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Banca Examinadora:
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Profª. MSc. Eunice Anisete de Souza Trajano – Orientadora
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Prof. – Membro 1
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Prof. Membro 2
3
DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
LISTA DE ABREVIATURAS
§ Parágrafo
art. Artigo
CP Código Penal de 1940
CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
JEC Juizado Especial Criminal
STF Supremo Tribunal Federal
LIPC Lei de Introdução ao Código Penal
6
SUMÁRIO
SUMÁRIO ..................................................................................................................6
RESUMO ...................................................................................................................8
INTRODUÇÃO...........................................................................................................9
CONCLUSÃO ..........................................................................................................77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................81
8
RESUMO
INTRODUÇÃO
isso, devem ser encarcerados e excluídos ainda mais do convívio social. Outra
grave conseqüência é a criação de estereótipos por parte do sistema, no qual
pessoas com certas características podem ser vistas como ameaça à ordem e às
pessoas de bem, mesmo antes de serem rotuladas como criminosas. Esses
estereótipos têm contribuição fundamental no processo de seleção e criminalização,
já que o sistema seleciona pessoas com as características que considera inerentes
a um sujeito perigoso ou criminoso.
Assim, este estudo, entre outras coisas, demonstra a relação do que foi
acima exposto com a política de guerra às drogas promovida pelos Estados Unidos,
país que se proclama como o grande defensor da liberdade e da democracia
mundial, garantidor do bem estar de todos os povos e combatente dos inimigos que
porventura venham a ameaçar a ordem estabelecida.
Sobretudo, a guerra contra as drogas funciona como uma estratégia de
dominação sobre as nações periféricas, sendo estas obrigadas a deixar que
aqueles intervenham na sua soberania em nome de uma guerra contra o que
consideram um dos grandes inimigos da sociedade.
Por sua vez, o Brasil não é deixado à margem dessa política de dominação
e também é obrigado a reprimir fortemente o consumo e o comércio de drogas. Por
via de uma legislação que prega cada vez mais o desrespeito aos direitos humanos
e às garantias consagradas na Constituição Federal, da forte repressão policial e
até militar, declara-se guerra contra os traficantes, provocando um surto de
violência e terror nas cidades.
Assim, o que se pretende no presente trabalho é expor a história das
drogas, bem como a sua evolução normativa, ao longo dos anos até os dias atuais,
e comprovar que a repressão às drogas, por meio da criminalização e conseqüente
penalização, somente acaba por gerar mais violência e mostra-se ineficaz para
atender aos declarados objetivos do sistema jurídico criminal: a erradicação ou
diminuição do consumo e comércio de drogas.
Por estes motivos, tem-se como objetivo mais importante demonstrar as
novas sanções alternativas aplicadas ao usuário de drogas, advindas da Lei
11.343/06, sendo, estas, soluções mais condizentes com um Estado de Direito
Democrático, de respeito aos direitos humanos.
11
1.1.1 Conceito
traficante. Considerava que o primeiro, pessoa de boa índole, filho de boa família,
qualificado como “doente”, era corrompido pelo segundo, o estereótipo do mal. As
drogas passaram a ser vistas como inimigo interno e o assunto matéria de
segurança pública. A opinião pública passou a exigir ação por parte do governo com
o intuito de reprimir o uso de drogas. (OLMO, 1990, p. 33/36)
Dessa forma, com as medidas de repressão e a criminalização do uso da
maconha, a partir da década de 70, o consumo de uma outra droga aumenta em
proporções consideráveis e torna-se o novo inimigo interno: a heroína. No entanto,
o seu consumo é extremamente solitário, individualista. Assim, os governantes
norte-americanos perceberam que os movimentos contestatórios dos jovens
consumidores de maconha, cujo consumo é coletivizado, foram esvaziando
gradativamente e a ordem, outrora ameaçada, foi sendo restabelecida. Os Estados
Unidos usaram como estratégia eleger um novo inimigo na guerra contra as drogas
para combaterem: o tráfico proveniente de países considerados oponentes aos
interesses político-econômicos norte-americanos. (OLMO, 1990, p. 44)
No ano de 1973, foi criada a agência americana Drug Enforcement
Administration (DEA), incumbida de vigiar, fiscalizar e reprimir as drogas. Tornou-se
o mais expressivo órgão internacional de combate às drogas. (PASSOS, 2002, p.
38)
Somente no início dos anos 70 o discurso americano de combate às drogas
chegou na América Latina. No entanto, difundiu-se uma série de informações
confusas que não levavam em conta a diferença entre as drogas, nem tampouco
entre os grupos sociais. A maconha era a droga mais consumida na América Latina,
porém as informações que eram divulgadas equivaliam à publicidade difundida
pelos meios de comunicação norte-americanos sobre a heroína. (OLMO, 1990, p.
44)
Outrossim, o tratamento dado aos portadores de drogas era diferenciado:
aos habitantes de favela eram aplicadas duras penas de prisão por traficância,
mesmo que somente portassem um cigarro de maconha. Já os filhos da classe
média e alta eram enquadrados como “doentes” e encaminhados a clínicas
particulares, mesmo que portadores de grandes quantidades da droga. Aos
primeiros correspondia o estereótipo criminoso, já aos segundos, o estereótipo da
dependência. (OLMO, 1990, p. 45/46)
20
Em meados dos anos 70, a heroína foi suplantada por uma nova droga no
cenário mundial: a cocaína. Produzida nos países andinos, em especial na
Colômbia, que, com o tempo, torna-se a principal produtora e fornecedora da
América Latina. A informação difundida acerca da cocaína era bem diferente das
outras drogas: seu uso era associado a personalidades em evidência que a
utilizavam de modo recreativo, sem risco de causar dependência. (OLMO, 1990, p.
48)
Na década de 80, na gestão de Ronald Reagan, os Estados Unidos
internacionalizam a política de combate às drogas. O objetivo era impedir que as
drogas entrassem naquele país, em especial a cocaína produzida nos países da
América Latina. Usaram de várias estratégias para erradicar as culturas de coca e
cannabis nos países periféricos, tais como tratados de extradição que possibilitaram
que os traficantes latino-americanos fossem julgados nos Estados Unidos;
aplicação de herbicidas nas plantações; intervenções militares (na Bolívia e mais
tarde na Colombia); a invasão do Panamá com o intuito de seqüestrar o General
Noriega, que, de antigo colaborador da CIA, passou a inimigo dos Estados Unidos
devido ao seu envolvimento com o tráfico de drogas. (KARAM, 1993, p. 41/43)
Aduz a criminóloga venezuelana Rosa Del Olmo (1990, p. 55/69) que a
estratégia de combate acirrado às drogas adotada pelos Estados Unidos deu-se por
fatores sociais, econômicos e políticos. Em 1980, os Estados Unidos verificaram
que estava ocorrendo grande escoamento de capital para contas bancárias fora do
país, por conta do tráfico de drogas, com o intuito de ser lavado e reintroduzido nos
Estados Unidos. Além do mais, apuraram que o negócio de drogas gerava
anualmente 100 bilhões de dólares, sendo estimada a sonegação, em tributos, em
bilhões de dólares por ano. Somado a essa questão, os Estados Unidos almejavam
solucionar um outro problema de economia doméstica: os colombianos
correspondiam ao maior percentual dos imigrantes ilegais residentes naquele país.
Criaram então, um novo estereótipo neste processo de erradicação das drogas: o
do criminoso latino-americano, mais especificamente o do criminoso colombiano.
O discurso médico vai sendo substituído pelo discurso político-jurídico
transnacional: não são mais discutidas as razões do consumo de drogas e o usuário
passa a ser visto como um consumidor de substâncias ilícitas. O argumento passa
a ser de que a solução é combater a entrada das drogas e, conforme as leis de
21
Foi com as Ordenações Filipinas1 que se tem registro dos primeiros indícios
de acusação sobre o uso, porte e venda de determinadas substâncias no Brasil. A
primeira referência que proibia a comercialização de drogas no país se encontra no
Título 89, Livro V: “Que ninguém tenha em casa rosalgar, nem o venda, nem outro
material venenoso”. Logo mais, foi promulgado o Código Penal Brasileiro de 1830,
conhecido como Código Imperial, que não fez qualquer referência a tal respeito,
sendo que em 1890, o Código Penal Republicado tipificou as condutas de “expor à
venda ou ministrar substâncias venenosas sem legítima autorização e sem as
formalidades previstas nos regulamentos sanitários”. (CARVALHO, 1996, p. 19)
Entretanto, mesmo com a promulgação de tal dispositivo, não foi suficiente
para se conter a onda de toxicomania que tomou conta do país após 1914, sendo
que São Paulo foi comparado a Paris, um século antes, por formar um clube de
toxicômanos. (GRECO FILHO, 1996, p. 39)
Com a Consolidação das Leis Penais de 1932, houve uma maior
regulamentação sobre o uso e a comercialização de drogas no Brasil. No início do
século XX, o uso contínuo e desenfreado de tóxicos atingiu o seu auge no Brasil e
no mundo, principalmente pelos intelectuais da época, que passaram a consumir,
em quantidade significativa, ópio e haxixe. (CARVALHO, 1996, p. 20)
Diante deste quadro, nos anos subseqüentes surgiram diversas normas
legais tratando do tema:
Em abril de 1936, a publicação do Decreto 780, modificado pelo
Decreto 2.953 de agosto de 1938, é considerada o primeiro ‘grande
impulso’ na luta contra a toxicomania no Brasil.
Todavia, o primeiro momento legislativo, no que tange ao ingresso
do país em modelo internacional de controle de estupefacientes, dá-
se com a edição do Decreto-lei 891 de novembro de 1936. Este
Decreto-lei é elaborado de acordo com as disposições da
Convenção de Genebra de 1936 e traz normas relativas a produção,
tráfico e consumo, juntamente com relação de substâncias
consideradas tóxicas e que, logicamente, deveriam ser proibidas
nos países que ratificassem a orientação da Convenção.
(CARVALHO, 1996, p. 20)
1
Compilação jurídica que constituiu a base do Direito Português, vigendo em nosso país por mais de dois
séculos, quanto à parte criminal. Encerrou sua vigência com o advento do Código Criminal do Império, em
1830. Foi o ordenamento jurídico penal que mais tempo vigorou no Brasil. (ZAFFARONI, 2006, p. 176)
23
Em 1942, entra em vigor o novo Código Penal que vem disciplinar a matéria
relativa a tóxicos em seu artigo 281:
Art. 281. Importar ou exportar, vender ou expor à venda, fornecer,
ainda que a título gratuito, transportar, trazer consigo, ter em
depósito, guardar, ministrar ou, de qualquer maneira, entregar a
consumo substância entorpecente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de dois a dez contos
de réis. (Redação dada pelo Código Penal de 1942)
2
Chamam-se “leis penais em branco” as que estabelecem uma pena para uma conduta que se encontra
individualizada em outra lei – formal ou material -. (ZAFFARONI, 2006, p. 386)
25
Mais à frente, nos artigos 200, inciso VII, 227, parágrafo 3° e 243, parágrafo
único, a CRFB/1988 prevê:
Art. 200 Ao sistema único de saúde compete, além de outras
atribuições, nos termos da lei:
26
[...]
VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte,
guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e
radioativos;
[...]
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.
[...]
§ 3° O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
[...]
VII – programas de prevenção e atendimento especializado à
criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas
afins.
[...]
Art. 243 As glebas de qualquer região do País onde forem
localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão
imediatamente expropriadas e especificadamente destinadas ao
assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e
medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem
prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico
apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições
e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e
no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle,
prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.
O artigo 5°, inciso LXIII, da Constituição foi ratificado pela Lei dos Crimes
Hediondos, criada em 1990, incorporando o tráfico ilícito de entorpecentes ao rol
dos crimes hediondos, ao dispor no seu art. 2º, que “os crimes hediondos, a prática
da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são
insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto;”, proibindo, assim, a concessão de
indulto ou liberdade provisória para os praticantes destes crimes.
Nos últimos tempos, foi criada a Lei 10.409/02, que dispõe sobre a
prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao
uso e ao tráfico ilícito de produtos, substâncias ou drogas ilícitas, adotando o
modelo norte-americano, de que o usuário é visto como doente, devendo ser
tratado. (MARONNA e MENDES, 2002, p. 08)
Ocorreu, porém, que a nova lei que foi criada para substituir a Lei 6.368/76,
já foi editada com inúmeros artigos vetados, inclusive todo o Capítulo III, referente à
27
parte que tratava dos crimes e das penas. Assim, a antiga lei de tóxicos continuou
vigente nesta parte omissa.
Até então, a legislação brasileira que trata sobre a matéria de drogas seguiu
as normas internacionais, para criminalizar e combater a produção e a
comercialização de substâncias ilícitas. Entretanto, recentemente, a jurisprudência,
amparada pela Lei, tem sido mais branda na aplicação da pena imposta ao usuário
de drogas, tendo em vista que o mesmo é considerado como dependente, devendo
ser submetido a um tratamento, e não a uma pena. De outro lado, o traficante tem
sua pena cada vez mais severa.
Seguindo este caminho, em agosto de 2006, foi promulgada a Lei
11.343/06, que será analisada no Capítulo III deste trabalho.
E continua:
[...] o sistema de justiça criminal continua a funcionar como um
direito penal do tipo de autor; e que o estereótipo do criminoso – que
guia a ação da polícia, dos promotores, dos juízes e domina a
opinião pública e os meios de informação de massa – corresponde
às características dos grupos sociais entre os quais o sistema
seleciona e recruta seus clientes reais entre todos os potenciais, isto
é, entre os vários infratores distribuídos por todas as camadas da
população. Isto, segundo as autoras, significaria dizer que o
problema que move a ação do sistema não é propriamente a
realização do delito descrito pelas leis ou a defesa dos bens
jurídicos, mas o controle ou a destruição dos grupos mais pobres da
população, aqueles percebidos e definidos como ‘classes
perigosas’”.
Em outra análise, uma vez que já configurado que o consumo de droga não
afeta a saúde pública, verifica-se a ocorrência de verdadeira autolesão, conduta
esta que se restringe à esfera privada e que não está ao alcance do Direito Penal.
(MARQUES, 2001, p. 83)
Na definição de autolesão trazida por Maurício Antônio Ribeiro Lopes, o
termo significa “a conduta externa que, embora vulnerando formalmente um bem
jurídico, não ultrapassa o âmbito do próprio autor”. Depreende-se daí que a
autolesão se restringe a uma conduta privada, constitucionalmente assegurada no
artigo 5°, inciso X, que garante a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da
honra e da imagem das pessoas. (LOPES, 2000, 533)
No mais, além das garantias constitucionais à inviolabilidade da intimidade
e da vida privada, Salo de Carvalho entende ainda que não se pode esquecer do
princípio da lesividade, princípio de grande importância e fundamental no Direito
Penal, ensinando que “somente poderá ser aplicada penalidade no momento em
que a ação infrinja bem jurídico determinado, produzindo-lhe dano – resultado
material”. (CARVALHO, 1997, p. 89)
Acerca do princípio da lesividade, Nilo Batista (2001, p. 91) consagra quatro
funções específicas, dentre elas a “proibição de criminalizar condutas que não
excedam o âmbito do próprio autor”. Esta é a que mais importa no presente
momento. Hipótese em que incide a autolesão.
Maurício Antônio Ribeiro Lopes (2000, p. 532), fundamentou a aplicação
desta função do princípio da lesividade em sua obra na não punição de atos
preparatórios que não tenham a sua execução iniciada, ou, também, na não
punição do conluio entre duas ou mais pessoas para o cometimento de um crime se
sua execução não estiver sido iniciada. E continua:
O mesmo fundamento veda a punibilidade da autolesão, ou seja, a
conduta externa que, embora vulnerando formalmente um bem
jurídico, não ultrapassa o âmbito do próprio autor, como por exemplo
o suicídio, a automutilação e o uso de drogas. (LOPES, 2000, p.
533)
Visto isto, não se pode considerar como típica a conduta descrita no artigo
16 da Lei 6.368/76, pois, como demonstrado, o uso de substâncias entorpecentes
constituem verdadeira autolesão, autoprejuízo, com efeito nefasto à saúde de quem
a consome, O que restou configurado é que se trata de uma conduta que não
36
2.3.1 A criminalização
drogas para o uso pessoal frente à proteção da saúde pública. (KARAN, 1993, p.
125/126)
2.3.2 A penalização
de ações que não afetem o bem jurídico tutelado pela norma penal. Em outras
palavras, quando a lesão ao bem jurídico é inexpressiva ou inexistente. A lei penal,
ao tipificar uma conduta como crime, o faz por considerá-la ofensiva ou perigosa ao
bem jurídico protegido. Assim, se tal conduta não ofender ou não se mostrar
perigosa ao bem jurídico tutelado pela norma penal, deverá ser considerada atípica
e o dano, portanto, insignificante.
Ivan Luiz da Silva (2004, p. 120) explica que as normas penais, por força da
Constituição, foram construídas e se fundamentam nos princípios básicos do
Estado Democrático de Direito, tais como a liberdade, a igualdade, a solidariedade,
a dignidade da pessoa humana e o pluralismo.
Da mesma forma que no ordenamento jurídico em geral, o sistema jurídico
penal além dos princípios básicos constitucionais, também possui princípios que
não estão expressos no texto legal, estes são conhecidos como princípios jurídicos
implícitos, dentre eles, se encontra o princípio da insignificância. Entretanto, é
visivelmente localizado na Carta Magna como complemento ao interpretar-se outros
princípios penais explícitos. O princípio da insignificância, por sua vez, visa
concretizar tais princípios explícitos ao analisar de forma restritiva o tipo penal.
(SILVA, 2005, p. 428/429)
Explica melhor Ivan Luiz da Silva:
Seu reconhecimento pode ser realizado ao complementar-se o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Princípio da
Legalidade, no sentido de alcançar-se a justificação para a aplicação
da pena criminal. Assim, a conjugação desses princípios na
determinação da justificação e proporcionalidade da sanção punitiva
revela o Princípio da Insignificância em matéria criminal, que vem a
lume para afastar do âmbito do Direito Penal as condutas
penalmente insignificantes como meio de proteger o direito de
liberdade e igualdade na Constituição Federal vigente.
Adiante:
Portanto, o fundamento do direito penal material, e o que o legitima,
é a tutela de valores que se expressam nos bens jurídicos. Destarte,
para nós o bem jurídico-penal pode ser definido como o bem
valorado como essencial à convivência social de certa comunidade,
em dado momento histórico, e por isso tutelado pela norma penal.
Na visão de Nilo Batista (2001, p. 96), são cinco as funções que o bem
jurídico no Direito Penal possui: axiológica, sistemático-classificatória, exegética,
dogmática e crítica.
47
agente, por meio do princípio da insignificância, que atua como causa de excludente
de antijuridicidade.
[...]
VIII – ninguém será privado de direitos por motivos de crença
religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar
para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a
cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e
de comunicação, independentemente de censura ou licença;
coletivo, ou seja, dirigidos diretamente contra o corpo social tendo em vista o perigo
que acarretam para indeterminado número de pessoas”. Assim, pacificou-se o
entendimento, não importando se realmente ocorreu lesão ao bem jurídico tutelado,
uma vez que a quantidade da droga apreendida e o grau de lesividade da ação não
altera a presunção absoluta de perigo para o bem jurídico saúde pública, bastando
a realização da conduta tipificada.
Entretanto, diante dos avanços na Teoria do Delito, o tipo penal passou a
ter elementos subjetivos, anteriormente encontrados na culpabilidade. O tipo penal
é posto como o núcleo da Dogmática Penal, concretizando-se o princípio da
legalidade, no qual restou claramente definido que não há crime sem tipo legal, pois
somente por meio deste é que são definidos os crimes formalmente. (CARVALHO,
1996, p. 50/51)
Como já exposto, a função da criminalização de uma conduta é a proteção
do bem jurídico, sendo, este último, elemento limitador do tipo penal que permite
criminalizar somente as condutas que o lesionem. Por meio do princípio da
intervenção mínima e o falido sistema penal, o Direito Penal deveria ser utilizado
somente nos crimes de maior gravidade e quando já tiverem sido esgotadas outras
formas de resolução de conflitos. Tornou-se inoportuno, portanto, dirigir-se ao
sistema penal como forma primária, uma vez que ele se mostra inoperante e
desgastante aos cidadãos. (CARVALHO, 1996, p. 56/57)
Desta forma, não basta a simples adequação da conduta praticada ao tipo
legal do crime, é necessário que ocorra uma lesão concreta ao bem jurídico, sob a
condição desta lesão se tornar insignificante. Assim, o Direito Penal é obrigado a
ocupar-se somente dos crimes que possuem maior gravidade, aqueles que
lesionem de forma efetiva o bem jurídico protegido pela norma. (CARVALHO, 1996,
p. 57) É crescente este posicionamento nos Tribunais:
Tratando-se de crime contra a saúde pública, a objetividade jurídica
concentra-se na própria saúde pública. O delito só se tipifica e o fato
só se torna punível quando existe dano efetivo ou concreto perigo
de dano a saúde pública. (HC 25.832 – TJRS 89/28)
mais benigno ao portador de substância tóxica para uso próprio. (HABIB, Revista
Jurídica Consulex, nº 139, p. 13)
A partir da entrada em vigor do novo diploma legal, percebe-se
que houve grande inquietação por parte dos doutrinadores, estudiosos e
aplicadores do Direito, haja vista o grande número de equívocos legais presentes
na nova lei, que não poderiam ser mantidos por afrontarem, alguns deles, a própria
Constituição. (GUIMARÃES, 2004, p. 20)
Esta lei, idealizada para disciplinar toda a questão referente às
drogas em nosso país, tanto nos aspectos jurídicos quanto administrativos, acabou
sendo parcialmente vetada pelo Presidente da República, que aprovou o Projeto de
Lei n° 1.873, de 1991 (n° 105/96 no Senado Federal), fundamentado na sua
inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público. O veto alcançou cerca
de 30% do texto integral. Em linhas gerais, eis as razões dos vetos:
A inconstitucionalidade de artigos isolados do projeto, bem como o
veto sugerido a todo o Capítulo III, que trata dos Crimes e das
Penas, resulta na incapacidade de o sistema legal proposto
substituir plenamente a Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976, que
"dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e
uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem
dependência física ou psíquica, e dá outras providências”. Além
disso, o espírito do projeto é compatível com a Lei no 6.368/76, que,
embora carente de atualização, vem permitindo a sedimentação da
jurisprudência ao longo de mais de duas décadas. O legislador,
ciente dos avanços tecnológicos, da complexidade crescente da
criminalidade, e da necessidade de tratamento jurídico diferenciado
entre traficantes e usuários de droga, aprovou o projeto. Todavia,
repita-se, a incompatibilidade de alguns dispositivos com a
Constituição barrou alguns avanços. Por causa disso, estuda-se a
elaboração de projeto de lei em regime de urgência para, sanados
os vícios, alcançar à sociedade os aspectos positivos que o
legislador sensivelmente expressou. Assim, o projeto soma-se à
ordem legal já vigente. Apenas são derrogadas as normas que
tratam de matéria especificadamente veiculada nos artigos,
parágrafos e incisos sancionados.
(Mensagem de Veto 25)
Tal visão tem focado o usuário de drogas como merecedor de auxílio por
parte do estado, não de repressão jurídico-penal.
São Centralizadas as opiniões em torno do grau de ofensividade da conduta
do usuário. A orientação vem sendo a de que o uso de drogas volta seu potencial
danoso principalmente, senão exclusivamente, para o próprio usuário. Segundo
Isaac Sabbá Guimarães:
Deverá haver um apelo para a noção de adequação da norma
jurídico-penal à ordem social vigente. Assim, se a Constituição
reconhecer o pluralismo da sociedade brasileira (preâmbulo da CR),
deverá viger um regime de maior tolerância e respeito pela
autodeterminação de cada individuo, inclusive em relação às suas
opções de vida (desde que não afetem a harmonia e os valores da
sociedade), mesmo que sejam autodestrutivas. Sob o principio da
proporcionalidade, deverá, ainda, a lei penal mostrar-se necessária
para a solução de certos conflitos ou problemas sociais. Quer isto
dizer que, havendo um convencimento prévio de que os fenômenos
do uso e da dependência são verdadeiros problemas de saúde,
deixará a lei penal de ser necessária. Além do mais, correlacionado
com o princípio da dignidade da pessoa humana, poderíamos referir
que a lei penal cria estigmas indeléveis na pessoa de um doente (o
tóxico dependente), já que ele passa a ser tratado como um
autêntico criminoso. (GUIMARÃES, p. 17)
Neste esteio é que a nova Lei procura auxiliar o usuário, visando dar
esclarecimento sobre um problema que é antes de saúde pública do que
propriamente criminal.
60
deslocamento, de um local para outro; trazer consigo é a mesma coisa que portar a
droga, tendo disponibilidade de acesso, de uso. (GOMES et al., 2000, p. 119-120)
O novo tipo penal afeto às condutas que antecedem ao uso, parti do núcleo
do art. 16 da Lei 6.368/76, acrescentando as condutas de quem tiver em deposito e
transportar drogas para uso seu. São ações coincidentes com as de tráfico, não
prevendo o legislador regras objetivas que diferenciem o usuário do traficante.
(GUIMARÃES, 2006, p. 32)
Distinguir o crime de trafico ilícito de entorpecente do simples porte para o
uso nunca foi tarefa fácil e continuará a ser árdua atribuição do magistrado.
Guilherme de Souza Nucci afirma ser:
[...] fundamental que se verifique, para a correta tipificação da
conduta, os elementos pertinentes à natureza da droga, sua
quantidade, avaliando local, condições gerais, circunstancias
envolvendo a ação e a prisão, bem como a conduta e os
antecedentes do agente. (NUCCI, 2006, p. 759).
deste e, uma vez que não seja preenchido, transforma o fato em atípico. A
constatação dessa determinação legal ou regulamentar deve ser feita pelo juiz
(NUCCI, 2006, p. 756).
Outro ponto inovador trazido pela Lei 11.343/2006 foi em relação ao plantio
de semente ou planta voltada para a preparação de substância entorpecente
visando o consumo pessoal. Antes do advento da Nova Lei de Drogas não havia
previsão legal para este tipo de conduta, somente era previsto o plantio para fins de
traficância. Ao se deparar com tais situações, três opções eram postas diante do
julgador. A primeira era equiparar o fato ao uso; a segunda era enquadrar no tipo de
tráfico; a terceira e ultima era entender pela atipicidade do fato. (CAPEZ, 2006, p.
70)
Fernando Capez entendia que “o plantio para uso próprio não estava
previsto em lugar nenhum, nem como figura equiparada ao art. 12, nem como figura
analógica ao art. 16: tratava-se de fato atípico”. (CAPEZ, 2006, p. 71)
A partir da Lei 11.343.2006 não há mais que se falar em crime de tráfico
diante do caso sob comento, semear (espalhar sementes para que germinem);
cultivar (propiciar condições para o desenvolvimento da planta); colher (recolher o
que a planta produz) são as condutas equiparadas à do usuário descritas no caput
do artigo 28. (NUCCI, 2006, p. 758-759).
O bem jurídico aqui contemplado é a saúde pública, exigindo-se para a
caracterização da infração, além do dolo, uma finalidade (intenção) especial do
agente, que seja a droga destinada “para consumo pessoal”. Esse é o dolo
específico (como diz a doutrina italiana) ou elemento subjetivo do injusto (como diz
a doutrina alemã) que o tipo requer. (GOMES et al., 2006, p. 120)
Não foi prevista a forma culposa do crime em comento (que é atípica,
portanto). Da mesma forma a tentativa não pode ser punida. Assevera Luiz Flávio
Gomes que “do ponto de vista fático é possível. Por exemplo: tentar adquirir droga
para consumo pessoal. Mas para essa conduta nenhuma sanção foi contemplada
pela nova Lei”. (GOMES et al., p. 122)
Guilherme de Souza Nucci observa que o tipo sob exame se trata de norma
penal em branco, ou seja, o tipo penal depende de um complemento a lhe dar
sentido e condições para aplicação.
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Penal. Não era, portanto, considerada infração de menor potencial ofensivo, pois
não preenchia os requisitos legais previstos no artigo 61 da lei 9.099/1995. À época,
Gianpaolo Poggio Smanio, em obra dedicada ao estudo dos juizados Especiais
Criminais, já se referia a tal posicionamento afirmando que:
[...] a jurisprudência já sedimentada reconheceu a impossibilidade
da transação penal para o crime de uso de entorpecente, previsto no
art. 16 da Lei n. 6.368/76, por não se tratar de crime de menor
potencial ofensivo (TJSP, ACs. N. 201.046-3/4; 206.049-3/6,
200.307-3). (SMANIO, 1998, p. 77)
Luiz Flávio Gomes observa que com a citada alteração, passou o crime de
uso a ser considerado de menor potencial ofensivo, pois a pena máxima cominada
pela antiga Lei de Tóxicos era de 2 (dois) anos, bem como há agora a possibilidade
de incidência da Lei 9.099/1995 ao crimes aos quais a Lei prevê procedimento
especial, uma vez que tal limitação foi excluída. Assim escreve:
Com base na Lei 10.259/2001 (vigente desde 14.01.2001), o novo
limite nacional (e único), para as infrações de menor potencial
ofensivo passou a ser interpretado pela doutrina e jurisprudência
majoritárias como sendo de dois anos. O art. 16 da Lei de Tóxicos
tornou-se infração de menor potencial ofensivo (da competência dos
Juizados Criminais). Essa situação consolidou-se com a Lei
11.313/2006 (que alterou a redação do art. 61 da Lei 9.099/95). Já
não se aplicava, desse modo, pena de prisão para o simples
usuário”. (GOMES et al., 2006, p. 104-105)
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Ou seja, baseia-se na definição de crime que nos é dada pelo art. 1° da Lei
de Introdução ao Código Penal, redigido em 1941, para afirmar que houve a
descriminalização.
Continua:
[...] diante de tudo quanto foi exposto, conclui-se que a posse de
droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui
generis. Não se trata de ‘crime’ nem de ‘contravenção penal’ porque
somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a
pena de prisão. (GOMES et al., 2006, p. 110)
Restou claro, de tudo quanto exposto, que a inovação trazida pela Lei
11.343/2006 foi bastante cometida, mais ratificando uma situação que já vinha
sendo a prática dos Juizados Especiais Criminais. A doutrina majoritária (e agora
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CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
_____. Direito Penal mínimo: lineamentos das suas metas. In: Revista do
conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, v. 1, n. 4, Ministério
da justiça, jul/dez 1994.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 16. ed. São Paulo: Atlas,
2000.
MOURA, Júlio Victor dos Santos. A Nova Lei de Tóxicos: a Posse e o Porte.
In: Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. Porto Alegre:
Magister, ano 3, n. 14, out/nov 2006, p. 97-102.
OLMO. Rosa Del. A face oculta das drogas. Rio de Janeiro: Revan, 1990.
SILVA, Ângelo Roberto Ilha da. Dos crimes de perigo abstrato em face da
Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.