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TEOREMA DE NOETHER, SIMETRIAS E QUANTIDADES CONSERVADAS

Introdução

Leis de conservação implicam na existência de quantidades que não mudam no tempo, ao


longo da evolução dinâmica de um sistema, tendo um papel importante na física teórica. A conservação da
energia, momento linear e momento angular são leis fundamentais da natureza, associadas às simetrias do
espaço de Minkowski perante translações (temporais e espaciais) e rotações. Tais leis de conservação
devem estar incorporadas em todos os modelos teóricos de descrição de simetrias físicas, uma vez que
refletem simetrias do espaço-tempo.
Um sistema possui simetria quando, submetido à determinada mudança de coordenadas,
mantém suas propriedades fundamentais inalteradas. Portanto, para cada transformação de coordenadas
e/ou campos sob as quais a “física não muda”, está assegurada a existência de uma simetria. Por outro
lado, leis de conservação são princípios gerais que asseguram a constância de algumas grandezas físicas
enquanto o sistema evolui no tempo. Exemplos bem conhecidos dos alunos de Física são a conservação da
energia, do momento linear, e momento angular. O ponto de vista fundamental das leis de conservação é
que estas advêm como conseqüência natural das propriedades de simetria de um sistema. O ponto-chave
que queremos destacar é que a presença de uma simetria implica na existência de uma quantidade
conservada. Os exemplos mais simples de aplicação deste teorema são aqueles relacionados às simetrias
do espaço-tempo, o que podem ser percebido intuitivamente. Um belo exemplo é o caso da uniformidade
(homogeneidade) do espaço, que assegura a invariância translacional, que por sua vez implica na
conservação do momento linear (um corpo colocado em movimento em um espaço vazio homogêneo
mantém seu estado de movimento). Concluímos assim que a conservação do momento advém da
invariância do sistema sob uma translação espacial.
Um segundo exemplo está relacionado à isotropia do espaço. Em um espaço isotrópico, ocorre
invariância direcional e todas as direções são equivalentes, o que leva à invariância rotacional do sistema.
Isto implica na conservação do momento angular, que deste modo pode ser entendida como decorrência
da invariância do sistema sob ação de rotações. Por último, mas não menos importante, existe a
invariância de translação no tempo, que assegura a conservação da energia do sistema. Estes são
resultados bem conhecidos na mecânica newtoniana, e possuem análogos em teorias de campos. A
conexão entre simetria e quantidade conservada é formalmente realizada pelo teorema de Noether.
Além de explicar casos mais intuitivos, o teorema de Noether aplica-se em situações mais
elaboradas e abstratas. Um bom exemplo é a conservação da carga elétrica, originada da invariância da
teoria eletromagnética sob uma transformação interna (atuante apenas sobre as variáveis do campo),
também conhecida como transformação de gauge. Outro caso de grande interesse, é a conservação do
isopin, número quântico de ampla utilidade em sistemas nucleares e partículas elementares.

Dedução do Teorema de Noether

O teorema de Noether é o fundamento matemático que realiza a conexão entre propriedades de


simetrias e leis de conservação de um sistema físico. Foi desenvolvido no início do século XX pela
matemática Emmy Noether1, em 1918, no qual usa o princípio variacional para discutir as propriedades

1
Emmy Noether (1882-1935): matemática alemã que trabalhou principalmente na área da álgebra, tendo realizado
contribuições importantes em teoria de anéis, álgebra abstrata, e também à física teórica. Foi reconhecida como uma
das mulheres mais importantes na história da matemática. Após finalizar sua tese de doutorado em 1907, sob a
orientação de Paul Gordon, trabalhou no instituto de Matemática de Erlangen (sem pagamento durante 7 anos). Em
1915, ela foi convidada por David Hibert e Felix Klein para juntar-se ao corpo do departamento de matemática da
universidade de Göttingen, um dos mais importantes e avançados centros de matemática da época. Devido a
objeções por parte da direção da universidade (certamente de natureza sexista), Noether passou 4 anos sob a
1
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quantidades conservadas)
de invariância de um sistema físico sob ação de transformações contínuas2 (este teorema não é aplicado
para transformações de simetrias discretas3). O teorema de Noether foi formulado para teorias que
admitem uma formulação lagrangeana, o que confere ao mesmo ampla validade sobre uma grande gama
de teorias. De fato, as modernas teorias de campos do século XX, que constituem o arcabouço do Modelo
Padrão das interações fundamentais, foram todas desenvolvidas em termos da linguagem lagrangeana.
Noether desenvolveu este trabalho em duas partes: a primeira foi formulada em termos de um teorema
que estabelece a relação entre simetrias globais de uma lagrangeana e a existência de princípios de
conservação; na segunda e principal parte deste trabalho, foi desenvolvida a relação existente entre as
chamadas simetrias locais e quantidades conservadas. Uma simetria é dita global quando refere-se a uma
propriedade de invariância independente da posição no espaço-tempo, por outro lado, é denominada de
local quando o sistema mostra-se invariante perante uma transformação atuante sobre uma função que
depende das coordenadas do espaço-tempo.
A ferramenta matemática para a dedução do teorema de Noether é o cálculo variacional e
seus conceitos derivados, discutindo as condições sob as quais a ação de um sistema (S) permanece
invariante (estacionária) sob transformações infinitesimais das coordenadas do espaço-tempo e de funções
das quais depende a densidade de lagrangeana. Um dos pontos fundamentais da Mecânica Analítica é o
princípio da mínima ação ou princípio de Hamilton, que afirma que um sistema mecânico evolui de tal
forma que a ação S seja mantida invariante. Para encontrar a equação de evolução do sistema, deve-se
então exigir que variações virtuais e infinitesimais nos elementos da densidade de lagrangeana mantenham
a ação estacionária, ou seja:
S  0 
  S   d4x  0. (N.1)
Neste caso, diz-se que a ação apresenta um valor estacionário.

Há duas formas principais de implementar a variação de uma ação. A primeira consiste em


promover variações virtuais na variável de campo   0  dentro de um volume delimitado por uma
fronteira “rígida”, ou seja, com posição bem definida no espaço-tempo, de tal modo que  x   0 ao
longo de toda fronteira. Nesta situação, a condição de ação estacionária ( princípio de Hamilton) conduz
à equação de Euler-Lagrange para campos clássicos relativísticos. Em uma segunda maneira, as
 
fronteiras são chamadas de flexíveis, pois permite-se a flexibilização das mesmas  x   0 ao longo do
espaço-tempo. É nesta situação que o teorema de Noether é deduzido. O teorema de Noether aplica-se
também ao caso em que a ação permanece invariante ou estacionária  S  0  perante transformações
infinitesimais sobre as variáveis de campo (associadas com as chamadas simetrias internas).
O teorema de Noether é válido para transformações de coordenadas infinitesimais que
representam transformações contínuas. Tais transformações contínuas são aqui expressas na sua forma
infinitesimal:
x   x    x  . (N.2)

proteção de Hilbert, durante o qual este tinha que assinar as cadernetas didáticas por Noether. Sua habilitação à
docência e ao quadro da Universidade de Göttingen só saiu em 1919. Após isto, Noether figurou como uma das
lideranças científicas do grupo de Göttingen até 1933, quando se viu obrigada a emigrar para os Estados Unidos
devido à perseguição do regime nazista aos cientistas de ascendência judia. Faleceu em 1935 devido a complicações
pós-operatórias para retirada de um cisto.
2
Transformações contínuas são aquelas que podem ser reproduzidas por uma sucessão de N transformações
infinitesimais. Exemplos de transformações contínuas são rotações e translações no espaço-tempo, e rotações em
espaços internos.
3
Transformações discretas são aquelas que não podem ser reproduzidas por uma sucessão de N transformações
infinitesimais. Exemplos: transformação de paridade, transformação de reversão temporal e transformação de
conjugação de carga.
2
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Sob ação da transformação infinitesimal (5.1), a variável de campo altera-se de acordo com
  x   ( x   x)   ( x)    ( x) x  . (N.3)
Por sua vez a variável de campo,    x  , também estará sujeita à variação virtual que implica em uma
mudança de forma para    x  :
  x    ( x)   ( x) , (N.4)
onde  ( x) é a variação funcional (variação de forma) de  ( x) , pois    x  e  ( x) são observadas
no mesmo ponto do espaço-tempo.

Antes de iniciar a dedução do teorema de Noether, cabe fazer algumas pré-definições que
facilitam o trabalho:

1) O teorema será deduzido para campos clássicos relativísticos definidos no espaço de Minkowski
(espaço chato ou de curvatura nula).
2) A densidade de lagrangeana permanece invariante (mantém a mesma forma funcional) em termos
das novas variáveis transformadas, ou seja,

( ,   , x )    ( x),   ( x), x   . (N.5)

É importante mencionar que esta condição automaticamente assegura que as equações de movimento
do sistema sejam as mesmas antes e após as transformações de coordenadas e campos. A evolução de
um sistema clássico é totalmente regida pela sua equação de movimento (advinda de Euler-Lagrange).
A existência de uma simetria requer que o sistema antes e depois de sofrer a transformação evolua da
mesma forma. Então, se as transformações de coordenadas e variáveis representam uma simetria do
sistema, a forma das equações de movimento deve ser mantida, o que justifica a adoção da condição
(N.5). Na verdade, a condição mais geral compatível com a manutenção da forma das equações de
movimento é que a densidade de lagrangeana seja alterada por um 4-divergente, ou seja,
( ,   , x )    ( x),   ( x), x        , (N.6)
sendo   uma quantidade que se transforma como um 4-vetor. Mas na presente dedução, nos
ateremos ao caso da condição (N.5), que foi a situação inicialmente considerada por Emmy Noether
em 1918.

3) O valor ou magnitude da ação não pode mudar sob a ação das transformações de campos, ou seja:

S   ( ,   , x )d 4 x   ( ,   , x  )d 4 x , (N.7)


onde d 4 x é o elemento de volume escrito em termos das coordenadas x  .

Como a densidade de lagrangeana é um funcional da variável de campo, das suas derivadas, e das
coordenadas do espaço-tempo,   ( x),   ( x), x   , as variações (N.2) e (N.4) implicam numa
variação de , dada por:
  
 ( x)             x , (N.8)
    ,  x
onde  ( x)  ( x)  ( x) .

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quantidades conservadas)
Este resultado mostra que a variação da densidade de lagrangeana reflete o efeito conjunto de duas
variações: uma nas coordenadas do espaço-tempo ( x  ) , outra na variável de campo (  ) . Neste
momento é importante definir a variação total sofrida pelo campo (decorrente da variação de posição de
x  para x   e da variação funcional do campo):

 ( x  )   ( x )  ( x  ) . (N.9)

Esta variação total, por sua vez, está relacionada com a variação funcional (  ), pois:
 ( x  )    x   ( x  )   ( x )   ( x )  ( x  ) . (N.10)

Expandindo o primeiro termo (do lado direito) em série de Taylor, em 1ª ordem, temos:

 ( x)   ( x    x  )   ( x  )       x    ( x )   ( x  ) . (N.11)

Podemos também expandir o termo  ( x ') na forma:


 ( x ')   ( x    x  )   ( x  )    ( ) x  ,
que em 1ª ordem recai na igualdade  ( x ')   ( x) . Desta forma, obtemos:

 ( x  )   ( x  )       x  . (N.12)

Este último resultado relaciona a variação total do campo,   ( x  ) , em termos das variações
infinitesimais,  e  x  . O próximo passo é analisar o que o princípio da mínima ação e as
transformações (N.2) e (N.4) permitem obter. Para tanto, devemos implementar tais variações na ação,
lembrando que  ( x)  ( x)  ( x) , e que a ação deve permanecer estacionária
 S   d 4 x  0 . A variação da ação é então lida na forma:
 S   ( ,   , x )d 4 x   ( ,   , x  )d 4 x  0 , (N.13)

 x  d x , sendo que J  x x  é o Jacobiano da transformação x


onde d 4 x   J x 4 
 x  , dado por:

J  x '   det 

 x ' 
. 
(N.14)
 x 
x
Sabendo que os elementos da matriz do jacobiano são dados por,
x ' 

   x    x        x  .
x x
Substituindo este resultado em (N.14), temos:

1   0 x 0 1 x 0  2 x 0  3 x 0
 0 x1 1  1 x1  2 x1  3 x1
J  
x '
x
 det     x  
 

 0 x 2 1 x 2 1   2 x 2  3 x 2
. (N.15)

 0 x3 1 x3  2 x3 1   3 x3
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Tomando apenas os termos em primeira ordem, resulta:
 x
J x' 1   0 x0  1 x1   2 x 2  3 x3  1    x   ,
o que implica em:
d 4 x  1     x   d 4 x . (N.16)
Devemos observar que todos os produtos de derivadas mistas contidos no determinante, do
tipo 1 x1 2 x 2 3 x3 .... , foram tomados como nulos por se tratarem de termos infinitesimais de ordens
superiores. Deste modo, restam apenas os termos da diagonal principal multiplicados por 13. Isto explica o
resultado da eq. (N.16). Inserindo na eq. (N.8) as expressões (N.3) e (N.11), e lembrando-se que
( x)  ( x)   ( x) , podemos expressar a variação da ação em termos de apenas um conjunto de
coordenadas, o que nos leva ao resultado:
 S    ( ,   , x  )   1    x  d

 4
x   ( ,   , x  )d 4 x . (N.17)
Realizando os devidos cancelamentos e eliminando os termos de segunda ordem, obtemos:

 S      x  d 4 x ,  (N.18)
Devemos ressaltar que  e   comutam, pois constituem operadores que atuam de maneira

   
distinta, o que possibilita fazer a permutação        . Observe, entretanto, que esta
comutação não vale para a variação total   e   , ou seja,        .     Substituindo a
variação (N.8) na integral (N.18), teremos:

   
S              x     x   d 4 x . (N.19)
    ,  x 
  
Esse integrando deve ser expresso numa forma mais conveniente aos nossos objetivos. Para isto,
basta observar que os dois últimos termos do integrando podem ser agrupados num só:

    x   
 x    x  . (N.20)
x
Além disso, o segundo termo do integrando de (N.19) é passível de ser expresso em termos de uma
divergência total:
      
                 , (N.21)
 ,  
  ,     ,  
que ao ser introduzida na Eq. (N.19), conduz ao resultado:
       
S                         x   d 4 x , (N.22)
      ,    
R     ,   
      
S          d 4 x           x  d 4 x . (N.23)
   
R      ,  R    ,  
Observe agora que o teorema de Gauss em quatro dimensões pode ser aplicado para a segunda
integral, que tem como integrando um quadri-divergente. Como resultado, obtém-se uma integral de
superfície sobre o contorno  R que delimita a região R do hiper-espaço onde está definida a integração
d 4 x no hiper-volume. Temos assim:

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      
S          d x   
4
     x  d   0 , (N.24)
 
  
R   ,      ,
R  
que implica em
      
R      ,
       d x    
4
     x  d  . (N.25)
       , 
R  
Como já foi demonstrado, a densidade de lagrangena obedece à equação de Euler-Lagrange;
   
     0 , (N.26)
  
  , 
o que leva à anulação do integrando do primeiro termo da expressão anterior. Retornando agora a eq.
(N.25), observamos que a mesma está agora reduzida à integral de superfície, que pode ser reescrita na
forma:
  
        x  d   0 ,

(N.27)
R  ,

Note que agora não podemos simplesmente supor que o integrando se anula na fronteira R , uma
consequência do elemento de variação  x  , que torna a definição da fronteira imprecisa.

A Eq. (N.27) é reescrita como segue:


      
R   ,     x d   R   ,    x    ,   x     x d  ,
   
(N.28)
   


onde foi somado e subtraído o termo
  , 
    x  . Reagrupando e colocando o elemento  x em

evidência, temos


      
  
R   ,   
     x
     
       x d  .

(N.29)
    ,   

Devemos agora realizar as seguintes identificações:

     x , (N.30)

 
 
  , 
      ou   
  , 
     g  (N.31)

onde   é conhecido como Tensor de Energia-Momento. Substituindo esses dois últimos resultados em
(N.29), obteremos:

  

S        x d   0 . (N.32)
   , 
R  

O próximo passo é aplicarmos transformações infinitesimais sobre x e   , escritas na forma
genérica
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 x  X   e   N , (N.33)
onde   representa parâmetros infinitesimais da transformação em questão, X  é uma matriz 4  4 ,
enquanto N representa valores assumidos pela variável de campo. Substituindo essas transformações
em (N.32), obtemos:
 
 

S    N   X   d   0 . (N.34)
   , 
R  

Como os parâmetros   são arbitrários, estes podem sair da integral, isso nos permite
representar a equação (N.32) como:
 S   J d   0 , (N.35)
R
onde,

J  N   X .
  , 
Ao aplicarmos agora o Teorema de Gauss em (N.33), teremos como resultado:
   J  d
  4
x 0. (N.36)
R
Como o volume R é arbitrário, o integrando deve ser nulo, o que leva-nos a uma equação de continuidade
para cada uma das componentes da 4-corrente:
  J  0 . (N.37)
Este último resultado nos apresenta J como uma quadri-corrente conservada, resultante da
invariância da ação perante as transformações infinitesimais. Tal equação permite também encontrar a
quantidade conservada oriunda do teorema de Noether. Para tanto, devemos separar a equação (N.37) em
suas partes temporal e espacial,
t J0  i Ji  0 . (N.38)
Integrando volumetricamente cada termo de (N.38), obtemos;
  J d x   i Ji d 3 x  0 .
0 3
t (N.39)
V V
Podemos aplicar, novamente, o teorema de Gauss ao segundo termo da equação (N.39), o que resultará no
seguinte termo de superfície
 J  dS ,
R
sendo que este termo anular-se-á pelo fato dos campos serem nulos no infinito. Isso nos permite concluir,
aplicando uma alteração na ordem da deriva e da integral, que:
 

t V
J0 d 3 x  0 
t
Q  0 , (N.40)


onde Q  J0 d 3 x . Neste caso, Q é uma quantidade conservada que recebe a denominação, devido à
V
natureza das equações, de “Carga” conservada. Este é conseqüência direta do teorema de Noether, que
associa uma quantidade conservada a uma simetria do sistema.
No caso de um campo escalar, o teorema de Noether pode ser similarmente estabelecido. Neste
caso, a variação da Eq. (N.32) é reescrita na forma:

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 
 

S       x d   0 ,
  (   )
R  

 
com         , J      X , sendo o tensor de energia-momento do
 (   )  (   )
campo escalar e a corrente conservada. Observe que neste caso vale:      , sendo   um
conjunto de número em termos dos quais a variação do campo escalar é expressa.

APLICAÇÕES DO TEOREMA DE NOETHER

Nesta seção, vamos apresentar duas aplicações do teorema de Noether relacionadas a


transformações nas coordenadas do espaço-tempo, e duas relacionadas a transformações atuando
diretamente sobre as variáveis de campos (transformações internas).

1) Translações no espaço-tempo e conservação do momento linear

Sob ação de uma translação no espaço, a física de um sistema não pode mudar. Associado a este
princípio, tem-se a conservação do momento linear na mecânica clássica. Devemos agora analisar como
este resultado pode ser formalizado num sistema descrito por campos clássicos. Uma translação
infinitesimal no espaço-tempo de Minkoski é representada por um 4-vetor constante, a  , tal que
x   x   x   a  , com  x   a  . Tal translação mantém a ação do sistema invariante,  S  0 , o .
Como  x  X   , e o parâmetro da transformação é o próprio 4-vetor de translação,   a ,
temos a  X  a  , o que implica em X     . Neste caso, a variação dos campos é nula (   0 ), o
que implica em N  0 . Com isto a corrente conservada tem a forma: J   X   
J   . Sabemos que a lei de conservação é dada por:

 
 J0 d 3 x   0 d 3 x  0    d x  cte .
0 3

t V t V


A quantidade conservada obtida é o 4-vetor momento-energia do campo: P  0 d 3 x , também escrito


na sua forma contravariante P   0 d 3 x . Isto pode ser confirmado calculando-se a componente-zero


desta quantidade: P0  00 d 3 x . Para um campo escalar, temos: 00    t   , que é igual a:
   t 
00     . Vemos assim que  00 é igual à densidade de Hamiltoniano do campo (densidade de

 d 3x  
0
energia acumulada no campo), de modo que 0 d 3 x representa a energia total do campo.

8
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quantidades conservadas)

Como  0 d 3 x é um 4-vetor cuja componente zero é a energia, a componente espacial  0i d 3 x deve ser 
identificada com o momento linear do campo. Este resultado mostra claramente que o teorema de Noether
estabelece a conservação de energia e momento (do campo) como uma decorrência da invariância do
sistema sob uma translação temporal ou espacial.

2) Rotações e conservação do momento angular

Considere um dado vetor posição, R  ( x, y ) , definido no plano x-y, cujas coordenadas transformam-se da
seguinte maneira sob uma rotação em torno do eixo-z:

 x  cos 
sin    x 
     .
cos    y 
(R1)
 y  -sin 
No caso de uma rotação infinitesimal em torno do eixo-z (   0 ), temos:

 x  x   y  x  x   y   x   y
 . (R2)
 y  y   x  y  y   x   y   x

Estas transformações infinitesimais podem ser representadas na forma:  xi   ij x j , onde  é o


parâmetro infinitesimal da rotação,  ij   ji , e  12  1 .
Na notação 4-vetorial, uma rotação pode ser representada como  x     x , onde   constitui
um parâmetro infinitesimal e anti-simétrico.
Tomamos como ponto de partida a Eq. (5.22), aqui reescrita na forma:
        
S                       x   d 4 x . (R3)
     
R
   ,      ,   
Implementando a equação de Euler-Lagrange, tal variação reduz-se a:
    
 S              x   d 4 x , (R4)

R    ,   

o que pode ser reescrito como uma divergência total:
  
 S         x  d 4 x . (R5)
  
R   , 
Considerando que      x , temos:

   
 S           x   x  d 4 x . (R6)
    ,  
R   , 
Colocando o elemento  x em evidência, escrevemos:
      4
 S         g       x d x . (R7)
   ,     ,  
R   

9
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quantidades conservadas)
   4
 S           x d x , (R8)
 
R   , 
onde   é o tensor de energia-momento. No caso de uma rotação no espaço, as variações na variável de
campo e espaço-tempo são:    0 ,  x   x . Com isto, temos:

 S     T   x d 4 x     T  v x d 4 x . (R9)
R R

Definimos agora o tensor, M  , dado por:


M   T  x   T  x , (R10)
com o qual podemos reescrever o integrando da variação  S na forma:
1
  x   M   . (R11)
2
Esta relação pode ser explicitamente demonstrada partindo-se da definição do tensor M  :

M   (  x     x )    x     x  (R12)


Levando em conta a anti-simetria do tensor  , vale:
  x     x     x  . (R13)
Com isto, resulta que:
M   2  x  , (R14)
o que comprova a expressão (R.11). Com isto, a Eq. (R9) pode ser reescrita na forma:

1 
 S      M   d 4 x . (R15)
R 2 
Como o parâmetro associado à rotação,  , é arbitrário, para ter  S  0 , devemos impor:
  M   0 . (R16)

Esta é uma equação de continuidade para o tensor M que implica na existência da seguinte quantidade

conservada: M d x . Isto pode ser verificado integrando-se a equação   M   0 no espaço:
0 3

 M d 3 x   i M i d 3 x  0 .
0
t (R17)
Transformando-se a integração no volume numa integral de superfície que se anula no infinito,
 t M d x   i M d x    M nˆi dS  0 ,
0 3 i 3 i
(R18)
int. de superfície

obtemos simplesmente, t  M 0


d x  0 , o que equivale a:
3

M
0
d 3 x  cte . (R19)

É necessário agora obter uma identificação sobre a natureza desta quantidade conservada com
alguma grandeza física de interesse. Neste estágio, vale lembrar que as transformações de coordenadas
sob investigação são rotações espaciais, representadas tensorialmente na forma  x0  0,  xi   ij x j ,
com  ij   ijk k , sendo  k o parâmetro infinitesimal de rotação.
Podemos escrever a quantidade conservada na forma:
10
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quantidades conservadas)
L   M 0 d 3 x . (R20)
Como M 0   0 x    0  x , temos
L   ( 0 x    0  x )d 3 x   ( P x   P  x )d 3 x . (R21)

A quantidade L representa a generalização do conceito de momento angular no espaço-tempo de
Minkowski. As componentes espaciais do tensor L correspondem ao momento angular usual, dadas por:
Lij   ( Pi x j  P j xi )d 3 x . (R22)
Vale aqui a identificação l ij  ( Pi x j  P j xi ) como sendo a densidade de momento angular. As três
componentes espaciais do momento angular podem ser escritas como:
1
Lm    mij Lij , (R23)
2
o que equivale a
1
Lm     mij ( Pi x j  P j xi )d 3 x    mij xi P j d 3 x , (R24)
2
sendo a densidade de momento angular igual a l m   mij xi P j .
De acordo com a equação de continuidade,   M   0 , é possível mostrar que o tensor de
energia momento, T  , é simétrico. De fato:
  M     (T  x   T  x )  T     T    0
  M   T   T   0
T   T  .
Vemos assim que o tensor T  é simétrico. Entretanto, o mesmo na sua forma canônica,   , não é em
geral simétrico. Mas pode ser transformado numa forma simétrica com a adição de um termo de
divergência total. Partindo-se do tensor de energia-momento canônico,   , que em geral não é simétrico,
o mesmo pode ser simetrizado adicionando-se o termo     ,
T          ,

onde o tensor   é anti-simétrico nos dois primeiros índices (       ). Esta propriedade de anti-
simetria mantém a divergência do tensor T  nula caso a divergência do tensor   assim o seja, uma
vez que:
 T             .
0

Considerando a conservação do tensor L , decorre a conservação das componentes do momento


angular.

3) SIMETRIA DE GAUGE OU SIMETRIA DE CALIBRE DO CAMPO


ELETROMAGNÉTICO

A simetria de gauge mais conhecida é aquela satisfeita pelo 4-potencial:


1
A  A  A     , (G1)
e

11
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quantidades conservadas)
onde  é uma função escalar diferenciável, e A  ( A0 , A) é o 4-potencial, onde sendo que A0 é o
potencial escalar e A o potencial vetor. A transformação de gauge altera o potencial escalar e vetor da
seguinte forma:
  1 
 A0  A0  e  t , 
 . (G2)
 A  A  1  
 e 
Esta transformação mantém os campos E e B invariantes. De fato, dado que B   A , temos:
 1  1
B   A    A  A    A  A , (G3)
 e  e
implicando em: B   A  B . Por outro lado, dado que E    t A , temos:
A 1 A 1
E          t     t  , (G4)
t c t c
A
implicando em E     E.
t
Com isso, percebe-se que a transformação de gauge altera o 4-potencial, porém mantém os
campos E e B invariantes, o que indica que a física permanece inalterada.
Muitas teorias são descritas por lagrangeanas que são invariantes sob determinados grupos de
transformações de simetria. Isto ocorre para a lagrangeana do campo de Maxwell sob ação da
transformação de gauge, que é uma transformação interna, pois atua sobre as variáveis de campos e
não sobre as variáveis do espaço-tempo. Esta invariância implica na existência de uma quantidade
conservada, que será obtida por meio do teorema de Noether. Tomamos como ponto de partida a
lagrangeana do campo eletromagnético,
1
  F  F , (G5)
4
onde F    A   A é o tensor de Maxwell. Esta lagrangeana é obviamente invariante perante a
transformação de gauge, uma vez que o próprio tensor F é também invariante. De fato, aplicando esta
transformação no tensor de Maxwell, resulta:
1  1 
F    A         A       , (G6)
c  c 

    A   A  F . Tendo demonstrado que a lagrangeana do campo


o que leva simplesmente a , F
eletromagnético é invariante sob a transformação de gauge, resta determinar a quantidade conservada
associada a tal simetria. Dado que a transformação de gauge é uma transformação contínua que pode ser
escrita numa forma infinitesimal, então o teorema de Noether é a ferramenta matemática adequada para
investigar tal questão. A forma infinitesimal da transformação de gauge é obtida quando escrevemos a
variação sobre o 4-potencial numa forma infinitesimal (  A ), dada por:
1 1
A  A       A  A  A     . (G7)
e e

12
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quantidades conservadas)
Para que esta investigação seja dotada de sentido físico, é necessário considerar a lagrangeana do
campo eletromagnético na presença suas fontes, cargas e correntes, entidade representada
matematicamente pelo 4-vetor corrente: J   (  , j ) . Neste caso, temos:
1
  F  F  A J  . (G8)
4
No caso, a 4-vetor corrente J   (  , j ) tem sua origem associada a algum campo de matéria,
uma vez que na natureza as cargas elétricas estão presentes apenas em partículas dotadas de massa. Este
campo pode ser escalar ou espinorial (campo de Dirac). No presente estágio, estaremos nos atendo ao
caso em que o campo de matéria que congrega as fontes (cargas e correntes) que geram o campo
eletromagnético possui natureza escalar. Neste sentido, faz-se necessário discutir a ação de uma
transformação de gauge sobre um campo escalar.
Considere então um campo escalar complexo, que possui dois graus de liberdades, representados
por 1 e 2 , as duas componentes reais do campo escalar complexo, escrito como:
  1  i2  / 2 . (G9)
O conjugado complexo deste campo tem a forma:
   1  i2  / 2 . (G10)
A lagrangeana deste campo tem a forma:
 (  )(   )  m2  , (G11)
que pode ser escrita também em termos de 1 e 2 :
1 1 m2 *
  1  1*   2 2*  (1 1  2*2 ) . (G12)
2 2 2
   
    0 , são obtidas as equações de
  (  ) 
Utilizando a equação de Euler-Lagrange,
   
movimento correspondentes para  ,  :

( m2 )  0, ( m2 )   0 . (G13)


Agora, torna-se necessário definir a ação de uma transformação de gauge de primeiro tipo ou
transformação de gauge global sobre o campo escalar:

 ( x)   ( x)   ( x)e
  i

  
, (G14)

 ( x )   ( x )   ( x ) e i

onde  é um fator de fase constante. Tal transformação corresponde a uma rotação (pelo fator  ) no
 1  *  1 
*

espaço dos campos. Isto pode ser visto usando-se a seguinte notação     ,    *  , e
 
 2   2 
 i
considerando-se que e  cos   i sin  . A Fig. 1 ilustra uma rotação no espaço dos campos. Com
isto, escrevemos:
 1  cos  sin    1 
     .
 2  -sin  cos    2 

13
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quantidades conservadas)
No limite em que  1 , decorre
 i
e 1  i . Esta aproximação é útil para
definir a transformação de gauge infinitesimal
sobre o campo escalar. De fato, temos:

 ( x)   ( x)(1  i)   ( x)  i ( x),


 ( x)   ( x)   ( x)  i ( x),
Figura 1: Rotação do campo escalar
complexo no espaço dos campos.  ( x)  i ( x) . (G15)

Um procedimento similar aplicado sobre o campo complexo conjugado [   ( x) ] conduz a:


  ( x)  i  ( x) . (G16)

 
A substituição direta dos campos gauge-transformados  ( x),   ( x) torna evidente a invariância
de gauge na lagrangeana do campo escalar, como se mostra abaixo:

  (  )(   )  m2     (  )(   )  m2   ei ei , (G17)


1
implicando em   .
Se a lagrangeana é invariante perante a transformação de gauge, então se gera uma quantidade
conservada. Para chegar neste resultado, devemos considerar a variação da ação já obtida:
      
S        d 4 x        x d  
  (  )  
 
R      (   )
R  
(G18)
    * 4   
R   *     (  * )  d x  R  (  * )     x d  .
*  

    

Considerando que não há variação nas coordenadas do espaço-tempo (  x  0 ), e anulando os termos
que contêm a equação de Euler-Lagrange, então se obtém uma integral de superfície:
   
S       *
d  (G19)
  (   )
R 
 (   * ) 
Implementando-se agora as variações nos campos,  ( x)  i ( x) ,   ( x)  i  ( x) , que
podem ser escritas na forma      , com     i ;      , temos:
   
S    (i )  (i 
)  d  , (G20)
  (   )  (    )
R  
que pode ser posto na forma,
J   J
 
S  d   dx 4  0 , (G21)
R R 0
desde que valha a identificação:
   
J   i     . (G22)
 (   ) (   ) 

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quantidades conservadas)
Para minimizar a ação, deve valer   J   0 , que é uma equação de continuidade para a 4-corrente. Este

resultado pode ser confirmado diretamente das equações de movimento, pois sendo     ,
 (   )

    , obtemos:
 (   )

J   i            . (G23)
Aplicando o operador   à corrente J  :
  J   i                           ,
Usando-se agora as equações de movimento (G13), resulta:

  J    (m   )    (m  )  0 .
2 2
(G24)

Integrando a equação de continuidade num volume, temos:


  J d 3r   t    j d 3r   t  d 3r    jd 3r  0 .

A última integral de volume pode ser transformada numa integral de superfície, com o que escrevemos:
 t   d 3r    j ndS
ˆ .
R
Tomando uma superfície bem distante onde as correntes são nulas, obtém-se:
d
Q 0. (G25)
dt
Vemos assim que a equação de continuidade implica na existência de uma quantidade conservada, a carga

elétrica, dada por Q  J 0 dx3 . No caso do campo escalar, vale:

Q   i(t    t )dx3 , (G26)


Se o campo for real,     , conclui-se que Q  0 , ou seja, o campo escalar real não possui carga
elétrica.

3.1) Conexão do campo escalar com o campo de gauge: transformação de gauge local e a
Eletrodinâmica Escalar

É importante destacar que a transformação,  ( x)   ( x)   ( x)ei , é dita global pelo fato do


parâmetro  não depender da posição x  , ou seja, a variável de campo se transforma da mesma forma
em todos os pontos do espaço-tempo. Isto seria possível apenas em um cenário onde a informação se
propaga com velocidade infinita, o que entra em contradição com a própria idéia física de campo como
elemento de transmissão de informação. No sentido de evitar este cenário, definimos um outro tipo de
transformação interna, a transformação de gauge do 2º tipo ou local, na forma:

 ( x)   ( x)   ( x)ei ( x ) . (G27)

sendo o parâmetro  agora dependente de x . Esta transformação consiste em fazer com que cada ponto
do espaço-tempo a variável de campo se transforme de uma maneira diferente, daí decorrendo a
denominação de transformação local. Neste caso, a transformação infinitesimal tem a forma:

15
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 ( x)  i( x) ( x),
(G28)
  ( x)  i( x) ( x).

Devemos agora analisar o comportamento da lagrangeana do campo escalar perante esta transformação,
no sentido de indicar se a mesma é invariante de gauge ou não. Escrevendo-se a lagrangeana para os
campos transformados:
  (  )(   )  m2      ( e i )  ( ei )  m 2  e i ei ,
1

  (   i   )e  i   
(   i  )e  m   ,
 i 2 

  (   i   )(    i    )  m 2  ,
Implicando em:        i      i             m2  ,
       i(    i   )            m2  ,
J

       m2   J            , (G29)


  J            . (G30)

Este último resultado mostra claramente que a lagrangeana do campo escalar não é invariante sob a
transformação local de gauge. Podemos também demonstrar este resultado de outra forma. Em se
tratando de uma transformação de gauge interna, temos  S  (     x  )d 4 x , pois  x   0 .
Dado que,
   
     (  )       (   ) , (G30)
  (   )  (  )

e considerando a comutatividade entre as variações  e   ,

 (  )    ( )  i(  )  i  ,



 (G30)
 (  )    ( )  i(  )  i  ,
   

Resulta
   
  (i )  (i    i  )  * (i * )  (i *    i  * ). (G31)
  (   )   (   )
*

Usando a equação de Euler-Lagrange para substituir o primeiro e terceiro termos do lado esquerdo, e
agrupando termos em uma divergência total, temos:
       
 = i      i     i    *
  i
*
 . (G32)
  (  )   (   ) 
  (   )   (   * )
*
  

 
Sabendo que    * ,    , obtemos:
 (   )  (   * )

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 = i    *   i   *    i  *    i *   ,
 = i     *      *   i    *    *      i  *    i *   ,
Usando agora usar as equações de movimentos (G13), esta expressão é reduzida a:

  i(       )    J     , (G33)
onde J   i            . O fato que   J      0 implica também  S    d 4 x  0 ,
informando que a ação não gauge-invariante.

O nosso propósito agora é encontrar uma ação que seja invariante sob a transformação de gauge
local. Na busca de uma forma gauge-invariante, vamos adicionar termos à lagrangeana inicial. O primeiro
termo a ser adicionado é = eJ  A , perfazendo uma nova lagrangeana   1 . Sob ação da
transformação de gauge,   1 sobre a seguinte variação:     1 . Devemos então
calcular  , dada por:
 1  ( J  ) A  J  A . (G34)
1
Considerando  A     , temos:  1  e( J  ) A  J     , de modo que   resulta igual a:
e

 =  + = J      e(  J  ) A - J     ,
 = e(  J  ) A  0 . (G35)
A variação da corrente pode ser explicitamente calculada em termos dos campos:
 J   i                 ,
 J   i       (i  )         (i )  ,
 J   i (i )    i     i    (i  )      (i )  ,
 J   i  (i )    i     i   (i  )   i     i    ,
 
 J          2   .
     
(G36)

Vemos assim que a lagrangeana   1 não é invariante de gauge. Somamos agora outro termo a
, 2  eA A   , definindo uma outra lagrangeana, = +
 
+ , cuja variação vale:
    2 . (G37)
A variação deste último termo vale:  2  2e[ A A   (  ) A A ] . Como o produto   é gauge-
invariante, decorre  (  )  0 . Com isto, obtemos simplesmente:


 2eA A   2 A     ,
2 (G38)
Agora é fácil mostrar que a variação da lagrangeana  é igual a zero. De fato:
  e( 2   ) A  2 A      0 .

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Portanto, temos uma densidade de lagrangeana total = + + , que é gauge-invariante frente à
transformação de gauge local, ou seja,   = 0 . Esta invariância é uma decorrência do novo
acoplamento do campo A com a corrente J  do campo  complexo. A lagrangeana  tem a forma:
=      m2   ie(       ) A  e2 A A  .
Já que o campo A foi introduzido, é necessário somar à  a parte que responde pela cinética
1
do campo eletromagnético livre,   F  F . Com isto, temos uma densidade de lagrangeana total
4
consistente, total = + +  , escrita na forma:
1
total =      m2   ie(       ) A  e2 A A   F  F . (G39)
4
Esta lagrangeana pode ser reorganizada na seguinte estrutura:
1
total = (    ieA ) (    ieA  )  m2   F  F , (G40)
 
4
( D  ) (D  )

1
total = D ( D  )  m2   F  F , (G41)
4
Esta é a lagrangeana da eletrodinâmica escalar, assim denominada pelo fato de ter suas fontes
constituídas por partículas escalares (descritas pelo campo escalar). Destaca-se que,
D  (   ieA ) , (G42)
é denominada de derivada covariante ou acoplamento mínimo. Chama-se de derivada covariante porque
se transforma covariantemente sob uma transformação de gauge, ou seja, da mesma maneira que  . Isto
significa que deve valer  ( D )  iD . De fato:
 ( D )   (   ieA )   (  )  ie( A )  ieA ,
 ( D )    (i )  i(  )  ieA (i ) ,
 ( D )  i(  )  i   i(  )  eA  ,
 ( D )  i   eA   i(   ieA ) ,

o que resulta finalmente na expressão desejada:


 ( D )  iD . (G43)

OBSERVAÇÕES FINAIS:

- O campo escalar complexo na sua forma livre ou não-interagente, regido pela lagrangeana (G11), só
apresenta simetria de gauge global. Só passa a exibir a simetria de gauge local quando é acoplado
ao campo eletromagnético através do acoplamento mínimo e do termo de fonte eJ  A . Desta forma,
podemos concluir que não existe campo escalar livre com invariância de gauge local. Este é um resultado
importante em Teoria Clássica de Campos.

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1
- A lagrangeana da eletrodinâmica escalar, = D ( D  )  m2   F  F , proporciona as
total
4
 
seguintes equações de Maxwell não-homogêneas,   F  e , onde:

 i  D      D   . (G44)
É fácil mostrar que esta é a corrente de Noether associada com a lagrangeana da eletrodinâmica escalar.
De fato, partindo da expressão para a corrente de Noether, dada pela Eq. (G22), escrevemos:


         
 i    
  i (   ie A )  (   ie A )  ,

 (  ) (  ) 


 i (    ie  A )  (   ie A )   ,

 i ( D  )  ( D  )   . (G45)

- A introdução de um termo de Proca implica na violação da simetria de gauge local da lagrangeana da


eletrodinâmica escalar.

- O campo de matéria, que carrega a carga elétrica do sistema, e se acopla com o campo eletromagnético
não necessariamente tem natureza escalar (que só descreve bósons escalares – partículas de spin-0).
Sabemos que as partículas de spin-1/2, tais como elétrons, prótons, nêutrons, neutrinos, não pode ser
descritas por campos escalares. A representação matemática dos férmions é dada por meio campo
espinoriais,  (espinor de Dirac). Quando o campo de matéria é um espinor de Dirac, a lagrangeana da
eletrodinâmica escalar é substituída pela lagrangeana da eletrodinâmica quântica (QED), dada a seguir:

1
=  (i  D  m)  F  F ,
QED (G46)
4
onde   representa as matrizes gamma da teoria de Dirac, D  (   ieA ) é a derivada covariante, e o
campo espinorial transforma-se de acordo com  ( x)  ( x)   ( x)ei ( x ) sob a transformação local de
gauge.

REFERÊNCIAS

[1] K. Brading & E. Castellani, “Symmetries in Physics: Philosophical Reflections”, Cambridge


University Press, 2003.
[2] L. H. Ryder, “Quantum Field Theory”, Cambridge University Press, 1996.
[3] E. L. Hill, “Hamilton´s Principle and the conservation theorems of Mathematical Physics”, Reviews
of Modern Physics 23, 253 (1951).

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