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Personagens:
Laura
Mauro
Jorge (narrador 1)
Nancy (narrador 2)
Pai de Mauro
Pai de Laura
Enfermeira
Médico
Policial
Homem
(As cenas não são conduzidas de maneira cronológica/ Deve-se abusar dos
tempos e pausas/ Tirando os personagens de Laura, Mauro e Homem, todos os
outros podem ser interpretados por dois ou mais atores/ Jorge e Nancy podem ser
chamados apenas de narradores ou compreendidos como "consciência" ou
"instinto" das outras personagens, porém devem ser “desconcertantemente
patéticos”/ os black-outs devem ser respeitados para uma melhor condução da
estória).
(Foco)
Homem - “Que aconteceria se um demônio te dissesse um dia: esta vida, tal como
a vives atualmente, será necessário que revivas ainda uma vez, e uma quantidade
inumerável de vezes. É preciso que cada dor e cada alegria, cada pensamento e
cada suspiro voltem a ti, tudo isso na mesma sequência e na mesma ordem, e
também esse raio de luar por entre as árvores, e este instante e eu mesmo”.
(luz desce)
Primeiro Quadro
(Sobe a luz/ Mauro sentado toma seu chá calmamente, mas compenetrado/ tem
um ar triste/ fuma charmosamente/ entra Jorge ao fundo, meio palestrante meio
confuso)
Jorge- De qualquer maneira, uma história, baseada ou não em fatos reais, não
necessita de explicação, simplesmente pode acontecer, existir! (muda o tom mais
compenetrado).
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Este é Mauro, professor de Literatura numa faculdade conceituada de São
Paulo, respeitado, querido, e completamente sozinho...(pausa) mas ele não se
sente mal com isso, muito pelo contrário, se sente muito forte. Mauro, aos seus
trinta anos, gosta de se sentar num canto e ficar revivendo momentos do passado.
É um homem que revive o passado mais do que vive o presente.(pausa) Mauro
tem amigos fiéis, é claro que estes se contam nos dedos...dizem por ai que se
leva vinte anos, vinte longos anos para se firmar uma amizade, mas apenas dois
minutos para perdê-la... (num crescente de loucura)
Se perde uma amizade por vários motivos: por uma intriga, uma discórdia de
pensamento, por política, por drogas, por muita convivência, por burrice, por
tesão, por instinto, por gozo, por porra, por merda, por buceta, por bucetas, por
xolas, por picas, por pipocas...
Nancy- (entrando na mesma sintonia que Jorge) Por um carro, por uma praia, por
um roubo, por um isqueiro - meu deus o que se rouba de isqueiros! - (enfática) por
amor, por mulher...
Nancy- Esta é Laura, linda por si só, depressiva e teimosa como uma mula.
Procura na vida um sentido para si, única e exclusivamente...egoísta...mas quem
não é?
Laura- Estou atrasada...desculpe, mas está caindo uma chuva, fiquei presa no
trânsito.
Laura- Mas você nunca se atrasa. Sempre tão pontual. Isso é muito charmoso
num homem, dá um ar de responsabilidade.
Mauro- Senta.
Laura- Obrigada!
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Mauro - Eu te conheço há três anos!
Laura- Não sei. (silêncio/ os dois se olham) A gente se vê cada vez menos...
Jorge- (comentando no ouvido de Mauro) Até parece que você não reparou o
quanto ela está linda! Não é uma criança, cara...é uma mulher...e linda!(pausa)
Mas uma coisa você percebeu, o cheiro, o cheiro da pele dela que você conhece
tão bem e adora. Para de fingir, rapaz! Porra, não vê que escondendo seus
sentimentos vai acabar tendo um câncer!
Mauro- É sério.
Nancy- (fazendo pouco caso) Ele não tem nem nunca vai ter coragem, e mesmo
que ele tivesse...
Mauro- Eu não posso ter um filho Laura. Não hoje. Não com o meu salário de
merda!
Mauro- Eu não posso sustentar um filho e o que ela mais quer é ser mãe. Toda
mulher quer ser mãe, é o instinto.
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Nancy- A maneira como ele fuma, o cheiro misturado de tabaco com perfume, que
é amargo, mas que ela adora!
Nancy- Está sentindo que está esquecendo algo. Sabe aquela sensação de ter
esquecido algo quando já se está na estrada?
Jorge- Sei.
Jorge- (para Mauro) E você vai se calar de uma vez. Idiota, vai se arrepender
daqui uns vinte anos.
Laura - E a chuva?
Jorge- Mesmo que fosse ir para a Praça da Sé, dar milho para as pombas! (para
platéia) Mas não vai rolar nada, vão assistir ao filme do Godard e ele vai para
casa, pensando nos lábios dela.
Jorge- O que está acontecendo com ele? Por que o olhar baixo?
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Laura- O que você está fazendo?
Laura- Pára.
Mauro-(tomando coragem/ cochichando) Você está linda hoje, e não diga que eu
sempre digo isso, por que eu nunca disse dessa maneira.
(Mauro quase que violentamente beija Laura/ dura trinta segundos/ eles param e
se olham/ Laura vira-lhe um tapa violento e sai correndo/ Mauro olha em direção a
platéia compenetrado/ quase chora/ Jorge e Nancy perplexos/ Luz baixa).
Segundo Quadro
Mauro - Não faz isso com a tua vida, deve ter uma saída?
Mauro- O quê?
Mauro- Está vendo, você tem senso de humor, quem tem senso de humor não se
mata!
Mauro- Deixa pra hora certa, provavelmente quando você for um pouco mais
velha.
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Laura- (desviando de assunto completamente) Você já se apaixonou?
Mauro- Quê?
Mauro- (pensa) Só me envolvo com mulheres que gostam mais de mim do que eu
delas, assim está tudo sob controle.
Mauro - O quê?
Mauro- Olha garota, se você quer conversar, a gente conversa, mas desce daí
primeiro, antes que você caia.
Laura- Presa? Por que quê uma pessoa não pode escolher se quer ou não viver?
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Laura- Você sabia que a maioria dos suicídios acontecem durante o crepúsculo,
entre seis e sete, porque é o único momento que não é dia nem noite.
Mauro- Só que agora são três da manhã. Vamos lá, menina! Desce! (ela fita-o
pela primeira vez / pausa) Por favor.
Mauro- Mauro.
Mauro- Ah!
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Mauro- Espera ai. (Laura sai / luz desce com Mauro olhando na direção de Laura).
Terçeiro Quadro
(luz sobe/ Mauro sentado numa cadeira muito nervoso/ mão esquerda
machucada/ ele fuma um cigarro com muita ansiedade/ entra enfermeira).
Enfermeira- (chata de tão simpática) Aqui é proibido fumar, mas eu posso abrir
uma exceção se você tomar essas três pílulas.
Jorge-(interferindo) Mentira, eles estão com medo que você faça uma besteira.
Mauro- (para si) Estão é com medo que eu faça uma besteira...
Jorge- (irônico) Acho que eles pensam que você pode tentar se matar.
Mauro- ...estão achando o que? Que eu vou me matar? De qualquer forma, isso é
problema meu!
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Enfermeira- Muito bem, eu vou te fazer algumas perguntas. O que você vê neste
desenho? (desenho abstrato/ apenas riscos).
Mauro- Espelho?
Enfermeira- O espelho que fez com que o senhor tomasse vinte e cinco pontos na
mão esquerda.
(atônito, Mauro olha para a mão esquerda visivelmente machucada)
Enfermeira- E quem é essa tal de Laura por quem o senhor tanto gritava?
Jorge- Deixa de ser idiota! Acha que eles não vão ligar o seu nome ao da garota
da faculdade?
Enfermeira- Deixe-me ver; mas o senhor tinha uma aluna chamada Laura, não
tinha?
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Mauro- Eu não posso ficar aqui, eu tenho minhas aulas, minha vida!
Jorge- (como um apresentador bonachão de TV) Mentira! Essa não vale, conta
outra, uma de verdade, porque a enfermeira não vai cair nessa!
Quarto Quadro
Mauro- O quê?
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Laura- A gente não tem nada a ver um com o outro.
Laura- Eu sei que te acordei, desculpe, mas eu preciso falar com você.
Laura- Eu posso ir até ai, estou me sentindo mal, acho que fui injusta.
Jorge- (que olhava a cena o tempo todo) Ela enche o saco, é mimada, infantil,
frustrada, depressiva, mas é exatamente isso que ele gosta nela. Viu só como ele
amolece mesmo quando ela não tem embasamento nenhum para conseguir o que
quer?
Mauro - Não tem problema. (sarcástico) Então, você partiu o coração do pobre
rapaz?
Laura- Mas ás vezes é...acha que todo mundo é capaz de pensar igual a você?
Mauro- Você não veio até aqui para ouvir minha opinião sobre o amor, porque
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você a conhece muito bem. Apenas diga o que quer dizer.
Laura- Eu não sei o que vim dizer.(tempo/ falando baixo) Sua mulher está ai?
Laura -Eu adoro geléia de framboesa, você acertou em cheio. Faz quanto tempo
desde aquele dia na ponte?
Mauro- Nada.
Mauro- (irritado) Você não veio aqui para falar de mim, porque se for, pode ir
embora.
Laura- Desculpa.
Laura- Desculpa.
Mauro- (ainda mais irritado) Eu não sei da onde você tira essas suas idéias
malucas, mas eu quero que você pare agora mesmo com esses seus...
(interrompido)
Jorge- (quebrando o silêncio) Ah não! Agora ela jogou baixo! (para platéia) Se tem
uma coisa que um homem não pode ouvir de uma mulher atraente, é que ela não
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para de pensar nele, ou que ela tem saudades dele...ou ainda, que ela não pode
viver sem ele. Não importa se ele é ou não é apaixonado por ela, isso é o de
menos, acreditem...
Jorge- É, eu sei.
Quinto Quadro
(luz sobe/ Laura dorme profundamente/ Mauro em pé a observa com rancor/ ela
desperta)
Mauro- É sim, se eu não fosse tão estúpido, tão irresponsável. Noventa e seis por
cento de chance de não acontecer, mas acontece comigo...
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Laura- Quero ir sozinha. (pausa)
Laura- (categórica) Não! (pausa) Eu sou adulta o suficiente, você tem que parar
de agir como se eu fosse mais burra ou menos experiente do que você. Já
aconteceu, e a gente tem que enfrentar isso, nós não temos condições e acabou,
fim de papo!(tempo)
Laura- O quê?
Mauro- (depois de um tempo) Você não vai tirar, eu não quero. A gente se vira,
foda-se! Você não vai tirar.
Laura- Você está louco? (cada vez mais nervosa) Você é casado! Ama a puta da
sua esposa, é ou não é? Ganha uma salário de merda, e é um puta de um
covarde!
Laura- Repete.
Mauro- Não.
Laura- (extremamente nervosa) Então me explica, porque eu não devo tirar essa
criança de dentro de mim?
Mauro- Eu não sei. Só me sinto mal de pensar nisso. Eu não posso, não é correto,
não pra mim. Você não vai tirar!
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mim do que a mim mesma, e um idiota de me fazer sentir como uma cadela
prenha. Sai da minha frente!
Mauro- Você está louca. Você sempre foi louca, e eu um estúpido de não
perceber naquele dia da ponte. (pausa) Você não pode estar falando sério.
Mauro- Laura volta aqui! Volta aqui! (fica parado como se estivesse congelado).
Jorge- Bem, faremos então agora uma breve sinopse da vida dos dois
pombinhos.
Jorge- O programa é recomendado para toda e qualquer pessoa que sabe que o
maior pecado da nossa existência é a culpa de passar a vida sem nunca ter vivido,
e isso inclui aquele porre no Natal.
Nancy- Laura é uma menina feliz, está agora com vinte anos de idade e se
identifica muito com seu pai, o escritor de um jornal conhecido, muito conhecido
de São Paulo. Se orgulha do seu pai ter sido um subversivo nos anos setenta, que
até teve que fugir para o Chile durante a repressão. Hoje, com as mudanças dos
tempos, ele escreve roteiros mais do que originais para um reality show conhecido
da televisão.
Jorge- Mauro teve uma infância difícil ao lado de cinco irmãos mais velhos que
praticavam jiu-jitsu e completamente viciados numa droga pior que a heroína: o
açaí com banana e mel. Seus irmãos eram atiçados pelo pai, a importunar a vida
do pobre Maurinho, só porque o coitadinho era interessado pelas artes e pela
literatura. Mas o mundo dá voltas, e Mauro tornou-se respeitado...enquanto que
seus irmãos tiveram uma vida indesejada...com dinheiro talvez, mas indesejada...
(corte)
Mauro- Eu vou estudar literatura.
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Mauro- É isso mesmo.
Pai- E a cartilagem de tubarão? Eu entendo tua revolta, mas você tem que se
tratar, e eu vou estar ao teu lado até o fim....e que este fim esteja longe!
Mauro- É bom que isso tenha acontecido, assim o senhor presta atenção em mim.
Pai- (se desespera) Meu Deus do céu, um filho interessado nas artes e na
literatura, que desgraça! Me leva embora dessa vida meu pai, que eu não quero
viver para ver isso!
Jorge- E Deus atendeu as suas preces e o levou sete meses depois...o caso é
que Mauro nunca perdoou a ignorância e alienação do pai...no enterro carregou o
caixão com uma frieza de iceberg, enquanto os outros irmãos choravam como
menininhas...
(corte)
Laura- Eu queria falar com você.
Pai 2- ...o lutador machão faz uma poesia para a paulista peituda, uma poesia que
eu mesmo hei de escrever, e poesia para as mulheres frágeis e confinadas a
ficarem sem sexo durante três meses é como um vale refeição...
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Laura- Eu não acredito nisso!(nervosa).
Pai- E a questão que não quer calar, quem fica com um milhão?
(tempo)
Nancy- ...e eles ficaram ali, estáticos. Laura esperava por alguma coisa, queria
um conselho, um abraço, uma bronca, o que fosse, mas nada acontecia....a mente
do seu pai estava tomada pelo mal da tela plana, o mal que ganha com a
intimidade das pessoas. Finalmente, depois de exatos 47 minutos, o pai indagou
de maneira lenta e quase inconsciente.
Pai 2- Só tem uma coisa a fazer se você não tem certeza, você sabe o que é?
Laura- O quê?
Pai 2- Você deve conversar sério com ele, e dizer com toda a sinceridade do
mundo que você deve fazer o certo. (pausa) E o certo é mandá-lo para o paredão
e deixar o povo decidir pelo amor de vocês, assim se ele não sair é porque o povo
simpatiza com ele, e isso quer dizer que ele presta e você terá um aliado forte lá
dentro! (Laura se afasta como quem se afasta de um bicho até sair de cena).
Talvez vocês pudessem transar debaixo dos cobertores para que isso dê mais
ibope, sexo sempre dá ibope...agora filhinha, diz uma coisa para o papai, esse seu
novo amor...não é aquele fazendeiro caipira, nem o lutador, né? Não é, tá escrito
na sua cara que não, é do artista plástico, não é, conta para o papai, é do artista
plástico...(pai diz todo o texto de maneira enlouquecida, mas discreta/ luz baixa).
Sexto Quadro
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Laura- Laura.
Médico- Profissão?
Médico- Tem razão, mas é o que eu faço....eu pesco! Me chama de Lucas, Pedro
ou Mateus, está bem assim?
Médico- O quê?
Médico- Existem várias maneiras, está é muito simples, você toma aquela pílula
vermelha, espera um tempo...você vai passar um pouco mal, e depois põe pra
fora.
Médico- (depois de pausa) De todas! Mas no seu caso não vai ser tão ruim, está
no começo. Você veio sozinha?
Médico- Calma, este é um momento que você tem que ficar calma. Está pronta?
Médico- Tome a pílula e se deite na cama, eu volto daqui a pouco. Detalhe, você
vai ficar trancada no quarto.
(Laura caminha até a mesinha discretamente e toma a pílula/ depois vai até a
cama e deita; luz baixa com transição de tempo, quando sobe Laura passa mal/
luz baixa e sobe novamente mais umas duas ou três vezes e a cada vez que isso
acontece ela parece pior; na quarta vez Laura está aos berros/ é assistida por
Jorge e Nancy, que parecem tensos como se assistissem a um filme de terror;
Jorge faz comentários toda vez que Laura pára os berros e apenas respira)
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Jorge- (emocionado e cúmplice) A pobre menina. O pescador esqueceu de dizer a
ela, talvez propositalmente, que quanto mais a dor aumenta, mais ela vai se
confundindo e sentindo um chamado de socorro. É como se o feto reclamasse,
quisesse justiça e por isso a dor...e é isso que oitenta por cento das meninas
passam quando entram nesta sala...é a dor do que não foi, e do que nunca
será...a dor da "criancisse", e da inconsequência...não que eu seja contra ou a
favor, não é isso de que tratamos aqui, mas que pura e simplesmente, Laura, esta
menina apresentada para todos nós, não poderia passar por isso. Ela,
exclusivamente ela e não outra, não poderia passar por isso.
(Cessam os gritos; Laura abraça o médico que carinhosamente faz carinho nos
seus cabelos enquanto fala de maneira sóbria)
Medico- Esta vida, tal como a vives atualmente, será necessário que revivas
ainda uma vez, e uma quantidade inumerável de vezes. É preciso que cada dor e
cada alegria, cada pensamento e cada suspiro voltem a ti.(luz baixa)
Sétimo Quadro
Oitavo Quadro
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inicio da peça /Laura corre para fora de cena)
Nancy- Convicto de que o amor é finito, de que o ser humano não passa de
estômago e sexo, Mauro ficou sentado na frente daquela tela imensa por mais de
uma hora e meia. Na sua frente, Godard se manifestava na sua maneira mais
sarcástica, e Mauro não pensava em nada, queria esquecer, mas não esquecia...
Jorge- Pois ele não disse...e se tivesse dito, tudo poderia ter sido muito diferente!
(Mauro neste momento continua sentado, mas cada vez mais incomodado, como
que querendo vomitar).
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Nancy- (que assistia tudo jogada no chão, levanta-se furiosa) Reage, porra!
Reage...não vê que vai perdê-la pra sempre? Reage! (Jorge não larga do corpo de
Mauro, que mais parece um boneco agora, segura-o pelas costas, enquanto
Nancy esmurra seu estômago / os dois cada vez mais violentos).
Nancy e Jorge-- Reage! Reage, porra! Reage! Faça alguma coisa por você!
Reage!
(continuam batendo e bestando em Mauro de forma cada vez mais violenta/ luz
vai baixando/ blackout)
Nono Quadro
(sobe luz/ Laura está parada diante de um telefone público, ela acaba de desligar/
pára em frente ao público e limpa com muita calma as lágrimas que restavam no
seu rosto/ ao fundo entra um homem, usando um casaco grande ou um sobretudo/
ele pára e a observa por um tempo)
Homem- Não? Isso é bom, dá para perceber que você é uma garota corajosa,
andando a essa hora da noite sozinha.
Laura- (precisa) Eu tenho que ir. (tentando sair/ homem bloqueia sua passagem)
Homem- Eu sinto que você é uma pessoa sozinha. Eu sei disso porque eu
também sou sozinho...acho que um solitário conhece outro, você não acha?
(homem cada vez mais toma posição de um psicótico).
Homem- Você já quis se matar? Já quis acabar com tudo? Abandonar essa merda
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dessa vida?
Laura- Já! Mas descobri que é uma grande besteira. Pelo menos pra mim.
Laura- (perdendo o medo e tornando-se irônica) Se você quer acabar com uma
vida. acaba com a sua, não com a minha.
Laura- Seja lá quem for seu pai, a culpa não é dele, por que você não assume
logo a culpa? Uma culpa que é só sua...tem sempre uma saída...
Laura- Qual a minha parcela de culpa nisso, hein? Vai descontar em mim que não
tenho culpa de nada? Daqui a pouco vai dizer que eu sou linda, e vai querer me
estuprar.
Homem- (sem ouvi-la/ insinuante) Você é muito bonita...sabe quanto tempo que
eu não trepo?
Laura- Eu sabia! Olha você não está sendo nada original como um estuprador
psicótico, por que não tenta ser dentista?
Laura- Não se ofenda amigo, mas eu não estou nem ai para você...aquele que
não enfrenta seus medos de maneira racional, não merece pena. Homem
covarde, homem morto!
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Você rindo de um homem que quase te mata?
Homem- Sabia que uma vez eu tentei me matar, e falhei feio. Meu pai me deu
uma surra, disse que eu era um incompetente até pra isso, acho que é verdade.
Laura- Não.
Homem- Por que? Depois de tudo que eu não fiz com você? (risos).
Homem- Como não sua puta? Depois de tudo que a gente conversou, você me
apunhala desse jeito?
Homem (cada vez mais nervoso) Não minta, pára, pára de mentir!
Laura- Está bem, eu fumo, mas não tenho cigarros aqui comigo.
Homem- Não, você não fuma, não fuma, não fuma...(homem sem dó apunhala
Laura várias vezes na barriga/ no primeiro instante ela grita, depois cai no chão
gemendo e morre/ homem sai correndo).
(Jorge entra).
Jorge- (nostálgico) E este foi o fim de Laura...é claro que contamos este fato da
nossa estória de um jeito mais ameno, mais didático, mais sarcástico...até sendo
engraçado...mas foi exatamente assim que aconteceu, um homem a abordou
enquanto ela ia pra casa, papeou muito com ela dizendo o quanto era um estorvo,
e ela o ouviu, pois tinha uma paciência de ouro. Depois de algum tempo ela
resolveu ir embora, e foi neste momento que ele se sentiu abandonado
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novamente. O cigarro talvez tenha sido apenas um escape, mas é inevitável
pensar que talvez ela não tivesse morrido se fumasse, ela que de certo modo
cuidava de sua saúde, não fumando, encontrou a morte... (luz baixa)
Nancy- (narrativa) Mauro foi pra casa, e durante todo o percurso não parava de
pensar no quanto tinha vacilado. Chegando em casa, a primeira coisa que notou
foi que tinha uma mensagem na secretária eletrônica. Era de Laura, que ligara
minutos antes da tragédia. Mauro ouviu atentamente a mensagem e pela primeira
vez, em muitos anos, chorou sem se controlar. Ele ouviu a mensagem contadas
136 vezes enquanto entornava uma garrafa de uísque Red Label...
Jorge- (narrativo) Depois saiu gritando pela rua o nome da amada, durante uma
hora e dezesseis minutos. Algumas vezes, os gritos eram acompanhados de sutis
vomitadas pela calçada, e de olhares assustados de alguns indivíduos da cidade...
Jorge- Durante o trajeto, Mauro Marreco pintou o caneco, bateu num mendigo,
surrou um padreco...
Jorge- entrou noutro boteco, mexeu com uma donzela, lembrou de Laura, e
enfim...se atirou por uma vidraça...
(barulho ensurdecedor de vidro quebrando/ Black out/ Luz sobe com Mauro
estirado no chão coberto de cacos de vidro/ entra voz de Laura ou Laura em
pessoa).
Laura- Mauro, sou eu, estou ligando para dizer que você é uma pessoa muito
especial e que eu nunca vou te esquecer. Eu espero que a gente não perca
contato só porque não dá certo. Eu quero te dizer que eu estou feliz de certa
forma, porque eu percebi hoje que você gosta de mim...estava escrito nos seus
olhos, nos seus toques...e quando você me beijou...(pausa) olha, desculpe o tapa,
foi um choque, uma mistura de alegria e raiva...mas passou...(linha desliga/liga
novamente).
Você é como uma estrela Mauro, uma estrela cuja luz demora muito tempo pra
chegar até meus olhos, e quando chega, é uma luz de um tempo que já passou,
de uma vida que já mudou...eu estou sempre atrasada...sempre vejo aquilo que já
foi. Lembro de uma frase do Nietzsche que você usou numa aula, que dizia...como
é mesmo? Esta vida, como a vivemos, será necessário que revivamos uma vez, e
uma quantidade inumerável de vezes, é preciso que cada dor e cada alegria, cada
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pensamento e cada suspiro voltem a nós, e tudo isso na mesma sequência e na
mesma ordem, e também essa aranha, esse raio de luar por entre as árvores, este
instante e eu mesma.(tempo) A gente se encontra, afinal, estamos pra sempre
num mesmo circuito...
(luz baixa com Jorge e Nancy levantando Mauro pelos braços e o levando
machucado e inconsciente para fora de cena/ Fim)
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