Você está na página 1de 22

1.

CONCEITO

Neves e Tartuce (2018), não há exagero algum em se firmar que o contrato é o


instituto mais importante do Direito Privado, diante de sua enorme interação com o meio
social. O mundo se transforma e o contrato, como principal expressão negocial ou mais
importante negócio jurídico, transforma-se com ele. Para José de Oliveira Ascenção “O
contrato é, sem contestação, o mais importante negócio jurídico. Ao seu lado, os negócios
jurídicos unilaterais representam uma faixa estreita. Se há o incremento das relações humanas,
também as relações contratuais vão se tornando cada vez mais complexas. O ser humano
evolui e se transforma sempre acompanhado pelas manifestações negociais.
Neves e Tartuce (2018) apud Caio Mário Pereira, em uma de suas obras sobre a
importância do Contrato, “sobre o contrato atua como diversas forças convergentes, das quais
cumpre destacar a presença de duas, que não seriam as únicas, porém as mais convincentes: a
força obrigatória e a influência de fatores determinantes das injunções sociais”. No tocante à
influência social, é marcante que o contrato sempre reproduziu – e continua reproduzindo – a
realidade fática, temporal e espacial, da sociedade em que está inserido. E, na realidade
contemporânea, cumpre destacar que a grande maioria dos contratos enquadra-se como
contratos de consumo.
Segundo Diniz (2009), “Contrato é o acordo de duas ou mais vontades, na
conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses
entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de
natureza patrimonial”.

Neves e Tartuce (2018) atentam que é interessante verificar o conceito


contemporâneo ou pós-moderno de contrato. Como é notório, o Código Civil brasileiro de
2002, a exemplo do seu antecessor, não tomou o cuidado de definir o contrato como categoria
jurídica. Em um primeiro momento, pode-se pensar que agiu bem o novel legislador, pois não
cabe a ele, e sim à doutrina, atarefa de conceituar as categorias jurídicas. Todavia, cumpre
assinalar que a atual codificação brasileira está baseada, entre outros, no princípio da
operabilidade, que tem um dos seus sentidos expressos na simplicidade ou facilitação dos
institutos civis. Consigne-se que o Código Civil brasileiro conceitua algumas figuras
contratuais típicas, caso da compra e venda (art. 481), mas não chegou a definir o contrato,
relegando, mais uma vez, a tarefa à doutrina.

4
Em uma visão clássica ou moderna, pois própria da modernidade, tem-se notado a
prevalência do conceito do instituto que pode ser extraído do art. 1.321 do Código Civil
italiano, ou seja, de que o contrato é o acordo de duas ou mais partes para constituir, regular
ou extinguir entre elas uma relação jurídica de caráter patrimonial. Muitos juristas brasileiros
seguem essa conceituação, como, por exemplo, Orlando Gomes e Álvaro Villaça Azevedo.

A partir da construção clássica nota-se que o contrato, de início, é espécie do gênero


negócio jurídico. Assim, há uma composição de interesses das partes – pelo menos duas –
com conteúdo lícito e finalidade específica. Para a compreensão do contrato é fundamental o
estudo estrutural do negócio jurídico, mormente os planos da existência, da validade e da
eficácia. Serve como norte o art. 104 do Código Civil brasileiro, que aponta os requisitos de
validade do negócio jurídico: a) agente capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; c) forma prescrita ou não defesa em lei.

Cumpre anotar que tal feição clássica do contrato limita o seu conteúdo às questões
patrimoniais ou econômicas. Trata-se da patrimonialidade, tão cara aos italianos. Conforme
comentam Cian e Trabucchi, o requisito da patrimonialidade serve para distinguir o contrato
de outras figuras negociais, genericamente tidas como convenções, caso dos negócios de
direito de família. Nesse contexto de definição, o contrato não pode ter uma feição existencial
ou extra patrimonial. A título de exemplo, pela visão clássica, o contrato não pode ter como
conteúdo os direitos da personalidade, mesmo que indiretamente.

Na doutrina mais recente, há interessantes tentativas de ampliação ou remodelagem


do conceito de contrato, o que sem dúvida alarga a margem de incidência de conceito, ou seja,
a abrangência do mundo contratual. Deve ficar claro que tal visão de maior abrangência serve
perfeitamente para a delimitação do que seja o contrato de consumo. Releve-se a construção
denominada pós-moderna de Paulo Nalin, da Universidade Federal do Paraná. Para o jurista,
o contrato constitui “a relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional,
destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares
subjetivos da relação, como também perante terceiros”. Devem-se aprofundar as razões de
pertinência da construção doutrinária.

1.1. Jurisprudência

5
“Plano de saúde. Paciente em tratamento de câncer. Cobertura para realização de
sessões de radioterapia convencional. Recusa de cobertura para nova espécie de radioterapia
prescrita à autora, com a técnica IMRT, porque não incluída ainda no rol de procedimentos
divulgados pela ANS. Inadmissibilidade. Não se tratando de procedimento experimental, deve
se considerar abrangido pela proteção do contrato em vigor. Recurso desprovido” (TJSP –
Agravo de Instrumento 590.949.4/4 – Acórdão 3309012, São Bernardo do Campo –Segunda
Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Morato de Andrade – j. 21.10.2008 –DJESP
14.11.2008).

De início, constata-se que o contrato está amparado em valores constitucionais. Não


há dúvida deque questões que envolvem direitos fundamentais, mormente aqueles com
repercussões sociais, refletem na autonomia privada, caso do direito à saúde. No Brasil podem
ser encontrados vários julgados que colocam em sopesamento a questão da saúde e a
manutenção econômica, prevalecendo, muitas vezes, a primeira. Da jurisprudência do
Tribunal Paulista, pôde ser transcrita a ementa acima, tutelando amplamente a vida e a saúde.

2. PRINCÍPIOS QUE REGEM OS CONTRATOS

Na obra dos autores Pedro Lenza e Fabrício Bolzan, os contratos de consumo


também possuem seus princípios específicos e norteadores de toda a relação envolvendo
contratação no correspondente mercado. Sobre o tema, analisaremos a seguir esses princípios.

2.1. Princípio do Rompimento com a Tradição Privatista do Código Civil

Com o surgimento da sociedade de consumo, marcada pela produção em série,


constatou-se que o Código Civil da época não era um Diploma compatível com a tutela desse
novo modelo de relação jurídica, a de consumo.

Tal assertiva tem amparo basicamente no fato de o Direito Civil clássico


regulamentar situações individualizadas e a então novel relação de consumo ser marcada
justamente pelo fim desta bilateralidade nas relações entre fornecedor e consumidor. A

6
unilateralidade na produção e contratação passou a ser a marca registrada nas relações de
consumo, ou seja, apenas uma das partes passaria a ditaras regras do “jogo”.

Em suma, os produtos e serviços passaram a ser produzidos e prestados a um número


indeterminado de destinatários, e as relações contratuais também deveriam ser
regulamentadas por uma nova disciplina jurídica, condizente com sua nova realidade.

Nos dizeres de Sergio Cavalieri Filho, “o ponto de vista atual do contrato é social. A
sua principal função é criar uma cooperação social saudável. A sociedade atual luta por
liberdade com igualdade (substancial), ou seja, por solidariedade, por justiça social. Estamos
deixando a era dos ‘direitos declarados’, para ingressarmos na dos ‘direitos concretizados’.
Nesse novo contexto, as pedras angulares do novo Direito contratual são a equidade e a boa-
fé. Daí, o recrudescimento e a valorização do aspecto sinalagmático da relação jurídica. Não
mais se conforma a sociedade com a igualdade formal dos contratantes, pura e simplesmente.
Ao contrário, deseja muito mais do que isso; pretende o reequilíbrio, o balanceamento total da
relação, inclusive e principalmente no que respeita aos seus aspectos éticos.

Conclui-se, então, pela necessidade de se romper com as tradições privatistas do


Direito Civil clássico, bem como com os institutos caracterizadores daquele modelo, tais
como:
 Pacta sunt servanda.
 Oferta como mero convite e não vinculativa.
 Cláusulas contratuais elaboradas por ambas as partes em igualdade de condições.

Quando o tema é Contrato de Consumo, impossível falar em obrigatoriedade do que


foi pactuado, pois se existe cláusula abusiva esta será nula de pleno direito, não cabendo a
invocação da pacta suntservanda nem de que as partes estavam no gozo pleno de suas
faculdades mentais quando da assinatura do contrato. Isto porque o Código de Defesa do
Consumidor traz em seu conteúdo normas de ordem pública e de interesse social que não
poderão ser derrogadas pela vontade das partes.

2.2 Princípio da Preservação (explícita) dos Contratos de Consumo

7
Determina o art. 51, § 2º, do CDC que a “nulidade de uma cláusula contratual
abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de
integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. Demonstra o Código do
Consumidor a intenção explícita de preservar o contrato ainda que seja necessário o
reconhecimento da nulidade de uma cláusula abusiva.

De fato, o disposto no art. 51, § 2º, do CDC traz o princípio da preservação dos
contratos de consumo de forma mais explicitada quando cotejado com o previsto no art. 6º,
inciso V, do mesmo Diploma, conforme analisado neste livro no subitem “4.3.6. Direito à
modificação e revisão como formas de preservação (implícita) do contrato de consumo”.

Desta forma, comungamos com o entendimento de Rizzatto Nunes, para quem o


“princípio do inciso V do art. 6º volta como norma de declaração de nulidade da cláusula
desproporcional no art. 51 (inciso IV e § 1º), mas a nulidade não significa que o contrato será
extinto. Como o inciso V garante a modificação, pelo princípio da conservação do contrato, o
magistrado que reconhecer a nulidade deve fazer a integração das demais cláusulas e do
sentido estabelecido no contrato, em função de seu objeto, no esforço de mantê-lo em vigor.
Como dissemos, o princípio da conservação, que é implícito no princípio do inciso V do art.
6º está explicitado no § 2º do art. 51”.

2.3 Princípio da Transparência Contratual

A disciplina referente ao princípio da transparência contratual consta do teor do art.


46 da Lei n.8.078/90, segundo o qual os “contratos que regulam as relações de consumo não
obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento
prévio de seu conteúdo, ouse os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a
dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”.

Com efeito, não basta dar a oportunidade ao consumidor de ter acesso formação
contrato. O princípio em comento exige a necessidade do acesso material, efetivo e real do
objeto contratual, isto é, que o contrato deve ser redigido de tal forma que o consumidor ao lê-
lo será capaz de compreender o seu conteúdo.

8
Assim, para que o vulnerável da relação de consumo possa ser obrigado a cumprir
com a sua parte nos termos pactuados, imprescindível que o contrato tenha sido redigido de
modo a facilitar o entendimento do seu sentido e alcance.

O excesso de expressões técnicas no bojo do contrato sem a correspondente


explicação torna bem evidente uma das modalidades de vulnerabilidade do consumidor, qual
seja: a jurídica/científica.

2.4 Princípio da Interpretação Mais Favorável ao Consumidor

Segundo dispõe o Diploma Consumerista, as “cláusulas contratuais serão


interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47).
Sobre o tema, cumpre destacar que o Código Civil possui disposição semelhante no
art. 423, in verbis: “Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou
contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”. Apesar da
semelhança, os dispositivos legais não se confundem. Vejamos:

INTERPRETAÇÃO MAIS INTERPRETAÇÃO MAIS


FAVORÁVEL NO CC FAVORÁVEL NO CDC
 CONTRATO DE ADESÃO  QUALQUER CONTRATO DE
CONSUMO
 DEPENDE DE CLÁUSULAS  INDEPENDE DE CLÁUSULAS
AMBÍGUAS OU AMBÍGUAS OU
CONTRADITÓRIAS CONTRADITÓRIAS

2.4.1 Jurisprudência

Sobre o tema, destaca-se que o STJ vem determinando o cumprimento do aludido


princípio, em especial quando se tratar de contrato de adesão, conforme julgado ora
colacionado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DO CONSUMIDOR. SEGURO DE SAÚDE.


ALEGAÇÃODE VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.

9
INVIABILIDADE. INCLUSÃODE DEPENDENTE. INAPLICABILIDADE DO § 5º
DO ART. 35 DA LEI 9.656/98.OPORTUNIDADE DE ADAPTAÇÃO AO NOVO
SISTEMA. NÃO CONCESSÃO.CLÁUSULA CONTRATUAL. POSSIBILIDADE DE
INCLUSÃO DE QUALQUER PESSOACOMO DEPENDENTE. EXCLUSÃO DE
COBERTURA DE LESÕES DECORRENTES DEMÁ-FORMAÇÃO CONGÊNITA.
EXCEÇÃO. FILHO DE SEGURADA NASCIDO NAVIGÊNCIA DO SEGURO.
INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDORADERENTE.
ABUSIVIDADE DA NEGATIVA DE COBERTURA DE SITUAÇÃO DEURGÊNCIA.
1. A análise de suposta violação de dispositivo constitucional é vedada nesta instância
especial, sob pena de usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal
Federal. 2. Inaplicabilidade da regra do § 5º do art. 35 da Lei n. 9.656/98 quando ao
consumidor não foi dada a oportunidade de optar pela adaptação de seu contrato de
seguro de saúde ao novo sistema. 3. Afastada a restrição legal à inclusão de dependentes,
permanece em plena vigência a cláusula contratual que prevê a possibilidade de inclusão
de qualquer pessoa como dependem tem seguro de saúde. 4. Obrigação contratual da
seguradora de oferecer cobertura às lesões decorrentes de má-formação congênita aos
filhos das seguradas nascidos na vigência do contrato. 5. Cláusulas contratuais devem ser
interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, mormente quando se trata de contrato
de adesão. Inteligência do art. 47 do CDC. 6. Cobertura que não poderia, de qualquer
forma, ser negada pela seguradora, por se tratar de situação de urgência, essencial à
manutenção da vida do segurado, sob pena de se configurar abusividade contratual. 7.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO (REsp 1.133.338/SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, 3ª T., DJe9-4-2013).

2.5. Princípio da Vinculação Pré-Contratual

Determina o art. 48 do CDC que as “declarações de vontade constantes de escritos


particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor,
ensejando inclusive execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos”. Desta forma, na
Lei n. 8.078/90, não somente a oferta ou a publicidade são vinculantes. Também o serão:

 os escritos particulares;
 os recibos;

10
 os pré-contratos.

Clássico exemplo de pré-contrato capaz de gerar vinculação da obrigação é o


compromisso de compra e venda e o correspondente direito à adjudicação compulsória,
quando comprovada a quitação do pactuado por parte do adquirente, ainda que o instrumento
não tenha sido levado a registro.

O tema é objeto, inclusive, da Súmula 239 do STJ: “O direito à adjudicação


compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de
imóveis”.

2.6 Princípios Básicos do CDC que auxiliam os Contratos

2.6.1 Princípio da Boa-Fé Objetiva

Para alguns autores, o princípio da boa-fé representa no plano infraconstitucional


tudo aquilo que o princípio da dignidade da pessoa humana significa para a ordem
constitucional contemporânea. A boa-fé passa a ser então “um dos princípios basilares do
direito do consumidor, assim como no direito privado em geral”.

O dispositivo no Código de Defesa do Consumidor que prevê o princípio da boa-fé é


o art. 4º, inciso III, que tratou, conforme visto, do princípio da harmonia nas relações de
consumo. Mas, apesar da ausência de previsão expressa, vale lembrar que a boa-fé prevista
na Lei n. 8.078/90 é a objetiva.

Sempre que adentramos ao tema boa-fé, a questão preliminar a ser levantada consiste
em saber se estamos nos referindo à modalidade subjetiva ou objetiva. A boa-fé subjetiva
tem seus holofotes voltados para questões internas, psicológicas dos sujeitos de direito. Na
verdade, busca-se saber se o titular de um direito tinha ciência ou não da existência do vício
que estava por trás da prática de determinado ato jurídico.

2.6.2 Princípio da Função Social

11
Código Civil de 2002 traz dispositivos semelhantes, ao cuidar, por exemplo, do
instituto da lesão, igualmente anunciando a função social dos contratos, possibilidade de sua
revisão e outros mecanismos. Isto tudo à vista da interpretação interdisciplinar dos seus
cânones, à luz do Código do Consumidor.
“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função
social do contrato.”
Pelo que se pode observar, assim como já o fizera o Código do Consumidor, o novo
Código Civil afasta-se da consideração do contrato como simples acordo entre indivíduos, e
cujo cumprimento ou não apenas a eles interessa, para considerá-lo como relevante pela
função social que exerce. Ou seja, pela repercussão que causa o contrato de adesão, para um
número indeterminado de cidadãos aderentes à vontade de apenas um dos contratantes. Como
já o fizera, pois, o Código do Consumidor, afasta-se o novo diploma legal do individualismo e
do patrimonialismo egocêntrico, para firmar os limites da liberdade de contratar em face de
sua função social, expressamente, na letra do art. 421 do mesmo Código Civil.

3. DISTINÇÃO ENTRE OS CONTRATOS DE CONSUMO E OS CONTRATOS


CIVIS

No entendimento de Neves e Flávio Tartuce, ao possibilitar tal interação no que


concerne às relações obrigacionais, sabe-se que houve uma aproximação principiológica entre
o CDC e o CC/2002 no que tange aos contratos. Essa aproximação se deu pelos princípios
sociais contratuais, que já estavam presentes na Lei Consumerista e foram transpostos para a
codificação privada, quais sejam os princípios da autonomia privada, da boa-fé objetiva e da
função social dos contratos. Nesse sentido e no campo doutrinário, na III Jornada de Direito
Civil, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça
no ano de 2002, aprovou-se o Enunciado n. 167, in verbis: “Com o advento do Código Civil
de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do
Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores
de uma nova teoria geral dos contratos”.

Por isso, os defensores dos consumidores, como o presente autor, não devem temer o
Código Civil de 2002, como temiam o Código Civil de 1916, norma essencialmente

12
individualista e egoística. Como o Código Civil de 2002 pode servir também para a tutela
efetiva dos consumidores, como se verá, supera-se, então, no que tange aos contratos, a idéia
de que o Código Consumerista seria um microssistema jurídico, totalmente isolado do Código
Civil de 2002.

Deve ficar claro, contudo, e de antemão, que, apesar do termo “Código”, o CDC não
tem um papel central no Direito Privado, como tem o Código Civil Brasileiro. Isso porque os
conceitos fundamentais privados constam da codificação privada, e não da Lei Consumerista.
A título de exemplo, o CDC trata da prescrição e da decadência, dos contratos de consumo e
da responsabilidade civil consumerista. Todavia, os conceitos estruturantes de tais institutos
constam do Código Civil de 2002.

Claudia Lima Marques demonstra três diálogos possíveis a partir da teoria exposta:
a) Havendo aplicação simultânea das duas leis, se uma lei servir de base conceitual para
a outra, estará presente o diálogo sistemático de coerência. Exemplo: os conceitos dos
contratos de espécie podem ser retirados do Código Civil, mesmo sendo o contrato de
consumo, caso de uma compra e venda (art. 481 do CC).

b) Se o caso for de aplicação coordenada de duas leis, uma norma pode completar a
outra, de forma direta (diálogo de complementaridade) ou indireta (diálogo de
subsidiariedade). O exemplo típico ocorre com os contratos de consumo que também
são de adesão. Em relação às cláusulas abusivas, pode ser invocada a proteção dos
consumidores constante do art. 51 do CDC e, ainda, a proteção dos aderentes
constante do art. 424 do CC.

c) Os diálogos de influências recíprocas sistemáticas estão presentes quando os conceitos


estruturais de uma determinada lei sofrem influências da outra. Assim, o conceito de
consumidor pode sofrer influências do próprio Código Civil. Como afirma a própria
Claudia Lima Marques, “é a influência do sistema especial no geral e do geral no
especial, um diálogo de doublé sens (diálogo de coordenação e adaptação
sistemática)”.

13
4. ESTRUTURA DO CONTRATO PARITÁRIO X CONTRATO DE ADESÃO

O art. 54 do Código de Defesa do Consumidor, que cuidou de definir o contrato de


adesão. Prevê o caput do preceito consumerista que “contrato de adesão é aquele cujas
cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente
pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar
substancialmente seu conteúdo”. Como se pode perceber, o contrato de adesão é aquele
imposto pelo estipulante, seja ele um órgão público ou privado, geralmente o detentor do
domínio ou poderio contratual. Restam ao aderente duas opções, quais sejam aceitar ou não o
conteúdo do negócio (take-it-or-leave-it). A situação oposta ao contrato de adesão se dá no
chamado contrato paritário, em que há plena negociação do conteúdo pelas partes.

Para Orlando Gomes, em obra específica sobre o assunto, lembra que as exigências
práticas da vida econômica, a necessidade de circulação intensa de bens e de capital, entre
outros fatores, consolidaram de forma plena essa figura contratual. Anote-se que o notável
jurista define contrato de adesão como “o negócio jurídico no qual a participação de um dos
sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas formuladas
antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo
normativo e obrigacional de futuras relações concretas”.

Diniz (2009), prefere utilizar a expressão contratos por adesão para denominar o
contrato de adesão, “verificando que se constitui pela adesão da vontade de um oblato
indeterminado à oferta permanente do proponente ostensivo”. Desse modo, “os contratos por
adesão constituem uma oposição à ideia de contrato paritário, por inexistir a liberdade de
convenção, visto que excluem a possibilidade de qualquer debate e transigência entre as
partes, uma vez que um dos contratantes se limita a aceitar as cláusulas e condições
previamente redigidas e impressas pelo outro (RT ,795:234,519:163; JB, 158:263), aderindo a
uma situação contratual já definida em todos os seus termos”.
Compreendem-se perfeitamente as razões técnicas apontadas pela eminente civilista.
Porém, pela terminologia utilizada tanto pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 54)
quanto pelo Código Civil de 2002 (arts. 423 e 424), prefere-se a expressão contratos de
adesão. Na realidade, pode se dizer que as expressões contratos de adesão e contratos por

14
adesão são sinônimas, conclusão essa que tem a finalidade de inclusão da proteção do
vulnerável contratual.

Em suma, pode-se dizer que o contrato de adesão é aquele em que uma parte, o
estipulante, impõe o conteúdo negocial, restando à outra parte, o aderente, duas opções:
aceitar ou não o conteúdo desse negócio. Esse conceito deve ser visto em sentido amplo, de
modo a englobar todas as figuras negociais em que as cláusulas são preestabelecidas ou
predispostas, caso do contrato-tipo e do contrato formulário, categorias em que as cláusulas
são predeterminadas até por um terceiro. Como se sabe, os últimos contratos até são
comercializados, em alguns casos (v.g., modelos de contratos vendidos em papelarias ou pela
internet).

Os parágrafos do art. 54 do Código Consumerista completam essa categorização.


Inicialmente, o seu § 1º preceitua que a inserção de cláusulas eventualmente discutidas no
formulário não afasta a natureza de contrato de adesão. Somente se houve uma mudança
substancial da estrutura do negócio, poderá ele ser tido como um contrato paritário.

5. A FORÇA VINCULANTE DOS CONTRATOS DE CONSUMO

Para Humberto Theodoro, não se pode abolir discricionariamente a propriedade


privada, nem suprimir autoritariamente a força vinculante do contrato (pacta sunt servanda),
porque sem elas simplesmente se aboliria o Estado Democrático de Direito configurado em
nossa Constituição. O estabelecimento de uma função social e a sujeição aos princípios éticos
da boa-fé não podem ser vistos como autorização em branco para que o juiz ignore a natureza
e a transcendência da propriedade e do contrato dentro da ordem jurídica compatível com o
Estado Democrático de Direito. Esses novos princípios são acréscimos que enriquecem o
sistema jurídico atual, mas que não revogam aqueles outros princípios clássicos, afinados com
as garantias fundamentais proclamadas como essência do moderno Estado de Direito.

Tampouco se há de afirmar que o contrato em sua função econômica pura não seja
compatível com as preocupações éticas do direito atual. Muito ao contrário, a força
obrigatória das convenções privadas nasceu justamente da consciência ética de que o homem

15
de bem tem de honrar a palavra empenhada. O direito positivo, portanto, nada mais fez do que
consagrar em lei aquilo que os costumes e a cultura chancelavam de ético e necessário.

O juiz, portanto, pode rever e rescindir o contrato que se mostre viciado quanto à
liberdade negocial e quanto aos desvios da ordem jurídica e dos bons costumes, mas apenas
nos limites em que a lei preveja e autorize semelhante intervenção no domínio da livre-
iniciativa; nunca para, à luz da ideologia pessoal e segundo puras aferições de ordem moral,
desprezar as garantias de liberdade e segurança próprias da convivência civilizada
programada constitucionalmente para o Estado Democrático de Direito.
De direito é o Estado em que somente a lei obriga e no qual tanto as pessoas como o
governante a ela se submetem, com a certeza e confiança de que agindo de acordo com ela
podem gerir suas vidas e negócios de maneira livre e segura. Não é de direito o Estado que
confere aos seus agentes o poder subjetivo e autoritário de concretizar a solução dos conflitos
segundo critérios discricionários capazes de submeter as partes a regras e resultados que não
poderiam conhecer e avaliar ao tempo dos negócios concluídos e dos atos praticados.

Permitir que juízes e tribunais criem o direito à margem da lei existente e das
garantias constitucionais tutelares dos interesses negociados nos contratos equivale a recriar o
velho absolutismo do superado estado monárquico. Pouco importa que o autoritarismo da
justiça post factum, e, por isso, imprevisível, seja praticado pelo rei ou pelo juiz. O que não
pode ser havido como Estado moderno de direito é o que permite a qualquer detentor de poder
colocar-se acima do princípio constitucional da legalidade e da segurança.

O recurso à função social e à boa-fé deve ser empregado não para afastar a
supremacia da lei, mas apenas para bem e fielmente compreendê-la e para harmonizá-la com a
equidade, de maneira a que sua aplicação se dê segundo hermenêutica que ressalte sua melhor
e mais justa inteligência; nunca para transformar o juiz num moderno déspota, liberado, em
suas funções de aplicador da Constituição e da lei, dos próprios mandamentos que estas
traçaram para permitir a convivência social pacífica e a realização segura dos atos negociais
próprios do tráfego jurídico.

É nesse sentido que se deve compreender o impacto do direito do consumidor sobre


as regras e princípios clássicos do direito civil traçados para os negócios jurídicos em geral e,

16
especialmente, para o contrato. Não se protege o consumidor, nem qualquer outro contratante
hipossuficiente ou vulnerável, anulando todo o direito regulador das obrigações e dos
contratos. Este direito não pode ser abalado em seus alicerces irresponsavelmente. Pode ser
arejado e enriquecido com a inserção de normas éticas e invocadas por lei e com regras,
também legais, de repressão ao abuso da parte que detém mais força na negociação. Jamais,
entretanto, haverá de ser admitido que, para desempenhar uma política de tutela à parte fraca,
possa ser eliminada, no julgamento judicial, a própria base cultural e política do Estado de
Direito.

6. O DIREITO DE REFLEXÃO OU ARREPENDIMENTO

Vejamos o que diz a doutrina do autor Bruno Miragem sobre o direito de reflexão ou
arrependimento.

Arrependimento do consumidor é previsto no artigo 49 do CDC, nos seguintes


termos: "O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura
ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de
produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou
a domicílio". Este direito de arrependimento ou desistência tem natureza de direito formativo
extintivo do contrato. Uma nova espécie de direito de resolução contratual, cuja eficácia
depende exclusivamente do seu exercício por parte do consumidor. Observe-se, contudo, que
é pressuposto básico da existência deste direito a circunstância fática da contratação ter sido
feita fora do estabelecimento comercial, tratando o legislador de exemplificar situações como
as contratações celebradas por telefone ou a domicílio (door-to-door), ao que hoje se pode
acrescer as realizadas via Internet assim com as realizadas há muito tempo em via pública,
mediante abordagem direta do consumidor.

A ratio da norma é a proteção do consumidor com relação às técnicas de pressão dos


fornecedores para realização do contrato de consumo, de modo que mesmo a interpretação do
que seja "fora do estabelecimento comercial" deve ser alargada, buscando assegurar o direito
de arrependimento em situações nas quais, mesmo sendo a contratação realizada dentro de
ume estabelecimento comercial, o modo de contratação estratégia do fornecedor, visando à

17
descaracterização desta circunstância. É o caso da contratação de time-shaJingna qual o
consumidor inicialmente era convidado para uma festa, que embora ocorrendo dentro do
estabelecimento do fornecedor, encontrava-se descaracterizado como tal, e na qual o
consumidor é submetido ao apelo de compra por horas, mediante a veiculação de vídeos,
prospectos e outras técnicas de abordagem pelo fornecedor, inibindo sua decisão racional.

Da mesma forma, as vendas a domicílio, por suas características, agravam a situação de


vulnerabilidade do consumidor. Tenha-se em consideração que nestas situações o consumidor
encontra-se sozinho com o fornecedor, muitas vezes sem as precauções naturais em uma
situação de venda, razão pela qual poderá ter dificuldades na comprovação futura dos termos
da oferta para reclamação sobre vícios dos produtos ou serviços, assim como uma maior
exposição com relação às estratégias de marketing e vendas serem adotadas.

Tais circunstâncias da contratação também suprimem do consumidor a possibilidade


de reflexão sobre a conveniência e oportunidade do negócio, bem como de seus impactos
sobre o orçamento doméstico. Da mesma forma, a ausência de uma referência geográfica do
fornecedor, ou quando exista, sua localização se dá em outra cidade ou Estado, também
agravam sensivelmente sua situação de vulnerabilidade. Em se tratando de negócios
celebrados pela internet há ainda, a possibilidade deste fornecedor se encontrar, com
facilidade, em outro país, praticamente eliminando a possibilidade de reclamação com efeitos
práticos em favor do consumidor. Daí a razão para que o direito de arrependimento tenha sido
previsto em diversos países, como é ocaso pioneiro dos Estados Unidos, França e Alemanha.

A norma do artigo 49 do CDC, deste modo, estabelece um direito de desistência do


contrato no prazo de até 7 (sete) dias, contados da data da assinatura ou do recebimento do
produto ou serviço. Dada a natureza do direito em questão, espécie de direito formativo
extintivo, o prazo em questão, estimulado por lei, será decadencial. O direito de desistir do
contrato não está condicionado a qualquer espécie de situação, quanto à existência de vícios
ou demonstração de equívoco quanto às qualidades do produto ou serviço. Basta que haja a
decisão do consumidor, sem a necessidade de motivá-la ao fornecedor. Está ausência de
motivação, por sua vez, não tem por finalidade promover decisão arbitrária do consumidor,
senão de impedir que o fornecedor possa evitar ou dificultar o exercício do direito, mediante a

18
contradição ou impugnação dos motivos alegados por quem desista do contrato. Por esta
razão, o exercício do direito fica limitado exclusivamente ao prazo fixado em lei.

A desistência do contrato, de sua vez, faz presumir que ele tenha sido celebrado e
que, para diante, no momento do exercício do direito de arrependimento do consumidor, será
desconstituído. Com isso, a regra básica é que as partes reconduzam-se ao estado anterior.
Uma questão de enorme repercussão prática quanto ao exercício do direito de arrependimento,
contudo, diz respeito ao modo como deverá ser realizado. Isto porque não é incomum que
fornecedores de produtos ou serviços condicionem a desistência do contrato a providências a
cargo do consumidor que, em geral, representam novos custos, e o desestímulo ao exercício
do direito de arrependimento.

7. INTERPRETAÇÃO DOS CONTRATOS DE CONSUMO

A interpretação dos contratos nas relações de consumo deve ser sempre a mais
favorável ao consumidor, quer dizer, no caso concreto, as disposições contratuais, em caso de
mais de um sentido possível, deverão ser entendidas quanto ao significado que mais beneficie
o consumidor, conforme o dispositivo do artigo 47 do CDC, que versa que as cláusulas
contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Assim sendo, no
Direito Consumerista a diminuição da importância do elemento pessoal e subjetivo do acordo
para a elevação do caráter objetivo. A interpretação mais favorável ao consumidor advém dos
princípios da vulnerabilidade.

Segundo Benjamin Marques Bessa, ressalta que, diante de dois ou mais sentidos
possíveis de serem extraídos da literalidade do contrato, deve-se aplicar a interpretação que
seja mais favorável à parte do contrato, qual seja, o consumidor, bem como na hipótese de
existirem duas cláusulas contraditórias deve prevalecer a que mais vantagens apresentarem à
ele.

Delgado José Augusto, elenca alguns princípios a serem aplicados na interpretação


dos contratos nas relações de consumo, destacadamente o entendimento de que as normas
positivas presentes no CDC possuem forte carga de ordem pública, sendo cogentes,
imperativas e de aplicação imediata, sendo de interesse social e destinadas a beneficiar uma
19
coletividade e, dessa forma, se apresentarem alguma dúvida quanto a sua intenção, deve ser
interpretada em benefício do consumidor, que tem os seus direitos fundamentais, tais como
saúde, vida, segurança e dignidade, resguardados na assimilação do pacto, bem, como outros
direitos básicos, como informação e vedação à propaganda e publicidade enganosa, inversão
do ônus da prova, responsabilidade objetiva dos fornecedores (salvo quando forem
profissionais liberais), entre outros.

Assim, a evolução do Direito do Consumidor aplicável aos contratos, visa o seu


equilíbrio e à proteção da parte hipossuficiente, bem como a atuação do Judiciário
reconhecendo o princípio da continuidade dos contratos cativos, têm sido fundamentais para
assegurar a tranquilidade, a segurança e a estabilidade das relações de consumo.

Lembremos que o contrato é negócio jurídico por meio do qual as partes


declarantes delimitadas pelos princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva que
disciplina os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia de suas
próprias vontades, conforme bem leciona Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho.

Para a realização do cancelamento do contrato basta o fornecedor inserir cláusula que


permite a ambos “fornecedor e consumidor”, o cancelamento, mas o que acontece em vários
tipos de contrato de consumo, o interesse na resilição é por natureza do fornecedor; por
exemplo, para permitir que ele aumente o preço e ofereça o serviço novamente ao
consumidor, havendo a proibição legal de aumento unilateral. Seria muita ingenuidade admitir
que basta assegurar reciprocidade para a resilição para todo e qualquer contrato poder
terminar.

Nos contratos de prestação de serviços contínuos; contratos bancários, de consórcios,


de administração de cartão de crédito, de seguros, de aluguel de TV a cabo e etc., a
característica é a continuidade, desde que o consumidor cumpra sua obrigação de pagar o
preço. São contratos que têm na indeterminação do prazo como sua principal característica.

As cláusulas contratuais gerais têm o sentido que lhes daria o contratante


indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na
posição de aderente real. Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente. Princípio
que importa ainda reter é o que confere de modo expresso, em uma pluralidade de contratos,
susceptível de apontar um princípio da reflexão em que a precipitação conduz tantas
negociações.
20
Com a celebração do contrato de compra e venda, o comprador assume a obrigação
de pagar o preço correto ao vendedor transferindo assim o domínio, ou seja, a entrega no
prazo correto, já se o vendedor não cumpre sua obrigação entregando a coisa no prazo
determinado, o comprador poderá optar pela indenização por perdas e danos e o devido
cumprimento do contrato conforme dispõe o artigo 475 do Código Civil assim o transcreve. A
parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-
lhe o cumprimento.

Nos contratos, em geral, as partes não podem ser compelidas a dar continuidade ao
vínculo contratual, porém, esse preceito não é aplicável aos contratos cativos de consumo ou
de longa duração. Nesse tipo de avença deve ser aplicado o princípio da continuidade, vez
que a prestação de serviços dela decorrente se protrai no tempo e, após vários anos de
vigência, cria-se tal relação de confiança e dependência que o consumidor que cumpriu
regularmente suas obrigações não tem interesse em pôr fim ao contrato, tendo expectativas
quanto a sua estabilidade. Pretender a rescisão unilateral e imotivada, nesses casos, viola a
boa-fé e a equidade.

Assim, a evolução do Direito do Consumidor aplicável aos contratos, visa o seu


equilíbrio e à proteção da parte hipossuficiente. A atuação do Judiciário reconhecendo o
princípio da continuidade dos contratos cativos, tem sido fundamental para assegurar a
tranquilidade, a segurança e a estabilidade das relações de consumo.

8. CLÁUSULAS ABUSIVAS (CONSEQUÊNCIAS DO SEU


RECONHECIMENTO, CRITÉRIOS PARA O CONTROLE E HIPÓTESES)

A disciplina das cláusulas abusivas está prevista na Seção II do Capítulo VI do


Código de Defesa do Consumidor, que trata da proteção contratual. Esta pontuação
topográfica faz-se necessária, pois os direitos tratados no capítulo anterior deste livro incidem
plenamente ao instituto das cláusulas abusivas que se manifestam nos contratos de consumo,
sejam eles de adesão ou não.

De fato, apesar de constituírem temas plenamente ligados, optamos por tratar do


abuso nas cláusulas contratuais em capítulo autônomo em razão da relevância do tema e dos
21
mais variados casos práticos enfrentados pela jurisprudência superior do nosso país. Os
contratos de consumo são em sua maioria considerados de adesão, em que uma das partes
elabora as cláusulas contratuais, cabendo à outra parte — o consumidor — aderir ou não a um
formulário previamente estabelecido.

Nesse contexto, imprescindível uma tutela rígida no tocante à disciplina das


cláusulas contratuais abusivas, ressaltando-se apenas que tal regramento não se limita aos
contratos de adesão, incidindo também sobre os demais contratos de consumo ainda que
com cláusulas convencionadas entre as partes.
Segundo os ensinamentos de Nelson Nery Junior, a expressão “cláusulas abusivas”
pode ser tomada como sinônima de cláusulas opressivas, cláusulas vexatórias, cláusulas
onerosas ou, ainda, cláusulas excessivas”.

Em última análise, sempre que o fornecedor tentar prevalecer-se da fragilidade do


consumidor, praticará conduta ilícita que, estando expressa num contrato de consumo,
receberá a denominação cláusula abusiva.

Com efeito, na maioria das vezes, o consumidor, ao assinar um contrato de adesão,


não se atenta para a existência de uma cláusula abusiva e, quando vai utilizar o serviço objeto
do contrato por exemplo, um serviço de seguro-saúde, depara-se com alguma abusividade do
fornecedor, que alega em sua defesa a existência de cláusula contratual legitimando tal
conduta.

Com efeito, destaca-se o importante controle realizado por força do Poder Judiciário,
muitas vezes provocado por um Ministério Público forte e atuante que, conforme
analisaremos em breve, vem colaborando para o surgimento de um arcabouço de decisões
judiciais paradigmáticas no tocante à proteção do vulnerável da relação de consumo.

8.1 A Imposição de Representante como Exemplo de Cláusula Abusiva no CDC

Também são exemplos de cláusulas abusivas as que “imponham representante para


concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor”. Trata-se da chamada cláusula-

22
mandato, que, segundo os ensinamentos de Bruno Miragem, possui como hipóteses no
contrato bancário:

a) Cláusula irrevogável pela qual o consumidor autoriza o banco a emitir e aceitar título de
crédito no valor correspondente à dívida apurada unilateralmente;

b) a cláusula pela qual o consumidor autoriza o banco a debitar de sua conta corrente os
custos e despesas decorrentes da emissão de cartão de crédito, bem como do valor das faturas
vincendas do mesmo; e

c) a cláusula pela qual o consumidor autoriza o banco a aplicar recursos disponíveis no


mercado financeiro, a seu exclusivo critério, mas em prejuízo do outorgante”.

As razões da existência da aludida vedação, conforme ensina Nelson Nery Junior, estão
fundadas:

a) na possibilidade de haver conflito de interesses entre mandante e mandatário;

b) no desvirtuamento do contrato de mandato”.

8.2 Jurisprudência

O Superior Tribunal de Justiça posicionou-se algumas vezes sobre o tema, como no


caso do enunciado da Súmula 60 do STJ, segundo o qual: “É nula obrigação cambial
assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”. O
mesmo ocorreu no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial 808.603:
PROCESSO CIVIL — RECURSO ESPECIAL — AGRAVO REGIMENTAL —
CONTRATOBANCÁRIO — NOTA PROMISSÓRIA — CLÁUSULA MANDATO —
VIOLAÇÃO AO ART. 51, IV, CDC — SÚMULA 60/STJ — NULIDADE —
DESPROVIMENTO.
1 — É nula a cláusula contratual em que o devedor autoriza o credor a sacar, para
cobrança, título de crédito representativo de qualquer quantia em atraso. Isto porque tal
cláusula não se coaduna com o contrato de mandato, que pressupõe a inexistência de

23
conflitos entre mandante e mandatário. Precedentes (REsp 504.036/RS e AgRg Ag
562.705/RS).
2 — Ademais, a orientação desta Corte é no sentido de que a cláusula contratual que
permite a emissão da nota promissória em favor do banco/embargado, caracteriza-se
como abusiva, porque violadora do princípio da boa-fé, consagrado no art. 51, inciso IV
do Código de Defesa do Consumidor. Precedente (REsp 511.450/RS).
3 — Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp 808.603/RS, Rel. Ministro Jorge
Scartezzini, 4ªT., DJ 29-5-2006).
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo pela legalidade da cláusula-
mandato nos contratos de cartão de crédito, conforme no julgado infra: “Reconhecimento
da validade da cláusula mandato em contrato de cartão de crédito, não se aplicando o
enunciado da súmula 60 do STJ” (AgRg no REsp 796.466/RS, Rel. Ministro Paulo de
Tarso Sanseverino, 3ª T., DJe2-2-2011).

Não concordamos com o citado posicionamento que traz um tratamento diferenciado


para os contratos de cartão de crédito, mas para fins de concurso público o que prevalece é o
entendimento da jurisprudência superior.

Para o STJ, em regra, a imposição de representante é cláusula abusiva.

24
REFERÊNCIAS:

TARTUCE, F. NEVES, A.A.D.; Manual de direito do consumidor: direito material e


processual /. –7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO,
2018.

FILOMENO, B.G.J.; Direitos do consumidor /. – 15. ed. rev., atual. e ref. – São Paulo:
Atlas, 2018.

THEODORO.J.H. Direitos do consumidor /. – 9. ed. ref., rev. e atual. – Rio de Janeiro:


Forense, 2017.

MIRAGE.B.; Curso de Direito do Consumidor– 6ª ed. ref. rev. E atual. – São Paulo –
Revista dos Tribunais, 2016

BOLZAN, F. - Direito do consumidor esquematizado. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

DINIZ, M.H Curso de Direito Civil Brasileiro. Teoria geral das obrigações contratuais e
extracontratuais. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 87.

BENJAMIM, A. H. V. MARQUES, C. L. Manual de Direito do Consumidor. 2. ed. São


Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

DELGADO, JOSÉ AUGUSTO, Manual de direito do consumidor, 2008, p. 290.

GOMES, Orlando. Contrato de adesão: condições gerais dos contratos, São Paulo: RT,
1972. p. 3.

25

Você também pode gostar