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Ministério da Educação

Universidade Federal Fluminense


Faculdade de Direito - Niterói

DIREITO
TEORIA DO ESTADO 2
PROFESSOR: ENZO BELLO

RESENHA: GEOGRAFIA DA FOME

BRENO LIMA
LUCAS MARQUES

Niterói
2019
O AUTOR

Josué Apolônio de Castro (1908-1974) nasceu no dia 05 de setembro de 1908, em


Recife, capital do estado de Pernambuco, localizado na região nordeste do Brasil. Homem de
classe média, possuidor de invejável expertise, a qual posteriormente apontou para diversas
esferas do conhecimento, Josué de Castro iniciou seus estudos em Medicina na Bahia, os
concluindo na Faculdade Nacional de Medicina do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1929, para,
futuramente, preocupado com as condições na qual viviam seus conterrâneos, voltar à sua terra
natal e iniciar suas atividades profissionais.

O autor, em Recife, se deparou com uma situação política conturbada, haja vista a
Campanha da Aliança Liberal e a Revolução de 30, que depusera o governador do estado,
Estácio Coimbra. Ainda assim, Josué de Castro não envolveu-se em militâncias aderentes a
quaisquer movimento político-partidário. Outrossim, devotou-se ao campo da fisiologia,
iniciando tratamentos endocrinológicos, quando, concomitantemente, ingressava como
professor na Faculdade de Medicina.

Nessa época, o autor em questão já se preocupava com a questão da fome, contrapondo-


se a estudos que a tratavam como consequência de condições inerentes à etnias ou
circunstâncias físicas e climáticas e a tratando como uma catástrofe social. Para mais,
desenvolveu trabalhos relativos à alimentação e habitação nos bairros operários
pernambucanos, como o livro "Condições de Vida das Classes Operárias do Recife", publicado
em 1932, no Rio de Janeiro, pelo Departamento de Estatística e Publicidade do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio.

Posteriormente a Intentona Comunista de 35, o autor mudou-se para o Rio de Janeiro,


lecionando na Universidade do Distrito Federal. Já tendo realizado trabalhos em missões do
governo federal, e, em 1936, publicado o livro “Alimentação e Raça”, Josué de Castro, em
1939, foi convidado, pelo governo italiano, a palestrar nas universidades do país, explicitando
acerca dos ‘’Problemas de Aclimatação Humana nos Trópicos". Assim, uma vez que o autor
fundara, ao trabalhar no Serviço de Alimentação e de Previdência Social, a Sociedade Brasileira
de Alimentação, sucederam inúmeros outras convocações do mesmo, com o objetivo de analisar
os problemas de alimentação e nutrição de países como Argentina, Estados Unidos, México,
França e República Dominicana.

Comovido com a calamidade da fome, a princípio em Recife, posteriormente no Brasil


e no mundo, Josué de castro conduziu seu conhecimento para além da análise desse problema
em si e seu recaimento sobre a população mal alimentada, analisando, também as sequelas
deixadas por ela na sociedade e no desenvolvimento intelectivo humano. Sendo assim, destinou
esforços ao ofício da Geografia, Sociologia e Economia Política, objetivando investigar as áreas
de fome no mundo e verificar as causas que implicaram tal quadro, sejam naturais ou sociais.

Diante disso, Josué de Castro, a fim de elevar a problemática social acima da econômica,
buscou estudar com afinco os problemas relativos à fome, produzindo diversos trabalhos que
intentaram demonstrar como tal mácula é produto de razões sociais que trabalhavam em
desfavor aos menos abastados e perpetuavam a pobreza e a miséria, e não oriundos de causas
climáticas e étnicas.

Pioneiro em sua disciplina, a Geografia humana, no ano de 1946, publicou o livro objeto
deste trabalho, “Geografia da Fome”, um marco nos estudos acerca da fome, sobretudo, em
território brasileiro. Em 1951, o autor foi nominado presidente do Conselho Executivo da FAO
– Food and Agricultural Organization. Em 1952, Josué de Castro publica o livro “Geopolítica
da Fome”, produto de viagens por inúmeros países do globo, as quais tiveram como foco a
visualização dos problemas relativos à fome, principalmente em países ditos subdesenvolvidos.

Segundo o autor, esse estigma tinha como fonte a estrutura social, ideal que o fez se
aproximar de grupos de esquerda que idealizavam reformar o quadro social através da
modernização, esta voltada à população desfavorecida e, indo contra ao cenário vigente, em
oposição à modernização que apenas maximizavam os lucros dos mais abastados.

Entre os diversos ofícios empregados durante sua vida, como Professor, Geógrafo,
Médico e Sociólogo, Josué de Castro também exerceu função política, tendo sido deputado
federal de Pernambuco, pelo partido Trabalhista Brasileiro. Seus mandatos compreenderam os
anos de 1954 a 1958 e de 1958 a 1962, sendo que neste ultimo foi intitulado embaixador do
Brasil na Conferência Internacional de Desenvolvimento, tendo sido deposto deste cargo ao ter
seus direitos cassados, no ano de 1964, após o Golpe Militar.
Ao passo que foi exilado, Josué de Castro estabeleceu-se em Paris, França, onde foi
professor de Geografia da Universidade de Vicennes, desenvolvendo pesquisas e, sendo
requerido em inúmeros países, viajando, com o objetivo de conceder apoio a estes.

Em 24 de setembro de 1974, em Paris, Josué de Castro, um revolucionário que muito


dedicara à humanidade, que foi indicado três vezes para o prêmio Nobel, que, utilizando como
artifício para fomentar mudanças apenas o conhecimento, falece, deixando um imenso legado
que dispõe alicerces para a construção de um mundo melhor.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Ao passo que o muro de Berlim, símbolo do cisma econômico-social ao qual o mundo


do século XX se encontrava, caíra, era esperada a harmonização dos pensamentos divergentes
e o caminhar da humanidade para uma unidade. Não obstante, tal pretensão não se fez realidade,
uma vez que as mais diversas partes do planeta, mesmo após a guerra, ainda estavam à sombra
dela. Observou-se, sobretudo, uma maior acentuação das divergências sociais, a contínua
exploração da classe trabalhadora, e ainda, ressalta-se, o incessante abuso de recursos naturais
pelos mais notórios grupos econômicos. Em decorrência de tais práticas, a fome, a miséria, o
desdém das classes sociais mais elevadas para com o meio-ambiente, prevaleceram, tornando
o cenário pós-guerra uma reprodução da mesma.

Ao desenrolar da Segunda Guerra Mundial, e o avanço do nazismo pela Europa, o


Brasil, dependente da importação de produtos primários, viu-se maculado pela desestabilidade
da economia internacional causada pela investida alemã, e, para mais, não dispondo de uma
rede ferroviária que ligasse sua imensidão territorial, a economia nacional, já desorganizada,
enfrentava sérios problemas de distribuição e abastecimento.

A problemática da fome já passava a ter grande notoriedade sob os olhos da governança


brasileira, sendo que a tese de que esse estigma não era derivado de razões climáticas e étnicas,
mas da estrutura social geral em si, defendida por Josué de Castro, angariava maior pujança.
Nesse sentido, encabeçado pelo geógrafo-nutricionista, foram criadas, pelo governo federal,
instituições capazes de gerir o quadro econômico nacional, no que diz respeito ao problema do
abastecimento de alimentos e afins, como o Serviço Técnico de Alimentação Nacional (STAN)
(1942), a Comissão de Mobilização Econômica e o Instituto Técnico de Alimentação. Ademais,
em 1945, próximo do desfecho da Segunda Guerra, foi criada a Comissão Nacional de
Alimentação junto ao Conselho Nacional de Comércio Exterior, com o intuito de desenvolver
estudos acerca das condições alimentarem e a dieta referentes à população brasileira.

Isto posto, a partir de estudos concomitantes com a atividade político-administrativa, a


partir da análise do cenário brasileiro, desencadeando evidências acerca do fenômeno da fome,
estas provenientes de contextos nacionais passados, investigando o progresso econômico e, em
reflexo deste, as condições de alimentação popular, em 1946 Josué de Castro publica Geografia
da fome. Logo após o mundo envolver-se nas perniciosidades da Guerra, ele buscou elucidar
às massas que o flagelo da fome e da miséria não advinha exclusivamente da guerra, da
inadaptabilidade ao meio, ou de fatores étnicos, como uma verificação superficial do contexto
da época poderia instigar, mas consistia num fenômeno geográfico e político de caráter geral.
INTRODUÇÃO

A décima edição do livro “Geografia da Fome” do autor Josué de Castro, objetiva por
meio de uma análise pautada em argumentos históricos, culturais, políticos, geográficos e
biológicos demonstrar o problema da fome no Brasil. Dessa forma, o autor tenta desmistificar
a abordagem do tema “fome” no país e no mundo, pois até então é um assunto muito pouco
debatido em escala mundial, havendo poucas matérias escritas sobre esse fenômeno, mesmo
constituindo-se uma calamidade global.

Para a explicação dessa afirmativa, o autor observa que esse fato pode se tratar
de um aspecto cultural de abstenção em relação a temática, no qual os interesses e preconceitos
de ordem moral e ordem política e econômica da nossa civilização ocidental tornaram o
fenômeno da fome, um assunto proibido ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado
publicamente. Visto que, o fundamento moral que originou esse empecilho foi o sentido da
fome de alimentos e da fome sexual serem interpretados pela sociedade como um instinto
primário, o que se torna chocante para uma cultura racionalista como a nossa, que procura por
todas as vias impor a razão acima dos instintos da conduta humana.

Além do argumento cultural, ele também cita a questão política e econômica.


Nesse viés, os interesses econômicos das minorias dominantes também buscam esconder a
abordagem do assunto para, assim, continuarem a obter vantagens ou lucros. Tal fato, consiste
no imperialismo econômico e no comércio mundial, cujo serviço apenas interessa que a
produção, a distribuição e o consumo dos produtos alimentares continuem a processar
indefinidamente como fenômenos exclusivamente econômicos e não a fatores relacionados as
questões de saúde pública, tratando-se, pois, de interesses antagônicos. Para exemplificar tal
posicionamento, cabe analisar o caso da Índia, segundo Richard Temple, "enquanto tantos
infelizes morriam de fome, o porto de Calcutá continuava a exportar para o estrangeiro
quantidades consideráveis de cereais. Os famintos eram demasiado pobres para comprar o trigo
que lhes salvaria a vida." Deve-se ressaltar que os negociadores e importadores que
estabeleciam relações com a Índia faziam o possível para abafar, na Europa, a fome sofrida pela
população indiana, temendo que isso pudesse atrapalhar os seus negócios.

Ratificando a desinformação populacional, basta olhar para o povo sul


americano, de uma forma geral, que crê que em seu território esse fenômeno não se assola de
maneira incisiva. Isso pode ser elucidado através das fontes informativas desses, pois os
noticiários dos jornais, muitas das vezes, reduzem o problema da fome a apenas duas regiões
do mundo, o Oriente exótico e a Europa devastada. Contudo, as populações americanas
continuam expostas as consequências funestas da subnutrição e da fome, podendo ser conferido
nos dados da década de 80 que confirmam que 120 milhões de latino americanos sofriam de
carências alimentares e mais de 2/3 da população passavam fome.

Ao contrário do contexto em que se situa o fenômeno da fome na época da


escrita, a obra de Josué de Castro é produzida visando uma maior visibilidade da problemática
no cenário nacional. Para isso, o autor na elaboração do livro utilizou o método geográfico para
o estudo da fome almejando, dessa forma, localizar com precisão, delimitar e correlacionar os
fenômenos naturais e culturais que ocorrem à superfície a terra. Por outras palavras, foi feito
um estudo por meio da observação das populações locais, do meio e da forma em que se
alimentam. Além disso, ele evidenciou que o seu foco eram essas coletivas fomes parciais,
dessas fomes específicas, em sua infinita variedade.

Primeiramente, para enquadrar o Brasil nesse cenário, é importante salientar que


ao tratarmos da fome no país, esta sendo ratificado o seu subdesenvolvimento econômico,
porque fome e subdesenvolvimento são uma mesma coisa. Partindo desse pressuposto, verifica-
se que a alimentação do brasileiro se apresenta com qualidades nutritivas bem precárias,
incompletas e desarmônicas. Em umas regiões a sua precariedade transforma-se num estado de
fome crônica, já em outras, que possuem uma qualidade um pouco melhor, tem-se a
subnutrição.

De acordo com o tamanho territorial brasileiro e com o seu potencial para a


produção de alimentos, devido a sua vasta variedade de tipos de solos e climas seria possível
produzir alimentos suficientes para nutrir racionalmente uma população várias vezes igual ao
seu atual efetivo humano. Portanto, chega-se a conclusão de que tal mazela é produto da nossa
estrutura econômico-social que tem agido sempre num sentido desfavorável ao aproveitamento
racional de nossas possibilidades geográficas, ou seja, o fenômeno da fome trata-se mais de um
fruto de fatores socioculturais do que fatores da natureza geográfica.

Além disso, por motivos de sua diversidade territorial, o Brasil é constituído por
pelo menos cinco diferentes áreas alimentares. Essas são definidas conforme os recursos
naturais presentes, predominância cultural dos grupos, mas também do clima e do solo. Dessa
maneira, os diferentes tipos de dieta são delimitados pela Área da Amazônia, Área da Mata do
Nordeste, Área do Sertão do Nordeste, Área do Centro-Oeste e Área do Extremo Sul. Cabe,
pois, ressaltar que dentre essas regiões apenas a Área Amazônica, a da Mata e a do Sertão
Nordestino são consideradas áreas de fome. Já as áreas do Centro-Sul são classificadas como
subnutrição.

São consideradas áreas de fome aquelas em que pelo menos a metade da


população apresenta nítidas manifestações carenciais no seu estado de nutrição, sejam estas
manifestações permanentes (áreas de fome endêmica), sejam transitórias (áreas de epidemia de
fome). Não é o grau de especificidade carencial que assinala e marca a área, mas a extensão
numérica em que o fenômeno incide na população. Para que uma determinada região possa ser
considerada área de fome, dentro do nosso conceito geográfico, é necessário que as deficiências
alimentares que aí se manifestam incidam sobre a maioria dos indivíduos que compõem seu
efetivo demográfico.
ÁREA AMAZÔNICA

Inicialmente, ao efetuar pesquisas sobre a região amazônica, Castro, percebe que a


principal base alimentar dessa é a farinha de mandioca. E que apesar do Amazonas possuir um
território enorme, aproximadamente cinco milhões de metros quadrados, alguns fatores como
a habitação e a própria estrutura territorial, geográfica, interferem no modo da alimentação
populacional. Para comprovar tais aspectos, o autor baseia-se no dado de que seis milhões de
pessoas habitam a região e em certas zonas a concentração é de uma pessoa por metro quadrado,
o que mostra uma enorme desproporção entre a desmedida extensão das terras amazônicas e a
exiguidade de gente, constatando-se, portanto, a primeira tragédia geográfica da região.

Outrossim, esse tipo de colonização desconcentrada associado as características


geográficas da floresta e a escassez de recursos técnicos induzem a população a viver por meio
de uma economia destrutiva , baseado na pesca, na coleta de produtos nativos e na caça. Nessa
direção, é válido destacar a cultura indígena na área amazônica, além do processo colonial, na
extração das drogas do sertão que influenciaram a manutenção desse modelo econômico, estilo
de vida, de acordo com Ferreira Reis (1940).

A principal base alimentar da região é a farinha de mandioca. Dela são feitas


várias comidas típicas, como a tapioca e o mingau. Além disso, há também algumas plantações
de milho, feijão e mandioca em pequenas áreas. Todavia, Josué de Castro conclui que a dieta
do norte do país é precária. Isso ocorre, porque algumas especificidades do ambiente dificultam
a produção de determinados gêneros alimentícios. Por exemplo, ele observa que quase não
existe pecuária devido as florestas e a falta de uma vegetação rasteira. O solo é pobre de
nutrientes e sais minerais por causa do processo de lixiviação acarretado pelas forte chuvas,
assim, há poucas frutas na região e os alimentos colhidos lá, muitos, carecem desses nutrientes
essenciais.

Ao analisar, pautando-se em fundamentos biológicos e químicos, a dieta


amazônica, Josué revela um regime alimentar com inúmeras deficiências nutritivas. A
impressão transmitida é a de extrema pobreza, ou mesmo ausência, de alguns alimentos
protetores, da carne, do leite, do queijo, da manteiga, dos ovos, das verduras e das frutas. Outra
característica é da insuficiência na sua exiguidade quantitava, pois trata-se de uma alimentação
parca, escassa, de uma sobriedade impressionante. Desse modo, ao ser comparada com a
alimentação realizada em outras regiões, o que um homem come um dia inteiro não daria para
uma só refeição dos habitantes de outras áreas condicionadoras de hábitos diferentes. Nesse
sentindo, apresenta-se na região um estado de anorexia crônica, consequência natural da falta
de vitaminas e de determinados aminoácidos no seu regime, ou seja, consiste-se em uma
"anorexia habitual"( LIMA, 1937).
NORDESTE AÇUCAREIRO

Segundo Josué de Castro, a ocorrência da fome no Nordeste Açucareiro apresenta uma


peculiaridade em face desse fenômeno nas demais regiões brasileiras, haja vista que o mesmo,
uma vez que apresenta condições favoráveis, tanto no clima quanto no solo, para o plantio de
inúmeros produtos alimentícios, não denota uma pré-disposição territorial natural para a
disseminação desse estigma.

O autor expõe em seu livro a sucessiva exploração infligida sobre essa região, advinda
dos grupos econômicos que exerciam a extração de cana de açúcar deste território, ocasionando,
em vista da negligência para com o meio ambiente, a destruição das florestas locais, que, ao
passo que o processo de produção de cana de açúcar exigia mais área, ficavam cada vez mais
debilitadas.

Outrossim, a partir dos anos 1870, estabeleceram-se, naquela região, os Engenhos


Centrais que, ao passo que a monocultura de cana de açúcar e, assim, os latifúndios se
desenvolviam, a exploração e degradação da natureza e, ressalta-se, do solo regional, se faziam
latentes.

Outrossim, destacam-se os males provenientes da precarização do solo, a exemplo da


pobreza qualitativa, termo que consiste na carência nutricional relativa ao plantio cultivado em
tais locais em decorrência da ausência de mineral no solo, o que acaba por fragilizar a dieta da
população local, e vai além, incidindo sobre as gerações futuras. Ademais, a prevalência da
monocultura corroborou para inibir o plantio de outros recursos alimentícios, que, visto a pré-
disposição do solo nordestino, poderiam facilmente adaptar-se à região, contribuindo para a
alimentação dos habitantes.

No que tange a predominância da monocultura de cana de açúcar e do latifúndio nessa


região, o autor ostenta os males causados por tais práticas, analisando a produção de efeitos que
vão além da fauna e flora florestais e denotam prejuízos aos costumes da população indígena,
que se viu fragilizada em face da imposição de um regime de agricultura comercial que
negligenciava sua cultura.
Em contraponto, Josué de Castro elucida que o uso da terra feita pelas pequenas famílias,
grupos indígenas e escravos, mais conscientes no trato da mesma, seria de maior benefício,
visto que esses grupos, em via de regra, a utilizavam com o objetivo de restituí-la.

Isto posto, percebe-se, a partir deste panorama, que o problema da disseminação da


miséria presente em território nordestino não é produto de razões climáticas, tampouco étnicas,
mas da concentração de terras e da monocultura, que foram agentes da fome endêmica no
local, como destaca o autor:

“Contudo, mais destrutiva do que esta ação direta da cana sobre o solo é a sua
ação indireta, através do sistema de exploração da terra que a economia
açucareira impõe: exploração monocultora e latifundiária”.
“A monocultura é uma grave doença da economia agrária, comparada por
Guerra y Sanchez à gangrena que ameaça sempre invadir o organismo inteiro,
e por Grenfell Price ao câncer, com o desordenado crescimento de suas
células se estendendo impunemente por todos os lados”. (CASTRO,1984)
ÁREA DO SERTÃO NORDESTINO

Segundo os estudos do geógrafo Josué de Castro, o território compreendido pelo Sertão


Nordestino tinha na problemática da fome uma particularidade que a diferenciava de outras
regiões como o Nordeste Açucareiro e Amazônia, as quais eram assoladas pela fome endêmica.
Dito isso, ele levanta possibilidades acerca da resolução desta mácula no Sertão Nordestino,
visto que naquela região a fome era epidêmica, decorrente de surtos que advinham sobretudo
das eventuais secas.

Traçando um paralelo com o romance de Graciliano Ramos, “Vidas Secas”, publicado


em 1938, o qual retrata a vida de sertanejos que, em face das secas, eram obrigados a migrar de
território, a estrutura de fome enquanto epidemia, característica da região do Sertão Nordestino,
segundo Josué de Castro, é condicionada pelo clima, uma vez que o local, por ser semi-árido,
apresenta temperatura média elevada o ano inteiro, baixa umidade relativa do ar e
irregularidade de chuvas, acarretando na progressiva erosão do solo e crises de fome na região.
Não obstante, esse quadro climático inibe inúmeras doenças típicas de regiões tropicais, que
são propiciadas pela pelo excesso de umidade do solo e do ar.

Como retratado por Josué de Castro, a miséria proveniente da seca na região em questão
tem caráter qualitativo e quantitativo, infligindo drasticamente sobre o território e assolando as
mais diversas classes sociais. Entretanto, salvo estes períodos fatais de seca, o Sertão
Nordestino apresenta relativa abundância de alimentos, uma vez que o regime alimentar da
população, baseado no milho, se faz satisfatório no que diz respeito ao equilíbrio alimentar dos
seus habitantes. O geógrafo destaca esse equilíbrio, relatando que, caso não houvessem os
infortúnios da seca, essa região talvez não figurasse entre as áreas de fome do Continente
Americano, já que os sertanejos, em razão dos seus hábitos alimentares, conseguem driblar a
falta de nutrientes e minerais.

Ademais, a região do Sertão Nordestino pode ser fragmentada em três áreas: O Alto
Sertão, A Caatinga e o Agreste. Segundo o geógrafo, cada área apresenta particularidades,
muito embora configurem formas atenuadas de Caatinga.

Como muito bem representado no referido romance, a realidade da fome sertaneja


compreende também a miséria oriunda da estrutura social em vigência, caracterizada pelo
subdesenvolvimento regional, em vista da estrutura agrária que dissemina o desemprego e má
remuneração dos trabalhadores.

Logo, a fome de caráter sazonal, que se desenvolve a partir de condições climáticas,


indica origem também na própria estrutura social da região.
ÁREA DE SUBNUTRIÇÃO: CENTRO E SUL

Ao discorrer a respeito dessa região, Josué de Castro deixa claro que a fome que compete
à área em questão se distingue das já retratadas, tendo em vista que não é caracterizada por ser
endêmica ou epidêmica, mas como uma carência parcial.

Possuindo um clima subtropical, tipificado pelas chuvas regulares, temperatura


atenuada pela altitude, solos relativamente férteis, o que propicia o cultivo de produtos
alimentícios, a problemática da fome na região Centro-sul consiste na subnutrição da
população.

Por conseguinte, muito embora não haja a presença de déficit calórico na dieta dos
habitantes dessas regiões, sendo fato, em muitos casos, o extremo contrário, vide o quadro de
obesidade presente nesses locais, constata-se certa carência nutricional, a exemplo do iodo,
substância escassa nos solos, alimentos e na água do local. Em decorrência, a carência desse
metaloide acaba por acarretar na alteração do organismo da população regional, uma vez que a
falta deste gera deficiências no metabolismo e no crescimento, entre outras.

Ainda que a região Centro-sul se caracterize pela abundância em face à outras áreas do
território nacional, como afirma o autor, o proletariado e as classes desfavorecidas em geral,
sofrem com o flagelo da carência parcial de alimentos, uma vez que, marginalizados, a classe
trabalhadora, sob o reflexo da divergência de classes, se vê refém da concentração de renda
pelos mais abastados.
ESTUDO DO CONJUNTO BRASILEIRO

Para concluir, Josué de Castro, na última parte da obra, "Estudo do conjunto brasileiro",
esclarece a opção por uma pesquisa qualitativa que estuda as condições de vida real das pessoas,
ao invés de apenas se pautar em dados estatísticos. Nesse sentido, ele reafirma que apesar do
desenvolvimento econômico nos mais variados setores, a problemática da fome no Brasil ainda
existe. Dentre os motivos para a persistência do fenômeno da fome no país estão as influências
do seu passado histórico, nos quais os grupos humanos sempre estiveram em conflito com os
quadros naturais. Além da influência do Estado que opta pela realização de seus interesses
individuais em detrimento do coletivo.

Desse modo, o autor descreve a fome como sendo oriunda da má política, da


ação predatória dos colonizadores, do capital internacional, da monocultura e do latifúndio. Ou
seja, da institucionalização de uma estrutura civilizatória fundada na exploração do homem e
da natureza. Josué de Castro entende, portanto, que o combate à fome consiste em um desafio
para a atual e as futuras gerações, pois essa nada mais é que o símbolo do subdesenvolvimento
do país.
REFERÊNCIAS

CASTRO, Josué de. Geografia da fome: o dilema brasileiro - pão ou aço. 10º ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1946.

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 1º ed. Alagoas: José Olympio, 1938.

FGV - CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA


CONTEMPORÂNEA DO BRASIL, Josué de Castro. Rio de Janeiro: 2009.

LIMA, José Francisco Araújo. Amazônia, a Terra e o Homem. Ed. Nacional, 1937.

REIS, Artur Ferreira. Política de Portugal no Vale Amazônico. Belém, 1940.

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