Apelante: Município do Rio de Janeiro Apelado: Flavio Tadeu Vianna Madureira Apelado: Anna Karolina Zimmermann de Oliveira Apelado: Espólio de Arthur Leão Feitosa rep/p/s/inv Sophia Frota Leão Feitosa Apelado: Sophia Frota Leão Feitosa Apelado: Sonia Saraiva Leão Feitosa Relator: Des. Elton M. C. Leme
RELATÓRIO
Adota-se na forma regimental o relatório lançado na
sentença de fls. 204.
Trata-se de ação de usucapião promovida por Flavio Tadeu
Vianna Madureira e Anna Karolina Zimmermann de Oliveira, narrando que por meio de promessa de cessão imitiram-se na posse do lote do terreno nº 24, situado na Rua Campo D’Areia nº 672, Pechincha, Rio de Janeiro, RJ. Mencionam que a posse era exercida continuamente há 27 anos por seus antecessores. Postulam a declaração de aquisição do imóvel, por usucapião extraordinário.
Manifestação do Estado do Rio de Janeiro a fls. 85 no
sentido do desinteresse no imóvel.
Mandado de citação positivo a fls. 144-148.
ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME:000015384 Assinado em 10/10/2013 17:23:13
Local: GAB. DES ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME Manifestação do Município do Rio de Janeiro a fls. 194, no sentido de não possuir interesse no feito. Postula, caso seja reconhecido o instituto, que conste gravame no registro imobiliário, informando tratar-se de área onde nada pode ser edificado, por se situar sobre parte canalizada de curso de água.
Acordo apresentado pelos autores e pelo Espólio de Arthur
Leão Feitosa e outros a fls.197-198.
Manifestação do Ministério Público a fls. 203, no sentido
de não se opor à homologação ao acordo.
A sentença de fls. 204 homologou o acordo de fls. 197-198
para que produza os seus efeitos legais e, via de consequência, julgou extinto o feito, com resolução do mérito, de acordo com o art. 269, III, do CPC. Determinou expedição de ofício ao RGI, conforme requerido.
Apelou o Município do Rio de Janeiro a fls. 205-209,
postulando que se faça constar o gravame no registro imobiliário quanto à impossibilidade de se construir na referida área, por estar situado sobre parte canalizada do córrego do rio chamado Arrio Banca da Velha, que corta a Estrada Campo de Areia.
Contrarrazões dos autores a fls. 216-221, em prestígio à
sentença, alegando que a planta de situação do terreno obtida em 16/08/2012 (fls. 223) não atinge o lote, conforme documentos de fls. 224- 233. Contrarrazões dos réus a fls. 236-238, pugnando pelo desprovimento do apelo.
Manifestou-se a douta Procuradoria de Justiça a fls. 243-
245, opinando pela anulação do feito para possibilitar o regular prosseguimento, restando prejudicado o recurso interposto.
É o relatório. À douta revisão.
Rio de Janeiro, 25 de setembro de 2013.
Des. Elton M. C. Leme
Relator TRIBUNAL DE JUSTIÇA DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível nº 0011510-13.2002.8.19.0203
Apelante: Município do Rio de Janeiro Apelado: Flavio Tadeu Vianna Madureira Apelado: Anna Karolina Zimmermann de Oliveira Apelado: Espólio de Arthur Leão Feitosa rep/p/s/inv Sophia Frota Leão Feitosa Apelado: Sophia Frota Leão Feitosa Apelado: Sonia Saraiva Leão Feitosa Relator: Des. Elton M. C. Leme
APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO
URBANO. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO. NULIDADE DA SENTENÇA QUE SE REJEITA. TERRENO SITUADO EM FAIXA NON EDIFICANDI. LIMITAÇÃO URBANÍSTICA. RESTRIÇÃO MUNICIPAL QUE NÃO IMPEDE A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DA PROPRIEDADE. REQUISITOS CONSTITUCIONAIS. OBSERVÂNCIA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Ação de usucapião especial urbano, pretendendo a parte autora a declaração de aquisição do domínio de terreno, recorrendo o Município em face da sentença homologatória de acordo firmado entre as partes, sustentando restrição urbanística, em razão de o terreno em questão estar localizado sobre parte canalizada de curso d’água, tratando-se de área onde não pode haver nenhum tipo de construção, pretendendo no apelo que se averbe na matrícula do imóvel no RGI a impossibilidade de construir. 2. O regramento urbano municipal não constitui requisito ou impedimento legal para a aquisição da propriedade, lastreada esta em matéria de direito civil que se insere na competência legislativa privativa da União, o que não se confunde ou afasta as limitações do uso da propriedade ditadas pelas regras urbanísticas e ambientais, que poderão ser oportunamente opostas pelo ente público municipal. 3. Interpretação da norma jurídica que deve privilegiar os fins sociais a que ela se destina, nos termos do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 4. A posse capaz de ensejar a aquisição da propriedade por usucapião deve ser mansa e pacífica, com ânimo de dono, requisito exigido no art. 183 da Constituição Federal e tanto no Código Civil de 1916 quanto no atual. 5. Sendo publicado o edital de intimação dos terceiros interessados e efetuadas inúmeras diligências intimatórias dos confinantes, sendo certo que a Fazenda Pública Estadual informou não possuir interesse no feito e os citados não impugnaram ou manifestaram discordância, não subsiste o argumento de inobservância ao litisconsórcio passivo necessário. 6. Aquisição da propriedade por usucapião extraordinário reconhecida em acordo celebrado pelas partes que deve ser mantido em razão da comprovação dos requisitos constitucionais e legais, inexistindo nulidade na sentença ou vício a sanar. 7. Desprovimento do recurso.
ACÓRDÃO
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação
Cível nº 0011510-13.2002.8.19.0203, julgada na sessão de 09/10/2013, originários da 2ª Vara Cível Regional de Jacarepaguá da Comarca da Capital, em que figura como apelante Município do Rio de Janeiro sendo apelados Flavio Tadeu Vianna Madureira e outros.
ACORDAM, por unanimidade de votos, os
Desembargadores que compõem a Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
ACÓRDÃO apresentado na data da sessão.
VOTO
Trata-se a usucapião de forma originária de aquisição da
propriedade na qual, uma vez presentes os requisitos legais, considera-se adquirido o domínio pelo decurso do lapso de tempo previsto em lei.
No caso dos autos, as partes celebraram acordo a fls. 197-
198 reconhecendo a posse dos autores apta a gerar usucapião sobre o imóvel identificado e descrito como lote de terreno nº 24 sito na Estrada Campo D’ Areia, Pechincha, Rio de Janeiro, RJ, vindo o juízo singular a homologar o acordo por sentença a fls. 204.
Insurge-se o Município do Rio de Janeiro no seu apelo
afirmando a impossibilidade de se construir na referida área, ao argumento de que a Fundação Rio-Águas informou que o terreno em questão está localizado sobre parte canalizada de curso d’água, tratando-se de faixa non edificandi de 5,00 m para o curso d’água em tela, onde não pode haver nenhum tipo de construção, nos termos da Lei nº 6.766/79. Postula, assim, que se faça constar na averbação da matrícula junto ao RGI o gravame quanto à restrição ao direito de construir na área atingida.
Todavia, a restrição municipal urbana de faixa non
edificandi não pode impedir a aquisição de terreno por usucapião, já que a norma invocada não regulamenta a aquisição da propriedade imobiliária, matéria afeta ao direito civil, cuja competência legislativa privativa é da União, nos termos do artigo 22, I, da Constituição Federal.
Importa salientar que a posse capaz de ensejar a aquisição
da propriedade por usucapião deve ser mansa e pacífica, com ânimo de dono, requisito exigido no art. 183 da Constituição Federal e tanto no Código Civil de 1916 quanto no atual.
Dispõe o art. 183 da Constituição Federal/88: “Aquele que
possuir como sua área urbana de até 250 (duzentos e cinquenta) metros quadrados, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”
Nesse caso não se cogita a boa-fé do possuidor ou a
existência de justo título, pois, se presentes os requisitos, o possuidor mediante usucapião extraordinário poderá adquirir a propriedade da coisa, de acordo com o art. 1.238 do Código Civil. Nessa linha, verifica-se que a legislação que regulamenta o usucapião extraordinário não estabelece quaisquer outros requisitos para o terreno a ser usucapido, ou mesmo se sujeita a restrições municipais, sendo inviável à legislação municipal regulamentar, ou mesmo limitar meio de aquisição da propriedade previsto na legislação civil.
O Município aponta, no seu recurso, o intuito de afastar
situações de risco e preservar o interesse coletivo. Para tanto deve se utilizar do poder de polícia e exercer a fiscalização sobre a propriedade, mas não pode pretender obstar o exercício do direito à prescrição aquisitiva, uma vez atendidos os requisitos constitucionais.
Observa-se que a hipótese é de conflito aparente de normas,
que deve ser solucionado de acordo com as regras de hermenêutica jurídica. Assim, dispõe o artigo 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”
Deve ser salientado que não se está a permitir a desordem
urbana, mas sim, o direito de acesso à moradia digna e à propriedade privada, com integral respeito ao princípio da função social da propriedade.
Assim, as restrições ficam por conta das imposições
urbanas locais, cuja importância é inegável, mas que não se sobrepõem ao direito de reconhecimento da prescrição aquisitiva com base na norma constitucional, uma vez ponderados os princípios envolvidos e a situação fática excepcional.
Cumpre ressaltar que foi publicado o edital de intimação
dos terceiros interessados e efetuadas inúmeras diligências intimatórias dos confinantes, sendo certo que a Fazenda Pública Estadual informou não possuir interesse no feito e os citados não impugnaram ou manifestaram discordância, motivo pelo qual não subsiste o argumento de inobservância ao litisconsórcio passivo necessário.
Dessa forma, não há como se afastar o acordo celebrado
entre as partes reconhecendo a aquisição por usucapião do imóvel em questão, porquanto exercida pelos autores a posse mansa e pacífica, ininterrupta, sem oposição e com animus domini, por mais de 27 anos, atendidos, assim, os requisitos constitucionais e legais.
Ademais, destaca-se que não ficou comprovado nos autos
que os autores possuem outro imóvel.
Por fim, ressalte-se que descabe a pretensão de fazer constar
na averbação da matrícula junto ao RGI o gravame quanto à restrição ao direito de construir na área atingida, por ausência de previsão legal nesse sentido. Portanto, a situação fática delineada nos autos revela que presentes os pressupostos justificadores, impondo-se a manutenção da sentença que homologou o acordo celebrado entre as partes que reconheceu o usucapião do imóvel pelos autores, inexistindo nulidade ou vício a sanar.
Por tais fundamentos, voto no sentido de negar
provimento ao recurso, mantida na íntegra a douta sentença recorrida.