia entre o líder e
os seus liderados para a criação da confiança entre eles, “a atuação do
gestor e da equipe gestora na mobilização de pessoas e no
desenvolvimento de liderança participativa é fundamental” (Dourado,
2001, p. 76).
O gestor que compartilha as tomadas de decisões buscando
solucionar os problemas exerce uma liderança mobilizadora, buscando
assim, estratégias para as ações visando à participação coletiva.

349
Vozes da Educação

Não há duvidas que o líder construa confiança ao dar


credibilidade a sua equipe, ao trabalhar o desenvolvimento de um estilo
eficaz se relacionando com todos. O gestor fortalece o seu papel e sua
equipe, podendo desenvolver uma grupo composto por pessoas que
conjuntamente buscam novas oportunidades, compartilham seus
conhecimentos, capaz de ser sensível ao problema da comunidade e de
cada individuo, em particular, capaz de se voltar para os valores
construídos ao longo das experiências de vida, capaz de enfrentar as
competências e de conduzir pessoas as ações.
Segundo alguns autores o gestor exerce funções
importantíssimas na organização escolar:
[...] um gestor da dinâmica social, um mobilizador, um orquestrador
de atores, um articulador da diversidade para dar unidade e
consistência, na construção do ambiente educacional e promoção
segura da formação de seus alunos (LUCK, 2000, p. 16).
Ou ainda...
[...] o diretor coordena, mobiliza, motiva, lidera, delega aos membros
da equipe escolar, conforme suas atribuições específicas, as
responsabilidades decorrentes das decisões, acompanham o
desenvolvimento das ações, presta contas e submete à avaliação da
equipe o desenvolvimento das decisões tomadas coletivamente
(LIBÂNIO, OLIVEIRA e TOSCHI, 2003, p. 335).
Com a concepção inovadora de gestão escolar e papel do
gestor, intensificaram-se debates sobre a necessidade da
profissionalização dos docentes como condição para a melhoria da
qualidade da educação básica, além de favorecer a participação de pais e
alunos nas decisões. Dessa forma, Libânio (2003), mostra que a
preocupação central do gestor deverá ser de acordo com os interesses e
as necessidades da maioria da população, sendo que ao democratizar a
gestão deverá ocorrer a participação efetiva da comunidade na escola,
pois assim poderá pensá-la para além dos seus muros.
Essa conquista sem dúvida parte da organização e articulação
oferecida aos envolvidos e, ao mesmo tempo, o discurso e ação do
gestor na defesa dos interesses coletivos tendo por referência os
compromissos públicos e a construção de uma sociedade mais justa.

350
Volume VI

Projeto político pedagógico: Mecanismo imprescindível para os trâmites


democráticos. Uma construção coletiva da comunidade escolar
Iniciamos falando neste capítulo sobre o Projeto Político
Pedagógico partindo de afirmativas e colocações de vários estudiosos
educadores que tentam explicar o que vem a ser um projeto. Veiga
(2001, p.12) vem confirmar essa forma de entender o termo projeto que
“vem do latim projectu, particípio passado do verbo projecere, que significa
lançar para diante”. Esse grande educador define projeto como sendo
algo futurista, e explica que:
Todo projeto supõe ruptura com o presente e promessas para o
futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para
arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma
estabilidade em função de promessas que cada projeto contém de
estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser
tomado como promessa frente determinadas rupturas. As
promessas tornam visíveis os campos de ação possível
comprometendo seus atores e autores (cit por VEIGA, 2001, p.18).
Tais colocações feitas por este educador nos mostram que
projeto é olhar para frente com ideais inovadoras e ações intencionais,
planejadas, estudadas e concretas. Com uma visão de buscar
transformação e novos rumos para uma educação de qualidade. A
elaboração do PPP é um processo participativo de decisões de todos os
envolvidos, é neste momento que serão traçados as metas e objetivos a
serem alcançados durante todo o processo de ensino aprendizagem. O
PPP (Projeto Político Pedagógico) é a luz das ações pedagógicas de uma
escola, é nele que serão elencadas as estratégias para desenvolver ações
seguras e conscientes, sem improvisações ou correndo o risco de errar.
Para André (2001, p.188) o Projeto Político Pedagógico não é
somente uma carta de intenções, nem apenas uma exigência de ordem
administrativa, pois deve “expressar a reflexão e o trabalho realizado em
conjunto de todos os profissionais da escola, no sentido de atender as
diretrizes do sistema nacional de educação, bem como as necessidades
locais e especificas da clientela da escola”; ele é “a concretização da
identidade da escola e do oferecimento de garantias para um ensino de
qualidade”. Para Libâneo (2001, p.125), o Projeto Pedagógico “deve ser
compreendido como instrumento do processo de organização da
escola”, tendo em conta as características do instituído e do instituinte.
Segundo Vasconcelos (1995, p.143), o projeto pedagógico:

351
Vozes da Educação

(...) é um instrumento teórico-metodológico que visa ajudar a


enfrentar os desafios do cotidiano da escola, só de uma forma
refletida, consciente, sistematizada, orgânica e, o que é essencial,
participativa. É uma metodologia de trabalho que possibilita
resignificar a ação de todos os agentes da instituição.
Veiga (2001, p.11) apresenta na concepção de um projeto
pedagógico varias características tais como:
ser processo participativo de decisões; procurar-se em instaurar-se
uma forma de organização de trabalho pedagógico que desvele os
conflitos e as contradições; explicitar princípios baseados na
autonomia da escola, na solidariedade entre os agentes educativos e
no estimulo á participação de todos no projeto comum e coletivo;
conter opiniões explicita na direção de superar problemas no
decorrer do trabalho educativo voltado para uma realidade
especifica; explicitar o compromisso com a formação do cidadão.
Já no desenvolvimento de um Projeto Político Pedagógico de
qualidade segundo ainda Veiga (2001, p.12) o projeto deve:
nascer da própria realidade, tendo como suporte a explicitação das
causas dos problemas e das situações das quais os problemas
aparecem; ser exeqüível e prever a condições necessárias ao
desenvolvimento e a avaliação; ser uma ação articulada de todos os
envolvidos com a realidade da escola, ser construído continuamente,
pois com produto, é também processo.
O que enaltece uma escola é a elaboração do PPP (Projeto
Político Pedagógico) que consiste no planejamento eficiente, e que o
mesmo seja executado evitando improvisações. Com planejamento, fica
claro o que se pretende e o que se deve ser feito para alcançar os
objetivos. O Projeto Político Pedagógico bem elaborado dá segurança à
escola. Ele conduz as ações no caminho certo, e facilita o trabalho, pois a
mesma esta fundamentado no Projeto que norteia toda a Unidade
Escolar. Isso se faz imprescindível para se ter rumo, visando obtenção de
resultados de forma eficiente, intensa, rápida e segura.
Assim sendo, conforme mencionado acima por grandes
autores, a participação no contexto escolar, principalmente na elaboração
do Projeto Político Pedagógico, tem como significado a construção de
uma identidade coletiva, por isso é um processo lento e difícil, porém
fundamental na construção de uma concepção educacional que os
educadores acreditam. Estabelecer um processo de participação na escola
significa realizar a transformação das práticas escolares, das relações de
poder nela vigentes. Compreendemos que a elaboração do projeto
político pedagógico da escola é uma oportunidade diferente, um
momento onde a comunidade pode refletir acerca do instituído e do que

352
Volume VI

pretende instituir, tendo como fundamento dessa construção a


participação dos sujeitos educacionais. É um momento decisivo não
apenas de construção de uma identidade coletiva, mas de transformação
das relações de poder que perpassam o cotidiano escolar, de construção
da autonomia escolar e de novas competências para os profissionais que
a empreendem, de comprometimento coletivo com a causa educacional,
de aprendizagem da participação e de vivência democrática.
Nessa perspectiva, o projeto político-pedagógico vai além de um
simples agrupamento de planos de ensino e de atividades diversas.
O projeto não é algo que é construído e em seguida arquivado ou
encaminhado às autoridades educacionais como prova do
cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é construído e vivenciado
em todos os momentos por todos os seis envolvidos com o
processo educativo da escola. (VEIGA, 1995, p. 12)
Não é difícil entender que a gestão democrática, no interior da
escola, é um princípio nada fácil de ser consolidado, devido tratar de
uma participação relativamente crítica na elaboração do PPP (Projeto
Político Pedagógico) e na sua gestão. Falar da construção do projeto
pedagógico é falar de planejamento no contexto de um processo
participativo, onde o passo inicial é a elaboração do marco referencial,
sendo este a luz que irá iluminar o fazer das demais etapas. A elaboração
do mesmo é também um dos enfrentamentos que o gestor deve encarar
como sendo a primeira ação a desenvolver coletivamente com a
comunidade escolar.
Dessa forma vale ressaltar que o gestor precisa compartilhar sua
gestão, pois a construção do projeto político pedagógico é
responsabilidade de toda comunidade escolar. Nesse processo, o gestor
possui um papel fundamental que é de coordenar, motivar, delegar
responsabilidades, avaliar o desenvolvimento do trabalho que é
desenvolvido na escola. A liderança desse trabalho não é centrada em
somente uma pessoa, todos são responsáveis e devem estar
comprometidos com o bom desenvolvimento do trabalho escolar, o que
só pode ser alcançado pelo processo de participação coletiva, com os
professores, os pais e os alunos. A participação dos professores deve ser
ativa e efetiva na organização das questões pedagógicas da escola, e para
que isso aconteça, precisam conhecer o funcionamento e os objetivos,
devendo assim, participar da elaboração do projeto educacional
refletindo sobre o seu papel e que tipo de educação pretende construir.

353
Vozes da Educação

Já os pais, não podem distanciar-se do que acontece no espaço escolar


eles precisam fazer parte do processo, bem como também a escola,
integrando-se à comunidade e interagindo com o meio social ao qual faz
parte.

Estrutura da Escola Profº Carlos Mota


A Escola Centro de Ensino Fundamental Profº Carlos Mota, é
de natureza pública e tem suas instalações em um setor de chácara da
cidade de Sobradinho no Distrito Federal e acolhe boa parte das
crianças, jovens e adultos que em sua maioria são filhos dos caseiros.
Esta escola funciona nos turnos matutino, vespertino e
noturno, conta com todas as modalidades de ensino, inclusive
Alfabetização de Jovens e Adultos e turmas do “Se Liga” e “Acelera”.
Atualmente atende 1200 alunos, o ambiente físico é composto por 17
salas de aula, duas cozinhas sendo uma para o lanche dos alunos e outra
para os professores, uma secretaria, uma sala de professores, uma sala de
som com rádio da escola, um auditório com equipamentos áudio visual,
uma biblioteca, quadra de esporte com amplo espaço físico, e uma sala
para a equipe do administrativo: diretor, coordenadores e supervisor
pedagógico. Como em toda Instituição de Ensino, a mesma enfrenta
problemas administrativo, financeiros e organizacionais, que são
resolvidos pela gestão a fim de oferecer um ensino de qualidade.
A escola possui um laboratório de informática equipado com 10
computadores que foram doados pelo MEC, porém não tem profissional
especialista em informática. Assim sendo, os professores agendam
horários para utilização do espaço para elaboração de trabalhos.
A escola dispõe de uma rádio escolar onde os alunos montam
os programas relacionados a temas previamente discutidos e levantados
por um representante de cada sala juntamente com o orientador das
mesmas. Este espaço leva os alunos a refletirem e debaterem a respeito
de uma problemática levando a conscientização e ações responsáveis e
conjuntas.

Considerações finais
É possível compreender que a gestão democrática é o alicerce
fundamental para que a comunidade escolar desempenhe com eficácia o

354
Volume VI

seu papel na sociedade priorizando o nível intelectual da escola e dos


envolvidos no processo. Sendo assim, é necessária uma conscientização
dos professores, dos pais e dos alunos, por meio da gestão participativa
inovando o ambiente escolar em todos os seus aspectos, social e
ambiental.
O grande desafio é envolver a comunidade escolar nas tomadas
de decisões. O gestor necessita exercer diversas funções uma delas é ser
mediador no processo de transformação de atitudes, estimulando sua
equipe á seguir por um caminho dialógico e reflexivo, assumindo um
papel de liderança compartilhada, cuidando sempre do relacionamento
interpessoal dos alunos, professores e pais, envolvendo-os na
participação do contexto escolar, e principalmente na elaboração do
Projeto Político Pedagógico, sendo esta a primeira ação que aproxima os
envolvidos do âmbito social e no exercício da cidadania.
Para tanto, investir em práticas de gestão participativa,
democrática, técnicas motivacionais e reestruturação da instituição, as
ações concretas tornam-se um caminho eficaz para a concretização da
educação na sociedade contemporânea.
Entendemos que através de pequenas ações planejadas e
desenvolvidas coletivamente será um diferencial para motivação da
comunidade, que com certeza proporcionará momentos de partilha,
conversas, debates com vistas a transformar a realidade. Portanto a
transformação das práticas escolares é uma das formas para atrair a
participação de toda a comunidade, que com a aproximação dos
envolvidos, mudanças significativas e transformadoras ocorrerão.

355
Vozes da Educação

Referências Bibliográficas
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formas de avaliação. IN. Amélia Domigas de Castro e Ana Maria Pessoa
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1987
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29ª Ed. Campinas: Autores associados. 1995.
VEIGA, Ilma Passos A. (Org) Projeto Político Pedagógico da Escola:
uma missão possível. 3 ed. Campinas: Papiros Editora. 1995.

356
Volume VI

AS INTER-RELAÇÕES ENTRE DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DE


GÊNERO E EXCLUSÃO SOCIAL NA TRAJETÓRIA DE MULHERES
NEGRAS

Maristela Pereira Leal67

RESUMO
O presente artigo buscou analisar as inter-relações entre diversas formas
de discriminação sofridas pelas mulheres negras. Ao analisar os prejuízos
na construção das identidades de mulheres cujas marcas de
pertencimento são historicamente atreladas a estereótipos negativos,
pretendeu-se desvelar a complexa teia de deslegitimação, a qual as
mulheres negras brasileiras, descendentes das mulheres negras africanas
escravizadas, estão submetidas. Foi possível evidenciar que o racismo e o
sexismo são elementos estruturantes na sociedade brasileira, afetando de
diversas maneiras a trajetória de vida das mulheres negras pesquisadas,
impactando, inclusive, na manutenção da sua condição historicamente
subalternizada e em sua escolarização.
Palavras-chave: trajetória de escolarização; mulheres negras; racismo;
sexismo.

ABSTRACT
The present article sought to analyze the interrelationships between
different forms of discrimination suffered by black women. In analyzing
the losses in the construction of the identities of women whose marks of
belonging are historically linked to negative stereotypes, it was intended
to unveil the complex web of delegitimization, which Brazilian black
women, descendants of enslaved African black women, are subjected to.
It was possible to show that racism and sexism are structuring elements
in Brazilian society, affecting in several ways the life trajectory of the
black women researched, impacting, even, maintaining their historically
subordinated condition and in their schooling.
Keywords: trajectory of schooling; black women; racism; sexism.

Professora da rede municipal de ensino do estado de Goiás, mestre em Psicologia, pós-


67

graduada em Psicopedagogia, Gestão e Orientação Educacional e Graduada em Pedagogia


pela Universidade de Brasília-UnB.

357
Vozes da Educação

A escola é instituição social responsável pela instrução formal


dos indivíduos, importante para a formação de cidadãos e cidadãs, capaz
não apenas de combater as desigualdades, mas também compromissada
em promover transformações sociais, por meio da quebra de
paradigmas, desconstrução de preconceitos, produção de conhecimento,
bem como um lócus de socialização, mediante a interação entre os
sujeitos e suas diversidades. No caso da escola pública, essa finalidade
poderia ser um bem comum da coletividade.
Entretanto, ao analisar a história da educação brasileira,
constata-se quanto à escola, a sua contumaz incapacidade de garantia de
acesso, permanência e qualidade simultaneamente, ora porque oferece
qualidade, mas apenas para a elite, ora porque alardeia uma pretensa
universalização do acesso, porém não são acionados os mecanismos que
garantam a permanência e, por fim, os sujeitos que ingressam na escola e
nela permanecem, podem não ter uma formação de qualidade.
Relativamente ao acesso e à permanência da população negra,
as estatísticas educacionais no Brasil revelam a disparidade entre o
número de pessoas brancas e negras matriculadas no ensino
fundamental e, consequentemente, o número de concluintes.
A renda também se apresenta como fator substancial para o
insucesso escolar, acentuando o ciclo de exclusão, discriminação e
fracasso. Esse ciclo é retroalimentado, principalmente, quando a escola
passa a reproduzir as desigualdades existentes na sociedade, agindo
como aparelho ideológico do Estado, segundo Althusser (1985), a favor
do status quo, incentivando a competição e a meritocracia
Embora o conceito de qualidade possa ser deveras subjetivo
devido ao seu caráter dinâmico e amplo, entende-se por qualidade
escolar, de acordo com o Ministério da Educação (Unicef, PNUD, Inep-
MEC, 2004), a avaliação satisfatória dos seguintes indicadores: ambiente
educativo, prática pedagógica, avaliação, gestão escolar democrática,
formação e condições de trabalho dos profissionais da escola, ambiente
físico escolar, acesso, permanência e sucesso na escola.
Nas interações ocorridas no âmbito escolar, podem ocorrer
práticas que privilegiam um grupo em relação ao outro. Neste contexto,
grupos sociais marginalizados historicamente sofrem um processo de
desvalorização da sua cultura, ensejando o apagamento das marcas de

358
Volume VI

pertencimento identitário, causando sofrimento psíquico de diversas


formas. Acrescente-se aqui a aguda observação de Madureira e Branco
(2012):
Nos diversos contextos socioculturais, existem fronteiras
simbólicas que delimitam, de forma semipermeável, as diferenças entre
os indivíduos e grupos sociais. Quando tais fronteiras se tornam rígidas,
não permeáveis, e passam a qualificar alguns grupos a partir da
desqualificação, constante e difusa, de outros grupos, percebemos o
preconceito em ação (discriminação) (Madureira & Branco, 2012, p.131).
A discriminação racial é um forte elemento de promoção da
exclusão e do fracasso escolar. Esse elemento constitui fator que
retroalimenta a discriminação, além de criar um ciclo vicioso.
As desigualdades de inserção e permanência no mundo escolar
e do trabalho marcam a trajetória das mulheres negras e cumprem uma
importante função na manutenção da organização social brasileira
estratificada sob uma pirâmide, com uma base composta em sua maioria
por negros, e as negras, cujo sucesso na escolarização pode não significar
uma ruptura com o ciclo ancestral de exploração da sua força de
trabalho.
Após estudar as questões relacionadas às diversas formas de
preconceito, surgiu a necessidade de analisar como ocorre o processo de
exclusão quando há uma associação de diferentes formas de preconceito,
na Educação de Jovens e Adultos - EJA, uma modalidade de ensino
marcada por políticas públicas descontinuadas e pouco abrangentes,
sobretudo na escolarização de mulheres negras, quando as várias formas
de preconceitos se coadunam, associando diferentes marcadores sociais:
raça, gênero e, muitas vezes, classe social.
Eis por que se faz necessário pesquisar os fatores subjacentes à
trajetória escolar de mulheres negras que culminam em desigualdade,
desfavorecimento e discriminação.
Para situação do problema, é apresentada a Figura 1 que mostra
o percentual de negros e brancos no Brasil:

359
Vozes da Educação

Figura 1. População residente no Brasil, por cor ou raça (2000 e 2010).


(A partir de Rede Angola.)
Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/11/numero-de-negros-em-
universidades-brasileiras- cresceu-230-na-ultima-decada/

O Brasil tem a segunda maior população negra do mundo.


Contudo, ela não possui representatividade proporcional nas escolas,
universidades, nas câmaras municipais, distritais e federais, Congresso
Nacional e nem em profissões com prestígio social. Nos livros didáticos,
a representação dos/as negros/as tende a ser minimizada. Devido à
influência eurocêntrica, as contribuições das populações de matrizes
africanas escravizadas no Brasil são diminuídas ou invisibilizadas.
A seguir, os gráficos mostram as diferenças de escolarização
entre brancos e negros. Apesar de a curva ascendente, a escolarização
dos negros ainda permanece inferior em todos os níveis. A Figura 2
refere-se aos dados do Ensino Fundamental II e a Figura 3, aos números
do Ensino Superior:

360
Volume VI

Figura 2. Taxas líquidas de matrícula no segundo ciclo do ensino fundamental segundo cor/raça
– Brasil (A partir de Pnad 1995-2005).

Disponível em: http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/Cap29.pdf.

Figura 3- Taxas líquidas de matrícula no ensino médiosegundo cor/raça Brasil, 1995-2005.

Fonte: Pnad1995-2005.
Disponível em: http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/livros/Cap29.pdf.
Nota: A população negra é composta de pretos e de pardos.

Observa-se na Figura 4, que os dados registram uma violência


generalizada, independentemente da escolarização (os/as negros/as
permanecem como as principais vítimas de homicídio). Se, por um
lado, mesmo tendo acesso à escola, ainda que dificultado no período
pós-escravidão, a formação intelectual do negro está fragilizada, no
tocante ao acesso ao conhecimento escolar, mesmo socialmente
valorizado no contexto das sociedades letradas. Por outro lado,

361
Vozes da Educação

observa-se que, mesmo quando escolarizado, ainda figura como uma


parte vulnerável da população brasileira.
Segue a Figura 4, com a taxa de mortalidade de acordo com os
anos de escolaridade:

Figura 4. Taxas de mortalidade na população com 15 anos ou mais, segundo raça/cor e anos de
estudos.

(Adaptado de Sistema de Informações sobre Mortalidade/Secretaria de Vigilância em


Saúde/Ministério da Saúde e IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v45n4/2640.pdf

A taxa de homicídios em todo o Brasil tem números


semelhantes ao de países assolados por guerra civil. Estes números
evidenciam uma das facetas mais cruéis do “racismo à brasileira”: sutil
(ou nem tanto), velado, por não apresentar fronteiras físicas explícitas de
segregação entre negros e brancos, mas, extremamente letal, segundo
mostra o gráfico a seguir:

Figura 5. Principais vítimas por raça/cor em porcentagem (2010).

362
Volume VI

(A partir de Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da


República -Seppir/PR.)
Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/release_pesquisa.asp?p=44)

Devido ao processo histórico de segregação, os negros e as


negras compõem uma das partes mais vulneráveis da sociedade brasileira
atual. A ocorrência simultânea de diversos fatores de subordinação causa
uma teia de deslegitimação muito mais complexa que uma simples soma
de vulnerabilidades (Louro, 1997).
Sabe-se que em ambientes com tradições patriarcais, pesa,
sobre as mulheres, o preconceito quanto à sua condição feminina. Em
ambientes de prestígio social, pesa, sobre os homens e as mulheres de
condições menos favorecidas, o preconceito de classe social. Em todos
os ambientes onde as mulheres negras convivem pesa o preconceito
quanto à sua raça.
Quanto aos diversos tipos de preconceitos sofridos pelas
mulheres negras, destaca-se o preconceito racial, não porque
simplesmente se soma aos outros, mas porque ele decorre de um fator
subjacente e estruturante das relações sociais constituídas
assimetricamente devido às discriminações. Quando diversas formas de
preconceito se coadunam forma a “sinergia de vulnerabilidades” (Parker,
2000, citado por Franco & Cicillini, 2015).
A associação de vulnerabilidades na visão de Adorno (2001)
pode ser explicada da seguinte forma:
Mais usualmente utilizada em nossos dias pelos movimentos
sociais e de direitos humanos, a expressão vulnerabilidade social sintetiza
a ideia de uma maior exposição e sensibilidade de um indivíduo ou de
um grupo aos problemas enfrentados na sociedade e reflete uma nova
maneira de olhar e de entender os comportamentos de pessoas e grupos
específicos e sua relação e dificuldades de acesso a serviços sociais como
saúde, escola e justiça. (Adorno, 2001, p.11)
A remuneração bem abaixo da percebida pelos trabalhadores
brancos enquadra as camadas populares na classe predominantemente
negra. Isto, na maioria das vezes, mascara o preconceito racial,
atribuindo-lhe características de preconceito social apenas, inteiramente

363
Vozes da Educação

vinculado no contexto de exclusão fortemente ligado ao período


escravagista.
Em síntese: no Brasil, a classe menos favorecida, tem uma cor
predominante e a classe economicamente mais abastada, também. Ou
seja, a pobreza e a riqueza no Brasil têm cor e, segundo diz Rita Izsák 68,
a cor da pobreza é negra. Segue a Figura 6 com o panorama da renda de
acordo com a raça, em cada região brasileira:

Figura 6. Gráfico que demonstra divisão da renda entre a população, na divisão por raças/cor (A
partir de Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE (2010).

Disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ibge-mostra-a-persistencia-de-dois-brasis/)
Nota: As informações estão ordenadas na mesma ordem da legenda.

Rita Izsák é relatora especial das Nações Unidas sobre Questões das Minorias. Disponível
68

em:http://ftimaburegio.jusbrasil.com.br/noticias/236565651/onu-a-pobreza-tem-cor-no-brasil-e-
os-negros-sao-os-mais- ameacados-pela-crise-economica-do-pais

364
Volume VI

O mito da democracia racial brasileira sugere uma relação


igualitária e harmoniosa entre as diversas raças, de forma a minimizar os
efeitos de 388 anos de escravidão, a qual foram submetidos/as os/as
africanos/as trazidos/as para o Brasil. As tentativas de superação do
racismo, minimizando as consequências da escravidão, esbarram no
legado histórico deixado por ela. Para negar as implicações materiais e
simbólicas deste processo histórico de marginalização racial, seria preciso
ignorar cerca 75 % da história do Brasil.

De acordo com Bento (2002):


Na verdade, o legado da escravidão para o branco é um assunto que
o país não quer discutir, pois os brancos saíram da escravidão com
uma herança simbólica e concreta extremamente positiva, fruto da
apropriação do trabalho de quatro séculos de outro grupo. Há
benefícios concretos e simbólicos em se evitar caracterizar o lugar
ocupado pelo branco na história do Brasil. Este silêncio e cegueira
permitem não prestar contas, não compensar, não indenizar o s
negros: no final das contas, são interesses econômicos em jogo
(Bento, 2002, p.27).
Todavia, analisando os dados estatísticos, apresentados
anteriormente, a raça negra aparece sempre em desvantagem quando
são comparados os dados de acesso e permanência na escola, acesso ao
mercado formal de trabalho e remuneração em relação à população
branca. Há ainda dados alarmantes acerca do recrudescimento da
violência sofrida por mulheres negras e jovens negros, principalmente
nas periferias das grandes cidades.
Há inúmeras tentativas de silenciar a população oprimida,
deslegitimando a sua luta e negando a existência de práticas
discriminatórias no Brasil. O racismo é um inimigo, carregado de
mecanismos de segregação e obscurecido por uma falsa noção de
igualdade. Como se fosse possível construir igualdade de
oportunidades, desconsiderando os pontos de partidas desiguais.
A discriminação racial funciona para os brancos como
calçados que usam para correr contra negros descalços. Torna a corrida
tranquila para os primeiros e extenuante para os últimos. Para que a
equalização racial ocorra no Brasil, em um horizonte de tempo aceitável,
é preciso, primeiro, tirar os calçados dos brancos. Depois, deixá-los

365
Vozes da Educação

correrem descalços por algum tempo e calçar os negros para que os


alcancem (Theodore et al., 2008, p. 9).
Em termos metafóricos, descalços ou calçados, é preciso
reconhecer os mecanismos de segregação e romper as barreiras que
limitam a equalização racial. A cada passo dado, muda a perspectiva, é
uma forma de fazer justiça e reverenciar a nossa ancestralidade.
Com o intuito de desvelar os mecanismos de exclusão que
permeiam a trajetória escolar das mulheres negras, a Figura 7 apresenta
os dados da escolarização de acordo com a raça. Embora a trajetória da
curva seja ascendente, a escolarização dos negros e negras ainda
permanece inferior à escolarização de homens e mulheres brancos.

Figura 7. Taxa líquida de escolarização, por sexo, cor/raça e nível de ensino


(A partir de Sotero, 2014)

Veja-se, a propósito, que no Ensino Médio e Superior as


diferenças se acentuam, indicando que a pretensa universalização do
Ensino Fundamental coloca os/as estudantes (sejam eles brancos ou
negros) em igualdade de acesso, sem considerar as desigualdades das
condições de permanência, sobretudo no ensino médio quando, nas
camadas menos favorecidas, o início da vida adulta marca também a
emergência da inserção dos/as jovens no mundo do trabalho,
comprometendo a permanência do/a jovem trabalhador/a na escola.

366
Volume VI

Com referência às mulheres, além das questões relacionadas ao


mundo do trabalho, pesam as responsabilidades da maternidade, uma
vez que a gravidez, como fenômeno social em um contexto marcado
pelo patriarcalismo, é geralmente considerada como responsabilidade
exclusiva das mulheres.
A gravidez na adolescência é apontada em diversas pesquisas,
como um dos fatores de evasão e fracasso escolar. Vencida a barreira da
escolarização, falta-lhe remuneração compatível no mesmo patamar
percebido pelos homens negros, como também pelos homens e
mulheres brancos com a mesma escolaridade.
A Figura 7 revela ainda que as mulheres negras encontram-se
mais escolarizadas em comparação com os homens negros, mas esta
vantagem não se reflete no aumento da renda, conforme se evidencia no
quadro a seguir (Figura 8) que apresenta o panorama da renda de acordo
com o gênero e a raça:

Figura 8 - Renda média da população, segundo sexo e cor/raça. (Instituto de Pesquisa


Econômica Aplicada)

Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/retrato/infograficos_pobreza_distribuicao_desigualdade_renda.html

Embora a Lei 11.340/06, conhecida como a Lei Maria da


Penha, que visa coibir a violência doméstica e a Lei 13.104/15,
denominada de Lei do Feminicídio, que aplica penas maiores aos
homicídios praticados contra as mulheres, esses diplomas legais, editados
com o objetivo proteger as mulheres em geral, sem distinção de raça,

367
Vozes da Educação

nasceram em ambiente de crescente violência contra as mulheres negras,


principais vítimas da violência doméstica e de homicídio. Assim,
integrantes de um grupo alvo de diversas formas de violência, as
mulheres negras constituem a parte mais vulnerável.
No ensino da história, geralmente, já há uma invisibilização das
mulheres e diminuição da sua importância. Quando a temática envolve
mulheres negras, há uma inegável tendência na história do Brasil em
retratá-las apenas na condição de escravas. Daí afirmar-se que a história
das mulheres negras é a história do coletivo, do grupal, como se não
existisse um protagonismo individual. São as escravas, as mulatas, as
empregadas domésticas. Porém, se há protagonismo, ele aparece sob a
forma de lista do tipo “As dez mulheres negras que fizeram história”,
geralmente em capítulos específicos, separando as mulheres negras da
história geral ou veiculando em materiais e meios ligados ao movimento
negro.
A falta de representatividade em diversos contextos reitera a
normatização da situação subalterna à qual a população negra está
submetida há vários séculos. Para Carvalho (2003):
A ausência de professores negros faz incidir sobre os alunos
negros, pobres e ainda sobre onerados financeiramente, uma tripla
discriminação: a injustiça simbólica de carecer de figuras modelares de
identificação que os ajudem a construir uma autoimagem positiva e
suficientemente forte para resistir aos embates do meio acadêmico
racista em que têm que se mover (p.165).
Os embates citados por Carvalho (2003) tornam-se cada vez
mais frequentes quando, apesar de toda a deslegitimação, as mulheres
negras ingressam na carreira acadêmica ou ocupam cargos de chefia.
Sendo assim, é importante implementar políticas públicas e ações
afirmativas para acelerar a redução das desigualdades e favorecer a
equidade, caso contrário, em se oferecendo oportunidades iguais aos
diferentes, ampliam-se as desigualdades.
As mulheres negras e outros grupos socialmente menos
favorecidos sofrem no âmbito escolar com as consequências das baixas
expectativas dos/as docentes em relação ao seu êxito em termos de
desempenho: são as chamadas “profecias autorrealizadoras”. Para
Rosenthal (1966), "alguém profetiza um evento, e a expectativa do

368
Volume VI

evento muda o comportamento de quem fez a profecia de tal modo que


torna a profecia mais provável" (p. 196). Este conceito não se aplica
somente à escola, mas materializa-se na escola, quando se empregam
poucos recursos na educação de determinados sujeitos, ou se oferece
uma educação sem compromisso com a formação global, sob o pretexto
de que “para quem nada tem, qualquer coisa serve”.
A escola não é, por si só, uma instituição redentora, mas
permite, por meio do acesso ao conhecimento historicamente
constituído e amplamente valorizado pela sociedade letrada, reconhecer
os desafios e as possibilidades dos sujeitos no cerne de uma sociedade
capitalista.
Observa-se que na trajetória das mulheres negras não há
relação direta entre a escolaridade e o aumento da renda, contudo, a
mobilidade social, possibilitada pelo eventual aumento da renda, seria
apenas um dos benefícios da escolarização, uma vez que o processo de
escolarização formal proposto pela escola abrange a formação global dos
sujeitos.
Em que pese as críticas à forma de atuação e estrutura do
sistema escolar vigente, não estar inserido neste contexto educacional
pode ser ainda mais danoso para a emancipação dos sujeitos. Nesse
sentido, instrumentalizar os indivíduos para romper com ciclos
ancestrais de exploração da sua força de trabalho significa oportunizar
uma nova maneira de entender o mundo para além das explicações
dogmáticas e da naturalização das desigualdades. As dificuldades de
acesso e permanência na escola marcam as trajetórias dos indivíduos, de
modo que as suas aspirações, concluídos os estudos, muitas vezes,
versam basicamente em torno da inserção e ascensão profissional,
reduzindo as aspirações dos sujeitos a um mero aperfeiçoamento da sua
força de trabalho.
De acordo com Dayrell (2003):
Que existem várias maneiras de se construir como sujeito, e uma
delas se refere aos contextos de desumanização nos quais o ser
humano é proibido de ‘ser’, privado de desenvolver as suas
potencialidades, de viver plenamente a sua condição humana (...).
Não é que eles não se construam sujeitos, ou o sejam pela metade,
mas sim que eles se constroem como tais na especificidade dos
recursos de que dispõem (p. 43)

369
Vozes da Educação

A mídia reafirma, frequentemente, a posição subalternizada das


mulheres negras ao representá-las em posições de pouco prestígio ou
objetificando o corpo feminino, revelando que o assédio sofrido desde a
escravidão permanece em alguma medida até os dias de hoje.
Superar as barreiras do preconceito de gênero, de raça e classe
social tem sido o desafio de gerações de mulheres negras desde o fim
oficial da escravidão no Brasil. Entretanto, a superação de tais barreiras
envolve muito mais que o desejo pessoal das mulheres engajadas nesta
luta e de homens sensíveis a esta temática: a construção dos estigmas e
dos estereótipos de inferioridade das mulheres negras tem profundos
enraizamentos históricos e a desconstrução tem se mostrado uma tarefa
difícil.
Se, por um lado, existe um movimento de valorização e
reconhecimento das mulheres como cidadãs, dignas de direitos iguais
aos dos homens, por outro lado, esse movimento parece chegar sempre
atrasado: tal movimento envolve a desconstrução de equívocos
históricos que acabam por reforçar as desigualdades entre homens e
mulheres. As ações educativas de construção de uma cultura de
valorização das mulheres parecem sempre mais incipientes diante da
disseminação da cultura machista vigente, ensejando o uso de mais
tempo e energia para que se desconstrua práticas e até mesmo leis que
depreciam as mulheres.
Em relação às mulheres negras há uma associação de fatores
que limitam ainda mais a representatividade positiva: o corpo das
mulheres negras foi objetificado quando estava sob a condição de
escravizada. Associar a escravidão somente à execução de trabalhos
forçados, com uso de violência física e psicológica e em condições
insalubres, é invisibilizar o fato de que o corpo das negras foi
objetificado, de outras maneiras, durante e, em alguma medida, após a
escravidão.
Para Monteiro (1989):
O uso do corpo da mulher negra vai para além do econômico, da
produção material de bens, vai para além da reprodução. No seu
corpo reside o desejo imaginário, machista e escravista que a torna
responsável pelo apetite sexual que provoca no senhor, enquanto
provoca, em sentido inverso, a violência da senhora
(Monteiro,1989, p. 96).

370
Volume VI

Libertar-se da segregação historicamente imposta, sob um


corpo cujas marcas corporais trazem consigo os elementos de
inferiorização, constitui-se como um dos grandes desafios das mulheres
negras.
Quando crianças, é comum a oferta de bonecas caucasianas,
com longos cabelos lisos, filmes com princesas brancas e bruxas negras.
Tais personagens podem criar no imaginário infantil uma associação do
bem com as personagens brancas e do mal, com personagens negras,
dificultando as ações de reconhecimento, pertencimento e representação
da criança negra com a sua raça.
Esta visão maniqueísta do bem (associado ao branco) e do mal
(relacionado ao negro) tem encadeamentos que perpassam o imaginário
infantil, estendendo-se à literatura geral, à publicidade, à dramaturgia, à
teledramaturgia, ao cinema e à música. Para Souza (1990), saber-se negra
é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade,
confundida em suas expectativas, submetida a exigências, compelida a
expectativas alienadas.
Os veículos de comunicação e materiais pedagógicos, em geral,
buscam relatar a história da miscigenação que originou o povo brasileiro,
de uma forma romanceada, silenciando quanto às atrocidades que
geralmente subjazem os processos de dominação como no caso de
colonizadores X colonizados, senhores X escravos.
Em ambos os exemplos, as mulheres foram vítimas de
violência sexual, acrescida de todos os outros tipos de violência que
permeiam a exploração da força de trabalho, e a sua condição feminina
subalternizada por diversos processos sociais e psicológicos. Na aguda
observação de Alencastro (2000):
Houve no Brasil um processo específico que transformou a
miscigenação — simples resultado demográfico de uma relação de
dominação e de exploração — na mestiçagem, processo social complexo
dando lugar a uma sociedade plurirracial. O fato de esse processo ter se
estratificado e, eventualmente, ter sido ideologizado, e até sensualizado,
não se resolve na ocultação de sua violência intrínseca, parte
consubstancial da sociedade brasileira: em última instância, há mulatos
no Brasil e não há mulatos em Angola porque aqui havia a opressão
sistêmica do escravismo colonial, e lá não. (Alencastro, 2000, p. 353)

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Vozes da Educação

A televisão é um dos veículos de comunicação mais populares


no Brasil sendo, muitas vezes, a principal fonte de informação e
entretenimento das classes menos favorecidas, e, frequentemente,
dissemina, de forma parcial, a história dos negros em suas novelas e
séries, onde, geralmente, representam papéis subalternos ou personagens
secundários.
Na publicidade, um comercial como o do shampoo Jhonson’s
Gotas de Brilho69, veiculado nos canais de televisão aberta e na internet
em meados de 2015, pode corroborar a associação do branco a signos de
beleza. A cena do comercial é composta por meninas brancas tomando
banho, usando o referido shampoo para lavar os cabelos. Dançando,
com os cabelos esvoaçantes, surgem ilustrações de carruagens, castelos e
coroas. Ao final, é apresentada a seguinte afirmação: “Nova linha
Jhonson’s gotas de brilho com óleo de argan, sua princesa com cabelos
de princesa”. Numa alusão à associação de características “de princesa”
ao cabelo liso, no referido comercial, nenhuma menina era negra, nem
tinha cabelos afro e nem ao menos cacheado.
O cabelo crespo das mulheres negras é usado como um
instrumento de autoafirmação e de luta em favor das características
identitárias de matriz africana, uma vez que as características associadas à
cultura eurocêntrica é disseminada como sinônimo de padrões de beleza,
vestuário e comportamento.
Manter o cabelo crespo, em uma sociedade que supervaloriza o
cabelo liso, é mais que uma mera escolha baseada em questões estéticas
ou de preferências pessoais. Para Gomes (2003):
Dentre as muitas formas de violência impostas ao escravo e à
escrava estava a raspagem do cabelo. Para o africano escravizado esse
ato tinha um significado singular. Ele correspondia a uma mutilação,
uma vez que o cabelo, para muitas etnias africanas, era considerado uma
marca de identidade e dignidade. Esse significado social do cabelo do
negro atravessou o tempo, adquiriu novos contornos e continua com
muita força entre os negros e as negras da atualidade (Gomes, 2003, p.7).
Observa-se a importância do cabelo na construção da
identidade das negras e quão danosa pode ser a falta de

Comercial disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WAwcu1ave4o


69

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Volume VI

representatividade nos diversos meios sociais, nos espaços escolares que


representa um microcosmo da sociedade. As características associadas
aos negros tendem a ser subalternizadas, devido ao longo passado
escravista e a cultura normativa vigente.

Considerações finais
Entender a escolarização como parte importante na trajetória
de vida das mulheres negras permite compreender o quanto estar à
margem deste processo ou estar inserida no contexto escolar e não ter as
suas perspectivas, em termos sociais e históricos, contempladas, pode
ser determinante na forma de ser e de estar inserida na sociedade.
Na opinião de Silva (2005), a desconstrução da ideologia racista
que desumaniza e desqualifica as pessoas negras pode contribuir para o
processo de reconstrução da identidade étnico-racial e da autoestima
dos/as afrodescendentes, passo fundamental para o exercício pleno da
cidadania.
Embora intensificados esforços nos últimos anos nesse sentido,
citando-se a título de exemplo a Lei 10.639/03, que torna obrigatório o
ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas,
foram eles ainda insuficientes, pois a sociedade brasileira se estruturou
no sentido de silenciar e deslegitimar os/as negros/as, como também
adotou forma de convivência, isto é, de manter a situação dos/as
negros/as no Brasil, não mais como escravizados, mas ainda sendo
considerados “inferiores” em relação aos brancos, e tratados como tal.
Todo este ciclo de discriminação tem desdobramentos que
afetam inclusive as escolas, onde os/as docentes, exatamente por terem
vivido e estudado em um contexto social, marcado pelo racismo,
sexismo e elitismo, e ainda viverem em um país onde tais práticas não
são efetivamente combatidas, acabam, muitas vezes, por reproduzir e
reforçar tal ciclo, mesmo que de modo não intencional.
Na sociedade brasileira, é comum que haja docentes que não
tenham clareza quanto ao sofrimento psíquico ligado às representações
estereotipadas no contexto da sala de aula, pois, frequentemente, não
tiveram, nas suas vivências pessoais ou na formação acadêmica,
oportunidades de problematizar as questões de gênero, raça e classe

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Vozes da Educação

social. Portanto, reitero a importância de uma educação pautada na


valorização das diversidades e na emancipação dos sujeitos.
A partir de estereótipos negativos associados aos/às negros/as,
à baixa expectativa docente materializa-se, muitas vezes, no baixo
investimento na emancipação dos sujeitos, propiciando que as profecias
auto realizadoras impactem negativamente no processo educacional
dos/as estudantes.
Romper com a condição subalternizada economicamente a qual
as mulheres negras pesquisadas estão submetidas depende, muitas vezes,
do rompimento de um ciclo de segregações que envolvem as inter-
relações entre as diversas formas de discriminações sofridas por elas.
Certamente, a condição socioeconômica menos favorecida
pode impactar, de alguma forma, no processo de escolarização. Após a
pesquisa, acredito que a condição econômica menos favorecida e o
fracasso escolar sejam partes de um ciclo que, infelizmente, se
retroalimenta.
Por fim, cabe destacar que não acredito na escola e na educação
escolarizada como redentora de todos os males da sociedade. Reitero, no
entanto que, onde a presença do Estado é ínfima, a escola torna-se uma
instituição de suma importância para que os sujeitos se (re)conheçam
como partícipes da história e atuem na promoção das transformações
sociais necessárias à construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Os/as educadores/as têm um papel de fundamental
importância na promoção da igualdade racial e de gênero. No que se
refere ao racismo, cabe aos/às educadores/as realizarem uma revisão
crítica da práxis pedagógica para que não reproduzam a herança
discriminatória e analisem criticamente a suposta “harmonia” racial
existente no Brasil, pois as estatísticas indicam a existência de um
“abismo” entre brancos/as e negros/as, inclusive em relação à
remuneração, indicando a subvalorização da força de trabalho da
população negra.
Infere-se que tão importante quanto inserir os indivíduos no
processo de escolarização, é acionar os mecanismos compensatórios
para garantir a permanência dos indivíduos e grupos sociais menos
favorecidos na continuidade do processo, sem as rupturas e as
descontinuidades contumazes.

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Volume VI

Referências Bibliográficas
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Solidária.
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Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras.
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racial no Brasil 120 anos após a Abolição. 1ª edição. Brasília: IPEA –
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Vozes da Educação

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