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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível nº 0011510-13.2002.8.19.0203


Apelante: Município do Rio de Janeiro
Apelado: Flavio Tadeu Vianna Madureira
Apelado: Anna Karolina Zimmermann de Oliveira
Apelado: Espólio de Arthur Leão Feitosa rep/p/s/inv Sophia Frota
Leão Feitosa
Apelado: Sophia Frota Leão Feitosa
Apelado: Sonia Saraiva Leão Feitosa
Relator: Des. Elton M. C. Leme

RELATÓRIO

Adota-se na forma regimental o relatório lançado na


sentença de fls. 204.

Trata-se de ação de usucapião promovida por Flavio Tadeu


Vianna Madureira e Anna Karolina Zimmermann de Oliveira,
narrando que por meio de promessa de cessão imitiram-se na posse do lote
do terreno nº 24, situado na Rua Campo D’Areia nº 672, Pechincha, Rio
de Janeiro, RJ. Mencionam que a posse era exercida continuamente há 27
anos por seus antecessores. Postulam a declaração de aquisição do imóvel,
por usucapião extraordinário.

Manifestação do Estado do Rio de Janeiro a fls. 85 no


sentido do desinteresse no imóvel.

Mandado de citação positivo a fls. 144-148.

ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME:000015384 Assinado em 10/10/2013 17:23:13


Local: GAB. DES ELTON MARTINEZ CARVALHO LEME
Manifestação do Município do Rio de Janeiro a fls. 194, no
sentido de não possuir interesse no feito. Postula, caso seja reconhecido o
instituto, que conste gravame no registro imobiliário, informando tratar-se
de área onde nada pode ser edificado, por se situar sobre parte canalizada
de curso de água.

Acordo apresentado pelos autores e pelo Espólio de Arthur


Leão Feitosa e outros a fls.197-198.

Manifestação do Ministério Público a fls. 203, no sentido


de não se opor à homologação ao acordo.

A sentença de fls. 204 homologou o acordo de fls. 197-198


para que produza os seus efeitos legais e, via de consequência, julgou
extinto o feito, com resolução do mérito, de acordo com o art. 269, III, do
CPC. Determinou expedição de ofício ao RGI, conforme requerido.

Apelou o Município do Rio de Janeiro a fls. 205-209,


postulando que se faça constar o gravame no registro imobiliário quanto à
impossibilidade de se construir na referida área, por estar situado sobre
parte canalizada do córrego do rio chamado Arrio Banca da Velha, que
corta a Estrada Campo de Areia.

Contrarrazões dos autores a fls. 216-221, em prestígio à


sentença, alegando que a planta de situação do terreno obtida em
16/08/2012 (fls. 223) não atinge o lote, conforme documentos de fls. 224-
233.
Contrarrazões dos réus a fls. 236-238, pugnando pelo
desprovimento do apelo.

Manifestou-se a douta Procuradoria de Justiça a fls. 243-


245, opinando pela anulação do feito para possibilitar o regular
prosseguimento, restando prejudicado o recurso interposto.

É o relatório. À douta revisão.

Rio de Janeiro, 25 de setembro de 2013.

Des. Elton M. C. Leme


Relator
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível nº 0011510-13.2002.8.19.0203


Apelante: Município do Rio de Janeiro
Apelado: Flavio Tadeu Vianna Madureira
Apelado: Anna Karolina Zimmermann de Oliveira
Apelado: Espólio de Arthur Leão Feitosa rep/p/s/inv Sophia Frota
Leão Feitosa
Apelado: Sophia Frota Leão Feitosa
Apelado: Sonia Saraiva Leão Feitosa
Relator: Des. Elton M. C. Leme

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO


URBANO. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO.
NULIDADE DA SENTENÇA QUE SE REJEITA. TERRENO
SITUADO EM FAIXA NON EDIFICANDI. LIMITAÇÃO
URBANÍSTICA. RESTRIÇÃO MUNICIPAL QUE NÃO
IMPEDE A PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DA PROPRIEDADE.
REQUISITOS CONSTITUCIONAIS. OBSERVÂNCIA.
DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Ação de usucapião
especial urbano, pretendendo a parte autora a declaração de
aquisição do domínio de terreno, recorrendo o Município em
face da sentença homologatória de acordo firmado entre as
partes, sustentando restrição urbanística, em razão de o terreno
em questão estar localizado sobre parte canalizada de curso
d’água, tratando-se de área onde não pode haver nenhum tipo de
construção, pretendendo no apelo que se averbe na matrícula do
imóvel no RGI a impossibilidade de construir. 2. O regramento
urbano municipal não constitui requisito ou impedimento legal
para a aquisição da propriedade, lastreada esta em matéria de
direito civil que se insere na competência legislativa privativa da
União, o que não se confunde ou afasta as limitações do uso da
propriedade ditadas pelas regras urbanísticas e ambientais, que
poderão ser oportunamente opostas pelo ente público municipal.
3. Interpretação da norma jurídica que deve privilegiar os fins
sociais a que ela se destina, nos termos do artigo 5º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro. 4. A posse capaz de
ensejar a aquisição da propriedade por usucapião deve ser mansa
e pacífica, com ânimo de dono, requisito exigido no art. 183 da
Constituição Federal e tanto no Código Civil de 1916 quanto no
atual. 5. Sendo publicado o edital de intimação dos terceiros
interessados e efetuadas inúmeras diligências intimatórias dos
confinantes, sendo certo que a Fazenda Pública Estadual
informou não possuir interesse no feito e os citados não
impugnaram ou manifestaram discordância, não subsiste o
argumento de inobservância ao litisconsórcio passivo necessário.
6. Aquisição da propriedade por usucapião extraordinário
reconhecida em acordo celebrado pelas partes que deve ser
mantido em razão da comprovação dos requisitos constitucionais
e legais, inexistindo nulidade na sentença ou vício a sanar. 7.
Desprovimento do recurso.

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação


Cível nº 0011510-13.2002.8.19.0203, julgada na sessão de 09/10/2013,
originários da 2ª Vara Cível Regional de Jacarepaguá da Comarca da
Capital, em que figura como apelante Município do Rio de Janeiro sendo
apelados Flavio Tadeu Vianna Madureira e outros.

ACORDAM, por unanimidade de votos, os


Desembargadores que compõem a Décima Sétima Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, negar provimento ao
recurso, nos termos do voto do relator.

ACÓRDÃO apresentado na data da sessão.

VOTO

Trata-se a usucapião de forma originária de aquisição da


propriedade na qual, uma vez presentes os requisitos legais, considera-se
adquirido o domínio pelo decurso do lapso de tempo previsto em lei.

No caso dos autos, as partes celebraram acordo a fls. 197-


198 reconhecendo a posse dos autores apta a gerar usucapião sobre o
imóvel identificado e descrito como lote de terreno nº 24 sito na Estrada
Campo D’ Areia, Pechincha, Rio de Janeiro, RJ, vindo o juízo singular a
homologar o acordo por sentença a fls. 204.

Insurge-se o Município do Rio de Janeiro no seu apelo


afirmando a impossibilidade de se construir na referida área, ao argumento
de que a Fundação Rio-Águas informou que o terreno em questão está
localizado sobre parte canalizada de curso d’água, tratando-se de faixa non
edificandi de 5,00 m para o curso d’água em tela, onde não pode haver
nenhum tipo de construção, nos termos da Lei nº 6.766/79. Postula, assim,
que se faça constar na averbação da matrícula junto ao RGI o gravame
quanto à restrição ao direito de construir na área atingida.

Todavia, a restrição municipal urbana de faixa non


edificandi não pode impedir a aquisição de terreno por usucapião, já que a
norma invocada não regulamenta a aquisição da propriedade imobiliária,
matéria afeta ao direito civil, cuja competência legislativa privativa é da
União, nos termos do artigo 22, I, da Constituição Federal.

Importa salientar que a posse capaz de ensejar a aquisição


da propriedade por usucapião deve ser mansa e pacífica, com ânimo de
dono, requisito exigido no art. 183 da Constituição Federal e tanto no
Código Civil de 1916 quanto no atual.

Dispõe o art. 183 da Constituição Federal/88: “Aquele que


possuir como sua área urbana de até 250 (duzentos e cinquenta) metros
quadrados, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição,
utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o
domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou
rural.”

Nesse caso não se cogita a boa-fé do possuidor ou a


existência de justo título, pois, se presentes os requisitos, o possuidor
mediante usucapião extraordinário poderá adquirir a propriedade da coisa,
de acordo com o art. 1.238 do Código Civil.
Nessa linha, verifica-se que a legislação que regulamenta o
usucapião extraordinário não estabelece quaisquer outros requisitos para o
terreno a ser usucapido, ou mesmo se sujeita a restrições municipais, sendo
inviável à legislação municipal regulamentar, ou mesmo limitar meio de
aquisição da propriedade previsto na legislação civil.

O Município aponta, no seu recurso, o intuito de afastar


situações de risco e preservar o interesse coletivo. Para tanto deve se
utilizar do poder de polícia e exercer a fiscalização sobre a propriedade,
mas não pode pretender obstar o exercício do direito à prescrição
aquisitiva, uma vez atendidos os requisitos constitucionais.

Observa-se que a hipótese é de conflito aparente de normas,


que deve ser solucionado de acordo com as regras de hermenêutica
jurídica. Assim, dispõe o artigo 5º da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais
a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”

Deve ser salientado que não se está a permitir a desordem


urbana, mas sim, o direito de acesso à moradia digna e à propriedade
privada, com integral respeito ao princípio da função social da
propriedade.

Assim, as restrições ficam por conta das imposições


urbanas locais, cuja importância é inegável, mas que não se sobrepõem ao
direito de reconhecimento da prescrição aquisitiva com base na norma
constitucional, uma vez ponderados os princípios envolvidos e a situação
fática excepcional.

Cumpre ressaltar que foi publicado o edital de intimação


dos terceiros interessados e efetuadas inúmeras diligências intimatórias dos
confinantes, sendo certo que a Fazenda Pública Estadual informou não
possuir interesse no feito e os citados não impugnaram ou manifestaram
discordância, motivo pelo qual não subsiste o argumento de inobservância
ao litisconsórcio passivo necessário.

Dessa forma, não há como se afastar o acordo celebrado


entre as partes reconhecendo a aquisição por usucapião do imóvel em
questão, porquanto exercida pelos autores a posse mansa e pacífica,
ininterrupta, sem oposição e com animus domini, por mais de 27 anos,
atendidos, assim, os requisitos constitucionais e legais.

Ademais, destaca-se que não ficou comprovado nos autos


que os autores possuem outro imóvel.

Por fim, ressalte-se que descabe a pretensão de fazer constar


na averbação da matrícula junto ao RGI o gravame quanto à restrição ao
direito de construir na área atingida, por ausência de previsão legal nesse
sentido.
Portanto, a situação fática delineada nos autos revela que
presentes os pressupostos justificadores, impondo-se a manutenção da
sentença que homologou o acordo celebrado entre as partes que
reconheceu o usucapião do imóvel pelos autores, inexistindo nulidade ou
vício a sanar.

Por tais fundamentos, voto no sentido de negar


provimento ao recurso, mantida na íntegra a douta sentença recorrida.

Rio de Janeiro, 9 de outubro de 2013.

Des. Elton M. C. Leme


Relator

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