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FACULDADE ANHANGUERA
Jacareí
2017
2
Aline Fideles1
Resumo
Este artigo tem por finalidade explorar o mito dos direitos humanos como garantias
exclusivas dos dos criminosos através de estudos ligados a criminologia, influência midiática
e responsabilidade estatal na disseminação da guerra ao crime e seus impactos na sociedade
atual, principalmente, aos agentes de segurança pública. Assim, busca-se minimizar os
impactos decorrentes da violência policial, bem como da violência empregada contra
policiais, aplicando-se os direitos humanos como direitos de todos.
Abstract
This article aims to explore the myth of human rights as criminals' right through studies
related to criminology, media influence and state responsibility in the spread of the war on
crime and its impacts on society today, especially to public security agents. Thus, the aim is to
minimize the impact of police violence, as well as violence against police officers, with
human rights as the rights of all.
Keywords: human rights; public security; police violence; social control; criminology
1
Bacharel em Comunicação Social pela Faculdade Eniac. Estudante de Direito pela Faculdade Anhanguera de
Jacareí. Servidora pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
3
Sumário
1. Introdução .......................................................................................................................... 4
Conclusão.............................................................................................................................. 23
Referências ........................................................................................................................... 25
4
1. Introdução
O presente estudo tem como objetivo analisar a exposição dos nossos agentes de
segurança pública em uma cultura de violência, tomando como referência uma teoria ampla
dos direitos humanos associados à ideia equivocada de proteção dos criminosos, visando
minimizar os impactos decorrentes da violência policial.
Baseados nesse antagonismo, estudaremos a necessidade de aplicação dos direitos
humanos aos agentes de segurança pública, esfacelando o mito de que os direitos humanos
são destinados somente aos delinquentes, buscando seu real significado, tendo como
fundamento a dignidade da pessoa humana.
Partindo do pressuposto de que o criminoso é um ser normal que sofre influência dos
meios que se insere2, entende-se que nossos policiais estão diretamente imersos nessa cultura
de violência, expostos às influências do meio e como tal, passíveis de cometer condutas
delituosa.
Ainda, analisaremos a influência midiática na corroboração deste mito, bem como os
impactos decorrentes da guerra contra a criminalidade declarada pelo Estado.
Demais disso, o objetivo deste estudo não é afastar os direitos humanos dos menos
favorecidos e aplicar aos agentes de segurança pública, mas sim deslindar que trata-se de um
direito inerente a pessoa humana, podendo alcançar todos, finalmente concluindo o processo
de dissolução de um repertório simbólico institucionalizado dos direitos humanos como
direitos de criminosos.
2
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 6ª edição. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2014, p. 51.
3
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à
filosofia do direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica: norma jurídica e aplicação do direito. 23ª edição. São
Paulo: Saraiva 2012, p. 36-41.
5
Deus e, desta forma, devemos amar uns aos outros como a si mesmos.4 Sendo todos filhos de
Deus, o cristianismo pregou igualdade entre os povos, declarando que “já não há nem judeu
nem grego, nem escravo nem livre, nem homem nem homem nem mulher”.5 Assim, baseados
em fundamentos bíblicos e filosóficos, escolásticos e canonistas medievais concluíram que
todas as leis que fossem contrárias ao direito natural não teriam vigência ou força jurídica,
sendo totalmente excluídas. 6
As primeiras declarações de direitos humanos surgiram com a Independência
Americana e Revolução Francesa. O primeiro registro de nascimento dos direitos humanos se
deu com o artigo I, da Declaração de Direitos da Virgínia, publicada em 16 de junho de 1776.
No ano 1789, durante o ato de abertura da Revolução Francesa, a mesma ideia foi reafirmada:
“Todos os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (Declaração dos
Direitos do Homem e Cidadão, 1789, art. 1º).7
Entretanto, os direitos humanos somente passaram a evoluir decisivamente após a 2ª
Guerra Mundial, como resposta ao horror propagado pelo nazismo, onde milhares de pessoas
tiveram suas vidas ceifadas. Manifestou-se, desta forma, a imprescindibilidade na idealização
de um sistema internacional que protegesse os direitos da pessoa humana sem qualquer
distinção, tendo em vista que os nazistas condicionavam a titularidade de direitos a
determinada raça.8 Entretanto, somente no ano de 1948 é que a primeira organização
internacional proclamou que “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e
direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com
espírito de fraternidade.” (Artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos,
proclamada em 10 de dezembro de 1948).9
Após elucidar brevemente os fundamentos históricos dos direitos humanos, devemos
nos aprofundar nas características desses direitos, a fim de uma aproximação conceitual mais
concreta.
Os direitos humanos têm como características sua historicidade, conforme exposto,
com maior evidência a partir do ano de 1945, com o fim da Segunda Guerra e nascimento da
Organização das Nações Unidas; a universalidade, tendo em vista que todas as pessoas são
titulares de direitos humanos; a essencialidade: sendo essenciais por natureza;
4
Atos 10,34 e Marcos 12,31
5
Epístola aos Gálatas 3,28.
6
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7ª edição. São Paulo: Saraiva,
2010, pp. 53-60.
7
Ibid., pp. 62-65.
8
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11ª edição. São Paulo:
Saraiva, 2006, pp. 121-122.
9
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, cit., pp. 21-24.
6
Neste diapasão, podemos utilizar o conceito de Peres Luño para definir direitos
humanos como sendo “um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento
10
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5ª edição. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011, pp. 807-808.
11
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos. São Paulo: Método, 2014, p. 39.
12
WEISS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. 2ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2010, pp. 50-
51.
13
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público, cit., p. 809.
7
14
PERES LUÑO, António. Derechos Humanos, Estado de Derecho y Constitución. Madrid: Tecnos, 1995, p.
48.
15
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direitos humanos, cit., p. 19.
16
A Constituição Federal Brasileira foi promulgada em 05 de outubro de 1988, contando nesta data, com 29
anos.
17
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional, cit., p. 21.
18
ADORNO, Sérgio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. In: Tempo Social, n. 2, v. 11,
1999, pp. 129-153.
19
Neste sentido, expõe o autor: “Não se pode, portanto, definir ‘humanos direitos’. Até porque, se tal fosse
possível, teríamos de criar a categoria de ‘humanos-não-direitos’ ou ‘humanos tortos’ o que seria de mais difícil,
senão impossível, conceituação.” PAGLIONE, Eduardo Augusto. Direitos humanos para humanos direitos. In:
Boletim IBCCRIM, São Paulo, n. 207, fevereiro de 2010.
20
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução Roberto Raposo São Paulo: Companhia das Letras,
2007, p. 330.
21
PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique et al. Concepto y concepción de los derechos humanos. In: DOXA, n. 4,
1987, p. 51
8
22
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia. Passo Fundo: Pater Editora, 1998, pp.
7-13.
23
No período de 2011 a 2015 a Guerra na Síria registrou 256.124 mortes violentas intencionais, enquanto o
Brasil, no mesmo período, registrou o número de 279.567 mortes, segundo dados divulgados pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública, disponível em http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2017/01/Anuario_Site_27-01-2017-RETIFICADO.pdf , acesso em 27 de agosto de 2017.
24
PEREIRA, Íbis. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São Paulo:
Boitempo, 2015, pp. 50-54.
25
LUIGI, Ferrajoli. Derecho y razón. Teoría del garantismo penal. Madrif: Trotta, 1995, p. 763.
26
NUCCI, Guilherme de Souza. Direitos humanos versus segurança pública. Rio de Janeiro: Forense, 2016,
p. 52.
27
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia, cit., pp. 7-13.
28
PEREIRA, Íbis et al. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação, cit., p. 50-
54.
29
Ibid.
30
Entre os anos de 2009 a 2015, policiais brasileiros morreram 113% mais em serviço do que os policiais
americanos, sendo que que policiais morrem três vezes mais fora do serviço do que no trabalho. Disponível em
http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Anuario_Site_27-01-2017-RETIFICADO.pdf ,
acesso em 27 de agosto de 2017.
9
cidadãos, encontram-se inseridos cotidianamente em uma linha tênue entre o legal e ilegal,
cabendo a eles identificar esses limites31, Assim, baseando-se na criminologia, tentaremos
explorar o perfil dos protagonistas dessas supostas violações e suas motivações.
Segundo conceito de Shecaira, criminologia é o estudo e interpretação da conduta
ilícita; os meios formais e informais utilizados pela sociedade para lidar com o ato delituoso,
bem como a vítima e o autor dos fatos, como sendo aquele exposto aos efeitos do ambiente
em que se encontra inserido e o controle social como o composto de instrumentos e sanções
sociais a qual o infrator da lei é submetido.32
Já no princípio do bem e mal, o delito é um dispêndio para a sociedade, o delinquente
um componente inconveniente e nocivo do sistema social. A infração penal constitui o mal e a
sociedade estabelecida o bem.33 Considera-se, assim, o mal como a supressão do bem,
constituindo o bem uma força positiva e o mal negativa.34
Assim, a partir de algumas teorias criminológicas já existentes analisaremos os agentes
de segurança pública, considerando que a criminalidade não é comportamento da minoria,
mas sim da maioria dos membros que compõe a sociedade.35
a) Teoria da associação diferencial e subcultura delinquente: Segundo Sutherland, os
crimes não podem ser associados as classes menos favorecidas ou ao perfil biológico herdado
do indivíduo, o crime é aprendido. Esse aprendizado se dá com a comunicação dos
indivíduos, geralmente mais íntimos, no qual se desenvolve a técnica para violação da norma
jurídica, sendo a violação mais favorável do que o cumprimento da lei.36
O treinamento dado aos ingressos na polícia conta com diversos relatos
consubstanciados em abusos e violações de direitos37, ademais, recebem um treinamento
ainda mais intenso na rotina cotidiana, onde são expostos a cultura de violência diariamente,
estando inseridos neste contexto reiteradas vezes. Assim, torna-se compreensível, mas não
justificável, que o policial sinta-se desorientado quanto a distinção do uso legítimo de força e
violência.
31
BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. As mortes sem pena no Brasil: a difícil convergência entre Direitos
Humanos, política criminal e Segurança Pública. In: Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, v. 110, p. 211-229.
32
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, cit., pp. 35, 45-63.
33
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do
Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 42.
34
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 14ª edição. São Paulo: Ática, 2015, p. 323.
35
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, cit., pp. 45-63.
36
HERMAN. Nancy J. Deviance: a symbolic interactionist approach. General Hall: Lanham, 1995, pp. 64-68.
37
Disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/formacao-da-pm-e-baseada-em -abusos-dizem-policiais/,
acesso em 15 de outubro de 2017.
10
38
SILVA, Alessandra Obara Soares. Inexistência ou ineficiência das políticas públicas e controle judicial.
In: Revista Eletrônica da Faculdade de Direito. ISSN 1984-1094, n. 1, 2008, pp. 01-22.
39
Segundo o filósofo John Locke, na sociedade civil cada um abre mão do seu direito de vingança delegando
esse poder ao Estado, LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. Tradução Magda Lopes e Marisa
Lobo da Costa. Vozes: Petrópolis, 1994, p. 70.
40
FUZIGER, Rodrigo. Direito penal simbólico. Juruá: Curitiba, 2015, p. 58.
41
A profissão de policial é uma das mais propensas a cometer suicídio. Disponível em
http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Resultados/noticia/2015/03/profissoes-mais-propensas-ao-
suicidio.html, acesso em 15 de outubro de 2017.
42
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. 2ª edição. Rio de janeiro: Revam, 2007, p. 74.
43
Disponível em http://cpja.fgv.br/sites/cpja.fgv.br/files/pesquisa_opiniao_dos_policiais_versao_sem_
diagramacao_completa.pdf, acesso em 14 de outubro de 2017.
44
SOARES, Luiz Eduardo. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São
Paulo: Boitempo, 2015, p. 32.
45
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, cit., p. 258.
11
Neste diapasão, os policiais são rotulados como truculentos, porque têm esse
comportamento reforçado em seu treinamento, que muitas vezes é baseado em abusos e até
mesmo na rotina cotidiana.46 O Estado usa a polícia como mera ferramenta de contenção
social e a polícia assume o estereótipo imposto pelo Estado, com o intuito de vencer a guerra
contra a criminalidade, sendo de extrema importância o uso de tirania, na tentativa de
transmitir temor e impor ordem, já que de outra forma não se pode sobreviver ao “mundo
cão”47, no qual a ética da corporação se opõe à ética da cidadania.48
Outra análise de extrema relevância é a análise da vítima, uma vez que os parentes
próximos das vítimas se tornam instrumentos do sistema punitivo que, na tentativa de
dissuadir a culpa e assimilar o dolo, instigam a vingança. Conforme Zaffaroni:
46
Disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/formacao-da-pm-e-baseada-em-abusos-dizem-policiais/,
acesso em 29 de outubro de 2017.
47
Disponível em http://www.academia.org.br/artigos/mundo-cao acesso em 15 de outubro de 2017..
48
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia. Pater: Passo Fundo, 1998, pp. 7-13.
49
A palavra volkisch significa populista ou popularesco, e consiste em uma técnica que atrai a população através
da ratificação de preconceitos. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal, cit., p. 15.
50
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal, cit., p. 75.
51
PÚBLICA, ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, ano 10, 2016. 2017.
52
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia. , cit., pp. 7-13.
12
53
BIONDI, Pablo. Os direitos humanos e sociais e o capitalismo: elementos para uma crítica. 2012. Tese de
Doutorado. Universidade de São Paulo, p. 168.
54
ASCENSÃO, José Oliveira. A dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos. In: Revista da
Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 103, pp. 277-299.
55
CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015, pp. 216- 218.
13
56
FUZIGER, Rodrigo José. As faces de Jano: o simbolismo no direito. Tese de Doutorado. Universidade de São
Paulo, p. 142.
57
CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia, cit., p. 217.
58
Ibid, pp. 209-214.
59
ASCENSÃO, José Oliveira. A dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos. cit., p. 277-299.
60
COELHO, Claudio Novaes Pinto. Publicidade: é possível escapar. São Paulo: Paulus, 2003, pp. 15-29.
61
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Revan, 2007, p. 78.
62
Ibid, pp. 15-16.
63
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, cit., p. 217.
64
FUGIZER, Rodrigo. Direito penal simbólico. Curitiba: Juruá, 2015, pp. 101-106.
14
por intervenção de ultima ratio, isto é, do direito penal65, convertendo-se na crise atual, que
nos leva a uma carência governamental de ordem nacional e internacional, onde o rótulo
propagandista caminha para o enfraquecimento governamental, prejudicando a clientela de
sempre: os pobres. Neste diapasão só existem dois caminhos: a destruição através do
capitalismo ou a justiça e dignidade da sabedoria clássica, sem mais opções.66
Enquanto a minimização política e comercialização da violência levam os direitos
humanos à destruição67, a mídia segue fomentando o ódio e antagonismo entre polícia e
ladrão, onde mais cedo ou mais tarde acabam em genocídio, sendo os direitos humanos
confundidos como benefícios que o poder público concede aos grupos marginalizados.68
De acordo com Li Ch’uan “as armas são instrumentos de mau agouro. A guerra é uma
questão tão séria que deve haver toda a preocupação para que homens não entrem nela sem a
devida reflexão”69, entretanto, no nosso cotidiano a palavra guerra é utilizada de forma
corriqueira pela mídia e incentivada de forma irresponsável fazendo com que os direitos
entrem em colisão com o Estado.
A atuação da polícia é fundada no conceito de guerra ao crime e as drogas, sendo
vinculado ao militarismo do policiamento ostensivo, com foco no combate e não na
prevenção de condutas delituosas. Os resultados dessa guerra se tornaram tão devastadores
que pela ONU foi recomendado o treinamento das polícias em direitos humanos, bem como
sua desmilitarização.70
O paradigma bélico imposto incita a violência e desencadeia resultados extremamente
letais, onde os policiais são colocados à frente das trincheiras para matar e morrer.71 E como
65
BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. Discursos de emergência e política criminal: o futuro do Direito
Penal brasileiro. In: Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 103, p. 411-436.
66
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. cit., pp. 547-548.
67
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal, cit., p. 17.
68
CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia. cit., p. 212.
69
TZU, Sun; PIN, Sun. A arte da guerra. Tradução Pedro Manoel Soares. São Paulo: Ciranda, 2008, p. 7.
70
SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. A “guerra contra o crime” e os crimes da guerra: flagrante e
busca e apreensão das periferias. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 117, pp. 287-309.
71
KARAM, Maria Lúcia. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação. São
Paulo: Boitempo, 2015, pp. 42-47.
15
resultado dessa estratégia revela-se uma cultura organizacional incompatível com o contexto
democrático e respeito aos direitos humanos.72
O aumento da letalidade policial e violência não é somente resultado dos desvios dos
agentes de segurança pública, mas sim da estratégia militar de guerra ao crime, somado ao
descrédito da população. Dados divulgados pelo 5ª Relatório sobre Direitos Humanos,
elaborado pela NEV-USP, indicam que quando um membro do Ministério Público dirige a
polícia aumenta-se essa letalidade, isto é, as mensagens institucionais e políticas influenciam
no comportamento da polícia.73 Esse combate ostensivo de guerra ao crime vai contra os
valores de um Estado democrático de direito, fazendo com que os que não são leais se tornem
inimigos do sistema, levando a trágica conclusão de que “a brutalidade na atuação das
instituições públicas é um traço característico do Estado brasileiro.”74. Ainda, neste sentido:
O pacto do Estado através do contrato social firmando pela sociedade busca anular a
barbárie dos homens e seguir rumo à civilização. A resposta do Estado as violações humanas
afirmam a escolha da comunidade pela civilização, sendo a barbárie e civilização face e
contraface. Ao Estado é conferida a responsabilidade de limitar a forma de opressão, seja ela
pública ou privada76, sendo essa opressão aplicada através do “autoritarismo cool”, onde a
periculosidade do agente é presumida e até mesmo os juízes ficam de mãos atadas para aplicar
72
BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. As mortes sem pena no Brasil: a difícil convergência entre Direitos
Humanos, política criminal e Segurança Pública. In: Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São
Paulo, v. 110, pp. 211-229.
73
Ibid, p. 211-229.
74
Ibid, p. 211-229.
75
KARAM, Maria Lúcia. Bala perdida: a violência policial no Brasil e os desafios para sua superação, cit., pp.
42-47
76
CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia, cit., pp. 204-206.
16
suas disposições, já que estas devem ser compatíveis com o produto vendido pelo poder
punitivo77 e exposto pela mídia, onde os crimes sensacionalistas são reproduzidos com
rapidez e encorajam a população78, que acabam por aplaudir as condutas de violência
exacerbada.
Neste diapasão, os princípios e cidadania são sacrificados em nome do Estado,
levando a uma inversão ideológica, onde se se exclui a humanidade dos humanos
criminalizados, legitimando a violência.79 Assim, também a humanidade daqueles que atuam
frente ao Estado como ferramentas de contenção social se vê comprometida, já que são
privados do caráter de pessoa humana tornando-se igualmente inimigos da sociedade. O
policial deixa de ser humano e passa a se tornar mera ferramenta de contenção social,
desumanizando a pessoa por trás da farda.
Na última Revisão Periódica Universal realizada pelos estados-membros da ONU80, o
Brasil recebeu mais de 200 recomendações, sendo cerca de 5% relacionadas à violência
policial. Pelo Reino Unido foi sugerido a introdução de treinamento em direitos humanos
obrigatório para as forças policiais e redução de 10% das mortes em ações policiais nos
próximos quatro anos e meio. O Brasil aceitou a recomendação, mas alegou que o currículo
da polícia já contém treinamento em direitos humanos e optou por não estabelecer metas de
redução das mortes em decorrência da violência policial, tornando-se evidente a sua falta de
comprometimento para a efetiva resolução do problema. No mais, pela ONU, nenhuma
recomendação foi apontada no relatório em relação a redução das mortes policiais, reforçando
a concepção abortada de gestores atípicos do direito penal, onde as vitórias consistem em criar
alternativas punitivas em face a seus interesses e da influência da mídia como principal
fomentadora da guerra imposta pelo Estado.
77
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal, cit., p. 80.
78
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia, cit., p. 184.
79
CARVALHO, Salo de. Antimanual de Criminologia, cit., pp. 212-219.
80
Disponível em https://nacoesunidas.org/brasil-aceita-mais-de-200-recomendacoes-de-direitos-humanos-da-
onu-rejeita-quatro/, acesso em 24 de outubro de 2017.
17
81
PÚBLICA, ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, ano 10, 2016, v. 18, 2017. Disponível em http://www.forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2017/01/Anuario_Site_27-01-2017-RETIFICADO.pdf, acesso em 29 de setembro de 2017.
18
Profissão
34%
66%
Faixa etária
1% 15%
84%
Patente
5% 3%
6%
31%
14%
41%
32%
68%
Sim Não
20
42%
58%
Sim Não
31%
69%
Sim Não
21
15%
85%
Sim Não
14%
32%
54%
26%
2%
82
NUCCI, Guilherme de Souza. Direitos humanos versus segurança pública, cit., p. 65.
23
Conclusão
O herói é aquele que deu sua vida física em troca de alguma espécie de
realização dessa verdade. A ideia de amar seu próximo é pôr você em
sintonia com esse fato. Mas, quer ame ou não o seu próximo, quando a
realização o pega você pode arriscar a própria vida. (...) No final da Divina
Comédia, Dante se dá conta de que o amor de Deus impregna todo o
universo, até as mais fundas cavernas do inferno. É aproximadamente a
mesma imagem. O bodhisattva representa o princípio da compaixão, o
princípio curativo que torna a vida possível. A vida é dor, mas a compaixão
é que lhe dá a possibilidade de continuar. O bodhisattva é aquele que atingiu
a consciência da imortalidade, por meio da sua participação voluntária no
sofrimento do mundo. Participação voluntária no mundo é muito diferente de
apenas ter nascido nele. Este é exatamente o tema da declaração de Paulo
sobre Cristo em sua Epístola aos Filipenses, segundo o qual Jesus “não
pensou na condição divina como algo a ser conservado, mas tomou a forma
de um servo aqui na terra para morrer na cruz”. É uma participação
voluntária na fragmentação da vida.83
83
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito: com Bill Moyers. São Paulo: Palas Athena, 1990, pp. 109-110.
84
Romanos 12:2
25
Referências
ADORNO, Sérgio. Insegurança versus direitos humanos: entre a lei e a ordem. In: Tempo
Social, n. 2, v. 11, 1999.
ASCENSÃO, José Oliveira. A dignidade da pessoa e o fundamento dos direitos humanos. In:
Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 103.
BALESTRERI, Ricardo Brisolla. Direitos Humanos: Coisa de Polícia. Passo Fundo: Pater
Editora, 1998.
BECHARA, Ana Elisa Liberatore Silva. As mortes sem pena no Brasil: a difícil convergência
entre Direitos Humanos, política criminal e Segurança Pública. In: Revista da Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, v. 110.
_______. Discursos de emergência e política criminal: o futuro do Direito Penal brasileiro. In:
Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 103.
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2012. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.
BÍBLIA SAGRADA. Nova versão internacional. 12ª edição. São Paulo: Sociedade Bíblica do
Brasil, 2001.
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