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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

3ª CÂMARA CÍVEL

APELAÇÃO Nº 0152009-71.2002.8.19.0001 E 0140322-97.2002.8.19.0001

APELANTE: JOSÉ AUGUSTO DOS REIS CRUZ

APELADOS: SVEIN RUNE WISNES E RONI DIAS DA SILVA

RELATORA: DESEMBARGADORA RENATA MACHADO COTTA

RECURSOS DE APELAÇÃO. AÇÕES DE


REINTEGRAÇÃO DE POSSE E INTERDITO
PROIBITÓRIO. ALEGAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL.
MATÉRIA QUE NÃO PODE SER ANALISADA
NESSES AUTOS. ARGUIÇÃO DE DOMÍNIO SOBRE O
IMÓVEL. DESCABIMENTO. ART. 927, DO CPC.
HIPÓTESE DOS AUTOS QUE CONSUBSTANCIA
MERO COMODATO. NOTIFICAÇÃO. ESBULHO
CONFIGURADO. Da ação de reintegração de posse. Da
preliminar de nulidade da sentença. Sustenta o apelante a
nulidade dos atos posteriores a audiência, porquanto fora
realizada sem a presença do advogado. Nada obstante, a
impossibilidade de comparecimento, relatada pelo
patrono do apelante, poderia ter sido feita antes da
audiência, o que não ocorreu. Assim, descabe agora, em
sede de apelação, requerer a anulação da sentença pela
sua ausência injustificada à audiência. Ademais, a
Defensoria Pública, que assiste o apelante nos autos da
ação de interdito proibitório, acompanhou a audiência e
assistiu ao apelante, razão pela qual não resta configurada
qualquer irregularidade ou prejuízo capaz de ensejar a
anulação da sentença. Preliminar rejeitada. Da preliminar

Desembargadora Renata Cotta


Apelação n.º 0152009-71.2002.8.19.0001 e 0140322-97.2002.8.19.0001
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RENATA MACHADO COTTA:000030384 Local: GAB. DES(A). RENATA MACHADO COTTA
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de sobrestamento do feito. Busca o apelante a suspensão


do presente feito, com remessa dos autos à Vara de
Família, para apreciar o pedido de reconhecimento de
união estável, formulado na reconvenção. Ocorre, porém,
que a pretensão de reconhecimento da união estável não
influi na solução do litígio ora analisado. Isso porque, para
fins de ação possessória, o embasamento da situação fática
em título jurídico de propriedade é irrelevante, porquanto
cabe ao autor demonstrar a presença dos requisitos do art.
927, do CPC. Assim, a matéria atinente ao reconhecimento
da união estável somente ensejará a constatação ou não da
copropriedade do imóvel, ora em litígio, o que não
consiste em fundamento a justificar a posse ou a
manutenção da posse do referido bem. Preliminar
rejeitada. Mérito. Na ação de reintegração de posse, o
possuidor visa recuperar a posse, uma vez que a ofensa
exercida contra ele, o impediu de continuar exercendo as
suas prerrogativas e direitos. A posse, por sua vez,
configura-se como mera conduta de ser dono, logo, para
fazer jus à proteção possessória, basta demonstrar o
demandante a aparência de propriedade em seu favor. De
toda sorte, na demanda, ora em análise, deverá o autor
demonstrar, como já mencionado, o cumprimento os
requisitos do art. 927, do CPC. Da análise de todo o
conjunto probatório, pode-se afirmar que o apelado
comprovou a posse anterior do bem, assim como, quando
da sua aquisição. Em virtude de relacionamento mantido
com o apelante, o autor autorizou que o réu ficasse
responsável pelo bem, administrando-o e gerindo as
locações neste imóvel. Nessa perspectiva, a utilização do
imóvel pelo apelante deu-se mediante autorização do
autor, que confiava ao réu os cuidados do referido bem,
inclusive para alugá-lo, fato que foi robustamente
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comprovado, pela prova oral produzida. Assim, não se


pode afirmar que o réu estava na posse do bem, por
direito próprio, mas sim por mera deliberalidade do
apelado, consistindo a situação fática em verdadeiro
comodato. E, em se tratando de comodato, basta a emissão
de notificação ao ocupante para sair, para que se configure
o esbulho, o que efetivamente ocorreu. Nesse passo,
restou amplamente demonstrada a configuração dos
pressupostos do art. 927, do CPC, de forma que imperiosa
a reintegração de posse deferida pelo sentenciante. Por
fim, vale destacar que a relação então existente entre as
partes para fins de viabilização de união homoafetiva, fica
aqui prejudicada, bem como os pedidos que dela
decorrem, como dissolução da sociedade e partilha de
bens, considerando a inviabilidade de tal discussão em
sede de ação possessória. Para o deslinde do feito, a
existência ou não de união estável ou sociedade de fato é
irrelevante, já que a questão possessória não se soluciona
com a comprovação de propriedade. Igualmente encontra-
se desprovido de qualquer suporte probatório o pedido de
anulação da doação com reserva de usufruto realizada
pelo apelado, de forma que não existem motivos para a
procedência do pedido formulado na ação reconvencional.
Sentença proferida em sede de ação de reintegração de
posse mantida. Da ação de interdito proibitório. Tanto as
ações de reintegração de posse, como as ações de interdito
proibitório consistem em ações possessórias típicas e estão
reguladas nos art. 920 a 932, ambos do CPC. As ações
possessórias buscam a tutela da posse, sendo o interdito
aquela ação que busca proteger a posse ameaçada,
bastando apenas o justo receio do possuidor de que sua
posse venha a ser molestada, nos termos do art. 923, do
CPC. Desse modo, o interessado deve comprovar ter a
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posse do bem, assim como estar sofrendo a ameaça à sua


posse, de forma concreta. Todavia, na hipótese dos autos,
não restou comprovada a existência de ameaça à posse do
autor. Conforme já mencionado, em sede de defesa na
ação reintegração de posse, o ora apelante fundamentou
sua permanência no imóvel, em face da meação, ao passo
que, na inicial da ação de interdito proibitório, a descrição
da posse do imóvel pelo apelante é fundada em um
suposto contrato de locação. Embora tais contradições já
demonstrem a fraqueza argumentativa a embasar a posse
do apelante, a ausência de prova dos fatos alegados
corrobora para o deslinde do litígio. Em verdade, o que
seria a narrativa de ameaça ou turbação à posse, consistiu
apenas em meio legítimo, utilizado pelo réu, para
recuperar a posse direta do bem, qual seja, a notificação
juntada aos autos às fls.09. Logo, não há justo receio de
violação da posse, mas verdadeiro direito do réu em
recuperar a posse direta do imóvel. Sendo assim, não se
vislumbra razões a justificar o provimento do recurso.
Sentença proferida na ação de interdito proibitório
mantida. Preliminares rejeitadas. Desprovimento dos
recursos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos das APELAÇÕES Nº

0152009-71.2002.8.19.0001 E 0140322-97.2002.8.19.0001, em que é APELANTE:

JOSÉ AUGUSTO DOS REIS CRUZ e APELADOS: SVEIN RUNE WISNES E

RONI DIAS DA SILVA.

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ACORDAM os Desembargadores que integram a 3ª Câmara Cível

do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos,

em conhecer e negar provimento aos apelos (ação de reintegração de posse e

interdito proibitório), nos termos do voto do Des. Relator.

VOTO

I – Da ação de reintegração de posse (processo nº 0152009-71.2002.8.19.0001)

O caso em comento versa sobre ação de reintegração de posse do

apartamento 517, da Av. Prado Júnior, nº. 48, Copacabana.

Pretende o recorrente ver anulado os atos posteriores à audiência,

porquanto fora realizada sem a presença do advogado, como também requer o

sobrestamento do feito, com remessa dos autos à Vara de Família para apreciar

o pedido de reconhecimento de união estável.

No mérito, pede o provimento do recurso para que seja julgado

improcedente o pedido de reintegração de posse.

Passo, assim, a análise das razões recursais.

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I.I – Das preliminares

a) Da nulidade da sentença.

Sustenta, o apelante, na ação de reintegração de posse, a nulidade

dos atos posteriores a audiência, porquanto fora realizada sem a presença do

advogado.

A audiência de instrução e julgamento foi realizada em 15.05.2013,

contando com a presença do representante da Defensoria Pública, do

representante da Curadoria Especial e do respectivo patrono do autor (fls.409),

não sendo apontada na ata participação da advogada do réu, ora apelante.

Com efeito, analisando os autos, verifica-se que a advogada do réu

estava devidamente cadastrada nos autos desde 19.11.2003, conforme se

observa da certidão de fls.246. Logo, é evidente que tinha ciência da data

designada.

Ademais, nas razões do recurso (fls.440/441), a referida advogada

menciona ter deixado de comparecer à AIJ por motivo de força maior, mas

indica como motivo da ausência o tratamento da epilepsia e depressão.

O art. 453, do CPC dispõe sobre a possibilidade de adiamento da

audiência diante do não comparecimento do advogado. Confira-se:

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Art.453. A audiência poderá ser adiada:


I - por convenção das partes, caso em que só será
admissível uma vez;
Il - se não puderem comparecer, por motivo justificado, o
perito, as partes, as testemunhas ou os advogados.
§ 1º. Incumbe ao advogado provar o impedimento até a
abertura da audiência; não o fazendo, o juiz procederá à
instrução.
§ 2º. Pode ser dispensada pelo juiz a produção das provas
requeridas pela parte cujo advogado não compareceu à
audiência.
§ 3º. Quem der causa ao adiamento responderá pelas
despesas acrescidas.

Sobre esse artigo explica COSTA MACHADO, in Código Civil

Interprestado, artigo por artigo, paragrafo por parágrafo. Barueri: Manole, 2014:

“A prova do impedimento (v.g. outra audiência no mesmo


horário ou outro obstáculo) pode ser provado pelo
advogado com antecedência, mediante petição nos autos
ou comunicação verbal de terceiro momentos antes da
audiência, mas também posteriormente a ela caso tenha
havido impossibilidade de comunicação. Na primeira
hipótese, o juiz normalmente adia a audiência; na
segunda, a solução é a declaração da nulidade e a
designação de nova data para a sua realização”.

Assim, cabe ao advogado comprovar os motivos que o levaram o

ausentar-se da audiência, o que não foi feito.

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A impossibilidade de comparecimento, relatada pela patrona do

apelante (doença) podia ser feita antes da audiência, o que não ocorreu. Assim,

descabe agora, em sede de apelação, requerer anulação da sentença pela sua

ausência injustificada à audiência.

Ademais, a Defensoria Pública, que assiste o apelante nos autos do

interdito proibitório, em apenso, acompanhou a audiência, razão pela qual não

resta configurada qualquer irregularidade ou prejuízo capaz de ensejar a

anulação da sentença.

Nesse passo, rejeita-se a preliminar.

b) Do sobrestamento do feito

Busca o apelante ver sobrestado o presente feito, com a remessa

dos autos à Vara de Família para apreciar o pedido de reconhecimento de união

estável, formulado na reconvenção.

Ocorre, porém, que a pretensão de reconhecimento da união

estável não influi na solução do litígio ora analisado.

Isso porque, para fins de ação possessória, o embasamento da

situação fática em título jurídico de propriedade é irrelevante, porquanto cabe

ao autor demonstrar a presença dos requisitos do art. 927, do CPC: a posse, a

turbação/esbulho; a data da turbação/esbulho e a continuação da posse.

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Assim, a matéria atinente ao reconhecimento da união estável

somente ensejará a constatação ou não da copropriedade do imóvel, ora em

litígio, o que, como mencionado, não consiste em fundamento a justificar a

posse ou a manutenção da posse do referido bem.

Diante disso, rejeito a preliminar referente à necessidade de

sobrestamento do feito.

I. II – Do meritum causae

Sobre a ação de reintegração de posse, lecionam CRISTIANO

CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD1:

“É o remédio processual adequado à restituição da posse


Àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho,
sendo privado do poder físico sobre a coisa. A pretensão
contida na ação de reintegração de posse é a reposição do
possuidor à situação pregressa ao ato de exclusão da
posse, recuperando o poder fático de ingerência
socioeconômica sobre a coisa. Não é suficiente o incômodo
e a perturbação; essencial é que a agressão provoque a
perda da possibilidade de controle e atuação material no
bem antes possuído.”

Logo, na ação de reintegração de posse, o possuidor visa

recuperar a posse, uma vez que a ofensa exercida contra ele, o impediu de

continuar exercendo as suas prerrogativas e direitos.

1 Direitos Reais, 4ªed., RJ; lumen juris, 2007, p.121/122.

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A posse, por sua vez, configura-se como mera conduta de ser

dono, logo, para fazer jus à proteção possessória, basta demonstrar o

demandante a aparência de propriedade em seu favor. O relevante para a posse

é a exteriorização da propriedade, sendo tal exteriorização nada mais do que a

aparência de propriedade.

CAIO MÁRIO DA SILVA, in Instituições de direito civil. Vol. IV.

19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 22:

"A posse, em nosso direito positivo, não exige, portanto, a


intenção de dono, e nem reclama o poder físico sobre a
coisa. É relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em
vista a utilização econômica desta. É a exteriorização da
conduta de quem procede como normalmente age o dono.
É a visibilidade do domínio."

Registre-se, ainda, ser despiciendo, para a caracterização do

esbulho o estado anímico do esbulhador. A boa fé ou má fé não influencia o

diagnóstico de posse injusta geradora da tutela da reintegração. Basta estar

objetivamente demonstrada a aquisição da posse de forma contrária ao direito,

o que fundamenta o deferimento do interdito.

Assim, a posse atacada na demanda reintegratória deve ser aquela

que, mesmo obtida pacificamente, sobeja desamparada de causa jurídica

eficiente capaz de respaldar a atividade do possuidor.

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De toda sorte, na demanda ora em análise deverá o autor

demonstrar, como já mencionado, o cumprimento os requisitos do art. 927, do

CPC:

Art. 927. Incumbe ao autor provar:


I - a sua posse;
Il - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de
manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

In casu, trata-se de litígio pela posse do apartamento, localizado

na Av. Prado Júnior, nº 48/517, em Copacabana.

Argumenta o apelante ser possuidor legítimo e coproprietário do

bem, adquirido com o esforço do seu trabalho. Assevera ter mantido uma

relação homoafetiva com o apelado por quase 05 (cinco) anos, tendo este

ajuizado a presente ação possessória de forma injusta e por mero capricho.

Por sua vez, relata o apelado ser usufrutuário do bem em questão

e, por ter se evolvido amorosamente, com o apelante, deixou que este ficasse

habitando o imóvel, inclusive quando precisava retornar à Europa.

Da análise de todo o conjunto probatório, pode-se afirmar que o

autor da demanda, SVEIN, comprovou a posse anterior do bem quando da sua

aquisição, assim como, quando de suas inúmeras vindas ao Brasil, relatadas

pelo próprio apelante em sua contestação.

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Em virtude de relacionamento mantido com o apelante, o autor

autorizou que este ficasse responsável pelo bem, administrando-o e gerindo as

locações neste imóvel, outorgando, inclusive, uma procuração, conforme fls.9.

(...) como "Outorgante' – SVEIN RUNE WISNES (...). e, por


ele outorgante me foi dito que nomeia e constituiu seu
bastante procurador – JOSÉ AUGUSTO DOS REIS CRUZ
(...) a quem confere poderes para representar em todos os
interesses do autor perante o Condomínio Miami Center
com referencia ao Apto. 517 de sua propriedade, podendo
firmar compromissos, desistir, transigir, alugar, receber e
dar quitação (...)”

Nessa perspectiva, a utilização do imóvel pelo apelante deu-se

mediante autorização do autor, que confiava ao réu os cuidados do referido

bem, inclusive para alugá-lo.

A prova oral carreada aos autos demonstra a experiência do

apelante no ramo locatício, bem como a constante utilização do bem para

locação de temporada.

A declaração oferecida pela Sr.ª Maria de Fátima Abreu, às fls.410,

sugere a existência de um relacionamento amoroso entre o autor e réu, mas

enfatiza ser o imóvel de propriedade do autor da demanda. Confira-se:

“Nunca morou no prédio citado no processo; que conhece


José; que José prestava serviços profissionais a depoente
na área de locação. (...) que o autor da ação deve ser o
proprietário da unidade; que o autor tinha cerco contato

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com José; que o autor teve um relacionamento com Roni;


que tem certeza de uma relação pessoal entre o autor e
José;

Por sua vez, as declarações oferecidas pelo Sr. Antônio Nogueira

Neto, empregado do edifício, destaca a utilização constante do apartamento

para locação por temporada (fls.411):

“(...) que ao que sabe o apartamento sempre está ocupado


através de locação por temporada; que não existe
atualmente controle da frequência de tal unidade; que o
nome do autor nada lhe diz; que não sabe dizer se José
recebe os alugueres.”

Já a testemunha, Roberto Conte, síndico do prédio, onde se

encontra a unidade ora disputada, relata:

“(...) que conhece o primeiro réu; que reconhece o mesmo


fisicamente; que não sabe dizer se o primeiro réu ocupou o
imóvel (...) que não fala com o autor há muito tempo; que
em 07/03/2001 o autor comprou o imóvel; que na escritura
respectiva só constava o nome do autor.”

Assim, não é possível afirmar, como pretende o apelante, que a

sua posse era por direito próprio, mas sim, em razão de mera deliberalidade do

apelado, consistindo a situação fática em verdadeiro comodato, empréstimo

gratuito de coisa não fungível.

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E, em se tratando de comodato, basta a emissão de notificação ao

ocupante para sair, para que se configure o esbulho, o que, de fato, ocorreu,

conforme se verifica às fls. 12.

Todavia, apesar da notificação, o apelante continuou no imóvel, o

que resultou na caracterização do esbulho.

Assim, preenchidos os requisitos, imperiosa a procedência do

pedido de reintegração de posse, pelo que não subsistem motivos para

modificação da sentença.

Por fim, vale destacar que a relação então existente entre as partes

para fins de viabilização de união homoafetiva, fica aqui prejudicada, bem

como os pedidos que dela decorrem, como dissolução da sociedade e partilha

de bens.

Isso porque, conforme já amplamente mencionado, a prova

carreada demonstra que a posse do réu advinha de autorização concedida pelo

então titular da propriedade, ora apelado e não da suposta união estável entre

as partes.

Ademais, ainda que efetivamente tenha havido união estável entre

o autor e o réu, certo é que tal prova demanda dilação probatória e exige ação

autônoma, não se mostrando a presente ação possessória medida adequada

para reconhecimento da aventada união estável.

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Ressalte-se, ainda, que o próprio apelante fundamenta sua posse,

na ação em apenso, no fato de ser locatário do imóvel.

Como se não bastassem tais argumentos, não restou demonstrada

qualquer participação do réu, ora apelante, na aquisição do bem em litígio, não

sendo coproprietário ou possuidor de qualquer título que convalide sua posse.

Por fim, certo é que, para o deslinde do feito, a existência ou não

de união estável ou sociedade de fato é irrelevante, já que a questão possessória

não se soluciona com a comprovação da propriedade.

Igualmente encontra-se desprovido de qualquer suporte

probatório o pedido de anulação da doação com reserva de usufruto realizada

pelo apelado, seja porque tal discussão não é viável em sede de ação

possessória, seja porque o apelante não apresentou qualquer fundamento

jurídico para que fosse anulado tal negócio jurídico, de modo que não existem

motivos para a procedência da ação reconvencional.

II – Da ação de interdito proibitório (processo nº 0140322-97.2002.8.19.0001)

Tanto as ações de reintegração de posse, como as ações de

interdito proibitório consistem em ações possessórias típicas e estão reguladas

nos art. 920 a 932, ambos do CPC.

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As ações possessórias buscam a tutela da posse, sendo o interdito

aquela ação que objetiva proteger a posse ameaçada, bastando apenas o justo

receio do possuidor de que sua posse venha ser molestada, nos termos do art.

923, do CPC:

Art. 932. O possuidor direto ou indireto, que tenha justo


receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz
que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante
mandado proibitório, em que se comine ao réu
determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.

Segundo SÉRGIO SAHIONE FADEL, citado por CRISTIANO

IMHOF, in Código de Processo Civil interpretado anotado artigo por artigo, São

Paulo: Atlas, 2014, pag.1881, “o interdito proibitório é um ação preventiva, destinada

a evitar que se consume turbação ou esbulho possessório. E, por ser preventiva, não

parte de um fato consumado (a turbação ou esbulho), mas da desconfiança fundada de

que uma ou outro pode, a qualquer momento, ocorrer”.

HUMBERTO THEODORO JR., in Curso de Direito Processual

Civil – Procedimentos Especiais, Vol. III, Rio de Janeiro: Forense, 2008, pag. 131,

também conceitua a ação:

“(...) é uma proteção possessória preventiva, uma variação


da ação de manutenção de posse, em que o possuidor é
conservado na posse que detém e é assegurado contra
moléstia apenas ameaçada. Esse interdito, portanto, é
concedido para que não se dê o atentado à posse,
mediante ordem judicial proibitória, na qual constará a
cominação de pena pecuniária para as hipóteses de
transgressão do preceito”.

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Desse modo, o interessado deve comprovar ter a posse do bem,

assim como comprovar estar sofrendo ameaça à sua posse de forma concreta.

Deve, ainda, demonstrar que tal ameaça incute no possuidor justo receio de ser

molestado.

Todavia, como se verá adiante, não restou comprovada a

existência de ameaça à posse do autor.

Inicialmente, vale ressaltar as incongruências das narrativas

apresentadas pelo apelante, visando justificar a posse, expostas na contestação

da ação de reintegração e na inicial do interdito proibitório.

Como já mencionado, em sede de defesa na ação reintegração de

posse, o ora apelante explicou sua permanência no imóvel, em face da meação,

que a ele seria garantida, pela suposta união estável mantida com o apelado,

SVEIN RUNE.

Já na inicial ação de interdito proibitório, a descrição da posse do

imóvel pelo apelante é fundada em um suposto contrato de locação (fls.03), cujo

trecho vale transcrever:

“Tal ocupação se dá a título de aluguel, o que se


comprova pela juntada de cópias de recibos de depósito
realizados no Banco Itaú, favorecendo o réu (...)” (g.n).

Desembargadora Renata Cotta


Apelação n.º 0152009-71.2002.8.19.0001 e 0140322-97.2002.8.19.0001
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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Todavia, em sede de apelação, o autor, ora apelante, modifica a

sua própria versão e apresentada, novamente, como argumento, o direito à

meação, tal como levantado nos autos da ação de reintegração de posse,

dizendo ser a menção ao contrato de locação mero erro material.

Embora tais contradições já demonstrem a fraqueza

argumentativa a embasar a posse do apelante, a ausência de prova dos fatos

alegados também colabora para por fim ao litígio ora em discussão.

O apelante não comprova a relação de locação entre as partes,

como relatado na inicial, sendo certo que, os depósitos juntados, não bastam

para tal fim, porquanto sequer possuem regularidade de valor ou mesmo

periodicidade dos pagamentos.

No que tange ao direito à meação, como já anteriormente

discutido, consiste em matéria irrelevante, uma vez que, o embasamento da

situação fática em título jurídico de propriedade não consiste em fundamento

para ser mantido na posse.

Por fim, a notificação juntada aos autos às fls.09, que significaria

para o apelante ameaça ou turbação à sua posse, em verdade, consistiu em meio

legítimo utilizado pelo réu para recuperar a posse direta do bem.

Desembargadora Renata Cotta


Apelação n.º 0152009-71.2002.8.19.0001 e 0140322-97.2002.8.19.0001
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JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Assim, não há justo receio de ter a posse violada. Há, em verdade,

direito do réu em obter a posse do imóvel, razão pela qual não há motivos a

ensejar a procedência do pedido veiculado na ação de interdito proibitório.

POR TAIS FUNDAMENTOS, conheço dos apelos, rejeito as

preliminares e, no mérito, nego provimento aos recursos.

Rio de Janeiro, ___ de _____________ de 2015

DESEMBARGADORA RENATA MACHADO COTTA

RELATORA

Desembargadora Renata Cotta


Apelação n.º 0152009-71.2002.8.19.0001 e 0140322-97.2002.8.19.0001
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