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Revista Filosofia Capital Vol. 11 (2016) - Edição Especial:


ISSN 1982 6613 As multilinguagens da educação [...].

NIETZSCHE E A LINGUAGEM NA SOCIEDADE


DA INTELIGÊNCIA COLETIVA DO SÉCULO XXI
DE PIERRE LÉVY

NIETZSCHE AND THE LANGUAGE IN THE XXI


CENTURY COLLECTIVE INTELLIGENCE SOCIETY
OF PIERRE LÉVY

SOUZA, Arlei da Silva1

RESUMO
Este trabalho tem por objetivo relacionar a filosofia nietzschiana com a linguagem no século
XXI, uma vez que em mundo cujas mudanças ocorrem de maneira constante, principalmente
em função das revoluções tecnológicas e da globalização, faz-se necessária uma análise crítica
a respeito da influência dessas mudanças nas relações humanas neste novo século. Buscou-se
relacionar essas mudanças que vem ocorrendo no mundo no século XXI com o proposto por
Nietzsche em sua filosofia em relação à linguagem e seu papel na formação da sociedade
ocidental para que, possibilitando compreender a importância do impacto dessas mudanças
nas vidas das pessoas e quais caminhos o mundo ocidental está seguindo. Assim, a
compreensão da filosofia nietzschiana da linguagem faz com que se possa relacionar esse
novo paradigma que separa a concepção de linguagem no século XIX, época em que viveu
Nietzsche, do século XXI.
Palavras-chave: Linguagem. Século XXI. Racionalismo Platônico. Paradigma.

ABSTRACT
This work aims to relate Nietzsche's philosophy to language in the XXI century, since in a
world whose changes occur constantly, mainly due to technological revolutions and
globalization, it is necessary to critically analyze the influence of these changes in human
relations in this new century. It was sought to relate these changes that have been taking place
in the world in the XXI century with those proposed by Nietzsche in his philosophy regarding
language and its role in the formation of Western society, making it possible to understand the
importance of the impact of these changes on people's lives and which paths The Western
world is following. Thus, understanding the Nietzschean philosophy of language makes it
possible to relate this new paradigm that separates the conception of language in the XIX
century, the era in which Nietzsche lived, of the XXI century.
Keywords: Language. XXI Century. Platonic Rationalism. Paradigm.

1
Especialização em Filosofia pela Universidade Estácio de Sá, Brasil (2016). Estudos de tradução, filosofia e
neuroeducação. Graduação em Tradução e Interpretação pela Universidade Nove de Julho (2013). Pós-graduado
em Neuroeducação, Docência do Ensino Superior pela PUC-RS, Filosofia, Ensino de Língua Inglesa e em
Educação a Distância: Gestão de processos em Materiais Educacionais Digitais pela Unisinos. CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/1123487741938279.

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Introdução e agir de modo diferente caso a linguagem


não fosse imposta a elas como o único
O filósofo e filólogo alemão Friedrich modo de percepção do mundo, tal como o
Wilhelm Nietzsche sempre chamou atenção racionalismo platônico o faz? Qual é o
para o papel da linguagem na formação papel das artes em nossa percepção da
cultural e do pensamento humano. Isso se vida? A relação dos signos possui ligação
deve ao fato de que, para ele, a linguagem direta com o mundo da realidade; ou ambas
está relacionada a convenções sociais situam-se em mundos paralelos e isso traz
ditadas por determinados grupos que consideráveis consequências para a
possuíam o poder de impor suas ideias e humanidade?
valores sobre outros e; por esse motivo, não Assim, tentar-se-á aqui a busca pela
expressa de fato os reais sentimentos, compreensão das perguntas supracitadas,
desejos e intenções das pessoas; pois, essas realizando-se uma análise das ideias
convenções que às pessoas são impostas propostas por Nietzsche e sua filosofia da
minam sua capacidade de expressão e linguagem e o proposto por Pierre Lévy em
relação direta e verdadeira com o mundo; relação à comunicação no que concerne ao
limitando-as no que concerne a viver em conceito de Inteligência Coletiva proposto
toda a sua plenitude e relacionando-se com pelo filósofo francês. Por último, haverá a
o mundo dentro de todas as suas tentativa de realizar uma análise paralela
possibilidades, essas que são dinâmicas e dos dois pensamentos e seus impactos na
constantemente mutáveis. comunicação no século XXI, e como esses
Portanto, buscar-se-á, neste trabalho, pensamentos podem mostrar novos
entender a influência das ideias desse caminhos concernentes às relações
pensador do século XIX no século XXI no humanas em relação ao modo como as
que concerne à linguagem e sua relação pessoas comunicam-se e comunicar-se-ão
direta com as artes e a moral; tendo como em um futuro não tão distante.
base obras como Genealogia da Moral; O
Nascimento da Tragédia e O Eterno Nietzsche: linguagem, arte e moral
Retorno, nas quais são trabalhadas as
relações do pensamento e da linguagem Para que se possa compreender o
bem como a arte e a moral. conceito de linguagem na filosofia
Ademais, tentar-se-á compreender os nietzschiana, é preciso entender sua
motivos pelos quais essas relações podem filosofia como descontrutivista, termo
influenciar direta ou indiretamente o modo adotados por muitos acadêmicos
como relacionamo-nos com o mundo, como contemporâneos. Assim, o filósofo alemão
por exemplo, de onde vem nosso conceito busca, a todo o momento, propor uma nova
de moral, de igualdade, o porquê das artes forma de pensamento, e a linguagem tem
nas atividades humanas e como a um papel fundamental nesse processo de
linguagem pode determinar a maneira pela reconstrução do pensamento.
qual relacionamo-nos com o mundo. Desse modo, Nietzsche inicia seu
Para tanto, algumas perguntas podem livro “Genealogia da Moral” (p. 339,
ser levantadas em busca da compreensão 1887/1999) questionando-se sobre o
das ideias do filósofo em relação às conceito de moral, buscando a compreensão
mudanças pelas quais o mundo vem a respeito dos conceitos de bom e mau,
passando no século XXI, a saber: qual é a mencionado no prefácio desse livro:
relação da linguagem no século XXI com as
ideias propostas por Nietzsche no século Que importa isso a nós, a nós filósofos!...
XIX? Seriam as pessoas capazes de pensar Refere-se, com efeito, à moral, àquilo
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que até agora sobre a terra foi celebrado constituindo-se cada momento nestas
como moral -, por um escrúpulo que inúmeras trajetórias como um ponto de
apareceu tão cedo, tão sem ser chamado, transição e uma abertura de decisão.
tão incontível, tão em contradição com
ambiente, idade, exemplo, procedência, Com efeito, pode-se compreender que
que eu quase teria o direito de denomina- o filósofo posiciona-se contra qualquer tipo
lo meu “a priori” – teve minha de busca pelo ideal, seja ele pautado pela
curiosidade assim como minha suspeita, religião, pelo racionalismo iluminista, pelo
de fazer alto, temporariamente, diante da paraíso socialista dentre outros. Isto porque
pergunta: quase origem tem propriamente esses ideais não possuem relação direta
nosso bom e mau.
com a realidade, sendo, desse modo, uma
Portanto, o filósofo questiona sobre a maneira de apoiar-se em mundos paralelos
interpretação histórica a respeito da que em nada se relaciona com o mundo da
moralidade, baseando-se no modo como a vida, e essa busca idealizadora, na qual a
ideia de “bom” e “mau” é interpretada e história poderia ser pré-determinada, faz
como essa interpretação pode influenciar a com que o homem prenda-se à história e a
formação do pensamento moral. Para ele, um pensamento que só enfraquece a vida e
só seria possível entender esses conceitos a tira dele o que as artes poderiam trazer, qual
partir do momento em que fosse possível seja, sua condição de reinvenção e
apoiar-se em uma visão que estivesse atrás reconstrução de valores, os quais passam
do mundo, ou seja, a partir de justamente pelo caráter transitório e não
interpretações não metafísicas da realidade. estático da história.
Assim, é por meio da interpretação histórica Essa relação entre a história idealista
e filológica que se torna possível questionar e a linguagem baseada no racionalismo
de modo mais consistente e coerente a platônico faz com que haja apenas um
respeito da origem dos conceitos de “bom” modo de pensamento e de enfretamento da
e “mau” e, depois de muito esforço, ter a vida; e tais concepções tornam o homem
condição de entender o porquê da origem prisioneiro e fazem com que a vida perca
dessas concepções. sua essência contraditória, seu caráter
Ademais, Nietzsche argumenta contra explosivo e mutatório, ou seja, sua beleza.
a história, uma vez que para ele os Com efeito, os signos, que serão
historiadores da moral não são dotados de totalmente arbitrários, criam representação
espíritos históricos, pois foram que são tomadas como inquestionáveis e
desamparados por todos os "bons espíritos” que predem o homem a apenas um modo de
que já passaram pela história, como descrito enxergar o mundo e entender a realidade
por Barros (20_?, p.264): como una intransitória. À vista disso,
Mendes (2009, p.4) apud Baudrillard (1991,
De modo geral, o pensamento de p.21) descrevem a função dos signos do
Nietzsche coloca-se contra qualquer tipo seguinte modo:
de “finalismo”. A ideia de que o mundo
histórico caminha para um fim pré- Os signos, em seus sucessivos processos
determinado – seja ele o paraíso da de representação da realidade, funcionam
Razão Iluminista ou a apoteose da como estratégias para encobrir a
redenção socialista – é estranha a este impossibilidade de se definir o real. As
pensamento filosófico para o qual a diversas representações utilizadas pelos
história é uma interminável e complexa homens serviram então para
transformação que sofre a ação de “salvaguardar o princípio de realidade”.
inúmeras forças em confronto e que se
redireciona contra o plano de fundo dos Com base no supracitado,
revezes de acasos e potências cegas, compreende-se que o homem utiliza-se dos
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signos para criar representações da criação difundida pelas religiões
realidade e consequentemente criar mundos monoteístas. Em outro livro, Vontade de
paralelos nos quais constroem sua própria Potência, (1881/2005, p.449), o autor o
realidade e apoiam-se nela para enfrentar as encerra descrevendo sua visão sobre o
adversidades da vida. No entanto, para mundo, e isso deixa claro o modo como ele
Nietzsche, contrariando essas imposições enxerga a vida e sua relação com direta
que tiram o que o ser humano tem de mais com a arte grega, principalmente ao deus
valioso: sua vontade de potência, existe Dionísio, principal símbolo daquilo que a
uma maneira de engrandecer a vida e torná- vida oferece de inconstante:
la plena e mais próxima da realidade: as
artes. E sabeis… o que é pra mim o mundo”?…
Para ele, as artes são a maneira mais Este mundo: uma monstruosidade de
genuína de despertar a verdadeira força, sem princípio, sem fim, uma firme,
potencialidade e força humana e, em seu brônzea grandeza de força… uma
economia sem despesas e perdas, mas
livro, O Nascimento da Tragédia
também sem acréscimos, ou
(1871/2005, p.19), descreve o modo como rendimento,… mas antes como força ao
interpreta as artes e sua importância para a mesmo tempo um e múltiplo,…
vida, como segue: eternamente mudando, eternamente
recorrentes… partindo do mais simples
Teremos ganhado muito a favor da ao mais múltiplo, do quieto, mais rígido,
ciência estética se chegarmos não apenas mais frio, ao mais ardente, mais
à intelecção lógica, mas à certeza selvagem, mais contraditório consigo
imediata da introvisão de que o contínuo mesmo, e depois outra vez… esse meu
desenvolvimento da arte está ligado à mundo dionisíaco do eternamente-criar-
duplicidade do “apolíneo” e do a-si-próprio, do eternamente-destruir-a-
“dionisíaco”, da mesma maneira como a si-próprio, sem alvo, sem vontade… Esse
procriação depende da dualidade dos mundo é a vontade de potência — e nada
sexos, em que a luta é incessante e onde além disso! E também vós próprios sois
intervém periódicas reconciliações. essa vontade de potência — e nada além
Tomamos estas denominações dos disso!”
gregos, que tornaram perceptíveis à
mente perspicaz os profundos Por conseguinte, esse é o modo pelo
ensinamentos secretos de sua visão da qual se compreende o que Nietzsche deseja
arte, não, a bem dizer, por meio de propor em sua filosofia: um mundo que se
conceitos, mas nas figuras de clareza baseia num racionalismo linear platônico,
penetrante de seu mundo dos deuses.
caracterizado por Nietzsche em “O
Nascimento da Tragédia” na figura do deus
Dessa forma, Nietzsche entende que a Apolo, em contraste com a mutabilidade
arte dos gregos era considerada verdadeira; dionisíaca, tira das pessoas a condição de
pois trazia como forma de interpretação interpretação ampla da vida e isso acarreta
uma ligação direta com o mundo da vida e consequências consideráveis em relação a
da realidade, uma vez que seus deuses ela; uma vez que um único modo de
possuíam características de imanência, ou interpretação existencial tira a possibilidade
seja, sempre existiram e fazem parte da de viver o presente e, de modo estoico, tudo
natureza e não estão fora dela. Desse modo, aquilo que ele pode oferecer.
de acordo com a arte grega, o mundo Por esse motivo, a linguagem seguiria
sempre existiu e esse fato reforça a ideia esse modelo linear e racional único de
das mudanças constantes, de finitude, de pensamento que, por consequência,
transição incontrolável que molda a moldaria o mundo de acordo com signos
existência; diferentemente da ideia da pré-determinados, ou seja, o mundo é uma
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interpretação desses signos que, em função função de sua natureza caótica e transitória.
de sua característica estática e imutável,
distancia-se da realidade tira dos humanos A linguagem na sociedade da Inteligência
sua vontade de vida, o que Espinosa Coletiva de Pierre Lévy
descreve como conatus.
Diante do exposto, pode-se entender O século XXI trouxe uma série de
que Nietzsche busca em sua produção desafios e formas de reorganização da
filosófica trazer uma nova interpretação a sociedade que fazem com que sejam
respeito do uso da linguagem na construção repensados alguns valores herdados dos
das sociedades. Essa construção seria séculos anteriores, nos, principalmente o
baseada em conceitos que não estariam XIX e XX, nos quais imperavam a
relacionados com a realidade, uma vez que industrialização do ocidente e a formação
a natureza da vida apoia-se justamente na do homem como especialista no manuseio
transitoriedade sendo assim, a de máquinas, ou seja, formavam-se
impossibilidade da relação direta em cidadãos com base na automatização e
palavra e objeto, como descrito por Santos pouco senso crítico, a atividade intelectual
(20_?, p.91): era limitada a uns poucos privilegiados.
Esse cenário começou a mudar com o
Para Nietzsche a verdade não passa de surgimento da revolução tecnológica e, por
ilusão. E essa ilusão nasce, em grande conseguinte, o surgimento da internet, pois
medida, do desejo humano de encontrar essas trouxeram uma nova perspectiva a
uma relação adequada entre a palavra e o respeito das relações humanas, com a
objeto. Entretanto, ele afirma em
aproximação global, mensagens
Considerações extemporâneas, § 26, que
o ser humano não possui domínio da instantâneas, fluxo constante de
palavra. A palavra é fugidia. Quando o informações dentre outros fatores.
homem pensa que dominou a palavra, ela Diante dessas mudanças, surge a
já fugiu do seu controle. Por causa disso necessidade de reflexão e de reorganização
o homem nunca domina a palavra e, por das relações humanas neste novo século e é
conseguinte, nunca possui a verdade. O o que o filósofo francês Pierre Lévy intenta
que o ser humano possui é uma crença analisar em sua filosofia, desenvolvendo o
sobre os objetos. conceito de Inteligência Coletiva.
Segundo o autor (1998/2015, p.26),
Portanto, pode-se concluir que Inteligência Coletiva é “uma inteligência
Nietzsche deixa claro sua posição a respeito distribuída por toda parte, incessantemente
daquilo que se configurou, através dos valorizada, coordenada em tempo real, que
séculos, como linguagem, e sua relação resulta em uma mobilização efetiva das
direta com a moral e as artes traz competências”.
consequências para a vida; posto que, se Desse modo, compreende-se que o
esses valores morais, impostos às pessoas principal desafio deste século é unir os
por aqueles que sempre possuíram o poder, saberes de modo que seja possível torná-los
não condizem de fato com a realidade de em um conhecimento coletivo, pois se as
um mundo denominado por ela como pessoas unirem suas competências
dionisíaco, no qual a arte e sua caraterística buscando a transformação de informações
de mudança constante e reinvenção da vida em conhecimento sólido e consistente
devem imperar, colocando a vida apoiada haverá, em decorrência disso, uma nova
em signos pré-estabelecidos e sem valor perspectiva a respeito do modo como as
algum e distante da realidade, não estando pessoas lidam com os desafios deste novo
de acordo com as características de século.
repensamento de valores, que ocorre em Contudo, com apenas quinze anos de
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século XXI, algumas indagações ainda p.49):
ecoam sobre como funciona essa
inteligência coletiva, a saber: qual é o As primeiras implicam a presença
processo pelo qual a sociedade das efetiva, o engajamento, a energia e a
informações deve passar para que esses sensibilidade do corpo para a produção
conhecimentos possam unir-se de forma de signos. [...] As segundas fixam e
coesa, a fim de que se possa estatuir um reproduzem mensagens a fim de
assegurar-lhes maior alcance, melhor
novo modo de interpretação e aplicação difusão no tempo e no espaço. [...] E as
desses novos conhecimentos? Como terceiras, autoriza a fabricação de
controlar o fluxo incessantemente dessas mensagens, sua modificação e mesmo a
informações para que seja possível interação com elas, átomo de informação
selecionar o que realmente deve ser levado por átomo de informação, bit por bit.
em consideração e tornar-se conhecimento
prático relevante para a sociedade? Portanto, é este o cenário apresentado
Com base nas questões supracitadas pelo filósofo sobre as informações, que se
quem Pierre Lévy em sua obra filosófica relacionam ao modo como o controle das
intenta despertar um novo olhar para os mensagens ocorre; e esses fatores produzem
desafios apresentados no século XXI. impactos diretos nas vidas das pessoas e no
Assim, este trabalho tem por objetivo modo como elas relacionam-se
também analisar o modo como o filósofo comunicanionalmente. Nas mensagens
francês aborda as informações, somáticas, por exemplo, tem-se a
comunicações, e, por consequência, a transmissão de informações por meio da
linguagem em seu trabalho intelectual, para fala, gestos e dança. Assim, sendo o
que se possa, posteriormente, relacionar as interlocutor o foco da mensagem, ele pode
interpretações dessas questões no século adapta-la e reajusta-la a suas intenções,
XXI com o proposto por Nietzsche e sua tornando, por conseguinte, o ato
filosofia da linguagem. comunicacional mais objetivo e direto.
Em contrapartida, as mensagens
A informação na era da Inteligência midiáticas possuem um alcance maior do
Coletiva que as somáticas, uma vez que podem ser
transmitidas por vários meios de
O fluxo de informações, que acontece comunicação, como TV, internet, rádio etc.
em escala global no século XXI como Contudo, essas mensagens não chegam ao
nunca dantes visto na história da público com a mesma originalidade das
humanidade, faz com que pensadores somáticas; pois quando chegam ao público
procurem compreender qual o impacto não possuem relação direta com o
dessas mudanças na sociedade em todas as interlocutor e o receptor da mensagem,
suas esferas possíveis. Assim, Pierre Lévy posto que essas passam por um processo de
trata o tema com especial atenção e busca intermediação e reorganização que faz com
uma reflexão acerca do papel das que as mensagens possam ser
informações, comunicações e linguagem no parafraseadas.
mundo atual. Segundo ele, no que tange às Por último, completando o círculo de
informações na sociedade globalizada do mensagens deste novo século, há as
século XXI, há três grupos de técnicas de mensagens digitais, que são caracterizadas
controle de mensagens que molda a pelo seu alto grau de flexibilidade,
maneira como as pessoas comunicam-se, diferentemente do que ocorre com as
que são: as somáticas, as midiáticas e as mensagens tradicionais; pois essas se
digitais. caracterizam por sua estabilidade,
De acordo com Lévy (1998/2015, consequentemente, por sua linearidade.
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Em vista disso, devido à revolução Em relação ao século XXI,
comunicacional que passa pela compreende-se que a sociedade
popularização da informática e internet; as informacional da inteligência coletiva
mensagens digitais começaram a ocupar relatada na filosofia de Lévy traz uma série
papeis cada vez mais relevantes na troca de de questionamentos e desperta, desse modo,
informações em um mundo globalizado. o repensar a linguagem e suas funções neste
Logo, em função de seu dinamismo e novo século que, como no final do século
flexibilidade de manuseio, as mensagens XIX, época vivida pelo filósofo alemão na
digitais tornam a comunicação mais qual um turbilhão de mudanças ocorria em
interativa e faz com que o alto fluxo de meio ao ápice da Revolução Industrial,
informações seja cada vez mais dinâmico, passa também por uma mudança de
impactando em várias áreas das relações paradigma e, por conseguinte, uma
humanas. mudança na função da linguagem em uma
Desse modo, Lévy aborda a sociedade na qual as mensagens são
comunicação no século XXI como a relação instantâneas e podem ser enviadas de
dinâmica entre as várias formas de trocas de qualquer lugar do mundo.
informações que são transmitidas por várias Esse, portanto, é o desafio pelo qual
técnicas de controle de mensagens que este trabalho procurará enveredar-se para
regem uma sociedade cada vez mais que seja possível realizar uma análise
dinâmica, que faz das comunicações um crítica a respeito do papel da linguagem;
instrumento de interação simultânea e contrapondo os séculos de mudanças
flexível. relevantes nos quais viveram Nietzsche e
Lévy; e o que o filósofo alemão anteviu
sobre o que ocorreria nos próximos dois
A relação entre a linguagem na filosofia séculos, não apenas no que refere-se à
nietzschiana e na inteligência coletiva de linguagem em todas as suas vertentes, mas
Lévy também as artes e a moral, posto que para
ele todas estão diretamente entrelaçadas em
Nietzsche sempre buscou em sua todas as esferas da realização social.
filosofia desconstruir valores já Primeiramente, dever-se-á
estabelecidos e demonstrar que esses contextualizar o cenário vivido por
valores podem ser incessantemente Nietzsche, em que a ciência despontava,
reavaliados e colocados em xeque quando principalmente em função do pensamento
necessário; uma vez que, desse modo, essa iluminista e da Revolução Industrial, como
transvaloração de todos os valores faz com o ponto de apoio da sociedade moderna,
que as ações humanas sejam reavaliadas e que antes era baseada no teocentrismo; e
novas ações sejam criadas. Assim, haverá essa mudança de paradigma trouxe desafios
um processo contínuo de reconstrução de que fizeram com que o pensamento tomasse
pensamento que aproxima o homem cada outra direção, pautado no ser mais racional,
vez mais da vida, traz a ele vontade de vida mais humanizado, responsável por suas
ou, como Nietzsche sempre citou em seus criações e autonomia intelectual.
trabalhos, sua vontade de potência. Ademais, sua crítica está direcionada
Assim, qual seria o papel da tanto para a religião quanto para a ciência,
linguagem na filosofia nietzschiana? Uma pois interpretava ambas como formas de
vez mais se entende que é por meio dela enfraquecimento humano: o homem
que se instauram valores universais continua buscando um ideal e o um sentido
imutáveis e se, esta não for repensada, nada transcendental para sua existência, o que
do que foi proposto por Nietzsche realizar- tiraria dos humanos o que Nietzsche
se-á. descreve como amor-fati, uma forma de
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retomada do pensamento estoico, no qual se pensamento, que ocorre por meio da
pregava apenas a vivência do presente, uma linguagem, eliminando seu amor pelo
vez que passado e futuro estavam fora da presente e pela vida, ou seja, o amor-fati.
vida e, portanto, fugiam à realidade. Em A Relacionando o dito pelo filósofo
Gaia Ciência, Nietzsche (1887/2012, p.276) alemão com o proposto por Lévy, entende-
apresenta sua definição de amor-fati, a se que a dinamicidade das trocas de
saber: informações correntes no século XXI
trouxe um novo modo de relacionamento
Quero cada vez mais aprender a ver comunicativo e afetivo entre as pessoas e
como belo aquilo que é necessário nas fez com que deixassem seu isolamento
coisas. Amor-fati [amor ao destino]: seja cartesiano para inserirem-se em um mundo
este, doravante, o meu amor! Não quero no qual há uma rede extensa de troca de
fazer guerra ao que é feio. Não quero informações. Neste mundo as pessoas têm
acusar, não quero nem mesmo acusar os
acesso aos pensamentos, sentimentos e
acusadores. Que minha única negação
seja desviar o olhar! E, tudo somado e em atividades cotidianas do outro; que ocorrem
suma: quero ser, algum dia, apenas por meio da incessante troca de mensagens,
alguém que diz Sim! e fazem com que o coletivo inteligente
sobreponha-se ao individual.
Mas o qual seria a relação do conceito Assim, essa troca coletiva de
de amor-fati com a linguagem e suas informações pode trazer tanto
implicações para a vida? Nietzsche consequências positivas quanto negativas
(1878/2005, p.20) intenta responder a essa sobre a maneira como essas pessoas lidam
questão em um trecho de seu livro Humano, com tais mudanças. Por exemplo, em
Demasiado Humano, em que o filósofo primeiro lugar, as pessoas podem
argumenta sobre o uso da linguagem e sua transformar essas informações em novo
função para o mundo: olhar a respeito do conhecimento, fazendo
com que construam um saber coletivo que
A importância da linguagem para o pode ajudar no desenvolvimento de novas
desenvolvimento da civilização reside no formas de construção do processo de
fato de que nela o homem colocou um aprendizagem, no qual os atores desse saber
mundo próprio ao lado do outro, posição coletivo interagem entre si repensando
que julgava bastante sólida para dali alguns conceitos, desconstruindo uns,
erguer o resto do mundo sobre os seus
reconstruindo outros, propondo novas
eixos e se tornar senhor do mundo.
formas de saber, possibilitando a criação de
Desse modo, relacionando as duas ferramentas que possam tornar o
questões supracitadas, compreende-se o conhecimento em algo mais sólido e útil
poder que a linguagem tem para tirar da para aquela comunidade.
vida sua energia vital, e isso ocorre devido Em contrapartida, estas trocas
ao fato de que quanto mais o homem a desenfreadas de informações podem fazer
utiliza para dar suas próprias significações com que as pessoas vivam apenas em
ao mundo, nomeando tudo de acordo com mundos paralelos e, por conseguinte, não
seus próprios interesses e juízos de valor, consigam transformar esse fluxo de
ele, por conseguinte, elimina o único informações em um saber coletivo, pois
elemento que rege sua existência, a saber: o pode não conseguir distinguir entre o real e
presente. o virtual. Buscando uma relação com o
Logo, tudo o que o homem faz proposto pela filosofia nietzschiana, o que
apoiando-se em signos linguísticos cujos para ele fez com que a linguagem ficasse
valores já foram há muito ultrapassados, distante da realidade é o fato de que, em
limita sua capacidade de reinvenção do função da criação de mundos paralelos, o
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homem não conseguisse interpretar tal comunicação, as quais as pessoas estão
realidade como ela se apresenta e, expostas, como fonte inquestionável da
consequentemente, apoiasse-se nessa verdade, ou essa criação pode estar
realidade paralela escondida atrás desse relacionada a uma falta de controle,
mundo de representações apoiada em direcionamento e orientação no que diz
signos arbitrários e vazios de sentido. respeito ao fluxo dessas informações; visto
Assim, pode-se levantar a questão em que elas podem levar a várias direções e a
relação ao uso de modos de comunicação nenhuma ao mesmo tempo, ou seja, essa
que fujam da proposta da construção do nova criação de valores da linguagem no
saber coletivo e coloquem as pessoas em século XXI pode estar baseada em fontes
realidades paralelas nas quais, embora não criteriosas para a busca de sua
estejam comunicando-se com o mundo veracidade o que, consequentemente, tira
instantaneamente, não podem não criar mais uma vez da vida sua relação direta
novas formas de tornar as informações em com o real.
comunicação efetiva e, por conseguinte, em Lévy (1998/2015, p.138) também
novos conhecimentos. descreve o papel dos signos e suas relações
Portanto, em épocas de mudanças de entre o que é arbitrário e o que é real, a
paradigmas, como as vividas tanto no saber:
século XIX quanto no século XXI, criam-se
também novos desafios no que concerne a Essa transcendência do signo instaura um
questões essenciais entre as relações regime de ausência ou, pelo menos, um
humanas que, como tratado neste trabalho, universo fulgurante de mortos-vivos em
criam a necessidade de uma revisão que os signos e coisas perseguem sem
jamais atingir a plena presença do ser.
constante a respeito dessas relações, uma Com efeito, a coisa está ausente, ela nos
vez que suas consequências para a vida escapa; pois só a aprendemos mediante
prática estão diretamente ligadas ao modo seu nome, seu conceito, sua imagem, sue
como o ser humano lida tais mudanças e percepção, sempre signos. A coisa só
desafios. aparece aqui sob a forma neutra, pálida e
Entende-se, portanto, que em um sem vida de seu representante. Não é
mudo no qual as linguagens passam por mais que seu inacessível “referente”. A
transformações profundas e, por coisa em si é transcendente. Quanto ao
conseguinte, o modo como as pessoas as signo propriamente dito, ele está
utilizam, faz-se necessária a relação entre o presente, mas sem possuir, é claro, a
proposto por Nietzsche (1889/1999, p.10) dignidade ontológica e a imanência da
coisa terrestre. É um ser menor. Imposto
sobre ao uso da linguagem como
pela lei, transcendente, isolado pela seiva
instrumento de escravidão e limitação da que se eleva da Terra, está, por sua vez,
vida real, como citado em um trecho da ausente. Como constatara Lacan, o
Genealogia da Moral: regime do corte semiótico instaura a
castração.
A rebelião escrava na moral começa
quando o próprio ressentimento se torna
criador e gera valores. […] Enquanto À vista disso, o filósofo francês
toda moral nobre nasce de um triunfante também faz uma ponte entre o que os
Sim a si mesma, já de início a moral Não signos representam e o que é real; realçando
a um fora, um outro, um não-eu – e este a ideia de transcendência que se situa para
não é seu ato criador”
além daqueles. Novamente, relacionando o
citado por Lévy com o proposto por
Essa criação de valores a qual ele se Nietzsche, entende-se que ambos estão de
refere pode ser compreendida hoje como a acordo a respeito do papel diminuidor de
aceitação das diversas formas de
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potência que a linguagem e os signos É, portanto, contra o pensamento
podem trazer à tona, criando desse modo dualizado platônico, o cristianismo, o
um mundo paralelo, distante de qualquer socialismo e qualquer outro tipo de utopia
realidade que possa ser apresentada pela que ele trava uma batalha, isso porque
vida em todas as suas possibilidades, que se acreditava que essas formas de pensamento
reflete em um processo de devir constante eram fragmentadas e separavam o homem
e, por essa razão, não pode fazer com que do todo, apoiando-se sempre em ideias que
as pessoas interpretem o mundo de apenas traziam consequências consideráveis para a
um modo. Essa interpretação passa pelo vida; pois sua função é limitar a capacidade
crivo escravatório da linguagem e dos de pensamento, tirar o presente e a única
signos, caso não passe por um processo de realidade possuída pelo homem, reduzir sua
mudanças e reavaliações constantes das vontade de potência e, consequentemente,
formas como a linguagem pode apresentar- enfraquecer as artes, essas que embelezam a
se e estabelecer-se. vida.
Em relação ao proposto por Pierre
A relação entre a linguagem no século Lévy a respeito das artes, um conceito
XXI e as artes trazido à tona por ele deve ser
primeiramente compreendido, a saber: a
A filosofia nietzschiana sempre se ideia do Ciberespaço.
pautou na relação entre a linguagem e a Esta ideia é definida por Lévy
moral e suas consequências nas relações (1998/2015, p.102) do seguinte modo:
entre as pessoas com o mundo. Ademais, o
filósofo alemão também tratou a arte como Ciberespaço: palavra de origem
objeto de observação e reflexão filosófica; americana, empregada pela primeira vez
pois é nela em que o homem apoia-se para pelo autor de ficção William Gibson, em
lidar com a contraditoriedade na qual sua 1984, no romance Neuromancien. O
ciberespaço designa ali o universo das
existência está permeada, e é nas artes,
redes digitais como lugar de encontros e
entenda-se que para ele arte é todo tipo de de aventuras, terreno de conflitos
atividade humana que tenha a capacidade mundiais, nova fronteira econômica e
de elevar sua vontade de potência, que o cultural.
homem desperta todo o seu potencial de
aproximação da vida e, por conseguinte, Dessa maneira, compreende-se que o
une-se ao transitório, à finitude, ao devir e à ciberespaço traz consigo uma série de
vida em toda a sua plenitude. novas possibilidades de relação entre as
Em vista disso, é apoiado nesse pessoas, essas que podem ocorrer em tempo
conceito que o filósofo alemão traz a ideia real e globalmente, e tais quebras de
do super-homem, como descrito em Assim barreiras criam novos paradigmas acerca do
Falou Zaratustra (1881/2011, p.13), “Eu modo como essas relações estão ocorrendo
vos ensino o super-homem. O homem é bem como quais são suas implicações para
algo que deve ser superado”. “Que fizestes o modo como as pessoas tratam as artes e a
para superá-lo?” comunicação. Pois as mudanças constantes
O que Nietzsche tenta trazer nesta trazidas por esse novo espaço podem mudar
parte do livro é uma provocação; é um a percepção dada ao que se considera arte.
desafio àqueles que estão presos a uma vida Portanto, entende-se que as mudanças
baseada na metafísica, àqueles que trazidas pelas novas tecnologias fazem com
disfarçam a realidade criando mundos que as sociedades do ciberespaço integrem-
paralelos os quais nem mesmo eles sabem se a elas, pois, dada a dinamicidade dos
se poderão algum dia ser habitados, tanto espaços midiáticos, faz-se necessário o
no plano terrestre quanto no celestial. desenvolvimento de novos modos de
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interpretação e relação com as artes nesse a entrega do produto artístico passem por
novo espaço. O autor (1998/2015, p.105) um processo de reorganização. A ideia é a
chama atenção para a necessidade de de que esses novos caminhos da arte
criação de novas artes que ocorrem em possam experimentar a inovação; estando
função de tais mudanças, a saber: abertos ao que esse ambiente emergente
pode oferecer em todas as suas modalidades
Há alguns séculos, pelo menos, o fenômeno do fazer artístico.
artístico apresenta-se no Ocidente mais ou A relação entre o proposto por
menos da seguinte forma: uma pessoa (o
artista) assina um objeto ou mensagem
Nietzsche e Lévy sobre as artes situa-se no
particular (a obra), que outras pessoas (os fato de que em ambos os pensamentos
destinatários, o público, os críticos) filosóficos as artes continuam exercendo
percebem, experimentam, leem, interpretam, um papel de transcendência na sociedade,
avaliam. Quaisquer que sejam a função da posto que o pensador alemão sempre
obra (religiosa, decorativa, subversiva...) e
sua capacidade de transcender toda função
procurou deixar claro em seus escritos a
em direção ao núcleo de enigma e de emoção importância do caráter transitório da arte. A
que habita em nós, ele se inscreve em um diferença agora é que, em uma sociedade
esquema de comunicação clássica. O emissor que hoje está apoiada em um saber coletivo,
e o receptor diferenciam-se nitidamente, e esse caráter transitório tão defendido por
seus papeis são perfeitamente designados.
Ora, o ambiente tecnocultural emergente
Nietzsche pode ganhar novos contornos,
suscita o desenvolvimento de novas espécies pois esse novo ambiente de mudanças
de arte, ignorando a separação entre emissão constantes pode trazer consigo o ponto de
e recepção, composição e interpretação. partida para o desenvolvimento do
Trata-se apenas de um possível aberto pela pensamento que possa transitar sobre vários
mutação em andamento, possível que poderia
muito bem não se realizar jamais, ou só
campos do conhecimento, apoiando-se nas
parcialmente. Visamos, antes de qualquer trocas de informações ocorridas em tempo
coisa, impedir que ele se feche demasiado real.
cedo, sem ter desenvolvido a variedade de Esse novo paradigma pode também
suas riquezas. Essa nova forma de arte faz trazer consigo, em função do modo como
experimentar o que justamente não é mais um
público de outras modalidades de
serão interpretadas as artes baseadas na
comunicação e criação. inteligência coletiva, uma nova perspectiva
em relação ao uso de linguagem, uma vez
Em vista disso, Lévy busca na que os desafios trazidos pelos ambientes
descrição supracitada trazer à tona um novo tecnoculturais poderá fazer despertar nas
modo de interpretar as artes com base nas pessoas cada vez mais a busca pela criação
mudanças ocorridas em um ambiente que do pensamento explosivo, integrando-se às
ele denomina que tecnocultural, ou seja, as mudanças incessantes trazidas por esse
tecnologias já fazem partes do processo de fluxo contínuo de informações e troca de
identificação e formação cultural, trazendo conhecimento.
consigo novos desafios no que diz respeito No entanto, deve-se ressaltar que as
à forma como a sociedade informatizada do perspectivas supracitadas estão sendo
século XXI pode relacionar-se com elas. colocadas no plano das possibilidades; nas
Esse novo espaço tecnocultural traz quais foram comparadas as propostas
consigo uma série de desafios no que diz realizadas por ambos os filósofos em seus
respeito ao modo como as artes são respectivos contextos temporais e sociais a
produzidas hoje, isso porque a respeito do uso de linguagem e por
dinamicidade nas trocas de informações consequência dos conceitos de moral e arte.
trazidas pela tecnologia faz com que as Assim, deve-se entender que o conceito de
artes tenham de adaptar-se elas; fazendo inteligência coletiva, ciberespaço, bem
com que o desenvolvimento, a divulgação e como a democratização dos meios de
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comunicação ainda são casos recentes e, transformações constantes, no qual as
portanto, é importante compreender que pessoas devem integrar-se a tais mudanças
apenas o tempo poderá ou não transformar de maneira flexível e dinâmica para que
essas possibilidades em realidade e a assim não fique de fora desse processo e
interpretação realizada aqui possa de fato esteja em consonância com ele o mais
concretizar-se ou não. rápido possível, é necessário estar ciente de
À vista disso, o que se pretendeu que quanto mais houver a busca em direção
realizar neste trabalho foi uma análise a uma sociedade que esteja pautada em
crítico-reflexiva acerca dos caminhos da saberes coletivos e construção de
linguagem na sociedade da inteligência conhecimentos sólidos trazidos por essas
coletiva proposta por Pierre Lévy com o mudanças, mais será possível a integração e
proposto pelo filósofo alemão Friederich compreensão desses novos desafios trazidos
Nietzsche, atentando-se ao fato de que pela sociedade da informação e da
tantos as artes como a moral possuem inteligência coletiva do século XXI.
relação direta com ela; visto que os três Portanto, faz-se necessária a
conceitos coexistem entre si e estão constante reflexão a respeito do modo como
intrinsicamente ligados, exercendo grande a linguagem está sendo utilizada na
influência e consequências uns sobre os sociedade informacional do século XXI,
outros. Por essa razão, que neste trabalho realizando-se um paralelo com o proposto
tentou-se analisar, incessantemente, a por Nietzsche e sua filosofia da linguagem,
linguagem em consonância com as artes e a que consiste na utilização desta, como
moral e suas implicações para a vida. elemento de dominação e escravização da
vida em nome de valores superiores e
Conclusão niilistas, tendo como objetivo a destruição
da própria vida no que diz respeito à sua
Este trabalho teve como objetivo total potencialidade de transvalorização de
analisar criticamente a relação entre a valores.
linguagem e suas implicações na moral e Com efeito, a busca pela utilização da
nas artes de acordo com o proposto pelo linguagem em um mundo dinâmico, no qual
filósofo e filólogo alemão Friederich a troca instantânea de mensagens pode,
Nietzsche, no século XIX, e suas tanto fazer com o que a inteligência coletiva
consequências para a sociedade da torne-se o elemento-chave para o
inteligência coletiva; conceito desenvolvido desenvolvimento dessa em direção a
pelo filósofo francês Pierre Lévy no final caminhos de busca de conhecimentos
do século XX. consistentes e trocas de experiências que
Após a comparação entre o proposto enriqueçam a vida; em detrimento de sua
pelos dois filósofos em relação à linguagem utilização banal, bem como a falta de senso
em seus respectivos séculos e contextos, e crítico em relação a busca e seleção de
suas implicações diretas nas artes e na informações, que podem levar a equívocos
moral, concluiu-se que, em ambos os e transformar essa nova forma de
séculos, as mudanças de paradigmas linguagem, como proposto pelo filósofo
trouxeram consigo desafios a respeito do alemão, em escravizadora da vida, criando
modo como deve-se utilizar a linguagem realidades paralelas e, por conseguinte,
em suas relações cotidianas e como o uso enfraquecendo a vida e tudo que ela pode
de aspectos específicos da linguagem pode abranger.
trazer consequências consideráveis para a
vida prática. Referências
Com base no supracitado, BARROS, José D’Assunção. Nietzsche e
compreende-se que em um ambiente de
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