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A DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS DO MERCOSUL SOBRE

PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS E SUAS


PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES NO DIREITO BRASILEIRO

THE DECLARATION OF PRINCIPLES ON MERCOSUR


INTERNATIONAL REFUGEE PROTECTION AND MAIN
IMPLICATIONS IN THE BRAZILIAN LAW

PAULO EDSON RIBEIRO1

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo apresentar e discutir as principais implicações
da Declaração de Princípios do Mercosul sobre Proteção Internacional dos Refugiados na
prática brasileira voltada à proteção das pessoas que buscam refúgio no território brasileiro.

Palavras-Chave: Direito Internacional dos Direitos Humanos; Direito Internacional dos


Refugiados; Declaração de Princípios do Mercosul sobre Proteção Internacional dos
Refugiados.

Abstract: This paper aims to present and discuss the main implications of the Mercosur
Declaration of Principles on International Protection of Refugees in Brazilian practice focused
on the protection of persons seeking asylum in Brazil.

Key-Words: International human rights; International Refugee Law; Declaration of


Principles of Mercosur on International Protection of Refugees.

Introdução

A proteção dos refugiados no contexto latino-americano - desde o seu surgimento - é


permeada pelas mais diversas peculiaridades culminando em vários diplomas internacionais
que ampliam a proteção dos refugiados nesse contexto e servem como base para as demais
proteções regionais. Nesse passo, Declaração de Princípios do Mercosul sobre a Proteção
Internacional dos Refugiados vem contribuir para essa evolução no âmbito do Mercosul
exercendo uma pressão para que o Brasil observe novos parâmetros na sua proteção às
pessoas que buscam refúgio.

Desenvolvimento

1
Pós-graduando em Direito Internacional e Econômico pela Universidade Estadual de Londrina. Advogado.
O Direito Internacional dos Refugiados é marcado pelas mais diversas políticas de
proteção, conceitos e definições sobre as pessoas que são consideradas refugiadas, ainda que
após a Segunda Guerra Mundial, sob a égide do Sistema ONU - mais especificamente dentro
do Alto Comissariado das Nações Unidas sobre os Refugiados (ACNUR) que foi criado em
1950 – os Estados tenderam a observar o teor das convenções sobre refugiados deste sistema
para basearem suas legislações, bem como implementar suas políticas de proteção. Nesse
contexto de heterogeneidade normativa, que é típica da sociedade internacional, destaca-se a
evolução do conceito de refugiado no contexto latino-americano, uma vez que este também se
reveste de especificidades e, atualmente, exerce uma pressão para a modernização da
legislação brasileira sobre o tema.
Diante da proposta do trabalho, é importante esclarecer dois pontos fundamentais: 1)
Qual a interpretação do instituto do refúgio no contexto latino-americano e; 2) Qual a
interpretação do instituo do refúgio no Brasil.
No contexto latino-americano, diante das peculiaridades do continente, o instituto do
asilo adquiriu características próprias (FISCHEL DE ANDRADE, 1996, p.19), influenciando
o surgimento do instituto do refúgio nessa região. Assim, em 23 de janeiro de 1889, foi
celebrado o Tratado sobre Direito Penal Internacional, versando - entre outras matérias –
sobre o asilo, delitos políticos e extradição.
Contudo, somente em 1984 com a Declaração de Cartagena sobre os Refugiados, em
sua terceira conclusão, ante os movimentos de refugiados causados pela crise na América
Central nos anos 80 (GOODWIN, 2007, p. 38), a definição de refugiado é ampliada, trazendo
então, novos elementos que influenciariam os novos diplomas sobre o tema do refúgio. Na
Convenção ora citada, a terceira conclusão assim versa:
“Terceira - Reiterar que, face à experiência adquirida pela afluência em massa de
refugiados na América Central, se toma necessário encarar a extensão do conceito de
refugiado tendo em conta, no que é pertinente, e de acordo com as características da
situação existente na região, o previsto na Convenção da OUA (artigo 1., parágrafo
2) e a doutrina utilizada nos relatórios da Comissão Interamericana dos Direitos
Humanos. Deste modo, a definição ou o conceito de refugiado recomendável para
sua utilização na região é o que, além de conter os elementos da Convenção de 1951
e do Protocolo de 1967, considere também como refugiados as pessoas que tenham
fugido dos seus países porque a sua vida, segurança ou liberdade tenham sido
ameaçadas pela violência generalizada, a agressão estrangeira, os conflitos internos,
a violação maciça dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham
perturbado gravemente a ordem pública”.

Nesse passo, a Declaração de Princípios do Mercosul sobre Proteção Internacional


dos Refugiados seguiu a evolução trazida pela de Cartagena, postulando que os Estados-parte
deverão observar esta terceira conclusão.
No contexto brasileiro, a proteção dos refugiados se inicia com a assinatura da
Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 (o Brasil ratificou a referida Convenção
em 1961 e seu Protocolo adicional – que é de 1967 – em 1972) e com a missão do ACNUR
em 1977, que acabou limitada pelo contexto político (ALMEIDA, 2001, p.156-157).
Todavia, somente com a Lei 9.474/97, oriunda dos trabalhos do Programa Nacional
de Direitos Humanos e de representantes do ACNUR, o Brasil, efetivamente, passou a ter
uma política séria sobre os problemas dos refugiados.
No teor da Lei 9.474/97:
Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião,
nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de
nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência
habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias
descritas no inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a
deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

De acordo com a citada Convenção de 1951, no seu art. 1°, refugiado será qualquer
pessoa:
Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1° de janeiro de 1951
e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social
ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode
ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não
tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual ou
em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não
quer voltar a ele.

Analisando o teor do artigo 1° da Lei em comento, verifica-se que a legislação


brasileira praticamente repetiu o texto da Convenção de 1951 (JUBILUT, 2007, p.190).
Contudo, o texto apresenta uma importante inovação no seu inciso III – nascido do clamor da
sociedade civil durante a tramitação do projeto de Lei – (BARRETO, 2010, p.154), que é a
possibilidade de concessão de refúgio ante um cenário de grave violação de direitos humanos.
Após estas considerações, passemos analisar as implicações da Declaração de
Princípios do Mercosul sobre a Proteção Internacional dos Refugiados no Direito Brasileiro.
A primeira implicação é a necessidade de uma modernização do artigo 1° da lei
9.474/97 para que esta se torne compatível por completo com a terceira conclusão da
Declaração de Cartagena sobre os Refugiados, uma vez que a sua evolução frente a
Convenção de 1951 ainda não é suficiente para responder de maneira satisfatória os valores
pactuados na Declaração de Princípios do Mercosul sobre a Proteção Internacional dos
Refugiados. Ainda, ao criar um tratamento uniforme dentro do Mercosul sobre os problemas
dos refugiados, possibilitaria num futuro o fortalecimento de políticas de circulação de
pessoas, bem como a possibilidade de responsabilizar o Estado no âmbito do Mercosul pela
violação de direitos humanos.
Ainda, a Declaração de Princípios do Mercosul sobre a Proteção Internacional dos
Refugiados determina que os Estados-parte deverão buscar atender situações não previstas
nos instrumentos internacionais de proteção internacional dos Refugiados. Dessa forma, os
Estados-parte deverão buscar formas de ampliar o âmbito de proteção dos refugiados, como já
afirmado, modernizando suas legislações.
Outra consequência importante e, inevitável, é a uniformização do procedimento e
dos critérios para admissão dos refugiados nos países pertencentes ao Mercosul. No Brasil, o
Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) é quem recebe as solicitações de refúgio.
Este é um organismo pertencente ao Ministério da Justiça, ou seja, quem acaba dando a última
palavra sobre o pedido de refúgio, em caso de recurso, é o Ministro da Justiça (O STF,
inclusive, considera esta decisão irrecorrível), tornando a decisão revestida de caráter político,
o que leva um cenário onde os Estados partindo dos mesmos critérios para concessão de
refúgio, podem ter decisões diferentes sobre o pedido ao considerarem questões políticas,
tornando a uniformização legislativa inócua.
Uma outra implicação é em relação a gama de direitos. A Declaração de Princípios
do Mercosul sobre a Proteção Internacional dos Refugiados garante que os refugiados deverão
gozar dos mesmos direitos que os estrangeiros residentes no país. Contudo, numa futura
evolução da integração entre os países, poderá ocorrer um fluxo de refugiados que foram
reconhecidos em outros países pra o território onde conseguirem melhores direitos, o que, ao
invés de fortalecer os mecanismos de proteção regional dos refugiados, acabará criando um
fluxo no sentido do país onde lhes forem mais benéficos.

Conclusão

Diante do exposto conclui-se que, apesar das mudanças no contexto latino-americanos sobre
as definições e âmbitos de proteção dos refugiados, bem como sua evolução em um sentido
normalmente considerado generoso, o teor da Declaração de Princípios do Mercosul sobre a
Proteção Internacional dos Refugiados exige, não só do Brasil, uma evolução no tratamento
das questões relacionadas ao Direito Internacional dos Refugiados.

Referências:
ARAÚJO, Nádia de; ALMEIDA, Guilherme de Assis (Coords). O Direito Internacional dos
Refugiados: Uma Perspectiva Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira. Breves comentários à Lei Brasileira sobre Refúgio.
In: Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas.
BARRETO, Luiz Paulo Teles Ferreira (org). Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010.
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos
Humanos, Volume I. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003.
FISCHEL DE ANDRADE, J. H. Direito Internacional dos Refugiados – Evolução Histórica
(1921 -1952). Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
GOODWIN-GILL, Guy; McADAM, Jane. The Refugee In International Law. New York:
Oxford University Press, 2007, 3° ed.
JUBILUT, L.L. “O Direito Internacional dos Refugiados e sua Aplicação no Ordenamento
Jurídico Brasileiro”. São Paulo: Método, 2007.

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