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AMOR DE SERVIDÃO

De Marçal Aquino e Marilia Toledo.

CENA 1 – CASA DAS IRMÃS. MARINÊS E MARGÔT.

Epígrafe: “Todas as famílias felizes se parecem. As famílias


infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Tolstoi. Ana
Karenina.

MARINÊS CHEGA EM CASA COM UM LIVRO DE REZAS E UM


TERÇO NAS MÃOS.

MARINÊS: Eu te esperei até agora.

MARGÔT: Não deu para ir.

MARINÊS: É a primeira vez que você não vai.

MARGÔT: Você foi, Marinês. Eu estou bem representada.

MARINÊS: Esperei até escurecer. O vigia me botou para fora.


Tinha que fechar o cemitério. Aquelas baratas! Isso é uma falta
de respeito.

MARGÔT: Eu não preciso ir ao cemitério em todo aniversário da


morte da mamãe para rezar por ela. Eu rezo daqui mesmo,
todo dia.

MARINÊS: Eu já tinha percebido que você já não dá mais


importância para a memória dela. Se não fosse eu…

MARGÔT: Você quer fazer uma homenagem para a mamãe?


Então, toca aquela valsa alegre que ela te ensinou.

CENA 2: CASA DAS IRMÃS. MARINÊS E MARGÔT.

AS DUAS ESTÃO DORMINDO. TOCA O DESPERTADOR. MARINÊS


SE LEVANTA E VAI CHAMAR MARGÔT.

MARINÊS: Está na hora de virar a touca.


MARGÔT: Ah não, quantas vezes eu já te disse que não quero
mais que você me acorde para virar a touca.

MARINÊS: Mamãe dizia que quatro horas era um bom horário


para virar a touca.

MARGÔT: Eu já te falei! Não vou mais virar. Vou dormir com ela
para um lado e de manhã escovo para o outro.

MARINÊS: Mas assim não fica bom. O cabelo encrespa durante


o dia. Só fica liso o dia todo quando eu faço, como a mamãe.

MARGÔT: Marinês, eu entendi. Agora me deixa dormir que


tenho muito trabalho amanhã.

MARINÊS: Eu também tenho muito trabalho amanhã.

MARGÔT: Vai deitar, Marinês.

CENA 3: CASA DAS IRMÃS. MARINÊS E MARGÔT.

MARGÔT: Nossa, a minha cabeça vai explodir. Você podia tocar


a valsa alegre.

MARINÊS: Aquela valsa eu aprendi pra tocar para a mamãe. Eu


já não toco mais.

MARGÔT: Ué, mas você tocou na semana passada?

MARINÊS: Eu já não toco mais.

MARGÔT: Não entendo para que ter um piano dentro de casa se


não for para tocar.

CENA 4: BANCO. MARGÔT, ALTINO E MARINÊS.

MARGÔT: Altino, é aqui.

ALTINO E MARINÊS APENAS SE OLHAM.

MARGÔT: A Marinês já trabalha aqui há um bom tempo.


Qualquer coisa que você precisar pode perguntar para ela.
Então, ao trabalho.
ALTINO: Obrigado.

MARGÔT SAI.

ALTINO: Bueno.

MARINÊS: O quê?

ALTINO: O meu nome. Altino da Costa Bueno, prazer.

MARINÊS: Prazer. Marinês dos Santos. Você quer ajuda para


abrir o caixa?

ALTINO: Não precisa. Tem alguma recomendação especial?

MARINÊS: Não, é rotina.

PASSAGEM DE TEMPO.

Primeira Narração: “Ela se chamava Marinês. Foi por causa dela


que o Altino empacou neste fim de mundo e nunca mais foi
embora”.

FIM DO DIA. ALTINO FECHA O SEU CAIXA FELIZ.

ALTINO: Pronto, bateu.

MARINÊS: (AFLITA) Eu não fechei ainda, estou com uma


diferença de 12 centavos. Eu não acho o erro, já chequei tudo,
seis vezes.

ALTINO: Calma. Eu ajudo você.

MARINÊS: Obrigada.

ALTINO COMEÇA A CHECAR OS DOCUMENTOS, COM AGILIDADE.

ALTINO: Na agência onde eu trabalhei tinha um cara, que toda


vez que não conseguia fechar o caixa ele se deitava no chão e
morria. De repente, voltava do reino dos mortos, estremecia e
subitamente levantava e encontrava a diferença. Dizia até
amanhã à todos e ia embora como se fosse ao paraíso.
MARINÊS: (Rindo) De onde você é?

ALTINO: Sou carioca da gema. Olha só, está aqui a diferença. 12


centavos!

MARINÊS: Ai obrigada, Altino. Graças a Deus!

ALTINO: Bom... eu já vou.

MARINÊS: Onde você está morando?

ALTINO: Estou na pensão da Dona Jane. Mas é provisório.

MARINÊS: Muito obrigada. Eu fico te devendo essa.

ALTINO: Eu vou cobrar.

CENA 5 – CASA. JANTAR. MARINÊS E MARGÔT.

MARGÔT: Como foi o seu dia?

MARINÊS: Igual a todos.

MARGÔT: E o novo caixa, o Bueno, Altino Bueno?

MARINÊS: Que é que tem?

MARGÔT: Como é que ele está indo?

MARINÊS: Normal.

SILÊNCIO.

MARGÔT: Eu estou pensando em convidar o Altino para ir à


festa do Banco comigo…

MARINÊS: O rapaz nem chegou direito na cidade. O que é que


ele vai pensar? Que você é uma oferecida.

MARGÔT: Pensar o quê, Marinês, qual o problema? Ele não


conhece ninguém aqui.
MARINÊS: Para mim você está sendo oferecida.

MARGÔT: Ai, tá bom, Marinês! Não sei nem porque fui tocar
neste assunto com você.

CENA 6 – BANCO. MARINÊS E ALTINO.

MARINÊS JÁ ESTÁ NO CAIXA. ALTINO CHEGA.

ALTINO: Bom dia, Marinês.

MARINÊS: Bom dia, Altino.

ALTINO: Teve algum pesadelo com os 12 centavos?

MARINÊS: Graças a você dormi o sono dos justos.

AÇÃO COM OS CLIENTES.

ALTINO: Próximo. O cheque é nominal? Será compensado em


três dias.

ALTINO: Marinês, a festa do Banco é sábado, não é?

MARINÊS: É sábado.

ALTINO: Aqui está, senhor. Próximo.

MARINÊS: Com a Dona Cotinha é sempre a mesma coisa:


retirada.

ALTINO: Prazer, Dona Cotinha. (PARA MARINÊS) Eu não conheço


ninguém aqui na cidade... você gostaria de ir comigo à festa?

MARINÊS: (PENSA POR UM INSTANTE) E por quê não? Vamos


juntos!

ALTINO: (SEM CONSEGUIR DISFARÇAR A FELICIDADE) Claro!


Infelizmente Dona Cotinha o seu saldo é negativo. A conta está
sem fundo. Fale com a sua gerente.

CENA 7 – BANCO/ CAFÉ. ALTINO E MARGÔT.


ALTINO ESTÁ NA COPA, TOMANDO CAFÉ E LENDO UM LIVRO.
CHEGA MARGÔT.

MARGÔT: Foi você que mandou a Dona Cotinha falar comigo?

ALTINO: Sim, por quê, dona Margôt?

MARGÔT: Por favor, não me chame de dona. O quê que eu


posso fazer se ela está negativa? Ela acha que o dinheiro brota
na conta dela?

ALTINO: Sinto muito, eu não a conhecia.

MARGÔT: Tudo bem. Tá descansando?

ALTINO: Eu aproveito a folga do café para ler. Capítulo por


capítulo, quando eu vejo, em uma semana já terminei o livro.
Mas eu já vou voltar, dona Margôt.

MARGÔT: Quem?

ALTINO: Margôt.

MARGÔT: Melhor. O que você está lendo?

ALTINO: Anna Karenina. Conhece?

MARGÔT. Tem um filme, não tem? Eu acho que vi. Com aquela
atriz linda ...Marlene Dietrich.

ALTINO: Uma mais bonita...a Greta Garbo.

MARGÔT: É. E termina mal a história.

ALTINO: Ela se suicida.

MARGÔT: Gostou do nosso café?

ALTINO: Éeee...não é como o da Cidade Maravilhosa, mas tá


bom.

MARGÔT: Está demitido.


ALTINO: Sendo assim eu vou tomar mais. Quer?

MARGÔT: Não, eu não gosto de café, obrigada. Altino, você está


sabendo da festa do banco?

ALTINO: Sim.

MARGÔT: Você quer ir comigo?

ALTINO: Me desculpe, Margôt. Eu já convidei outra pessoa.

MARGÔT: Você é rápido!

ALTINO: Mesmo assim obrigado pelo convite.

MARGÔT: Imagina. Só te convidei por que achei que você não


tivesse companhia. Com licença, eu tenho um telefonema
urgente para fazer na minha sala.

MARGÔT SE LEVANTA.

ALTINO: Ah, Margot! Assim que acabar eu te empresto o livro.

MARGÔT: Não, obrigada. Ela se mata, não é?

MARGÔT SAI E ENCONTRA MARINÊS NO CORREDOR.

MARGÔT: Você e a sua boca maldita!

MARINÊS: O quê foi Margôt?

MARGÔT: O Altino não aceitou ir à festa comigo.

MARINÊS: Eu tinha certeza. Sou dez anos mais velha do que


você...

MARGÔT: Mas é porque ele já tem companhia.

MARINÊS: Eu disse que você ia parecer uma oferecida.

MARGÔT: Puta que nos pariu.


MARINÊS: Não fala assim da mamãe.

CENA 8: CASA DAS IRMÃS. MARINÊS, CARLOS ALBERTO,


ALTINO E MARGÔT.

MARINÊS E CARLOS ALBERTO ESTÃO NA SALA. ALTINO CHEGA.

MARINÊS: Boa noite, Altino.

ALTINO: Boa noite, Marinês.

MARINÊS: Entre. Fique a vontade. Esse é o meu namorado,


Carlos Alberto.

CARLOS ALBERTO: Bueno...Altino Bueno, não é isso? Muito


prazer, seja bem vindo.

ALTINO: Obrigado. Para você.

MARINÊS: Ah, obrigada, não precisava. Vou colocar as flores no


vaso.

OS DOIS SE SENTAM.

CARLOS ALBERTO: A Marinês falou muito de você. Se não fosse


pelos seus cálculos ... aqueles 12 centavos...

ALTINO: Alberto Carlos, não é?

CARLOS ALBERTO: O contrário, Carlos Alberto.

ALTINO: Você também é bancário?

CARLOS ALBERTO: Não, eu sou oficial de justiça. Se você deixar


de pagar alguma conta eu vou na sua casa confiscar os seus
bens, cuidado!

ALTINO RI.

ENTRA MARGÔT.

MARGÔT: Marinês, onde é que você enfiou o laquê... Altino?


ALTINO: Margôt! (PARA MARINÊS) Vocês moram juntas?

MARINÊS: Somos irmãs.

ALTINO: Que surpresa! Por que vocês nunca disseram nada?

MARINÊS: Ué, todo mundo sabe disso no Banco, achei que você
soubesse.

ALTINO: O que falta eu descobrir, que vocês têm um cachorro


com o meu nome? (RINDO).

CARLOS ALBERTO: Altino, Altino! Brincadeira.

MARGÔT: Mas surpresa estou eu... você vai à festa conosco?

MARINÊS: Eu convidei o Altino. Achei que seria uma boa


oportunidade para ele conhecer as pessoas do Banco, da
cidade...

MARGÔT: (IRÔNICA) Ótima idéia, como é que eu não pensei


nisso antes?

SILÊNCIO.

CARLOS ALBERTO: Vamos, vamos mexer o esqueleto no


Forrobodó.

SAEM MARINÊS E CARLOS ALBERTO, ALTINO E POR ÚLTIMO


MARGÔT.

CENA 9: BANCO. ALTINO E MARINÊS.

MARINÊS JÁ ESTÁ EM SEU CAIXA. ALTINO CHEGA.

MARINÊS: Bom dia.

ELE NÃO RESPONDE.

ALTINO: Pode abrir, segurança, por favor.

MARINÊS: Oi Altino, está tudo bem?


ALTINO: Não, Marinês. Não está nada bem.

MARINÊS: Mas por quê? Aconteceu alguma coisa?

ALTINO: Tive um domingo péssimo, tentado montar o quebra-


cabeça que você me aprontou. Pois não, senhor!

MARINÊS: Que quebra-cabeça, do que você está falando?

ALTINO: Por quê você não me disse que tinha um namorado?


Como não me contou que ia com esse cara ao baile.

MARINÊS: Esse cara é o meu namorado.

ALTINO: E a Margôt? Porque não me contaram que são irmãs. O


que é...uma brincadeira as minhas custas? Uma espécie de
trote? Um instante, senhor, estou fazendo o seu depósito.

MARINÊS: Eu só queria ajudar.

ALTINO: Eu não preciso de ajuda.

MARINÊS: Aceitei ir ao baile com você porque quero ser sua


amiga. E achei que você ia gostar de conhecer outras pessoas.

ALTINO: Eu não estou à procura de uma amiga.

MARINÊS: Altino, eu não sei o que você pensou, mas tive a


melhor das intenções. Agora com licença, vou tomar uma água.
Por favor, minha senhora, dirija-se ao caixa ao lado. Ele já irá
atendê-la. Com licença.

PASSAGEM CURTA DE TEMPO. MARINÊS VOLTA.


AÇÃO DO ALTINO COM OS CLIENTES QUE FICARAM NA FILA.

ALTINO: Com licença, senhor. Assim que eu acabar de atendê-la


eu falo com o senhor. Apenas saque, senhora?

MARINÊS: Próximo. É saque, senhora? Tem que colocar o RG no


verso e assinar.

ALTINO: Marinês, me desculpe. Eu fui um bobo, sinto muito.


MARINÊS: Só aceito se você for jantar este fim de semana em
casa.

OS DOIS DÃO UMA RISADA SEM GRAÇA.

ALTINO: Fechado.

ALTINO E MARINÊS: Não, minha senhora, o caixa está aberto!

CENA 10. CAFÉ. MARGÔT E ALTINO.

MARGÔT: Já começou outro livro, Altino?

ALTINO: Ontem. Passei o dia inteiro na pensão.

MARGÔT: Sabe que esse ano a festa não foi muito boa?
Também, é o mesmo repertório há vinte anos. E o Zeca
Sanfoneiro também não é nenhum Luiz Gonzaga, mal consegue
segurar a sanfona.

ALTINO: É a barriga, Margôt!

MARGÔT: E você, gostou da festa?

ALTINO: Gostei... do churrasquinho.

MARGÔT: De gato.

ALTINO: O quê?

MARGÔT: Não se preocupe, é de raça.

ALTINO: Você está brincando.

MARGÔT RI.

MARGÔT: Você achou que ela era solteira, não é?

ALTINO: Eu não sabia de nada.

MARGÔT: A Marinês e o Carlos Alberto têm uma história de


fotonovela. Quando a Marinês tinha três anos ele nasceu. A
família dele já morava aqui na rua. A Marinês adora falar que
carregou o Carlos Alberto no colo.

ALTINO: É mesmo?

MARGÔT: Eles estão procurando uma casa para comprar. Assim


que ele se formar vão marcar a data do casamento. Ele vai
ganhar mais e a Marinês vai poder finalmente sair do Banco.

ALTINO: Bom, a hora do café acabou. Preciso voltar.

MARGÔT: Vai lá...Você não tem idéia da fila que te espera.

CENA 11: CARLOS ALBERTO LEVA ALTINO PARA PESCAR.

Segunda Narração: “Esta é a melhor parte da história. O


Altino e o Carlos Alberto começaram a se ver com
frequência, viraram unha e carne. Costumavam sair para
se divertir nos fins de semana.

CARLOS ALBERTO: Altino, me diz uma coisa. E o Maracanã?


Como é que é ver um jogo no Maracanã?

ALTINO: Ah, rapaz, o Maracanã! Eu tenho uma história muito


curiosa no Maracanã. Foi lá que o meu pai adotivo morreu.
Copa de 1950.
Aquele jogo do Brasil contra o Uruguai.

CARLOS ALBERTO: Maldito jogo!

ALTINO: Bota maldito nisso! Eu estava ali... lotado! O meu pai


do meu lado. De repente veio o gol do Uruguai. O estádio
calado. O único som que eu ouvia era a respiração do meu pai.
O ar começou a faltar para ele. Uma parada cardíaca. Tentei
ajudar, mas já era tarde. Fulminante.

CARLOS ALBERTO: Nossa, Altino. Eu sinto muito!

ALTINO: Maldito lateral, matou o meu pai! (RINDO) Isso é


passado! Mas com certeza, quando vocês forem ao Rio de
Janeiro eu faço questão de te levar para assistir um jogo do
Botafogo no Maracanã.
CARLOS ALBERTO: Que engraçado, Altino. Você fala como se
ainda morasse no Rio.

ALTINO: É, mas eu vou voltar para lá. Isso aqui é provisório.

CARLOS ALBERTO: Então você não pensa em ficar por aqui?


Casar, ter filhos?

ALTINO: (ALTINO DEMORA PARA RESPONDER) Não.

CARLOS ALBERTO: Que foi, não gostou de Belém?

ALTINO: Quais são as coisas boas de Belém?

CARLOS ALBERTO: O Mercado Ver o Peso, aqui é verão o ano


inteiro… e a nossa culinária! Aonde no Rio você come um Pato
no Tucupi, heim? E muçuã? Você já comeu muçuã?

ALTINO: Muçuã? Ah, eu sou homem rapaz!

CARLOS ALBERTO: Delícia! É proibido, mas uma delícia!

ALTINO: Eu respeito tudo isso, tudo deve ser realmente muito


bom como você está falando, mas o Rio… ah, o Rio é melhor!
Quem sabe eu não acho alguém lá no Rio que goste disso tudo,
aí a gente troca! Fica tudo resolvido.

CENA 12: ALMOÇO NA CASA DAS IRMÃS. JOGO DE


BARALHO. TODOS.

MARGÔT: Ai, Altino! Estou tão feliz que você veio comer de
novo com a gente.

MARINÊS: Hoje eu vou te apresentar um prato típico da região.


Maniçoba! (MARINÊS ABRE A PANELA).

ALTINO OLHA E NÃO FICA FELIZ COM O QUE VÊ.

CARLOS ALBERTO: Não se incomode com a aparência. Isto é


uma delícia, eu garanto! Você nunca comeu nada igual!

ALTINO: Realmente, nunca vi nada igual! E o que é a Maniçoba?


CARLOS ALBERTO: Se você souber não vai querer comer.

MARINÊS: Imagina, Maniçoba é feita com a planta da mandioca.


Você pega as folhas e depois de moídas e bota para cozinhar. O
segredo é o tempo.

MARGÔT: Leva uma semana para cozinhar, no mínimo.

ALTINO: Uma semana?

CARLOS ALBERTO: A folha é venenosa. Se não for cozida direito


pode matar.

ALTINO: Vocês não estão querendo me envenenar, estão?

MARINÊS: Não, mas como você é a visita tem que ser o


primeiro a experimentar.

MARINÊS SERVE ALTINO E TODOS AGUARDAM CURIOSOS PELA


REAÇÃO DELE.

ALTINO PROVA E FAZ UMA PIADA. FINGE QUE ESTÁ


ENVENENADO. TODOS SE DIVERTEM.

PASSAGEM DE TEMPO.

Terceira Narração: “A maniçoba é uma iguaria de sabor


peculiar e aspecto pungente. Falando com franqueza,
lembra bosta de vaca. É um prato que quando bem
preparado, costuma conquistar devotos ardorosos”.

MARGÔT: Bom, vamos começar o jogo?

CARLOS ALBERTO: Homens contra mulheres?

MARGÔT: Não, nada disso. Você e a Marinês, que já são uma


dupla, e eu e o Altino! E vai até 3 mil e eu vou contar os
pontos.

MARINÊS: Mas vocês já querem começar o jogo? Nem fiz o café


ainda!
MARGÔT: A Marinês não sabe jogar.

ALTINO: Mas então, se a Marinês não sabe podemos fazer


alguma outra coisa.

CARLOS ALBERTO: Não, Altino, fique tranqüilo. Ela joga, sim.


Vamos lá, quem começa?

MARGÔT: Começa quem pergunta.

CARLOS ALBERTO FAZ UMA JOGADA, ALTINO EM SEGUIDA E POR


FIM, MARINÊS. ELA COMPRA DO MORTO.

CARLOS ALBERTO: Você também pode comprar da mesa.

MARGÔT: Para de induzir a Marinês, deixa ela jogar!

MARINÊS JOGA UM 2 – CORINGA – NA MESA. MARGÔT RI E PEGA


O CORINGA.

CARLOS ALBERTO: O que foi isso Marinês?

MARINÊS: Ué, joguei o dois.

CARLOS ALBERTO: Presta atenção no jogo, você jogou um


coringa!

MARINÊS: O coringa não é aquele palhacinho de chapéu


pontudo?

CARLOS ALBERTO: Você quer que eu anote as cartas para você?

MARINÊS: Mas como é que eu vou saber que o dois é o coringa?

CARLOS ALBERTO: Você está cansada de saber, Marinês!

MARINÊS: Não sei coisa nenhuma.

CARLOS ALBERTO: Se não sabe por que joga?

ALTINO: Calma, gente. Ela deve ter jogado sem querer. Devolve
a carta para ela, Margôt.
MARGÔT: Altino? Tá virando a casaca? Gente, jogo é jogo, ela
jogou o coringa e eu peguei. Olha só o que eu vou baixar!

CARLOS ALBERTO: Viu, Marinês! Vamos perder por sua causa!


Olha o que está na mesa da Margôt. Uma canastra, de mão
beijada!

ALTINO: Isso é apenas um jogo, Carlos Alberto. Ela disse que


não gosta de jogar.

CARLOS ALBERTO: Mas agora que começou tem que prestar


atenção. Vai, joga Altino. Sua vez.

MARGÔT: Ihh, calma! Tem gente que não sabe perder.

ALTINO JOGA E CHEGA NOVAMENTE A VEZ DE MARINÊS.

CARLOS ALBERTO: Presta atenção no jogo deles antes de


descartar…

MARINÊS DESCARTA.

CARLOS ALBERTO: Não, gente, não dá! Marinês, você tá


fazendo de propósito? Eu falei para você olhar para o jogo
deles. Dama de Espadas? Olha aí, é catedral!

MARINÊS: Meu Deus, Carlos Alberto, que foi que te deu? Só


joga se for para ganhar?

CARLOS ALBERTO: Claro, claro! Se não for para ganhar não faz
sentido. Estamos todos fazendo papel de bobos aqui!

MARINÊS: Não, estamos aqui para brincar. Era para ser


divertido.

CARLOS ALBERTO: Eu não estou aqui para brincar. Acha que eu


gosto de fazer papel de palhaço?

ALTINO: Carlos Alberto, ao invés de perder a paciência com a


Marinês você deveria ensiná-la. Ela já disse que não gosta e
mesmo assim se prontificou a jogar.

CARLOS ALBERTO: Não adianta, Altino. Ela sabe. Para mim não
quer jogar, taí.

MARINÊS: Que agressividade! Eu vou para a cozinha fazer uma


pipoca! DOCE!

ALTINO: Boa! Adoro pipoca doce. Vou te ajudar, Marinês.

MARINÊS E ALTINO VÃO PARA A COZINHA.

MARGÔT: Você não está vendo?

CARLOS ALBERTO: Vendo o quê?

MARGÔT: Você não está vendo nada?

CARLOS ALBERTO: Do que você está falando, Margôt, ele tá


roubando?

MARGÔT: Não, Carlos Alberto. Deixa pra lá!

SILÊNCIO.

MARGÔT: Depois não vai dizer que eu não te avisei!

MARINÊS E ALTINO VOLTAM RINDO, COM A PIPOCA. SENTAM-SE


PARA RETOMAR O JOGO.

MARGÔT: Vamos continuar?

CARLOS ALBERTO: Não. Eu não quero mais jogar.

MARINÊS: Por que, Carlos Alberto? Você queria tanto jogar?

CARLOS ALBERTO: Eu cansei.

MARINÊS: Me encheu tanto o saco para jogar e agora quer


parar?

CARLOS ALBERTO: Eu já ouvi muita besteira por hoje.

MARINÊS:E a pipoca? Eu acabei de fazer a pipoca!

CARLOS ALBERTO: Eu vou embora.


ALTINO SE LEVANTA.

ALTINO: Gente, eu também preciso ir. Não estou me sentindo


muito bem.

MARINÊS: Não, Altino, fique mais um pouco.

ALTINO: Não, Marinês, eu preciso ir. Estou com um pouco de dor


de cabeça. Mas fique tranquila, não tem nada a ver com a
“mariçoca”.

MARGÔT: Maniçoba!

CARLOS ALBERTO: Eu vou te dar uma carona.

ALTINO: Não precisa, Carlos Alberto.

CARLOS ALBERTO: Eu vou te levar. Vai que você passa mal?

TODOS SE DESPEDEM. AS IRMÃS FICAM SOZINHAS.

MARGÔT: E você ainda diz que não gosta de jogar, heim?

MARGÔT SE LEVANTA E DEIXA MARINÊS SOZINHA.

CENA 13 – BORDEL - ALTINO E CARLOS ALBERTO.

COMEÇAM A CENA BÊBADOS.

CARLOS ALBERTO: Conhece?

ALTINO: O quê que é isso?

CARLOS ALBERTO: Toma. Uma caipirinha de cupuaçú.

ALTINO: Você quer me embebedar mais, né?

ALTINO BEBE.

ALTINO: Forte isso. Carlos Alberto, você sempre vem aqui?

CARLOS ALBERTO: Sempre.


ALTINO: Legal esse lugar. Mas a Marinês sabe que você vem
aqui?

CARLOS ALBERTO: Ela sabe, mas a gente não fala sobre isso.

ALTINO RI.

CARLOS ALBERTO: Agora você é o meu parceiro de pescaria.


Pescar sozinho não dá, né?

ALTINO: Pescar, pescar? Ah, pescar! Você vem aqui pescar!


(RINDO).

CARLOS ALBERTO: Olha aquela alí. Presta atenção.

ALTINO: O que é que tem?

CARLOS ALBERTO: Olhou direito?

ALTINO: Olhei.

CARLOS ALBERTO: Com quem ela parece?

ALTINO: (OLHA UM INSTANTE) A Marinês. Parece a Marinês!


Agora eu entendo porque você vem aqui.

CARLOS ALBERTO: É esse o peixe que eu pesco.

ALTINO: É a cara da Marinês. Mas ela sabe que você vem aqui?

CARLOS ALBERTO: Quem?

ALTINO: A Marinês!

CARLOS ALBERTO: Ela sabe, Altino. Mas nós não falamos sobre
isso. Entende?

ALTINO: A Marinês é uma mulher bonita, encantadora. Tem sido


uma amiga leal no trabalho, uma parceira. Vai ser uma grande
mulher para você.
CARLOS ALBERTO: Eu sei, eu sei. Altino, e a Margôt?

ALTINO: O que é que tem a Margôt?

CARLOS ALBERTO: Ela também é uma mulher bonita.

ALTINO: (REFLETE POR UM INSTANTE, MAS IGNORA A


PERGUNTA) Você tem que tratar a Marinês bem, com cuidado,
com gentilezas. Mulher gosta muito dessas coisinhas. Não vai
perder essa mulher!

CARLOS ALBERTO: Eu sei, Altino. Pode deixar.

ALTINO: A Marinês sabe que você vem aqui?

CENA 14: BANCO. CAIXA. MARINÊS E ALTINO.

MARINÊS ESTÁ PROFUNDAMENTE ABALADA. ALTINO CHEGA.

ALTINO: Que é que foi? O que aconteceu?

MARINÊS: Terminamos.

ALTINO: Quem terminamos?

MARINÊS: Eu e o Carlos Alberto, né, Altino.

ALTINO: Quando foi isso?

MARINÊS: Foi ontem à noite.

ALTINO: Vocês brigaram?

MARINÊS: Ai, sei lá Altino, é tão estranho. O Carlos Alberto não


sente ciúme de mim.

ALTINO: Isso não é motivo para terminar, Marinês. De repente


ele sente e não demonstra.

MARINÊS: É sim, Altino, é sim. O Carlos Alberto não gosta de


mim. Quem ama tem ciúme, você não acha?
ALTINO: Não, eu acho que foi uma briguinha a toa. Vocês vão
voltar. O Carlos Alberto é louco por você. Vocês se gostam.

MARINÊS: Você acha?

ALTINO: Tenho certeza. Vocês vão reatar.

MARINÊS: (ABRAÇA ALTINO POR GRATIDÃO) Ai, Altino. Que bom


que você está me falando isso.

Quarta Narração: “O Carlos Alberto é o típico boa gente.


Um cara direito, se formando em direito. O Altino tinha
inveja dele, morria de inveja da maneira como a Marinês
gostava dele. Sofria muito com isso. Pense na situação
dele, ouvindo a Marinês falar dos bons momentos com o
noivo. Era um martírio”.

CENA 15: ALTINO E CARLOS ALBERTO.

ALTINO: Carlos Alberto, a Marinês tá mal, ela está sofrendo.

CARLOS ALBERTO: O que você quer que eu faça?

ALTINO: Ela gosta de você.

CARLOS ALBERTO: Mas foi ela que terminou. Disse que eu não
tenho ciúme.

ALTINO: Isso é bobagem. Vocês se gostam. Agora vão ficar


separados? Finge.

CARLOS ALBERTO: Fingir, mas fingir como?

ALTINO: Finge que você tem ciúme de mim.

CARLOS ALBERTO: Mas eu não tenho ciúme de você.

ALTINO: Finge.

CARLOS ALBERTO: Eu não sei. Não sei, não. Vamos pescar!

CENA 16: MARINÊS E ALTINO NO CAFÉ.


MARINÊS CHEGA FELIZ. ELA TEM UMA ALIANÇA DE NOIVADO E
TENTA FAZER ALTINO PERCEBER.

ALTINO: Oi Marinês?

MARINÊS: Oi.

ALTINO: O que foi? Por que você está com essa cara?

MARINÊS RI E TENTA DEIXAR A ALIANÇA EVIDENTE.

MARINÊS: Você não reparou nada de diferente em mim?

ALTINO: Ué? Você mudou a cor do batom?

MARINÊS: Não, Altino! (MOSTRA A ALIANÇA). É uma aliança!

ALTINO: Vocês reataram?

MARINÊS: Altino, é mais que isso. Nós ficamos noivos,


finalmente!

ALTINO: Mas uma aliança muda o quê?

MARINÊS: Muda tudo, agora nós temos um compromisso!

ALTINO: Para mim isso é só um pedaço de metal.

MARINÊS: Você não compreende. Agora nós vamos poder ter


intimidades.

ALTINO: Intimidades?

MARINÊS: Claro, somos praticamente marido e mulher.

ALTINO FICA EM SILÊNCIO.

MARINÊS: Entendeu?

CHEGA UM CLIENTE NA AGÊNCIA.

ALTINO: Pois não, senhor!


CENA 17 – MARGÔT E ALTINO. BANCO.

ALTINO ENTRA NA SALA DE MARGÔT.

ALTINO: Está muito ocupada?

MARGÔT: Estou sempre ocupada, mas pode falar.

ALTINO: Eu encontrei uma pessoa no Rio de Janeiro que quer vir


para cá, trocar de lugar comigo. Eu trouxe o formulário para dar
entrada no pedido de transferência. Você precisa autorizar.

MARGÔT FICA UM TEMPO PARADA, COM OS DOCUMENTOS NAS


MÃOS.

MARGÔT: E se eu não assinar?

ALTINO: Eu quero ir embora, Margôt.

MARGÔT: Você está indo tão bem. Tem futuro aqui na agência.
Talvez lá no Rio de Janeiro seja mais difícil crescer.

ALTINO: Não, Margôt, eu já estou decidido.

MARGÔT: O que você vai fazer no Rio? Você já não tem mais
família lá. Aqui você tem amigos…

ALTINO: Eu não tenho mais nada para fazer aqui.

MARGÔT: Tá bom, Altino. Então… deixa o formulário aqui,


depois eu assino.

CENA 18 – MARINÊS, CARLOS ALBERTO E MARGÔT. CASA.

CARLOS ALBERTO ESTÁ NA SALA, MAS ALHEIO, LENDO JORNAL.

MARGÔT: O Altino foi até a minha sala hoje. Ele comentou com
você?

MARINÊS: Não, por que?


MARGÔT: Ele pediu transferência da agência. Vai voltar para o
Rio.

MARINÊS: Nossa, que coisa chata.

CARLOS ALBERTO: E você não pode fazer nada?

MARGÔT: Eu preciso autorizar a transferência, mas nesse caso


eu não posso fazer nada. Ele encontrou uma pessoa no Rio que
vem para o lugar dele.

CARLOS ALBERTO: Que merda!

MARGÔT: Eu não entendo o que aconteceu. Ele estava indo tão


bem aqui.

SILÊNCIO.

MARGÔT: Você podia falar com ele né?

MARINÊS: Eu?

MARGÔT: É, claro! Você gosta tanto dele… de trabalhar com


ele. Já pensou, uma outra pessoa no caixa ao lado?

CARLOS ALBERTO: Fala com ele, Marinês.

MARINÊS: Tá bom. Eu vou tentar.

CENA 19: ALTINO E MARINÊS. CAFÉ DO BANCO.

ALTINO ESTÁ NO CAFÉ. CHEGA MARINÊS.

MARINÊS: Altino, a Margôt me disse que você vai embora para


o Rio de Janeiro?

ALTINO: É verdade.

MARINÊS: Mas por que isso agora?

ALTINO: Nós dois sabíamos que isso iria acontecer, em algum


momento.
MARINÊS: Não, nos dois não sabíamos de nada.

ALTINO: Você não acha que vai ser bom para mim? Voltar para
o Rio, retomar a minha vida, conhecer alguém, me casar?

SILÊNCIO.

ALTINO: Eu não tenho mais nada para fazer aqui.

MARINÊS: Se você ficar, eu não me entrego para o Carlos


Alberto.

ALTINO: Do que você está falando?

MARINÊS: Se você não for para o Rio, eu só me entrego ao


Carlos Alberto na Lua de Mel.

ALTINO: Que papo é esse, Marinês?

MARINÊS: Você entendeu.

ALTINO PENSA.

MARINÊS: Fica, Altino.

MARINÊS BEIJA AS MÃOS DE ALTINO.

Quinta Narração: “Estou falando de uma grande loucura.


Um sacrifício. Sabe o que é passar meses esperando
uma migalha cair da mesa?”.

CENA 20: ALTINO E MARINÊS NO CAIXA.

ALTINO CHEGA DO ALMOÇO E MARINÊS JÁ ESTÁ NO CAIXA.

ALTINO: Tudo bem por aqui?

MARINÊS: Você demorou para voltar do almoço.


ALTINO: Não, impressão sua. Quinze pra uma, horário de
sempre.

MARINÊS: Você foi almoçar com a Odila?

ALTINO: Fui. Por que?

MARINÊS: Nada.

ATENDEM CLIENTES.

MARINÊS: E foi bom?

ALTINO: A comida estava ótima! Senhor, infelizmente não


podemos aceitar este cheque. Ele está rasurado.

MARINÊS: E desde quando você conhece a Odila? Sessenta e


cinco cruzeiros. Boa tarde.

ALTINO: Desde o dia em que fui comprar flores para você, antes
da festa do Banco.

MARINÊS: Você sabe que ela é mãe solteira?

ALTINO: Sei. Ela me contou, tudo.

MARINÊS: Eu acho que você merece coisa melhor.

ALTINO: Próximo!

CENA 21: CASA DAS IRMÃS. TODOS.

MARINÊS: Este jantar é para contar uma novidade para vocês.


Fala, Carlos Alberto.

CARLOS ALBERTO: Nós marcamos a data do casamento e…

MARINÊS: E queremos convidar vocês dois para serem os


nossos padrinhos!

CARLOS ALBERTO: É isso aí!

MARGÔT: Eu e o Altino, juntos?


MARINÊS: Claro, a minha irmã e o meu melhor amigo!

MARGÔT: Que honra! Parabéns!

ALTINO: E quando vai ser?

MARINÊS: 31 de março, aniversário da mamãe!

MARGÔT: Que ótimo. Eu e o Altino juntos, não é ótimo, Altino?

ALTINO: Claro!

MARGÔT: Poder abençoar os dois num dia tão especial?

ALTINO: Obrigado pelo convite, eu estou bastante…


emocionado.

CARLOS ALBERTO: Vocês aceitam,então. Ótimo, vamos brindar!

TODOS: Saúde!

CENA 22: CASAMENTO.

CENA 23: PENSÃO. ALTINO E MARGÔT.

ALTINO ESTÁ OUVINDO RÁDIO, NOTÍCIAS SOBRE A FUGA DE


JANGO. PRIMEIRO DE ABRIL DE 1964.

- ENTRA GRAVAÇÃO ORIGINAL – CONGRESSO.

MARGÔT: Altino. Que bom que você ainda está acordado!

ALTINO: Margôt? O que você está fazendo aqui a essa hora?

MARGÔT: A Marinês e o Carlos Alberto. Um acidente de carro.

ALTINO: O quê, Margôt? O que você está falando?

MARGÔT: A Marinês e o Carlos Alberto sofreram um acidente no


caminho para a Lua de Mel, Altino. Acho que foi grave.

ALTINO: Não é possível, meu Deus, como eles estão?


MARGÔT: Eu ainda não sei de nada. Foi a Polícia Rodoviária que
me ligou. Eles disseram que vão me avisar assim que eles
chegarem no hospital. Eu não sei o que fazer, Altino! Você
precisa me ajudar!

ALTINO: Vamos logo, Margôt. Não é possível, meu Deus! A


Marinês!

Sexta Narração: “O povo costuma dizer que a cidade


reserva uma maldição para os forasteiros: quem bebe a
água do rio, falam, nunca mais consegue ir embora”.

CENA 24: CASA. ALTINO E MARINÊS.

ALTINO ESTÁ TENTANDO FAZER MARINÊS COMER.

ALTINO: Marinês, por favor, você tem que comer alguma coisa.

MARINÊS: Eu não quero.

ALTINO: Eu sei que você não tem vontade, mas são


recomendações do médico.

MARINÊS: Eu não quero me alimentar. Não tem pra quê.

ALTINO: Só um pouquinho. Você ainda está em recuperação.

MARINÊS: Eu nunca vou me recuperar, Altino. Como é que eu


vou fazer sem o Carlos Alberto? Você sabe que eu peguei ele
no colo? Eu sempre vivi ao lado dele. Não sei o que é a vida
sem ele. Em quem eu vou pensar agora?

ALTINO: Calma, Marinês.

MARINÊS: O Carlos Alberto era um homem bom. Por quê, meu


Deus? Por quê aconteceu isso com ele! Ele não merecia isso. Eu
queria ter morrido junto!

ALTINO: Não fale assim, Marinês! É até pecado.


MARINÊS: Pecado é tirar o meu marido de mim antes da nossa
primeira noite! E agora? Eu esperei toda a minha vida por esse
dia. Ele era um bom amigo, não era?

ALTINO: Era. Era, sim. Eu também vou sentir falta dele.

MARINÊS: Como é que vai ser? Como é que vai ser sem ele,
Altino? Eu não vou aguentar.

ALTINO ABRAÇA MARINÊS. ELA CHORA.

CENA 25: BANCO. ALTINO, MARINÊS E MARGÔT.

MARINÊS E ALTINO ESTÃO NO CAIXA TRABALHANDO, ELA ESTÁ


VISIVELMENTE ABATIDA E CONFUSA.

MARINÊS: Oi, Dona Cotinha. Que bom que a senhora veio hoje.
Dona Cotinha, a senhora já perdeu algum noivo em acidente de
automóvel? Não? E marido? Olha a minha aliança! A senhora já
tinha visto? Ela não é linda? O Carlos Alberto sempre teve
muito bom gosto. Me deu aliança no dia seguinte de uma briga.
Ele morreu, Dona Cotinha. Ele morreu. Eu vou convidar a
senhora para ir na minha casa um dia, ver as fotos do meu
casamento. Mas também… que besteira a minha! Para quê ver
as fotos? Para que viver?

ALTINO CONTINUA TRABALHANDO. ELE ESTÁ PREOCUPADO COM


A ATITUDE DE MARINÊS.

MARINÊS: Donha Cotinha, como será que é o céu? Será que se


eu morrer vou encontrar o Carlos Alberto lá? E a minha aliança,
não é linda?

ALTINO: Está tudo bem, Marinês?

MARINÊS: Claro. Está tudo bem. Estou muito feliz com a visita
da Donha Cotinha. Ela conheceu o Carlos Alberto. Sabe que eu
comprei uma camisola linda para usar na minha noite de
núpcias? É, toda rendanda. Mas nem deu tempo de usar. Ela
ainda está embrulhada.

ENTRA MARGÔT E PERCEBE O ESTADO DE MARINÊS.


MARGÔT: Com licença, Dona Cotinha. O Altino vai atender a
senhora. Vou levar a Marinês um pouquinho comigo. Vem,
Marinês! Eu quero te mostrar uma coisa lá dentro.

MARINÊS: Eu preciso ir regar as plantas da casa que eu ia


morar com o Carlos Alberto. Com licença.

AS DUAS SAEM.

CENA 26: BANCO. ALTINO E MARGÔT.

MARGÔT: Lendo?

ALTINO: É. Estou tentando me distrair um pouco, mas não


consigo prestar atenção em nada. E você, tudo bem?

MARGÔT: Não sei mais o que fazer com a Marinês. Eu já tentei


de tudo, mas vou ter que afastá-la do banco, imediatamente. A
atitude dela está assustando os clientes. Você sabe disso.

ALTINO: Mas isso é passageiro, Margôt. Não faz nem um mês


que ela voltou a trabalhar. É uma questão de tempo. É natural
que ela esteja transtornada. Eu vou ajudar, vou fazer tudo o
que eu puder.

MARGÔT: Eu não sei mais como lidar com esta situação. E se


ela for realmente afastada, vai passar o dia inteiro em casa. Eu
tenho medo que ela fique ainda pior.

ALTINO: Não, Margôt. Eu tenho certeza de que a Marinês vai


melhorar. Ela vai ficar bem. Vai ficar tudo bem.

CENA 27: CASA. MARINÊS E MARGÔT.

MARGÔT: Marinês, come um pouco. Faz quanto tempo que você


não se alimenta?

MARINÊS: Eu não vou mais comer, Margôt. Eu já disse. Eu não


quero mais viver.
MARGÔT: Como é que você pode falar uma coisa dessas? Tão
jovem, tão bonita.

MARINÊS: Eu me preparei tanto para esse dia! O dia do meu


casamento, da minha primeira noite.

MARGÔT: Eu já sei, Marinês. Você já me contou mais de mil


vezes. Mas você tem que reagir. Você tem que comer, tem que
tomar banho. A vida continua. Eu sinto muito por tudo, também
sinto falta do Carlos Alberto, mas você tem que seguir em
frente.

MARINÊS: A minha vida não continua. Ela parou no dia que ele
morreu.

MARGÔT SE LEVANTA E PENTEIA O CABELO DA IRMÃ.

MARGÔT: Vamos dar um jeito no seu cabelo. Você não pode


ficar assim.

MARINÊS: Não tem mais sentido.

MARGÔT: Se você quiser desistir é uma escolha sua, mas eu


acho que você deve lutar. Você não pode se entregar.

MARINÊS: Você me ajuda?

MARGÔT: Ajudar em quê?

MARINÊS: A acabar com a minha vida? Eu não quero mais ficar


aqui.

MARGÔT: Eu não posso te ajudar com isso, Marinês, me


desculpe.

MARINÊS: Por favor.

MARGÔT: Já te disse: a escolha é sua.

Sétima Narração: “A grande desgraça é que as lembranças não


bastam para confortar os amantes. Nunca aplacam. Ao
contrário: servem só para espicaçar as chagas daqueles que
foram condenados à lepra do amor não correspondido”.

CENA 28: CASA. ALTINO E MARINÊS.

ALTINO VÊ A MESA POSTA COM PRATOS ESPECIAIS.

ALTINO: Como você está bonita! É alguma ocasião especial? Se


eu soubesse podia ter trazido flores.

MARINÊS: Fui eu que preparei a comida.

ALTINO: Que bom, que bom saber disso! Você voltou a


cozinhar!

MARINÊS: Tomara que esteja bom.

ALTINO: O cheiro está maravilhoso.

MARINÊS: Você sempre foi muito bom comigo.

ALTINO: Eu sou seu amigo.

MARINÊS: Você cuidou de mim mais do que como amigo. Eu


não tenho como agradecer.

ALTINO: Eu gosto de você. Você sabe disso.

ALTINO BEIJA A MÃO DE MARINÊS.

MARINÊS: Eu também gosto de você.

ALTINO: Como amigo?

MARINÊS PASSA A MÃO NO ROSTO DE ALTINO E OS DOIS SE


BEIJAM COM DELICADEZA. FICAM PRÓXIMOS E ABRAÇADOS.
DÃO UM OUTRO BEIJO UM POUCO MAIS FORTE E ANTES DA
EVOLUÇÃO DO ROMANCE MARINÊS INTERROMPE PARA FAZER
UM PEDIDO.

MARINÊS: Altino, eu quero que você me prometa uma coisa.

ALTINO: Qualquer coisa.


MARINÊS: Você vai ser o único homem da minha vida, então eu
quero ser a última mulher da sua.

MARINÊS BEIJA AS MÃOS DE ALTINO.

MARINÊS: Você promete?

LUZ CAI.

Oitava Narração: “ O Altino vai sempre se lembrar daquela


noite, como é que não ia lembrar? Saiu da casa de Marinês e,
no caminho para a pensão, escutou uma coruja piar. Três vezes.
Foi um sinal”.

CENA 29: CASA. MARINÊS E MARGÔT. MANIÇOBA.

MARGÔT ESTÁ PREPARANDO A MANIÇOBA. MARINÊS SE


APROXIMA COM O PRATO.

MARINÊS: Me serve um pouco?

MARGÔT: Não está pronto. Ainda faltam cinco dias.

MARINÊS: Não importa.

MARGÔT: Você tem certeza?

MARINÊS: Eu estou preparada.

MARGÔT: Você não quer tocar a valsa alegre da mamãe, pela


última vez?

MARINÊS: Eu já te disse que aquela valsa eu não toco mais.

MARGÔT SERVE MARINÊS.

MARGÔT: Como está?

MARINÊS: Amargo. Muito amargo.

CENA 30: CEMITÉRIO. ALTINO E MARGÔT.

Nona Narração: “O Altino gosta de contar, com uma


alegria malsã, meio macabra, que comprou uma
sepultura, vizinha do túmulo de Marinês. Diz que ficarão
juntos para sempre”.

ALTINO E MARGÔT VELHOS. ALTINO COMPROU UM TÚMULO


PARA ELE, AO LADO DO TÚMULO DE MARINÊS.

MARGÔT: Será que ela encontrou o Carlos Alberto no céu?

ALTINO: Não tem como saber.

MARGÔT: A gente só vai saber disso quando a gente morrer.

ALTINO: Se ela encontrou o Carlos Alberto no céu eu não sei,


mas aqui na terra eu vou estar sempre ao lado dela.

CENA 31: OS QUATRO DANÇANDO QUADRILHA, NA FESTA


DO BANCO.
Décima Narração: “Essa é uma boa história para ser relatada,
temperada com sofrimento e resignação. Um amor de servidão.
No fundo, um sacrifício tão poético quanto inútil, como a
maioria das histórias de amor. Um paradoxo: as histórias mal
contadas são as melhores”.

FIM.

AMOR DE SERVIDÃO

De Marçal Aquino e Marilia Toledo.

CENA 1 – CASA DAS IRMÃS. MARINÊS E MARGÔT.


Epígrafe: “Todas as famílias felizes se parecem. As famílias
infelizes são infelizes cada uma à sua maneira”. Tolstoi. Ana
Karenina.

MARINÊS CHEGA EM CASA COM UM LIVRO DE REZAS E UM


TERÇO NAS MÃOS.

MARINÊS: Eu te esperei até agora.

MARGÔT: Não deu para ir.

MARINÊS: É a primeira vez que você não vai.

MARGÔT: Você foi, Marinês. Eu estou bem representada.

MARINÊS: Esperei até escurecer. O vigia me botou para fora.


Tinha que fechar o cemitério. Aquelas baratas! Isso é uma falta
de respeito.

MARGÔT: Eu não preciso ir ao cemitério em todo aniversário da


morte da mamãe para rezar por ela. Eu rezo daqui mesmo,
todo dia.

MARINÊS: Eu já tinha percebido que você já não dá mais


importância para a memória dela. Se não fosse eu…

MARGÔT: Você quer fazer uma homenagem para a mamãe?


Então, toca aquela valsa alegre que ela te ensinou.

CENA 2: CASA DAS IRMÃS. MARINÊS E MARGÔT.

AS DUAS ESTÃO DORMINDO. TOCA O DESPERTADOR. MARINÊS


SE LEVANTA E VAI CHAMAR MARGÔT.

MARINÊS: Está na hora de virar a touca.

MARGÔT: Ah não, quantas vezes eu já te disse que não quero


mais que você me acorde para virar a touca.

MARINÊS: Mamãe dizia que quatro horas era um bom horário


para virar a touca.
MARGÔT: Eu já te falei! Não vou mais virar. Vou dormir com ela
para um lado e de manhã escovo para o outro.

MARINÊS: Mas assim não fica bom. O cabelo encrespa durante


o dia. Só fica liso o dia todo quando eu faço, como a mamãe.

MARGÔT: Marinês, eu entendi. Agora me deixa dormir que


tenho muito trabalho amanhã.

MARINÊS: Eu também tenho muito trabalho amanhã.

MARGÔT: Vai deitar, Marinês.

CENA 3: CASA DAS IRMÃS. MARINÊS E MARGÔT.

MARGÔT: Nossa, a minha cabeça vai explodir. Você podia tocar


a valsa alegre.

MARINÊS: Aquela valsa eu aprendi pra tocar para a mamãe. Eu


já não toco mais.

MARGÔT: Ué, mas você tocou na semana passada?

MARINÊS: Eu já não toco mais.

MARGÔT: Não entendo para que ter um piano dentro de casa se


não for para tocar.

CENA 4: BANCO. MARGÔT, ALTINO E MARINÊS.

MARGÔT: Altino, é aqui.

ALTINO E MARINÊS APENAS SE OLHAM.

MARGÔT: A Marinês já trabalha aqui há um bom tempo.


Qualquer coisa que você precisar pode perguntar para ela.
Então, ao trabalho.

ALTINO: Obrigado.

MARGÔT SAI.
ALTINO: Bueno.

MARINÊS: O quê?

ALTINO: O meu nome. Altino da Costa Bueno, prazer.

MARINÊS: Prazer. Marinês dos Santos. Você quer ajuda para


abrir o caixa?

ALTINO: Não precisa. Tem alguma recomendação especial?

MARINÊS: Não, é rotina.

PASSAGEM DE TEMPO.

Primeira Narração: “Ela se chamava Marinês. Foi por causa dela


que o Altino empacou neste fim de mundo e nunca mais foi
embora”.

FIM DO DIA. ALTINO FECHA O SEU CAIXA FELIZ.

ALTINO: Pronto, bateu.

MARINÊS: (AFLITA) Eu não fechei ainda, estou com uma


diferença de 12 centavos. Eu não acho o erro, já chequei tudo,
seis vezes.

ALTINO: Calma. Eu ajudo você.

MARINÊS: Obrigada.

ALTINO COMEÇA A CHECAR OS DOCUMENTOS, COM AGILIDADE.

ALTINO: Na agência onde eu trabalhei tinha um cara, que toda


vez que não conseguia fechar o caixa ele se deitava no chão e
morria. De repente, voltava do reino dos mortos, estremecia e
subitamente levantava e encontrava a diferença. Dizia até
amanhã à todos e ia embora como se fosse ao paraíso.

MARINÊS: (Rindo) De onde você é?

ALTINO: Sou carioca da gema. Olha só, está aqui a diferença. 12


centavos!

MARINÊS: Ai obrigada, Altino. Graças a Deus!

ALTINO: Bom... eu já vou.

MARINÊS: Onde você está morando?

ALTINO: Estou na pensão da Dona Jane. Mas é provisório.

MARINÊS: Muito obrigada. Eu fico te devendo essa.

ALTINO: Eu vou cobrar.

CENA 5 – CASA. JANTAR. MARINÊS E MARGÔT.

MARGÔT: Como foi o seu dia?

MARINÊS: Igual a todos.

MARGÔT: E o novo caixa, o Bueno, Altino Bueno?

MARINÊS: Que é que tem?

MARGÔT: Como é que ele está indo?

MARINÊS: Normal.

SILÊNCIO.

MARGÔT: Eu estou pensando em convidar o Altino para ir à


festa do Banco comigo…

MARINÊS: O rapaz nem chegou direito na cidade. O que é que


ele vai pensar? Que você é uma oferecida.

MARGÔT: Pensar o quê, Marinês, qual o problema? Ele não


conhece ninguém aqui.

MARINÊS: Para mim você está sendo oferecida.


MARGÔT: Ai, tá bom, Marinês! Não sei nem porque fui tocar
neste assunto com você.

CENA 6 – BANCO. MARINÊS E ALTINO.

MARINÊS JÁ ESTÁ NO CAIXA. ALTINO CHEGA.

ALTINO: Bom dia, Marinês.

MARINÊS: Bom dia, Altino.

ALTINO: Teve algum pesadelo com os 12 centavos?

MARINÊS: Graças a você dormi o sono dos justos.

AÇÃO COM OS CLIENTES.

ALTINO: Próximo. O cheque é nominal? Será compensado em


três dias.

ALTINO: Marinês, a festa do Banco é sábado, não é?

MARINÊS: É sábado.

ALTINO: Aqui está, senhor. Próximo.

MARINÊS: Com a Dona Cotinha é sempre a mesma coisa:


retirada.

ALTINO: Prazer, Dona Cotinha. (PARA MARINÊS) Eu não conheço


ninguém aqui na cidade... você gostaria de ir comigo à festa?

MARINÊS: (PENSA POR UM INSTANTE) E por quê não? Vamos


juntos!

ALTINO: (SEM CONSEGUIR DISFARÇAR A FELICIDADE) Claro!


Infelizmente Dona Cotinha o seu saldo é negativo. A conta está
sem fundo. Fale com a sua gerente.

CENA 7 – BANCO/ CAFÉ. ALTINO E MARGÔT.

ALTINO ESTÁ NA COPA, TOMANDO CAFÉ E LENDO UM LIVRO.


CHEGA MARGÔT.

MARGÔT: Foi você que mandou a Dona Cotinha falar comigo?

ALTINO: Sim, por quê, dona Margôt?

MARGÔT: Por favor, não me chame de dona. O quê que eu


posso fazer se ela está negativa? Ela acha que o dinheiro brota
na conta dela?

ALTINO: Sinto muito, eu não a conhecia.

MARGÔT: Tudo bem. Tá descansando?

ALTINO: Eu aproveito a folga do café para ler. Capítulo por


capítulo, quando eu vejo, em uma semana já terminei o livro.
Mas eu já vou voltar, dona Margôt.

MARGÔT: Quem?

ALTINO: Margôt.

MARGÔT: Melhor. O que você está lendo?

ALTINO: Anna Karenina. Conhece?

MARGÔT. Tem um filme, não tem? Eu acho que vi. Com aquela
atriz linda ...Marlene Dietrich.

ALTINO: Uma mais bonita...a Greta Garbo.

MARGÔT: É. E termina mal a história.

ALTINO: Ela se suicida.

MARGÔT: Gostou do nosso café?

ALTINO: Éeee...não é como o da Cidade Maravilhosa, mas tá


bom.

MARGÔT: Está demitido.


ALTINO: Sendo assim eu vou tomar mais. Quer?

MARGÔT: Não, eu não gosto de café, obrigada. Altino, você está


sabendo da festa do banco?

ALTINO: Sim.

MARGÔT: Você quer ir comigo?

ALTINO: Me desculpe, Margôt. Eu já convidei outra pessoa.

MARGÔT: Você é rápido!

ALTINO: Mesmo assim obrigado pelo convite.

MARGÔT: Imagina. Só te convidei por que achei que você não


tivesse companhia. Com licença, eu tenho um telefonema
urgente para fazer na minha sala.

MARGÔT SE LEVANTA.

ALTINO: Ah, Margot! Assim que acabar eu te empresto o livro.

MARGÔT: Não, obrigada. Ela se mata, não é?

MARGÔT SAI E ENCONTRA MARINÊS NO CORREDOR.

MARGÔT: Você e a sua boca maldita!

MARINÊS: O quê foi Margôt?

MARGÔT: O Altino não aceitou ir à festa comigo.

MARINÊS: Eu tinha certeza. Sou dez anos mais velha do que


você...

MARGÔT: Mas é porque ele já tem companhia.

MARINÊS: Eu disse que você ia parecer uma oferecida.

MARGÔT: Puta que nos pariu.


MARINÊS: Não fala assim da mamãe.

CENA 8: CASA DAS IRMÃS. MARINÊS, CARLOS ALBERTO,


ALTINO E MARGÔT.

MARINÊS E CARLOS ALBERTO ESTÃO NA SALA. ALTINO CHEGA.

MARINÊS: Boa noite, Altino.

ALTINO: Boa noite, Marinês.

MARINÊS: Entre. Fique a vontade. Esse é o meu namorado,


Carlos Alberto.

CARLOS ALBERTO: Bueno...Altino Bueno, não é isso? Muito


prazer, seja bem vindo.

ALTINO: Obrigado. Para você.

MARINÊS: Ah, obrigada, não precisava. Vou colocar as flores no


vaso.

OS DOIS SE SENTAM.

CARLOS ALBERTO: A Marinês falou muito de você. Se não fosse


pelos seus cálculos ... aqueles 12 centavos...

ALTINO: Alberto Carlos, não é?

CARLOS ALBERTO: O contrário, Carlos Alberto.

ALTINO: Você também é bancário?

CARLOS ALBERTO: Não, eu sou oficial de justiça. Se você deixar


de pagar alguma conta eu vou na sua casa confiscar os seus
bens, cuidado!

ALTINO RI.

ENTRA MARGÔT.

MARGÔT: Marinês, onde é que você enfiou o laquê... Altino?


ALTINO: Margôt! (PARA MARINÊS) Vocês moram juntas?

MARINÊS: Somos irmãs.

ALTINO: Que surpresa! Por que vocês nunca disseram nada?

MARINÊS: Ué, todo mundo sabe disso no Banco, achei que você
soubesse.

ALTINO: O que falta eu descobrir, que vocês têm um cachorro


com o meu nome? (RINDO).

CARLOS ALBERTO: Altino, Altino! Brincadeira.

MARGÔT: Mas surpresa estou eu... você vai à festa conosco?

MARINÊS: Eu convidei o Altino. Achei que seria uma boa


oportunidade para ele conhecer as pessoas do Banco, da
cidade...

MARGÔT: (IRÔNICA) Ótima idéia, como é que eu não pensei


nisso antes?

SILÊNCIO.

CARLOS ALBERTO: Vamos, vamos mexer o esqueleto no


Forrobodó.

SAEM MARINÊS E CARLOS ALBERTO, ALTINO E POR ÚLTIMO


MARGÔT.

CENA 9: BANCO. ALTINO E MARINÊS.

MARINÊS JÁ ESTÁ EM SEU CAIXA. ALTINO CHEGA.

MARINÊS: Bom dia.

ELE NÃO RESPONDE.

ALTINO: Pode abrir, segurança, por favor.

MARINÊS: Oi Altino, está tudo bem?


ALTINO: Não, Marinês. Não está nada bem.

MARINÊS: Mas por quê? Aconteceu alguma coisa?

ALTINO: Tive um domingo péssimo, tentado montar o quebra-


cabeça que você me aprontou. Pois não, senhor!

MARINÊS: Que quebra-cabeça, do que você está falando?

ALTINO: Por quê você não me disse que tinha um namorado?


Como não me contou que ia com esse cara ao baile.

MARINÊS: Esse cara é o meu namorado.

ALTINO: E a Margôt? Porque não me contaram que são irmãs. O


que é...uma brincadeira as minhas custas? Uma espécie de
trote? Um instante, senhor, estou fazendo o seu depósito.

MARINÊS: Eu só queria ajudar.

ALTINO: Eu não preciso de ajuda.

MARINÊS: Aceitei ir ao baile com você porque quero ser sua


amiga. E achei que você ia gostar de conhecer outras pessoas.

ALTINO: Eu não estou à procura de uma amiga.

MARINÊS: Altino, eu não sei o que você pensou, mas tive a


melhor das intenções. Agora com licença, vou tomar uma água.
Por favor, minha senhora, dirija-se ao caixa ao lado. Ele já irá
atendê-la. Com licença.

PASSAGEM CURTA DE TEMPO. MARINÊS VOLTA.


AÇÃO DO ALTINO COM OS CLIENTES QUE FICARAM NA FILA.

ALTINO: Com licença, senhor. Assim que eu acabar de atendê-la


eu falo com o senhor. Apenas saque, senhora?

MARINÊS: Próximo. É saque, senhora? Tem que colocar o RG no


verso e assinar.
ALTINO: Marinês, me desculpe. Eu fui um bobo, sinto muito.

MARINÊS: Só aceito se você for jantar este fim de semana em


casa.

OS DOIS DÃO UMA RISADA SEM GRAÇA.

ALTINO: Fechado.

ALTINO E MARINÊS: Não, minha senhora, o caixa está aberto!

CENA 10. CAFÉ. MARGÔT E ALTINO.

MARGÔT: Já começou outro livro, Altino?

ALTINO: Ontem. Passei o dia inteiro na pensão.

MARGÔT: Sabe que esse ano a festa não foi muito boa?
Também, é o mesmo repertório há vinte anos. E o Zeca
Sanfoneiro também não é nenhum Luiz Gonzaga, mal consegue
segurar a sanfona.

ALTINO: É a barriga, Margôt!

MARGÔT: E você, gostou da festa?

ALTINO: Gostei... do churrasquinho.

MARGÔT: De gato.

ALTINO: O quê?

MARGÔT: Não se preocupe, é de raça.

ALTINO: Você está brincando.

MARGÔT RI.

MARGÔT: Você achou que ela era solteira, não é?

ALTINO: Eu não sabia de nada.


MARGÔT: A Marinês e o Carlos Alberto têm uma história de
fotonovela. Quando a Marinês tinha três anos ele nasceu. A
família dele já morava aqui na rua. A Marinês adora falar que
carregou o Carlos Alberto no colo.

ALTINO: É mesmo?

MARGÔT: Eles estão procurando uma casa para comprar. Assim


que ele se formar vão marcar a data do casamento. Ele vai
ganhar mais e a Marinês vai poder finalmente sair do Banco.

ALTINO: Bom, a hora do café acabou. Preciso voltar.

MARGÔT: Vai lá...Você não tem idéia da fila que te espera.

CENA 11: CARLOS ALBERTO LEVA ALTINO PARA PESCAR.

Segunda Narração: “Esta é a melhor parte da história. O


Altino e o Carlos Alberto começaram a se ver com
frequência, viraram unha e carne. Costumavam sair para
se divertir nos fins de semana.

CARLOS ALBERTO: Altino, me diz uma coisa. E o Maracanã?


Como é que é ver um jogo no Maracanã?

ALTINO: Ah, rapaz, o Maracanã! Eu tenho uma história muito


curiosa no Maracanã. Foi lá que o meu pai adotivo morreu.
Copa de 1950.
Aquele jogo do Brasil contra o Uruguai.

CARLOS ALBERTO: Maldito jogo!

ALTINO: Bota maldito nisso! Eu estava ali... lotado! O meu pai


do meu lado. De repente veio o gol do Uruguai. O estádio
calado. O único som que eu ouvia era a respiração do meu pai.
O ar começou a faltar para ele. Uma parada cardíaca. Tentei
ajudar, mas já era tarde. Fulminante.

CARLOS ALBERTO: Nossa, Altino. Eu sinto muito!

ALTINO: Maldito lateral, matou o meu pai! (RINDO) Isso é


passado! Mas com certeza, quando vocês forem ao Rio de
Janeiro eu faço questão de te levar para assistir um jogo do
Botafogo no Maracanã.

CARLOS ALBERTO: Que engraçado, Altino. Você fala como se


ainda morasse no Rio.

ALTINO: É, mas eu vou voltar para lá. Isso aqui é provisório.

CARLOS ALBERTO: Então você não pensa em ficar por aqui?


Casar, ter filhos?

ALTINO: (ALTINO DEMORA PARA RESPONDER) Não.

CARLOS ALBERTO: Que foi, não gostou de Belém?

ALTINO: Quais são as coisas boas de Belém?

CARLOS ALBERTO: O Mercado Ver o Peso, aqui é verão o ano


inteiro… e a nossa culinária! Aonde no Rio você come um Pato
no Tucupi, heim? E muçuã? Você já comeu muçuã?

ALTINO: Muçuã? Ah, eu sou homem rapaz!

CARLOS ALBERTO: Delícia! É proibido, mas uma delícia!

ALTINO: Eu respeito tudo isso, tudo deve ser realmente muito


bom como você está falando, mas o Rio… ah, o Rio é melhor!
Quem sabe eu não acho alguém lá no Rio que goste disso tudo,
aí a gente troca! Fica tudo resolvido.

CENA 12: ALMOÇO NA CASA DAS IRMÃS. JOGO DE


BARALHO. TODOS.

MARGÔT: Ai, Altino! Estou tão feliz que você veio comer de
novo com a gente.

MARINÊS: Hoje eu vou te apresentar um prato típico da região.


Maniçoba! (MARINÊS ABRE A PANELA).

ALTINO OLHA E NÃO FICA FELIZ COM O QUE VÊ.


CARLOS ALBERTO: Não se incomode com a aparência. Isto é
uma delícia, eu garanto! Você nunca comeu nada igual!

ALTINO: Realmente, nunca vi nada igual! E o que é a Maniçoba?

CARLOS ALBERTO: Se você souber não vai querer comer.

MARINÊS: Imagina, Maniçoba é feita com a planta da mandioca.


Você pega as folhas e depois de moídas e bota para cozinhar. O
segredo é o tempo.

MARGÔT: Leva uma semana para cozinhar, no mínimo.

ALTINO: Uma semana?

CARLOS ALBERTO: A folha é venenosa. Se não for cozida direito


pode matar.

ALTINO: Vocês não estão querendo me envenenar, estão?

MARINÊS: Não, mas como você é a visita tem que ser o


primeiro a experimentar.

MARINÊS SERVE ALTINO E TODOS AGUARDAM CURIOSOS PELA


REAÇÃO DELE.

ALTINO PROVA E FAZ UMA PIADA. FINGE QUE ESTÁ


ENVENENADO. TODOS SE DIVERTEM.

PASSAGEM DE TEMPO.

Terceira Narração: “A maniçoba é uma iguaria de sabor


peculiar e aspecto pungente. Falando com franqueza,
lembra bosta de vaca. É um prato que quando bem
preparado, costuma conquistar devotos ardorosos”.

MARGÔT: Bom, vamos começar o jogo?

CARLOS ALBERTO: Homens contra mulheres?

MARGÔT: Não, nada disso. Você e a Marinês, que já são uma


dupla, e eu e o Altino! E vai até 3 mil e eu vou contar os
pontos.

MARINÊS: Mas vocês já querem começar o jogo? Nem fiz o café


ainda!

MARGÔT: A Marinês não sabe jogar.

ALTINO: Mas então, se a Marinês não sabe podemos fazer


alguma outra coisa.

CARLOS ALBERTO: Não, Altino, fique tranqüilo. Ela joga, sim.


Vamos lá, quem começa?

MARGÔT: Começa quem pergunta.

CARLOS ALBERTO FAZ UMA JOGADA, ALTINO EM SEGUIDA E POR


FIM, MARINÊS. ELA COMPRA DO MORTO.

CARLOS ALBERTO: Você também pode comprar da mesa.

MARGÔT: Para de induzir a Marinês, deixa ela jogar!

MARINÊS JOGA UM 2 – CORINGA – NA MESA. MARGÔT RI E PEGA


O CORINGA.

CARLOS ALBERTO: O que foi isso Marinês?

MARINÊS: Ué, joguei o dois.

CARLOS ALBERTO: Presta atenção no jogo, você jogou um


coringa!

MARINÊS: O coringa não é aquele palhacinho de chapéu


pontudo?

CARLOS ALBERTO: Você quer que eu anote as cartas para você?

MARINÊS: Mas como é que eu vou saber que o dois é o coringa?

CARLOS ALBERTO: Você está cansada de saber, Marinês!

MARINÊS: Não sei coisa nenhuma.


CARLOS ALBERTO: Se não sabe por que joga?

ALTINO: Calma, gente. Ela deve ter jogado sem querer. Devolve
a carta para ela, Margôt.

MARGÔT: Altino? Tá virando a casaca? Gente, jogo é jogo, ela


jogou o coringa e eu peguei. Olha só o que eu vou baixar!

CARLOS ALBERTO: Viu, Marinês! Vamos perder por sua causa!


Olha o que está na mesa da Margôt. Uma canastra, de mão
beijada!

ALTINO: Isso é apenas um jogo, Carlos Alberto. Ela disse que


não gosta de jogar.

CARLOS ALBERTO: Mas agora que começou tem que prestar


atenção. Vai, joga Altino. Sua vez.

MARGÔT: Ihh, calma! Tem gente que não sabe perder.

ALTINO JOGA E CHEGA NOVAMENTE A VEZ DE MARINÊS.

CARLOS ALBERTO: Presta atenção no jogo deles antes de


descartar…

MARINÊS DESCARTA.

CARLOS ALBERTO: Não, gente, não dá! Marinês, você tá


fazendo de propósito? Eu falei para você olhar para o jogo
deles. Dama de Espadas? Olha aí, é catedral!

MARINÊS: Meu Deus, Carlos Alberto, que foi que te deu? Só


joga se for para ganhar?

CARLOS ALBERTO: Claro, claro! Se não for para ganhar não faz
sentido. Estamos todos fazendo papel de bobos aqui!

MARINÊS: Não, estamos aqui para brincar. Era para ser


divertido.

CARLOS ALBERTO: Eu não estou aqui para brincar. Acha que eu


gosto de fazer papel de palhaço?

ALTINO: Carlos Alberto, ao invés de perder a paciência com a


Marinês você deveria ensiná-la. Ela já disse que não gosta e
mesmo assim se prontificou a jogar.

CARLOS ALBERTO: Não adianta, Altino. Ela sabe. Para mim não
quer jogar, taí.

MARINÊS: Que agressividade! Eu vou para a cozinha fazer uma


pipoca! DOCE!

ALTINO: Boa! Adoro pipoca doce. Vou te ajudar, Marinês.

MARINÊS E ALTINO VÃO PARA A COZINHA.

MARGÔT: Você não está vendo?

CARLOS ALBERTO: Vendo o quê?

MARGÔT: Você não está vendo nada?

CARLOS ALBERTO: Do que você está falando, Margôt, ele tá


roubando?

MARGÔT: Não, Carlos Alberto. Deixa pra lá!

SILÊNCIO.

MARGÔT: Depois não vai dizer que eu não te avisei!

MARINÊS E ALTINO VOLTAM RINDO, COM A PIPOCA. SENTAM-SE


PARA RETOMAR O JOGO.

MARGÔT: Vamos continuar?

CARLOS ALBERTO: Não. Eu não quero mais jogar.

MARINÊS: Por que, Carlos Alberto? Você queria tanto jogar?

CARLOS ALBERTO: Eu cansei.


MARINÊS: Me encheu tanto o saco para jogar e agora quer
parar?

CARLOS ALBERTO: Eu já ouvi muita besteira por hoje.

MARINÊS:E a pipoca? Eu acabei de fazer a pipoca!

CARLOS ALBERTO: Eu vou embora.

ALTINO SE LEVANTA.

ALTINO: Gente, eu também preciso ir. Não estou me sentindo


muito bem.

MARINÊS: Não, Altino, fique mais um pouco.

ALTINO: Não, Marinês, eu preciso ir. Estou com um pouco de dor


de cabeça. Mas fique tranquila, não tem nada a ver com a
“mariçoca”.

MARGÔT: Maniçoba!

CARLOS ALBERTO: Eu vou te dar uma carona.

ALTINO: Não precisa, Carlos Alberto.

CARLOS ALBERTO: Eu vou te levar. Vai que você passa mal?

TODOS SE DESPEDEM. AS IRMÃS FICAM SOZINHAS.

MARGÔT: E você ainda diz que não gosta de jogar, heim?

MARGÔT SE LEVANTA E DEIXA MARINÊS SOZINHA.

CENA 13 – BORDEL - ALTINO E CARLOS ALBERTO.

COMEÇAM A CENA BÊBADOS.

CARLOS ALBERTO: Conhece?

ALTINO: O quê que é isso?


CARLOS ALBERTO: Toma. Uma caipirinha de cupuaçú.

ALTINO: Você quer me embebedar mais, né?

ALTINO BEBE.

ALTINO: Forte isso. Carlos Alberto, você sempre vem aqui?

CARLOS ALBERTO: Sempre.

ALTINO: Legal esse lugar. Mas a Marinês sabe que você vem
aqui?

CARLOS ALBERTO: Ela sabe, mas a gente não fala sobre isso.

ALTINO RI.

CARLOS ALBERTO: Agora você é o meu parceiro de pescaria.


Pescar sozinho não dá, né?

ALTINO: Pescar, pescar? Ah, pescar! Você vem aqui pescar!


(RINDO).

CARLOS ALBERTO: Olha aquela alí. Presta atenção.

ALTINO: O que é que tem?

CARLOS ALBERTO: Olhou direito?

ALTINO: Olhei.

CARLOS ALBERTO: Com quem ela parece?

ALTINO: (OLHA UM INSTANTE) A Marinês. Parece a Marinês!


Agora eu entendo porque você vem aqui.

CARLOS ALBERTO: É esse o peixe que eu pesco.

ALTINO: É a cara da Marinês. Mas ela sabe que você vem aqui?

CARLOS ALBERTO: Quem?


ALTINO: A Marinês!

CARLOS ALBERTO: Ela sabe, Altino. Mas nós não falamos sobre
isso. Entende?

ALTINO: A Marinês é uma mulher bonita, encantadora. Tem sido


uma amiga leal no trabalho, uma parceira. Vai ser uma grande
mulher para você.

CARLOS ALBERTO: Eu sei, eu sei. Altino, e a Margôt?

ALTINO: O que é que tem a Margôt?

CARLOS ALBERTO: Ela também é uma mulher bonita.

ALTINO: (REFLETE POR UM INSTANTE, MAS IGNORA A


PERGUNTA) Você tem que tratar a Marinês bem, com cuidado,
com gentilezas. Mulher gosta muito dessas coisinhas. Não vai
perder essa mulher!

CARLOS ALBERTO: Eu sei, Altino. Pode deixar.

ALTINO: A Marinês sabe que você vem aqui?

CENA 14: BANCO. CAIXA. MARINÊS E ALTINO.

MARINÊS ESTÁ PROFUNDAMENTE ABALADA. ALTINO CHEGA.

ALTINO: Que é que foi? O que aconteceu?

MARINÊS: Terminamos.

ALTINO: Quem terminamos?

MARINÊS: Eu e o Carlos Alberto, né, Altino.

ALTINO: Quando foi isso?

MARINÊS: Foi ontem à noite.

ALTINO: Vocês brigaram?


MARINÊS: Ai, sei lá Altino, é tão estranho. O Carlos Alberto não
sente ciúme de mim.

ALTINO: Isso não é motivo para terminar, Marinês. De repente


ele sente e não demonstra.

MARINÊS: É sim, Altino, é sim. O Carlos Alberto não gosta de


mim. Quem ama tem ciúme, você não acha?

ALTINO: Não, eu acho que foi uma briguinha a toa. Vocês vão
voltar. O Carlos Alberto é louco por você. Vocês se gostam.

MARINÊS: Você acha?

ALTINO: Tenho certeza. Vocês vão reatar.

MARINÊS: (ABRAÇA ALTINO POR GRATIDÃO) Ai, Altino. Que bom


que você está me falando isso.

Quarta Narração: “O Carlos Alberto é o típico boa gente.


Um cara direito, se formando em direito. O Altino tinha
inveja dele, morria de inveja da maneira como a Marinês
gostava dele. Sofria muito com isso. Pense na situação
dele, ouvindo a Marinês falar dos bons momentos com o
noivo. Era um martírio”.

CENA 15: ALTINO E CARLOS ALBERTO.

ALTINO: Carlos Alberto, a Marinês tá mal, ela está sofrendo.

CARLOS ALBERTO: O que você quer que eu faça?

ALTINO: Ela gosta de você.

CARLOS ALBERTO: Mas foi ela que terminou. Disse que eu não
tenho ciúme.

ALTINO: Isso é bobagem. Vocês se gostam. Agora vão ficar


separados? Finge.
CARLOS ALBERTO: Fingir, mas fingir como?

ALTINO: Finge que você tem ciúme de mim.

CARLOS ALBERTO: Mas eu não tenho ciúme de você.

ALTINO: Finge.

CARLOS ALBERTO: Eu não sei. Não sei, não. Vamos pescar!

CENA 16: MARINÊS E ALTINO NO CAFÉ.

MARINÊS CHEGA FELIZ. ELA TEM UMA ALIANÇA DE NOIVADO E


TENTA FAZER ALTINO PERCEBER.

ALTINO: Oi Marinês?

MARINÊS: Oi.

ALTINO: O que foi? Por que você está com essa cara?

MARINÊS RI E TENTA DEIXAR A ALIANÇA EVIDENTE.

MARINÊS: Você não reparou nada de diferente em mim?

ALTINO: Ué? Você mudou a cor do batom?

MARINÊS: Não, Altino! (MOSTRA A ALIANÇA). É uma aliança!

ALTINO: Vocês reataram?

MARINÊS: Altino, é mais que isso. Nós ficamos noivos,


finalmente!

ALTINO: Mas uma aliança muda o quê?

MARINÊS: Muda tudo, agora nós temos um compromisso!

ALTINO: Para mim isso é só um pedaço de metal.

MARINÊS: Você não compreende. Agora nós vamos poder ter


intimidades.
ALTINO: Intimidades?

MARINÊS: Claro, somos praticamente marido e mulher.

ALTINO FICA EM SILÊNCIO.

MARINÊS: Entendeu?

CHEGA UM CLIENTE NA AGÊNCIA.

ALTINO: Pois não, senhor!

CENA 17 – MARGÔT E ALTINO. BANCO.

ALTINO ENTRA NA SALA DE MARGÔT.

ALTINO: Está muito ocupada?

MARGÔT: Estou sempre ocupada, mas pode falar.

ALTINO: Eu encontrei uma pessoa no Rio de Janeiro que quer vir


para cá, trocar de lugar comigo. Eu trouxe o formulário para dar
entrada no pedido de transferência. Você precisa autorizar.

MARGÔT FICA UM TEMPO PARADA, COM OS DOCUMENTOS NAS


MÃOS.

MARGÔT: E se eu não assinar?

ALTINO: Eu quero ir embora, Margôt.

MARGÔT: Você está indo tão bem. Tem futuro aqui na agência.
Talvez lá no Rio de Janeiro seja mais difícil crescer.

ALTINO: Não, Margôt, eu já estou decidido.

MARGÔT: O que você vai fazer no Rio? Você já não tem mais
família lá. Aqui você tem amigos…

ALTINO: Eu não tenho mais nada para fazer aqui.


MARGÔT: Tá bom, Altino. Então… deixa o formulário aqui,
depois eu assino.

CENA 18 – MARINÊS, CARLOS ALBERTO E MARGÔT. CASA.

CARLOS ALBERTO ESTÁ NA SALA, MAS ALHEIO, LENDO JORNAL.

MARGÔT: O Altino foi até a minha sala hoje. Ele comentou com
você?

MARINÊS: Não, por que?

MARGÔT: Ele pediu transferência da agência. Vai voltar para o


Rio.

MARINÊS: Nossa, que coisa chata.

CARLOS ALBERTO: E você não pode fazer nada?

MARGÔT: Eu preciso autorizar a transferência, mas nesse caso


eu não posso fazer nada. Ele encontrou uma pessoa no Rio que
vem para o lugar dele.

CARLOS ALBERTO: Que merda!

MARGÔT: Eu não entendo o que aconteceu. Ele estava indo tão


bem aqui.

SILÊNCIO.

MARGÔT: Você podia falar com ele né?

MARINÊS: Eu?

MARGÔT: É, claro! Você gosta tanto dele… de trabalhar com


ele. Já pensou, uma outra pessoa no caixa ao lado?

CARLOS ALBERTO: Fala com ele, Marinês.

MARINÊS: Tá bom. Eu vou tentar.

CENA 19: ALTINO E MARINÊS. CAFÉ DO BANCO.


ALTINO ESTÁ NO CAFÉ. CHEGA MARINÊS.

MARINÊS: Altino, a Margôt me disse que você vai embora para


o Rio de Janeiro?

ALTINO: É verdade.

MARINÊS: Mas por que isso agora?

ALTINO: Nós dois sabíamos que isso iria acontecer, em algum


momento.

MARINÊS: Não, nos dois não sabíamos de nada.

ALTINO: Você não acha que vai ser bom para mim? Voltar para
o Rio, retomar a minha vida, conhecer alguém, me casar?

SILÊNCIO.

ALTINO: Eu não tenho mais nada para fazer aqui.

MARINÊS: Se você ficar, eu não me entrego para o Carlos


Alberto.

ALTINO: Do que você está falando?

MARINÊS: Se você não for para o Rio, eu só me entrego ao


Carlos Alberto na Lua de Mel.

ALTINO: Que papo é esse, Marinês?

MARINÊS: Você entendeu.

ALTINO PENSA.

MARINÊS: Fica, Altino.

MARINÊS BEIJA AS MÃOS DE ALTINO.

Quinta Narração: “Estou falando de uma grande loucura.


Um sacrifício. Sabe o que é passar meses esperando
uma migalha cair da mesa?”.

CENA 20: ALTINO E MARINÊS NO CAIXA.

ALTINO CHEGA DO ALMOÇO E MARINÊS JÁ ESTÁ NO CAIXA.

ALTINO: Tudo bem por aqui?

MARINÊS: Você demorou para voltar do almoço.

ALTINO: Não, impressão sua. Quinze pra uma, horário de


sempre.

MARINÊS: Você foi almoçar com a Odila?

ALTINO: Fui. Por que?

MARINÊS: Nada.

ATENDEM CLIENTES.

MARINÊS: E foi bom?

ALTINO: A comida estava ótima! Senhor, infelizmente não


podemos aceitar este cheque. Ele está rasurado.

MARINÊS: E desde quando você conhece a Odila? Sessenta e


cinco cruzeiros. Boa tarde.

ALTINO: Desde o dia em que fui comprar flores para você, antes
da festa do Banco.

MARINÊS: Você sabe que ela é mãe solteira?

ALTINO: Sei. Ela me contou, tudo.

MARINÊS: Eu acho que você merece coisa melhor.

ALTINO: Próximo!

CENA 21: CASA DAS IRMÃS. TODOS.


MARINÊS: Este jantar é para contar uma novidade para vocês.
Fala, Carlos Alberto.

CARLOS ALBERTO: Nós marcamos a data do casamento e…

MARINÊS: E queremos convidar vocês dois para serem os


nossos padrinhos!

CARLOS ALBERTO: É isso aí!

MARGÔT: Eu e o Altino, juntos?

MARINÊS: Claro, a minha irmã e o meu melhor amigo!

MARGÔT: Que honra! Parabéns!

ALTINO: E quando vai ser?

MARINÊS: 31 de março, aniversário da mamãe!

MARGÔT: Que ótimo. Eu e o Altino juntos, não é ótimo, Altino?

ALTINO: Claro!

MARGÔT: Poder abençoar os dois num dia tão especial?

ALTINO: Obrigado pelo convite, eu estou bastante…


emocionado.

CARLOS ALBERTO: Vocês aceitam,então. Ótimo, vamos brindar!

TODOS: Saúde!

CENA 22: CASAMENTO.

CENA 23: PENSÃO. ALTINO E MARGÔT.

ALTINO ESTÁ OUVINDO RÁDIO, NOTÍCIAS SOBRE A FUGA DE


JANGO. PRIMEIRO DE ABRIL DE 1964.

- ENTRA GRAVAÇÃO ORIGINAL – CONGRESSO.


MARGÔT: Altino. Que bom que você ainda está acordado!

ALTINO: Margôt? O que você está fazendo aqui a essa hora?

MARGÔT: A Marinês e o Carlos Alberto. Um acidente de carro.

ALTINO: O quê, Margôt? O que você está falando?

MARGÔT: A Marinês e o Carlos Alberto sofreram um acidente no


caminho para a Lua de Mel, Altino. Acho que foi grave.

ALTINO: Não é possível, meu Deus, como eles estão?

MARGÔT: Eu ainda não sei de nada. Foi a Polícia Rodoviária que


me ligou. Eles disseram que vão me avisar assim que eles
chegarem no hospital. Eu não sei o que fazer, Altino! Você
precisa me ajudar!

ALTINO: Vamos logo, Margôt. Não é possível, meu Deus! A


Marinês!

Sexta Narração: “O povo costuma dizer que a cidade


reserva uma maldição para os forasteiros: quem bebe a
água do rio, falam, nunca mais consegue ir embora”.

CENA 24: CASA. ALTINO E MARINÊS.

ALTINO ESTÁ TENTANDO FAZER MARINÊS COMER.

ALTINO: Marinês, por favor, você tem que comer alguma coisa.

MARINÊS: Eu não quero.

ALTINO: Eu sei que você não tem vontade, mas são


recomendações do médico.

MARINÊS: Eu não quero me alimentar. Não tem pra quê.

ALTINO: Só um pouquinho. Você ainda está em recuperação.

MARINÊS: Eu nunca vou me recuperar, Altino. Como é que eu


vou fazer sem o Carlos Alberto? Você sabe que eu peguei ele
no colo? Eu sempre vivi ao lado dele. Não sei o que é a vida
sem ele. Em quem eu vou pensar agora?

ALTINO: Calma, Marinês.

MARINÊS: O Carlos Alberto era um homem bom. Por quê, meu


Deus? Por quê aconteceu isso com ele! Ele não merecia isso. Eu
queria ter morrido junto!

ALTINO: Não fale assim, Marinês! É até pecado.

MARINÊS: Pecado é tirar o meu marido de mim antes da nossa


primeira noite! E agora? Eu esperei toda a minha vida por esse
dia. Ele era um bom amigo, não era?

ALTINO: Era. Era, sim. Eu também vou sentir falta dele.

MARINÊS: Como é que vai ser? Como é que vai ser sem ele,
Altino? Eu não vou aguentar.

ALTINO ABRAÇA MARINÊS. ELA CHORA.

CENA 25: BANCO. ALTINO, MARINÊS E MARGÔT.

MARINÊS E ALTINO ESTÃO NO CAIXA TRABALHANDO, ELA ESTÁ


VISIVELMENTE ABATIDA E CONFUSA.

MARINÊS: Oi, Dona Cotinha. Que bom que a senhora veio hoje.
Dona Cotinha, a senhora já perdeu algum noivo em acidente de
automóvel? Não? E marido? Olha a minha aliança! A senhora já
tinha visto? Ela não é linda? O Carlos Alberto sempre teve
muito bom gosto. Me deu aliança no dia seguinte de uma briga.
Ele morreu, Dona Cotinha. Ele morreu. Eu vou convidar a
senhora para ir na minha casa um dia, ver as fotos do meu
casamento. Mas também… que besteira a minha! Para quê ver
as fotos? Para que viver?

ALTINO CONTINUA TRABALHANDO. ELE ESTÁ PREOCUPADO COM


A ATITUDE DE MARINÊS.

MARINÊS: Donha Cotinha, como será que é o céu? Será que se


eu morrer vou encontrar o Carlos Alberto lá? E a minha aliança,
não é linda?

ALTINO: Está tudo bem, Marinês?

MARINÊS: Claro. Está tudo bem. Estou muito feliz com a visita
da Donha Cotinha. Ela conheceu o Carlos Alberto. Sabe que eu
comprei uma camisola linda para usar na minha noite de
núpcias? É, toda rendanda. Mas nem deu tempo de usar. Ela
ainda está embrulhada.

ENTRA MARGÔT E PERCEBE O ESTADO DE MARINÊS.

MARGÔT: Com licença, Dona Cotinha. O Altino vai atender a


senhora. Vou levar a Marinês um pouquinho comigo. Vem,
Marinês! Eu quero te mostrar uma coisa lá dentro.

MARINÊS: Eu preciso ir regar as plantas da casa que eu ia


morar com o Carlos Alberto. Com licença.

AS DUAS SAEM.

CENA 26: BANCO. ALTINO E MARGÔT.

MARGÔT: Lendo?

ALTINO: É. Estou tentando me distrair um pouco, mas não


consigo prestar atenção em nada. E você, tudo bem?

MARGÔT: Não sei mais o que fazer com a Marinês. Eu já tentei


de tudo, mas vou ter que afastá-la do banco, imediatamente. A
atitude dela está assustando os clientes. Você sabe disso.

ALTINO: Mas isso é passageiro, Margôt. Não faz nem um mês


que ela voltou a trabalhar. É uma questão de tempo. É natural
que ela esteja transtornada. Eu vou ajudar, vou fazer tudo o
que eu puder.

MARGÔT: Eu não sei mais como lidar com esta situação. E se


ela for realmente afastada, vai passar o dia inteiro em casa. Eu
tenho medo que ela fique ainda pior.
ALTINO: Não, Margôt. Eu tenho certeza de que a Marinês vai
melhorar. Ela vai ficar bem. Vai ficar tudo bem.

CENA 27: CASA. MARINÊS E MARGÔT.

MARGÔT: Marinês, come um pouco. Faz quanto tempo que você


não se alimenta?

MARINÊS: Eu não vou mais comer, Margôt. Eu já disse. Eu não


quero mais viver.

MARGÔT: Como é que você pode falar uma coisa dessas? Tão
jovem, tão bonita.

MARINÊS: Eu me preparei tanto para esse dia! O dia do meu


casamento, da minha primeira noite.

MARGÔT: Eu já sei, Marinês. Você já me contou mais de mil


vezes. Mas você tem que reagir. Você tem que comer, tem que
tomar banho. A vida continua. Eu sinto muito por tudo, também
sinto falta do Carlos Alberto, mas você tem que seguir em
frente.

MARINÊS: A minha vida não continua. Ela parou no dia que ele
morreu.

MARGÔT SE LEVANTA E PENTEIA O CABELO DA IRMÃ.

MARGÔT: Vamos dar um jeito no seu cabelo. Você não pode


ficar assim.

MARINÊS: Não tem mais sentido.

MARGÔT: Se você quiser desistir é uma escolha sua, mas eu


acho que você deve lutar. Você não pode se entregar.

MARINÊS: Você me ajuda?

MARGÔT: Ajudar em quê?

MARINÊS: A acabar com a minha vida? Eu não quero mais ficar


aqui.

MARGÔT: Eu não posso te ajudar com isso, Marinês, me


desculpe.

MARINÊS: Por favor.

MARGÔT: Já te disse: a escolha é sua.

Sétima Narração: “A grande desgraça é que as lembranças não


bastam para confortar os amantes. Nunca aplacam. Ao
contrário: servem só para espicaçar as chagas daqueles que
foram condenados à lepra do amor não correspondido”.

CENA 28: CASA. ALTINO E MARINÊS.

ALTINO VÊ A MESA POSTA COM PRATOS ESPECIAIS.

ALTINO: Como você está bonita! É alguma ocasião especial? Se


eu soubesse podia ter trazido flores.

MARINÊS: Fui eu que preparei a comida.

ALTINO: Que bom, que bom saber disso! Você voltou a


cozinhar!

MARINÊS: Tomara que esteja bom.

ALTINO: O cheiro está maravilhoso.

MARINÊS: Você sempre foi muito bom comigo.

ALTINO: Eu sou seu amigo.

MARINÊS: Você cuidou de mim mais do que como amigo. Eu


não tenho como agradecer.

ALTINO: Eu gosto de você. Você sabe disso.

ALTINO BEIJA A MÃO DE MARINÊS.

MARINÊS: Eu também gosto de você.


ALTINO: Como amigo?

MARINÊS PASSA A MÃO NO ROSTO DE ALTINO E OS DOIS SE


BEIJAM COM DELICADEZA. FICAM PRÓXIMOS E ABRAÇADOS.
DÃO UM OUTRO BEIJO UM POUCO MAIS FORTE E ANTES DA
EVOLUÇÃO DO ROMANCE MARINÊS INTERROMPE PARA FAZER
UM PEDIDO.

MARINÊS: Altino, eu quero que você me prometa uma coisa.

ALTINO: Qualquer coisa.

MARINÊS: Você vai ser o único homem da minha vida, então eu


quero ser a última mulher da sua.

MARINÊS BEIJA AS MÃOS DE ALTINO.

MARINÊS: Você promete?

LUZ CAI.

Oitava Narração: “ O Altino vai sempre se lembrar daquela


noite, como é que não ia lembrar? Saiu da casa de Marinês e,
no caminho para a pensão, escutou uma coruja piar. Três vezes.
Foi um sinal”.

CENA 29: CASA. MARINÊS E MARGÔT. MANIÇOBA.

MARGÔT ESTÁ PREPARANDO A MANIÇOBA. MARINÊS SE


APROXIMA COM O PRATO.

MARINÊS: Me serve um pouco?

MARGÔT: Não está pronto. Ainda faltam cinco dias.

MARINÊS: Não importa.

MARGÔT: Você tem certeza?

MARINÊS: Eu estou preparada.

MARGÔT: Você não quer tocar a valsa alegre da mamãe, pela


última vez?
MARINÊS: Eu já te disse que aquela valsa eu não toco mais.

MARGÔT SERVE MARINÊS.

MARGÔT: Como está?

MARINÊS: Amargo. Muito amargo.

CENA 30: CEMITÉRIO. ALTINO E MARGÔT.

Nona Narração: “O Altino gosta de contar, com uma


alegria malsã, meio macabra, que comprou uma
sepultura, vizinha do túmulo de Marinês. Diz que ficarão
juntos para sempre”.

ALTINO E MARGÔT VELHOS. ALTINO COMPROU UM TÚMULO


PARA ELE, AO LADO DO TÚMULO DE MARINÊS.

MARGÔT: Será que ela encontrou o Carlos Alberto no céu?

ALTINO: Não tem como saber.

MARGÔT: A gente só vai saber disso quando a gente morrer.

ALTINO: Se ela encontrou o Carlos Alberto no céu eu não sei,


mas aqui na terra eu vou estar sempre ao lado dela.

CENA 31: OS QUATRO DANÇANDO QUADRILHA, NA FESTA


DO BANCO.

Décima Narração: “Essa é uma boa história para ser relatada,


temperada com sofrimento e resignação. Um amor de servidão.
No fundo, um sacrifício tão poético quanto inútil, como a
maioria das histórias de amor. Um paradoxo: as histórias mal
contadas são as melhores”.

FIM.

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